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Joana Angélica da Costa. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação

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ASPECTOS EDUCATIVOS DO ESTUDO DA FILOSOFIA DOS DOZE PASSOS - UM OLHAR SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DE COORDENADORES DOS GRUPOS

DE ALCÓOLICOS ANÔNIMOS – AA DO BRASIL E DE PORTUGAL

Joana Angélica da Costa

Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação

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Aos grupos de Alcoólicos Anônimos, essa valiosa irmandade que com 81 anos de existência, espalhados em mais de 170 países, tem salvado mais de dois milhões de alcoolatras em todo o mundo.

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Um trabalho de investigação como este, onde há um percurso a se trilhar, descobrimos rapidamente que apesar de ele se construir a partir de nós, esses nós, carregam muitos. Não há como agradecer a esses muitos, porque eles estão espalhados tantos no Brasil como em Portugal. No entanto pediria a esses muitos, a permissão para aqui fazer alguns poucos e especiais agradecimentos:

Agradecer ao mestre da simplicidade, o médico, psiquiatra Luis Teixeira Neto, responsável pela instituição Vila Serena no Ceará - Nordeste do Brasil, que dá suporte aos dependetentes químicos. O ser humano que mais me ensinou sobre o cuidado, sobre o afeto, a coragem, a força do trabalho com humildade e simplicidade e que tanto contribuiu para que esta investigação aqui chegasse.

A Doutora Maria do Carmo Vieira da Silva, minha professora, minha mestra, minha orientadora. Seu exemplo diário de coerência e beleza na prática docente, bem como seu encorajamento, seriedade e comprometimento, me animam a alma e me faz ter esperança. Agradecer a valiosa contribuição prática do Dr. Hyérides Macedo, para que eu pudesse estar aqui em Lisboa e realizar o referido trabalho.

Meu agradecimento a AAFEC - Associação de Aposentados Fazendários do Estado do Ceará, instituição onde pude desenvolver vários projetos de arte e que, de forma significativa, contribui para que eu pudesse realizar esse trabalho investigativo.

Meu muito obrigada.

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DE ALCÓOLICOS ANÔNIMOS – AA DO BRASIL E DE PORTUGAL

RESUMO

O trabalho investigativo que se apresenta lança o olhar para os aspectos educativos do estudo em grupo da filosofia dos Doze Passos, nas salas de Alcóolicos Anônimos - AA, na perspectiva dos coordenadores dos referidos grupos no Brasil e em Portugal. A fim de trazer conhecimento sobre as questões referentes a dependência química, em especial o alcoolismo, trouxemos a lume a sua problemática, bem como as estratégias de ajuda desenvolvidas pelos grupos do AA, sob o roteiro de estudo do programa dos Doze Passos, elaborado pela própria irmandade, assim como as dinâmicas e os processos educativos aplicados nos referidos grupos. Nos debruçamos, em seguida, nas estratégias de educação em saúde, o que nos trouxe a atenção para a educação do sujeito. Articulamos com quatro teóricos que nos ofereceram subsídios valiosos para a referida prática, como Feuerstein (1994), Dewey (1959), Freire (1996) e Makarenko (1975). Em seguida empreendemos um estudo empírico entrevistando coordenadores dos grupos de AA no Brasil e em Portugal, e fizemos o levantamento das impressões dos mesmos quanto aos aspectos educativos existentes nas dinâmicas das salas de AA. Os resultados desse estudo apontaram não só para o valor do conteúdo em si mas, especialmente, para o modo de os trabalhar, lançando um olhar atento aos sujeitos do processo. Questões referentes ao valor das narrativas em sala, o não protagonismo dos que conduzem o grupo de estudo, a auto-gestão e a autonomia ficaram patentes, trazendo uma reflexão valiosa, a ser feita por todos aqueles que transitam em cenários educativos diversos.

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EDUCATIONAL ASPECTS OF THE STUDY OF PHILOSOPHY OF THE TWELVE STEPS - A LOOK ON THE ENGINEERS OF EXPERIENCES OF GROUPS

ALCOHOLICS ANONYMOUS - AA BRAZIL AND PORTUGAL

ABSTRACT

The investigative work that presents itself launches look at the educational aspects of the study in the philosophy of the group of the Twelve Steps, in the rooms of Alcoholics Anonymous - AA in view of the groups coordinators in Brazil and Portugal. In order to bring knowledge about the issues of substance abuse, particularly alcoholism, brought to light their problems as well as help strategies developed by AA groups in the study guide of the Twelve Step program, prepared by own brotherhood, as well as the dynamics and educational processes applied in these groups. We worked through and then in health education strategies, which brought our attention to the education of the subject. We articulated with four theoretical who offer us valuable information to that practice, as Feuerstein (1994), Dewey (1959), Freire (1996) and Makarenko (1975). Then we undertake an empirical study interviewing coordinators of AA groups in Brazil and Portugal and do the survey of impressions of the coordinators as to the educational aspects existing in the dynamics of AA rooms. The results of this study show not only to the value of content, but especially for the way of working them, casting a closer look at the subject of the process. Issues relating to value of room in narratives, lack of leadership of conducting the study group, self-management and autonomy were patents, bringing a valuable reflection, to be made by all those who move in different educational settings.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO...01

CAPÍTULO 1- DEPENDÊNCIA QUÍMICA...07

1.1- A problemática da dependência química e os grupos de Alcóolicos Anônimos...07

1.2- Os Doze Passos nos grupos de Alcoólicos Anônimos - AA...12

1.3- Roteiro e processo pedagógico aplicado a cada um dos Doze Passos...17

1.4- Dinâmicas e processos educativos nas salas de Alcóolicos Anônimos- AA...24

CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO DO SUJEITO...35

2.1- Educação em Saúde...35

2.2- Teóricos inspiradores da prática educativa nas salas de Alcóolicos Anônimos-AA..37

2.3- Educação mediada na perspectiva de Reuven Feuerstein...44

2.4- Democracia e Liberdade de Jonh Dewey na prática do estudo dos Doze Passos...49

2.5- Paulo Freire - A autonomia ao serviço da liberdade de escolha, na prática pedagógica...55

2.6- Anton Makarenko: o coletivo como pedra fundamental...58

2.7- Educação do Sujeito e Formação Humana...60

SÍNTESE GERAL...64

CAPÍTULO 3 - ESTUDO EMPÍRICO...65

3.1- Preâmbulo...65

3.2- Metodologia da pesquisa...65

3.3 - Participantes do estudo...66

3.3.1- Informantes chave...67

3.3.2- Coordenadores de grupo de estudo nas salas de Alcóolicos Anônimos- AA...70

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SÍNTESE GERAL...87

CAPÍTULO 4 – CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES...88 BIBLIOGRAFIA...92 ANEXOS

A- Guião de entrevistas

B- Transcrição das entrevistas dos portugueses C- Transcrição das entrevistas dos brasileiros D- Tabela de dados dos entrevistados portugueses E- Tabela de dados dos entrevistados brasileiros F- Símbolo dos Alcóolicos Anônimos- AA

G- Fotos de publicações dos Alcóolicos Anônimos – AA H- Termo de autorização para citação em trabalho científico

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Glossário de Siglas

AA - Alcóolicos Anônimos NA- Narcóticos Anônimos

OMS- Organização Mundial da Saúde AABR- Alcóolicos Anônimos do Brasil EAM- Experiência de Aprendizagem Mediada JUNAAB- Junta de Serviços Gerais de AA do Brasil CID- Código Internacional de Doenças

PORDATA- Base de Dados Portugal Contemporâneo IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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INTRODUÇÃO

A Dependência Química assim como o diabetes e a hipertensão são consideradas pela Organização Mundial da Saúde - OMS como uma doença crônica, não havendo ainda cura e sim controle, sendo importante para isso que o paciente aprenda a conviver com ela e a controlá-la através de determinadas atitudes.

O trabalho a ser feito com esses pacientes está intimamente relacionado com a educação, já que geralmente o controle só de forma medicamentosa tem se mostrado insuficiente. Nesses casos se faz necessário instigar e promover uma mudança de estilo de vida e isso é alcançado através de um processo educativo. O que se faz nesse momento é educação em saúde. Por esse motivo o trabalho proposto procura se debruçar sobre a referida questão e, em especial, a questão da Dependência Química e o seu controle através do estudo em grupo da filosofia dos Doze Passos, sugerida pela irmandade dos Alcóolicos Anônimos1 - AA. A referida i r m a n d a d e , c o m o s e d e s i g n a m , são um exemplo de controle através da educação em saúde, ainda não superada por nenhuma outra intervenção, haja visto prêmios e reconhecimentos recebidos.

Diante desse quadro é imprescindível investigar a fim de identificar quais os aspectos educativos e características pedagógicas que são usadas na prática do referido estudo dos Doze Passos, que faz com que s tenham resultados tão exitosos e por tanto tempo e como podemos a partir da referida investigação sugerir, aplicabilidade em outros cenários similares, em especial em salas de aulas.

Com a finalidade de compreender como este processo de aprendizagem se faz, investigámos os atores que estão intimamente ligados à referida prática, que são os coordenadores de grupo nas salas de Alcóolicos Anônimos - AA, onde o estudo se faz. Investigámos, igualmente, os aspectos educativos, significados e importância atribuídos por esses coordenadores, nas suas experiências e práticas diárias nas salas de AA no Brasil e em Portugal.

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Centrámos a atenção em alguns valiosos educadores e suas perspectivas pedagógicas que, nós entendemos, oferecem subsídios teóricos para a referida prática, independente de terem desenvolvido as suas teorias antes ou depois do programa dos Doze Passo se apresentar como é. A educação em saúde a serviço da educação do sujeito. Por fim procurámos apresentar as questões, baseadas na referida pesquisa que possam vir a contribuir com e outros cenários educativos.

Como Pedagoga e Pós-graduada em Arte-educação e com formação em

Arteterapia assumimos, em 2011, o desafio a convite do amigo Luís Teixeira Neto, renomado médico do Estado do Ceará, no nordeste do Brasil, com experiência na área de suporte ao dependente químico e sua família, para que nós viéssemos a implantar um grupo de arteterapia na comunidade terapêutica Vila Serena, do qual ele era gestor. A referida comunidade se dedica a dar suporte e acompanhamento ao tratamento dos dependentes químicos que lá estão em sistema de internação.

Foi em contato com a realidade dos dependentes químicos em tratamento que iniciamos o trabalho de realizar dois encontros por semana, onde a arteeducação e a arteterapia cumpririam um papel fundamental no tratamento multidisciplinar no adoecimento de dependência química. Foram três anos de intenso e valioso trabalho, onde pudemos então tomar conhecimento do Modelo Minnesota2, bem como do estudo dos Doze Passos e, com ele como norteador, pudemos desenvolver todo o nosso trabalho durante esse tempo.

O roteiro para desenvolver o trabalho foi seguido através do estudo sistematizado dos Doze Passos e foi o debruçar no referido estudo, que nos ampliou e possibilitou a compreensão sobre a educação em saúde e nos motivou a empreender o estudo que agora se apresenta. Como pode um modelo de estudo sistematizado, seguindo um roteiro de Doze Passos, dar conta de forma tão eficaz e por tanto tempo do adoecimento de dependência química em detrimento de tantos anos de investimento medicamentoso e psicoterápico? O

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Modelo desenvolvido no Estado do Minnesota, onde integram membros do AA, em recuperação, que atuavam como conselheiros combinando a psicoterapia humanista, a psicoterapia comportamental e a psicoterapia baseada na confrontação da realidade. O primeiro modelo de tratamento da dependência química a assumir uma base estruturada nos preceitos dos Doze Passos e a fazer uso, paralelamente, de uma abordagem e equipe multidisciplinar, onde pacientes e profissionais colaboram conjuntamente na definição do seu tratamento.

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que esse modelo educativo tinha de tão valioso para suprir finalmente a grande lacuna que fazia com que se enchessem as alas psiquiátricas dos hospitais?

Durante o processo de construção do referido trabalho na comunidade terapêutica, foi possível observar o aspecto educativo de forma evidente, pois a condução do trabalho em grupo, lançava à atenção para o modo de perceber a vida. Ali se apresentava uma educação do sujeito na sua dimensão moral, onde a atenção estava voltada para sua dimensão humana de forma holística. Mais do que o estudo dos Doze Passos, logo ficou patente que o modo de o apresentar e aplicá-lo estava também extremamente alinhado com a sua textualidade. Seria então de grande valia, investigar a forma de conduzir e estudar os referidos passos.

A educação se apresentava nesse contexto como uma questão social e não apenas de natureza pedagógica, ficando patente a perspectiva socioeducativa durante o processo. A aprendizagem advinda do estudo dos Doze Passos é muito mais moral que cognitiva e se estende desde a quem funciona no primeiro momento como estudantes do roteiro, aos que exercem o papel de coordenar o grupo de estudo, trabalhando mesmo que de forma empírica com mediação.

A partir das experiências na comunidade terapêutica Vila Serena, conforme explicitado acima, cremos ficar patente o valor da educação no processo de controle da doença da dependência química, utilizando como norteador o estudo sistemático e em grupo dos Doze Passos. Acreditamos, portanto, ser de grande relevância, a investigação do referido tema no que se refere aos seus aspectos educativos, a fim de descobrir que especificidades podemos aplicar e ampliar em outros cenários.

Diante da problemática da dependência química e sua dimensão social, bem como

seus desdobramentos na área da saúde física, mental e emocional em grande escala e sem considerável controle por parte das políticas públicas em saúde, surgem inúmeras tentativas de intervenção sem êxito. A busca por saídas que viessem a ter significativos resultados, fizeram com que dois alcóolatras se reunissem em busca de um suporte para o adoecimento que enfrentavam.

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Em 1935 foi criado o primeiro grupo autônimo nos Estados Unidos América, com a proposta de criar uma comunidade de entreajuda para apoiar os que sofrem com o alcoolismo. Nascia os Alcoólicos Anônimos - AA, que se difundiram por todo o globo, numa clara indicação de que a dimensão puramente medicamentosa não estava dando conta da problemática que se apresentava. Tornava-se necessário uma abordagem multidisciplinar nesses casos. A educação em saúde ali se apresentava como uma dimensão que fez a real diferença, tendo em vista os 81 anos de trabalho respeitado que os grupos de AA têm desenvolvidos em todo o mundo até aos dias de hoje.

No que se refere aos grupos de Alcoólicos Anônimos, o mesmo é constituído por mais de 90 mil grupos locais, em 175 países e com o número estimado de mais de dois milhões de membros (Mota, 2006). Cada grupo realiza reuniões regulares, nas quais os membros relatam entre si as suas experiências, tendo como norteador o Modelo Minnesota s o b a f i l o s o f i a dos Doze Passos. A ideia da reunião se funda na necessidade e importância de estar entre os “iguais”, os únicos capazes de compreender verdadeiramente a problemática da dependência do álcool é um alcoólatra. O que acontece nesse momento é o trabalho d e educação em saúde nas relações dentro da irmandade do AA e com a comunidade fora dela.

O trabalho proposto procura se debruçar sobre a referida questão e em especial, questão da dependência química e o seu controle através do estudo sistematizado dos Doze Passos, aplicados nos grupos de autoajuda sugerida pelo AA. O referido estudo tem se mostrado como um valioso exemplo de controle través da educação em saúde, ainda não superada por nenhuma outra intervenção.

A dimensão e o valor dos referidos grupos têm um alcance tão grande que, na literatura de AA (2004), é referenciado o reconhecimento dado pelo Prêmio Lasker3 em 1951 aos Alcoólicos Anônimos, em um claro reconhecimento da contribuição da irmandade para as políticas públicas em saúde. Uma parte do texto diz o seguinte:

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O prêmio Lasker (em inglês: Lasker Award) é concedido deste 1946 a pessoas que realizam contribuições significativas à medicina, ou que realizaram serviços públicos notórios em medicina.É concedido pela Lasker Foundation, fundada por Albert Lasker e sua esposa Mary Woodward Lasker. Os prêmios são denominados “Prêmios Nobel da América”. Setenta e seis premiados com o Lanker Award receberam também o Prêmio Nobel.

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A Associação Americana de Saúde pública atribui aos Alcoólicos Anónimos, a título coletivo, o Prêmio Lasker para 1951, em reconhecimento da sua abordagem única e altamente eficaz desse problema secular de saúde pública e social, que é o alcoolismo...Ao evidenciar que o alcoolismo é uma doença, o estigma social associado a esta condição está a desaparecer...Talvez um dia os historiadores venham a reconhecer que os Alcoólicos Anónimos representaram uma obra pioneira no seu campo, ao criarem um novo instrumento de ação social, uma nova terapia baseada na afinidade do sofrimento comum, e que encerra um enorme potencial para a solução de milhares de outros padecimentos da humanidade (p.328).

Diante desse quadro é imprescindível investigar que estratégias e quais os aspectos pedagógicos existentes no referido estudo que fazem com que eles tenham resultados tão exitosos. De igual importância, lançar luz sobre as particularidades pedagógicas a partir da perspectiva dos coordenadores de grupo de AA, quando da práxis do estudo em grupo da filosofia dos Doze Passos, sugerida pela irmandade dos Alcoólicos Anônimos - AA, para o controle da doença do alcoolismo. Para tanto, constituem-se assim, objetivos deste trabalho:

- Identificar os aspectos educativos e particularidades do estudo sistematizado da filosofia dos Doze Passos, que fazem com que o processo de construção do conhecimento aplicado pelo referido estudo se mantenha por tanto tempo e de forma tão eficaz na perspectiva dos coordenadores das salas de estudo do AA.

- Recolher informações e dados q u e se t êm apresentado como mola propulsora para as experiências e x i t o s a s sobre o trabalho dos grupos de Alcóolicos Anônimos - AA, através do depoimento dos coordenadores das reuniões de grupo dos Alcoólicos Anônimos, no Brasil e em Portugal.

- Identificar que teóricos da educação oferecem suporte teórico a prática do estudo dos Doze Passos, mesmo que de forma empírica, a fim de poder apontar os aspectos relevantes e sua aplicabilidade em outros cenários pedagógicos.

Esta investigação é uma pesquisa qualitativa que utilizou como método para a coleta de dados a entrevista. Foram entrevistados um total de dez coordenadores do

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estudo da filosofia dos Doze Passos nas salas de Alcoólicos Anônimos, sendo cinco do Brasil e cinco de Portugal.

A referida entrevista foi dividia em três blocos de perguntas, onde a atenção esteve voltada para o perfil dos coordenadores, como cada um sente, entende e percebe a sua função, bem como que importância e especificidades que os mesmos atribuem ao estudo em grupo dos Doze Passos.

O trabalho aqui apresentado está estruturado em quatro capítulos. O primeiro diz respeito a dependência química, sua problemática, os grupos de Alcoólicos Anônimos, a prática dos Doze Passos nos grupos de Alcoólicos Anônimos, um roteiro detalhado de cada um dos Doze Passos e sua relação com as práticas pedagógicas vigentes e os teóricos da educação que o subsidiam e, finalmente, a dinâmica e os processos educativos nas salas de Alcoólicos Anônimos.

O segundo capítulo se debruça sobre a educação do sujeito trazendo a atenção para a educação em saúde, teóricos inspiradores a prática educativa nas salas de Alcoólicos Anônimos, com atenção voltada para quatro grandes teóricos que entendemos estão de mãos dadas com a dinâmica educativa que acontece nos grupos anônimos como: a educação mediada de Feuerstein, a democracia e a liberdade preconizada por Dewey, a autonomia e a criticidade ao serviço da liberdade de escolha de Freire e Makarenko com a educação do coletivo e a assembleia de turma. Por fim, ainda nesse capítulo, nos debruçamos sobre a educação do sujeito e a formação humana.

No terceiro capítulo apresentamos o nosso estudo empírico, onde está descrito o processo de investigação da pesquisa com as entrevistas, a metodologia usada, os participantes do estudo, considerações sobre o levantamento dos dados e de cada entrevista, bem como a análise e discussão dos dados. No quarto e último capítulo trazemos as nossas conclusões e recomendações acerca do tema.

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CAPÍTULO 1- DEPENDÊNCIA QUÍMICA

No referido capítulo, nos debruçaremos sobre a problemática da dependência

química, a questão do adoecimento e as diversas intervenções a respeito. A questão dos grupos de alcóolicos anônimos, juntamente com a programação dos Doze Passos e seu estudo em grupo. Nos debruçaremos sobre cada um dos Doze Passos em uma análise detalhada da forma de condução pedagógica e os teóricos que entendemos oferecem suporte a referida prática. Por fim apresentaremos como funciona a dinâmica e o processo educativo dentro das salas de AA, juntamente com algumas contribuições de autores que se debruçaram sobre o tema e que consideramos de valia trazer à tona.

1.1- A problemática da Dependência Química e os Grupos de Alcoólicos Anônimos

Em 1966, conforme relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS, no Código Internacional de Doenças- CID 10, a dependência química é reconhecida como uma doença social grave, sendo a terceira doença que mais mata no mundo, é progressiva e fatal, não há cura e sim controle, trazendo danos não só a quem é portador da doença, mas também aos que estão vinculados ao dependente ou mesmo ao seu redor.

Semelhante a declaração da OMS, no folheto informativo publicado pelo AA, o alcoolismo é definido como uma doença que se manifesta na maneira incontrolada de beber da vítima. É uma doença progressiva que leva a loucura e a morte prematura. É incurável e mesmo depois de muitos anos sem beber, o indivíduo não poderá voltar a beber normalmente, pois logo estará bebendo mais do que nunca. O alcoolismo embora não tenha cura, pode ser detido a sua marcha e para que não volte a beber é necessária uma mudança na personalidade do doente.

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O adoecimento do alcoolismo passa por três fases bem distintas e progressivas que diz respeito:

- Fase inicial (10 a 15 anos): começa bebendo socialmente, mais tarde habitualmente e depois descontroladamente. Faz promessas para si e para os outros que vai se controlar. Acredita que bebe só quando quer e que para quando quiser. Experimenta os primeiros “apagamentos”, momentos de amnésia e não lembra o que fez na noite anterior.

- Fase intermediária (dura aproximadamente 5 anos): mente toda hora para esconder o fato e passa a beber onde não o conhecem, perde a fome e come irregularmente. Anda sempre nervoso, agitado e deprimido. Sempre culpa os outros por seu estado. Começa então a parar de beber, mas acaba sempre voltando e com mais força.

- Fase final (que termina em loucura, morte ou no desejo sincero de se recuperar): sua vida se torna intolerável com a bebida e impossível sem ela. Começam as internações em hospitais e sanatórios. Ao sair desintoxicado, entra no primeiro bar para tomar uma só e sai de lá bêbado. Perde o emprego, passa a depender da família, torna-se rebelde e agressivo, perdendo totalmente o sentido de responsabilidade

O alcoólatra é uma pessoa cuja maneira de beber causa um contínuo e crescente conflito em qualquer aspecto de sua vida. Quando o depende químico toma conhecimento e consciência de que a sua problemática diz respeito a uma doença e não um desvio de caráter, a problemática toma outros contornos, bem como a forma de tratar a mesma. Parsons (1979) salienta:

Ao doente não podem ser imputadas culpas relativamente à sua condição. Isto é, não é uma condição que dependa da sua própria vontade. Contudo, o doente deve ser responsabilizado pelo empenho em recuperar do seu problema. É sua obrigação procurar e aceitar ajuda para recuperar seu problema (pp.140-141).

Portanto, como já foi dito anteriormente, o diabetes e a hipertensão, a dependência química foram consideradas pela Organização Mundial da Saúde - OMS como uma doença crônica, não havendo ainda cura e sim controle, por isso sendo importante que o paciente aprenda a conviver com ela e a controlá-la através de

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determinadas atitudes. O trabalho a ser feito com esses pacientes está intimamente relacionado com a educação, já que geralmente o controle só de forma medicamentosa é insuficiente. Nesses casos se faz necessário instigar e promover uma mudança de estilo de vida. Isso é alcançado através de um processo educativo. O que se faz nesse momento é educação em saúde.

Em 1935, a partir das experiências empíricas de dois alcoólicos desenganados pelos médicos, Bill Wilson (Willian Griffith Wilson) e Dr. Bob Smith (Dr. Robert Smith), surge o primeiro grupo autônimo nos Estados Unidos América, com a proposta de criar uma comunidade de entreajuda para apoiar os que sofrem com o alcoolismo. Nascia os Alcóolicos Anônimos - AA, que se difundiram por todo o globo, onde o principal objetivo é a recuperação do membro que dela faz parte. Uma clara indicação que a dimensão puramente medicamentosa e/ou psicoterápica, não estava dando conta da problemática que se apresentava, com um grande número de alcoólicos que enchiam as alas psiquiátricas dos hospitais e manicômios. Fazia-se necessário uma abordagem multidisciplinar nesses casos.

A proposta dentro da referida abordagem multidisciplinar traz a atenção para a educação em saúde e se apresenta como uma dimensão, que fez a real diferença, haja vista atualmente já contar com 81 anos de trabalho respeitado que os grupos de AA, tem desenvolvidos em todo o mundo.

A compulsão e o vício tornaram-se a “revolução cognitiva” da modernidade, uma alternativa ao vazio interior característico do homem moderno. Daí surge inúmeras associações humanitárias de autoajuda como fala Oliveira (2001, p.138, apud Mota, 2004). O autor destaca ainda que concomitante à problemática das drogas surge como resposta o vazio existencial e em s e g u i d a , as comunidades de cooperação como os grupos de autoajuda.

No que se refere aos grupos de Alcóolicos Anônimos, o mesmo é constituído por mais de 90 mil grupos locais em 175 países. (Mota, 2006). Cada grupo realiza reuniões regulares, nas quais os membros relatam entre si suas experiências, tendo como norteador a filosofia e o r o t e i r o d o s D o z e P assos, sugeridos para o trabalho d e educação para a saúde nas relações dentro da Irmandade e com a comunidade de fora dela. Nos grupos não

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existem líderes, a participação é voluntária, não há regras formais e obrigações e sim sugestões, não há pagamento de nenhuma quantia ou qualquer formulário de inscrição. No preâmbulo da publicação de Alcoólicos Anônimos (2004), a associação é assim definida:

Alcoólicos Anônimos é uma comunidade de homens e mulheres que partilham entre si a sua experiência, força e esperança para resolverem o seu problema comum e ajudarem outros a se recuperarem do alcoolismo. O Único requisito para ser membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de AA não é necessário pagar taxas de admissão nem quotas. Somos autossuficientes pelas nossas próprias contribuições. AA não está ligado a nenhuma seita, religião, instituição política ou organização: não se envolve em qualquer controvérsia, não subscreve nem combate qualquer causa. O nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade (p.4).

Importante destacar a questão do anonimato dentro da irmandade e como essa ferramenta se torna valiosa para o processo de reconstrução humana. Quanto ao anonimato destaca Frois (2009); “são eliminadas as distinções pessoais” (p.93), fator importante para que as referidas distinções não interfiram no processo de aprendizagem. Nesse caso é possível haver uma uniformização do discurso e das práticas. Não há ali distinção econômica, intelectual, política etc. O adoecimento é democrático, a todos alcança sem distinção, a dor (nas devidas proporções) é a mesma e o desejo de parar também.

Resende (2000) fala de uma problemática que, por sua vez, formulou um esquema tríade que é composto por: droga - indivíduo - meio; e os mesmos devem ser objeto de análise quanto a sua relação e à dependência química. Paixão (1995) apresentou quatro modelos de estudo; o modelo Jurídico/Moral que diz respeito a: o Médico; o Psicossocial; o Sociocultural e o Religioso. Destacamos aqui para o referido projeto o modelo Sociocultural. No modelo Sociocultural a ênfase é dada no contexto e no ambiente, elementos esses que são vistas também como razões dos desvios ou não do processo de aprendizagem. Nesse modelo os grupos de AA desempenham o seu papel.

Na abordagem sociocultural, há a utilização de atividades grupais que visam estabelecer um ambiente terapêutico (socioterapia), onde a ênfase recai sobre os

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processos de socialização e na manipulação deste, a exemplo das comunidades terapêuticas e dos grupos de AA. Um fator importante diz respeito a quem conduz os grupos de estudo, que deve ser sempre um dependente químico em recuperação, já que não consideram existir um ex - dependente químico.

Na Inglaterra há variações desta técnica desenvolvida conforme destaca Jones (1943), onde a equipe pode e deve ser dirigida apenas por dependentes químicos em recuperação. O autor do referido artigo considera difícil fazer uma avaliação científica da efetividade da metodologia dos Doze Passos, porém, diz não poder deixar de considerar a sua relevância social, em um cenário onde os modelos terapêuticos têm oferecido avanços modestos e resultados poucos encorajadores. Acredita o autor ser importante que se façam das irmandades dos Alcóolicos Anônimos - AA, bem como dos Narcóticos Anônimos - NA, objetos de pesquisas.

Mota (2004) fala sobre o cenário atual e a importância da ajuda mútua quando cita o clássico estudo de Durkheim sobre suicídio no século 19. Ele adverte que as grandes elevações das mortes voluntárias estão relacionadas com um estado de crise e perturbação atual, cujo prolongamento pode ser perigoso. O autor também cita Giddens, quando diz que a nossa segurança foi afetada em várias áreas ligadas à afetividade.

Segundo White (2004), em 2002 foi registrado cerca de 20 mil grupos atuando

em 100 países. Atualmente os norte-americanos procuram mais esses grupos que os serviços psiquiátricos especializados, refere Samhsa (2003). Cerca da metade dos indivíduos com problemas de alcoolismo nos Estados Unidos, buscam os Alcóolicos Anônimos, antes de qualquer recurso terapêutico afirma Room (1998).

De acordo com Habermas (1989), os grupos de estudos dos Doze Passos, baseiam- se na premissa que rejeitam hierarquia rígidas e objetivam um modelo de agir orientado para o entendimento mútuo. Utilizando uma terapia leiga na qual a experiência de vida ocupa o lugar central na recuperação de seus integrantes, tais grupos então desafiam a perícia médica.

Mota (2003) compara os Alcóolicos Anônimos a um movimento de auto identidade emprestado pelo conceito de Self-Identity de Giddens. Estima que cerca de 3

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milhões de pessoas no mundo inteiro estejam se recuperando através do programa dos Doze Passos em diferentes grupos. O autor destaca que nesses grupos há o des envol vimento da autonomia e um espaço discursivo, também destaca o perfil do trabalho em grupo onde os membros dos Alcoólicos Anônimos - AA e também os Narcóticos Anônimos - NA não “governam”, “servem”.

O estímulo dentro do processo educativo é de cooperação e não competição. Existe a postura da crença na capacidade de cada um em se recuperar, e que o mesmo não está sozinho no seu processo de aprendizagem. Existe uma relação mediada das coisas, e uma conduta de consciência coletiva de grupo e o princípio da cooperação de Peter Tropotkin4. A linguagem é direta e objetiva, sem imposições e sim com sugestões, essa é a tônica do processo educativo.

Frois (2009) no que se refere ao início dos grupos de AA em Portugal: “A associação de Alcoólicos Anônimos é a mais antiga das associações de Doze Passos existente em Portugal, sendo o ano de 1972 a data da existência do primeiro grupo existente em Lisboa” (p.42).

No Brasil, o Alcoólicos Anônimos Brasil – AABR5, em seu websites apresenta registros documentado no livro de registros do grupo em que a data oficial de fundação do primeiro grupo de AA, se deu no Rio de Janeiro em 05 de setembro de 1947.

Importante destacar que mesmo sendo o Brasil um país mais jovem que Portugal o mesmo implantou o referido programa vinte e cinco anos antes que Portugal viesse a implantar o seu.

1.2 - Os Doze Passos nos grupos de Alcoólicos Anônimos

Em 1939, percebendo o valor das práticas, a princípio de forma extremamente empírica, desenvolvidas por eles, o Dr.Bill Wilson (Willian Griffith Wilson) e Dr. Bob Smith (Dr. Robert Smith), ambos publicaram a práxis que o ajudaram a manter-se sóbrios

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Geógrafo, escritor e ativista político russo, considerado pai do “educacionismo” do século dezoito. Defendia que somente educando um povo intelectual e moralmente esse se emancipa.

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por esses anos, eles, e a um pequeno grupo que contava com cerca de vinte deles. A publicação trazia um roteiro de Doze Passos do qual acreditavam que qualquer pessoa que o seguisse conseguiria o mesmo e embora a referida publicação tivesse sido iniciada pelos referidos autores, a mesma trazia depoimentos e história de vida de vários alcóolatras, de forma que se definiu como autoria do livro o grupo de AA.

O referido roteiro é considerado um programa de recuperação e reformulação de conceitos de vida, conhecidos também como um grupo de princípios espirituais na sua natureza, que se praticados como modo de vida podem contribuir por afastar a compulsão pela bebida de forma a tornar o indivíduo íntegro, feliz e útil. Embora não haja um controle formal ou regras quanto ao estudo e a práticas dos Doze Passos, há no discurso do grupo de que, quem trabalha diariamente o programa6, é capaz de ter um novo modo de vida tão almejada como destaca Frois (2006).

O estudo do roteiro dos Doze Passos é conhecido como um Abordagem evolucionária e multidisciplinar de recuperação para os que sofrem com a dependência química. O referido modelo traz também em seu bojo uma abordagem humanista com intervenção psicológica e educativa. Tal abordagem surge com a finalidade de apresentar uma saída para as ações puramente medicamentosas ou psicológicas que se mostravam ineficientes no tratamento e suporte dos que sofrem, no primeiro momento com a doença do alcoolismo.

Os Doze Passos é um programa para ajudar o dependente químico a mudar comportamentos que estão na gênesis das questões humanas que causam desequilíbrio, através do estudo sistematizado e em grupo, que podem acontecer nas reuniões de Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Comunidades Terapêuticas etc. Os Doze Passos são descritos e enumerados da seguinte forma:1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas; 2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade; 3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos;4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos; 5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata

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de nossas falhas; 6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter; 7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições; 8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados; 9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem;10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente;11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade; 12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades. Os Doze Passos trazem em seu bojo um forte elemento espiritual não religioso, onde a concepção um Deus se apresenta da forma como cada um O entende e vê. Essa característica particular de não impor forma nenhuma de compreensão das coisas como a questão da espiritualidade, deixa claro a postura respeitosa, livre e democrática que existe nesses grupos. Valiosa ferramenta que contribui significativamente para que os membros que lá frequentem, permaneçam com um sentimento de pertencimento e autonomia quanto a forma de pensar frente aos assuntos tratados.

Os dependentes químicos são encorajados a praticar os Doze Passos e a frequentar as reuniões. Importante perceber que os passos têm uma linguagem simples e acessíveis a todos os níveis culturais, são numerados indicando um processo e não um momento de cura, aborda princípios fundamentais, incluindo a espiritualidade. Importante salientar que quando se referem a questão da espiritualidade, diz respeito a tudo aquilo que sentimos que existe, mas não percebemos diretamente ou percebemos mais que entendemos. Religião pode ou não expressar ou imprimir espiritualidade. Outro ponto valioso é que há grupos dos Doze Passos no mundo todo, o mais recende dado publicado pela JUNAAB7 conta com cerca de 97 mil grupos, espalhados em 150 países, podendo assim o dependente químico onde estiver a obter ajuda.

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Assim como os Doze Passos, os Alcóolicos Anônimos, criaram para suporte e orientação das ações nos grupos as Doze Tradições, as mesmas norteiam a dinâmica e os processos dos grupos. Aqui as referidas orientações não mais se destinam aos indivíduos, como os Doze Passos e sim ao coletivo. As orientações abaixo especificadas têm como objetivo manter a unidade e a uniformidade, trazer orientação quanto ao funcionamento e constituição dos grupos. São eles: 1. Nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar; a reabilitação individual depende da unidade de A.A; 2. Somente uma autoridade preside, em última análise, o nosso propósito comum - um Deus amantíssimo que Se manifesta em nossa consciência coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; não têm poderes para governar; 3. Para ser membro de A.A., o único requisito é o desejo de parar de beber; 4. Cada Grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos ou a A.A em seu conjunto; 5. Cada grupo é animado de um único propósito primordial - o de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre; 6. Nenhum grupo de A.A, deverá jamais sancionar, financiar ou emprestar o nome de A.A, a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos afastem de nosso propósito primordial; 7. Todos os grupos de A.A, deverão ser absolutamente autossuficientes, rejeitando quaisquer doações de fora; 8. Alcoólicos Anônimos deverá manter-se sempre não profissional, embora nossos centros de serviços possam contratar funcionários especializados; 9. A.A jamais deverá organizar-se como tal; podemos, porém, criar juntas ou comitês de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços; 10. Alcoólicos Anônimos não opinam sobre questões alheias à Irmandade; portanto, o nome de A.A, jamais deverá aparecer em controvérsias públicas; 11. Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal na imprensa, no rádio e em filmes; 12. O anonimato é o alicerce espiritual das nossas Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.

Como os próprios membros afirmam, os Doze Passos e as Doze Tradições são um conjunto de linhas orientadoras tanto para cada membro individualmente, como para a associação enquanto coletivo.

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Frois (2009) cita que a dimensão e o alcance do programa dos Doze Passos e das Doze Tradições, ultrapassaram as fronteiras dos grupos de Alcóolicos Anônimos e foram responsáveis por diversos outros grupos de autoajuda. Nesses outros grupos, o que se vê são pequenas variações adequadas a outras problemáticas que não a dependência do álcool e por isso com nomenclaturas diferentes, se referindo a outras patologias emocionais e sociais, no entanto sem alterar o cerne e a filosofia dos Doze Passos, como uma clara amostragem do alcance das ramificações que deles se fizeram.

A autora ainda apresenta um quadro onde é possível conhecer vinte seis novos grupos anônimos que fazem uso do roteiro doa Doze Passos, destacando que o mesmo não encerra o número total de novos grupos anônimos, apresentando somente uma amostra do que foi recolhida entres os anos de 2003 a 2007, mas sem dúvida uma valiosa indicação da importância do programa dos Doze Passos (p.37).

Frois (2009) aponta sete aspectos organizacionais que considera como principais nas associações de Doze Passos:

01- Assentam num modelo de participação igualitária, marcada pela ausência de controle formal e de líderes; 02- O funcionamento quer dos grupos (através das Tradições)

quer da conduta do indivíduo (através do Passos) é feito através de sugestões, não tendo um caráter vinculativo a que todos tenham de corresponder de igual modo;

03- A participação voluntária, autônoma e independente de membro, não há sujeição relativamente à pertença, não há filiação, não existem pagamentos e as contribuições são entendidas como donativos;

04- Os membros podem decidir quando frequentam, quando não frequentam, podem abandonar por completo a associação, ficando o seu critério regressar ou não;

05- Os grupos, reuniões ou encontros mais alargados (convenções, reuniões de serviços) são efêmeros no tempo, circunscritos a um espaço que tem múltiplas funcionalidades e que não é pertença física das associações.

06- A principal característica de qualquer associação de Doze Passos é a sua componente terapêutica direcionada para uma determinada patologia.

07- O elemento espiritual, na formulação “Deus conforme cada um O concebe”, obedece à mesma característica de

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não imposição e democratização de valores e perspectivas (pp.39 a 40)

As características acima apresentadas quantos a questão estrutural e organizacional, nos dá um valioso indício de como podemos nos beneficiar com o referido modelo em outros cenários.

1.3-Roteiro de condução do estudo, aplicado a cada um dos Doze Passos

Nos debruçaremos agora de forma pormenorizada a cada um dos Doze Passos e

seus desdobramentos quando da condução e estudo realizado em grupo pelos coordenadores, sob a orientação da literatura de suporte para o mesmo fim. As publicações “ Doze Passos e Doze Tradições” e Guia para Trabalhar os Passos de Narcóticos Anônimos”, dão uma visão da forma como é feito trabalho educativo com os referidos conteúdo.

Importante notar que toda a narrativa dos Doze Passos é escrita na primeira pessoa do plural “nós”, de forma a promover a unidade daquilo que todos têm em comum, ou seja a dependência química e a recuperação. No que se refere as perguntas que se desdobram quando da reflexão de cada passo, a pessoa do verbo muda e passa a ser usado a primeira pessoa do singular ”eu”, de modo que cada um se pergunte a si mesmo e com isso, o processo de comprometimento e respostas seja tão somente de responsabilidade de cada um que o responde. A unidade é apresentada e junto com ela o sentimento de pertença ao local e o assunto em questão, seguida da individualidade quando das perguntas onde o sentimento de comprometimento e responsabilidade é estimulado. Durante toda a nossa reflexão aqui detida aos Doze Passo, estaremos apresentando não só os passos, mas também as perguntas sugeridas, que acompanham os referidos passos e que com elas a compreensão da textualidade do mesmo se amplia.

A clareza da textualidade, seu tempo do verbo na sua narrativa e nas perguntas, a condução dos mesmos sendo apresentada de forma mediada por aqueles que coordenam o grupo, bem como o estímulo a pensar, são patentes durante todo o processo do estudo dos Doze Passos. Vejamos a seguir alguns exemplos para reflexão. Vale ressaltar que para que o indivíduo comece com o primeiro passo se faz necessário que ele esteja abstêmio.

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1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio

sobre nossas vidas. O primeiro passo é considerado a base do tratamento e consiste em um processo

de reflexão prévia. Cada membro que deseja fazer parte do grupo tem que, necessariamente, admitir a sua impotência diante do álcool. Somente àquele que reconhece que precisa de ajuda pode se abrir a ela. Somente àquele que reconhece sua ignorância sobre o assunto em questão pode se abrir a qualquer que seja o aprendizado. Nesse momento se inicia o processo educativo com reflexões acerca do tema, bem como o processo de aprender a aprender. Perguntas como: “Como me comporto quando estou obcecado por algo? Tenho culpado outras pessoas pelo meu comportamento? O que é a perda de controle significa para mim? ”, funcionam como mola propulsora na dinâmica educativa que se apresenta. Desencadeia a partir daí o processo de reflexão crítica tão bem fundamentada e descrita por Freire (1987) na sua pedagogia do oprimido, bem como a educação socrática quando visava a formação das consciências.

2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.

Esse é o primeiro passo que se relaciona a questão de um poder superior. Importante notar que o referido poder superior aqui não é designado com nenhuma nomenclatura em especifico. A ênfase é dada no que o poder superior pode fazer pelo alcoólatra, devolvendo a sanidade. A palavra esperança é trabalhada nesse passo, o que nos leva a Freire (1987), quando colocava que o tempo do medo já passou e que agora começava o tempo da esperança. Perguntas como: “em que tenho esperança hoje? Acreditei que poderia controlar meu uso? Tenho medo de vir a acreditar? Em que eu acredito? ”, são questionamentos novamente apresentados pelo coordenador em uma postura de mediação como preconiza Feuerstein (1980), com as ferramentas de EAM8, que detalharemos mais à frente.

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3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.

Nesse momento vemos o tempo e a ação na textualidade do verbo decidir, seguida da forma integralmente democrática quando se referem a “Deus, na forma em que O concebíamos”. A extraordinária expressão de liberdade e democracia tão bem defendida por Dewey (1959) aqui se apresenta. O poder superior passará a ser o que cada um entende como seu. Dentro da irmandade é comum se falar que o poder superior pode ser chamado de Deus, Jesus, a família, uma corrente filosófica, o grupo, a família, etc. Cada um toma para si o poder superior como O entende.

Um programa espiritual e não religioso, onde os ateus têm também seu lugar. Perguntas como: “Por que tomar uma decisão é o trabalho principal desse passo? Que áreas da minha vida é difícil entregar? Qual a minha compreensão de um poder maior do que eu mesmo, hoje? ”. Novamente se apresenta a brilhante condução sem respostas e sim um convite a cada um formular as suas a partir de uma mediação de intencionalidade e reciprocidade preconizada por Feuerstein (1980).

Na história das bases de fundamentação do AA está registrado a carta escrita por um dos fundadores da irmandade, o senhor Bill ao grande médico Carl Gustav Jung, datada de 23 de janeiro de 1961, que o faz lembrar o conselho do renomado médico a um alcoólatra amigo de Bill. O conselho dado por Jung que vinha tratando o referido amigo e que veio a ser posteriormente também cofundador de AA, foi que o mesmo buscasse uma experiência espiritual ou religiosa, em uma humilde e clara manifestação do quanto o tratamento por ele quer medicamentoso e psicoterápico não estava dando conta de todas as necessidades observada para o paciente. Esse conselho tornou-se a base para o programa espiritual do AA. Boff (2011) mais tarde, corrobora com o conselho de Jung, quando fala da necessidade de se ter uma experiência de espiritualidade, e do quanto é urgente a necessidade dessa experiência em virtude das situações dramáticas em que vivemos. O autor ainda destaca que essa espiritualidade não só se apresenta nas religiões, mas, nas buscas humanas, na vida, do trabalho, nos estudos.

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O inventário moral, o ato de refletir sobre si mesmo com coragem é uma das mais valiosas ações dentro do processo educativo dos membros de AA. Portasio (2008), destaca a história da educação nos primórdios da filosofia, quando imortalizando a frase: “Homem conhece a ti mesmo”, que teria sido elaborada por um dos sete sábios da Grécia antiga e estava esculpida no pórtico do Templo de Apolo em Delfos. O filósofo grego Sócrates (469 a.C - 399 a.C) já dizia: “a vida sem exame é indigna do homem”, e nesse mister, o inventário moral faz seu papel. Perguntas como: “O que significa para mim ser profundo e destemido? Tenho reservas em trabalhar esse passo? Quais os benefícios poderei obter, ao fazer um inventário moral destemido e minucioso de mim mesmo? ”

O referido inventário é sugerido que depois de feito, seja lido em voz alta para si mesmo. Novamente um convite a reflexão crítica, de autoexame, séria e comprometida, trazendo a atenção para a formação humana do sujeito.

5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.

O trabalho com o reconhecimento e admissão, bem como a avaliação das fragilidades é outro valioso ponto neste trabalho educativo conduzido pelos passos. Ser capaz de identificar e admitir as falhas e fragilidades é um grandioso passo que conduz além de um conhecimento de si mesmo, o conhecimento de onde se deve investir para o aprimoramento pessoal. Importante notar também que o assunto em questão, a fragilidade, deverá ser estudada, identificada e reconhecida em três estâncias: perante um poder superior, perante si mesmo e perante o outro, e nesse caso o outro é alguém que o membro de AA escolhe para ser seu ouvinte e a ele se dirige quase que como forma confessional e terapêutica apresentando suas fragilidades. O mundo de relação se abre assim como também a necessidade de saber lidar com ele.

O conhecimento se estende além dos muros da sala, um conhecimento sendo convidado a ser experiência como preconiza Dewey (1959), bem como a mediação de transcendência, sendo aplicada conforme Feuerstein (1980) e explicitada no capítulo sobre mediação do referido trabalho. Perguntas como: “ Que reservas tenho em trabalhar esse passo? Estarei pronto para confiar na pessoa que ouvirá o meu quinto passo? De que

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maneira a natureza exata das minhas falhas difere das minhas ações? ”, são ferramentas fundamentais nesse processo.

6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.

Após identificar padrões de comportamentos e fragilidades reconhecidas e explicitadas agora o convite é a estar inteiramente pronto a algo. A literatura sobre o guia para trabalhar os Doze Passos de NA, descreve quando diz de “estar confiante de que Deus da nossa compreensão, removerá o que for preciso”. Aqui o trabalho com a espiritualidade no sentido de o ser humano buscar sentido, valor e confiança em algo que não material como destaca Boff (2011) em sua obra sobre espiritualidade.

Perguntas como: “o que penso que será removido? O que posso fazer para mostrar que estou inteiramente pronto? De que maneira tenho tentado remover ou controlar meus próprios defeitos de caráter? Qual foi o resultado dessa tentativa? ” Importante notar que cada passo sempre é trabalhado de forma pormenorizada, detalhada. Vem da parte para o todo com o trabalho das perguntas que servem como condução do processo educativo de cada passo em questão.

7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.

Quando se referem ao sétimo passo, a literatura9 destaca a relação com os demais e que embora os passos sejam autônomos, guardam em si uma relação estreita. Assim acontece na textualidade do referido passo. A questão da humildade como uma atitude estimulada para o processo de construção humana relacionada com a possibilidade de estar livre das imperfeições e ignorâncias a respeito do aprisionamento que o adoecimento do alcoolismo e seus desdobramentos se apresentam aqui nesse momento. Perguntas como:

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“De que maneira a humildade influi na minha recuperação? Como se desenvolveu o meu relacionamento com o poder superior? Quais podem ser os benefícios de permitir que um poder superior influa na minha vida? ”. Esses questionamentos vão apontando caminhos que deverão aos poucos ser estudados e refletidos.

8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos caudado danos e dispusemo-nos a fazer reparação a todas elas.

Na literatura AA (2003) sobre os passos e as tradições, o grupo destaca que o referido passo está intimamente relacionado a questão das relações pessoais. Aprender a viver com outro. Necessidade de uma análise exaustiva do passado a fim de fazer a relação das pessoas das quais devem fazer as reparações. Aqui também o trabalho de identificação dos danos causados, o que pede do membro do grupo o trabalho com a reflexão, comparação e identificação dos referidos danos. Perguntas como: “Por que apenas modificar meu comportamento não é o suficiente para reparar o dano que causei? Estou hesitando em fazer o referido passo? Existem nomes que não acrescentei a minha lista? ” Percebe-se nitidamente o trabalho exaustivo de consciência em cada coisa a ser tratada. Também o trabalho com a pormenorização das coisas, o detalhamento e ao aprofundamento em tudo que se trata nas salas de AA, deixando claro o valor de não ser superficial em nada, nem tão pouco deixar nada sem ser claramente respondido e compreendido.

9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.

Este passo se apresenta como consequência do anterior. Uma clara indicação de reflexões sobre a prática do oitavo passo que traz junto com ele a atenção para a prudência e o cuidado na execução do mesmo. A questão da subjetividade das ações e suas consequências é resultado de um trabalho de estudo das ações. Perguntas como: “De que forma o trabalho com os oito passos anteriores me preparou para trabalhar o nono passo? O que significa fazer reparações? Como deve ser feito as reparações? O que temo quanto a fazer reparações? Devo reparações que poderiam trazer sérias consequências? ” Todo esse

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roteiro de perguntas são um suporte ao entendimento da prática de cada passo. A questão do bom senso é elemento a ser considerado mesmo que de difícil mensuração, o que nos leva a Freinet (1996) e sua pedagogia do bom senso.

10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.

Aqui o inventário pessoal torna-se um hábito regular, necessidade de repetição para melhor compreensão e fixação do que está sendo posto. Colocar a questão não como algo pontual, mas que deve fazer parte integrante da vida daqui por diante é colocar o processo de aprendizagem como parte integrante da vida e aqui novamente de forma a transcender a outros tempos e cenários. Perguntas como: “Qual o propósito de continuar a fazer um inventário pessoal? O que significa para mim admitir prontamente quando estou errado? Como a pronta admissão de meus erros ajuda a modificar meu comportamento? ” As referidas perguntas são caminhos para uma melhor compreensão do “eu”, que está sendo estudado.

Portasio (2008) no capítulo sobre educação e autoconhecimento, destaca a fala do mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da idade média, Santo Agostinho, reforçando a referida prática do décimo passo, corroborando com a prática do referido passo, quando diz:

...no fim de cada dia interrogava a minha consciência, passava em revista o que havia feito e perguntava a mim mesmo se não tinha faltado ao cumprimento de algum dever, se ninguém teria motivo para se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e ver o que em mim, necessitava de reforma (p.32).

11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.

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Nesse passo há uma apropriação de conquistas já realizadas nos passos anteriores, onde aqui o que se traz é a questão de melhorar, aperfeiçoar o que já se tem. Perguntas como: “Como meu caminho espiritual contribui para minha recuperação? Como e quando medito? Qual a minha visão sobre a vontade de Deus para mim? ”, deixa patente as conquistas e o percurso traçado pelos membros do grupo dos passos anteriores de forma a reforçar o trabalho que tem sido feito.

12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcóolicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.

O referido passo funciona antes de mais nada como uma ação de retroalimentação do programa dos Doze Passos. Aqui a auto-gestão preconizada por Makarenko (1975), bem como a assembleia de turma e as decisões nas mãos dos próprios membros do grupo, se vê aqui de forma patente. O mediado passa a mediar como é destacado na mediação de compartilhar destacada por Feuerstein (1980). Perguntas como: “O que levar a mensagem faz por mim? O que é para mim experimentar um despertar espiritual? Que tipo de serviço estou prestando para levar a mensagem? ”, conduzem a um processo de continuidade do trabalho.

É possível observar que o referido roteiro sem dúvida, tem se mostrado eficaz na condução do tratamento da doença do alcoolismo, por todas as especificidades, método e textualidade do mesmo. Almeida e Rodrigues (2002), na sua análise sobre os Doze Passos, concluem que “se a programação dos Doze Passos tem sido tão repleta de êxitos, é porque ela, mesmo sem disso dar-se conta, vem trabalhando com a dimensão da escolha, que permite que cada um possa, a todo momento, determinar seu destino”. Falam do valor do que chamam de “exercício de vontade”, quando o dependente químico tem a liberdade de escolher e escolhe se manter limpo10. Sem dúvida o trabalho com a liberdade e o respeito são fatores valioso para o processo de aprendizagem significativa.

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1.4 Dinâmica e processo educativo nas reuniões de Alcóolicos Anônimos

Nas salas de reunião do grupo de AA, há geralmente o símbolo11 do grupo anexado a porta, como forma de identificação da mesma. Nessas salas uma dinâmica e um programa de trabalho e de estudo ali se desenha, desde a preparação da mesma, o roteiro de ordem das falas de quem conduz o grupo de estudo, a literatura disponível, a ordem das falas e narrativas daqueles que estão na assistência etc. O que se apresenta é um programa essencialmente didático que é aplicável a qualquer pessoa. Um mundo novo e impar se apresentar àqueles que lá se dirigem a procura de ajuda e orientação e o processo educativo por sua vez, já se apresenta de forma empírica na dinâmica das salas, a cada um que lá se dirigem.

Aguiar (2011) destaca que quando um dependente químico se integra nos grupos de Alcóolicos Anônimos - AA, a procura de uma solução para seu problema, com o tempo e a participação, percebe que a superação de seus dilemas é viabilizada por uma aprendizagem, em um processo socioeducativo e sociocomunitário. A autora ainda destaca que o perfil e o processo do trabalho educativo dizem respeito a uma aprendizagem espontânea, com troca de experiências e a partir da vivência do programa.

Destaca também que o caráter educativo do grupo é feito coletivamente, não há obrigação formal com o mesmo e que os que o c o n d u z e m o fazem de forma alternada, onde a unidade é reforçada pelo sistema de rotação daqueles que estão no serviço e onde a posição de destaque é inibida pelo grupo. Não há cargos, mas sim encargos, ou seja, responsabilidades na execução de determinadas tarefas. Descreve o que os p r o c e s s o s e d u c a c i o n a i s a t r a v é s d o s D o z e P a s s o s t ê m como objetivo entre outros, superar sentimentos e mudar comportamentos dentro de um processo educativo de autogestão.

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As regras são no máximo sugestões, jamais imposições, sendo o processo de ajuda mútua. Ninguém é estudante passivo, todos podem opinar e manifestar-se, o que gera um sentimento de pertença e de igualdade de condições, o que na visão da autora, são condições que facilita a aprendizagem.

O primeiro passo nesse processo de aprendizagem se apresenta quando o indivíduo reconhece a necessidade de receber ajuda, necessidade de aprender. Quanto a quem coordena e conduz o grupo de estudo, é necessário já ter passado pela experiência. Nesse caso conhecimento teórico não dá autoridade para conduzir a referida aprendizagem, a autoridade se faz quando da experiência e vivência no assunto abordado.

O grupo funciona como facilitador de uma aprendizagem individual e ao mesmo tempo coletiva, mas antes de tudo produzida pelo membro do grupo de estudo, através da busca dele próprio, para as suas questões de conflito. O processo é similar a “Maiêutica Socrática” – o parto das ideias, da procura da verdade através da autorreflexão. Como cada um é um indivíduo ímpar, as soluções também são únicas para cada um

O modo informativo dos Doze Passos passa logo de início por uma dinâmica de partilha onde fica patente o valor dado a experiência como sendo a base que fundamenta o conhecimento ali partilhado. O conhecimento empírico, onde a sabedoria das coisas e conquistada a partir das percepções e seus significados é a mola propulsora, no entanto a instrução, baseada no conhecimento empírico do outro que se apresenta em forma de partilha de depoimentos, bem como a literatura produzida pelo grupo, oferece o olhar de esperança e ciência de possibilidades antes não observada. Ali se testemunha nos depoimentos, mudanças de paradigmas de vida diante do quadro de adoecimento, consideradas por muitos quase que impossível.

Nos grupos de AA existem dois tipos de reuniões, as abertas (onde é permitida a participação e assistência de pessoas que não sejam membros do grupo, como familiares, técnicos, profissionais de saúde, membros de outras associações etc) e as fechadas (para os que são admitidos como membros ou pessoas que ali estejam pela primeira vez na condição de pedir auxílio para o mesmo problema). Mais recentemente iniciou-se reuniões on-line. Frois (2009) descreve de forma sucinta como acontece as reuniões depois dos preparativos de organização do espaço como, mesas, cadeiras, organizações da literatura

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nas mesas e paredes e pôr fim a Oração da Serenidade12 sendo recitada por todos em voz alta:

Em seguida, o coordenador anuncia as regaras da reunião (por norma tem 90 minutos) e pede a cada um para falar na sua vez, tendo apenas que levantar o braço para solicitar o uso da palavra. Pergunta ainda se existe algum membro novo ou visitante.Caso haja algum presente, lhe é explicado que ele é “a pessoa mais importante naquela sala”, e que não intervenha ao longo da reunião, para que possa escutar o que os outros membros têm para dizer, sendo-lhe reservado os últimos 30 minutos (p.77).

Valioso modo de preparar e conduzir a reunião. A atenção quanto a manter um ambiente organizado e de disponibilizar a literatura de forma a deixar à mão de quem quiser folhear, bem como comprar a preços módicos, em uma clara postura pedagógica. O convite para que todos possam juntos dizer a Oração da Serenidade13, marca o momento de dar início da reunião em um convite a criar um ambiente respeitoso e unidade e concentração.

Vê-se nitidamente a postura respeitosa, democrática como preconiza Dewey (1959) quando de informar logo no início da reunião como ela acontecerá para os que não estão ciente ainda de sua dinâmica, bem como deixando claro que para aqueles que ali estão, que todos podem falar bastando tão somente levantar o braço para isso.

Aos que estão na reunião pela primeira vez é estimulado a primeiro ouvir e em seguida lhe é avisado que terá um tempo falar o que desejar. Percebemos nesse momento um cuidado quanto a estimular cada membro do grupo ao envolvimento com os assuntos, que cada um possa se assumir agente ativo do processo, como tão bem estimula Feire (1996) em sua Pedagogia da Autonomia.

A educação do coletivo e assembleia de turma defendida por Makarenko (1975) onde os alunos votam e participam de forma efetiva nas decisões do grupo é outra tônica

12 Oração eleita pelo grupo como sendo a única oração lá recitada, com perfil abrangente e cheio de significados e que ainda hoje há controvérsias sobre o autor da mesma.

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“Concedei-me senhor a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso e sabedoria para distinguir umas das outras”

Referências

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