TE-5 Processos e Suporte às Agências
Avaliação e condutas nas Cervicobraquialgias
Pronto-atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein
1. Definição
Entende-se por cervicalgia a dor localizada na região cervical. Quando acompanhada de irradiação para um ou ambos membros superiores denomina-se cervicobraquialgia. Existem diferentes etiologias para a dor cervical, como afecções miofasciais, doenças dos discos intervertebrais, degeneração das articulações zigoapofisárias ou hiperostose óssea difusa. A irradiação da dor para os membros superiores pode estar relacionada à compressão radicular ou medular. Outras doenças sistêmicas podem cursar com dor cervical e seu reconhecimento deve ser realizado no atendimento de urgência. As cervicalgias podem ser classificadas em agudas, subagudas ou cronicas, de acordo com a duração dos sintomas. Quando ocorrem em até 4 semanas são classificadas como agudas; entre 4 e 12 semanas subagudas e após de 12 semanas, crônicas.
2. Incidência
A cervicalgia acomete cerca de 15% da população norte americana. No pronto atendimento do HIAE (unidades Morumbi, Ibirapuera, Alphaville e Perdizes) foram atendidos, no ano de 2011, 1749 pacientes com queixa de dor na região cervical (CID: M54.2), que correspondem a 11,75% de todos os atendimentos ortopédicos naquele ano. Em 2012 foram registrados 1842 atendimentos com a referida queixa, que representam 8,44% do total de pacientes atendidos por causas ortopédicas.
3. Diagnóstico
O diagnóstico de cervicalgia é baseado na história clínica e no exame físico, que inclui: Inspeção à procura de deformidades, tumorações, cicatrizes e posturas antálgicas; avaliação do arco de movimento cervical;
palpação dos processos espinhosos e dos músculos trapézio, dos paravertebrais e do esternocleidomatóideo;
O arco de movimento normal da coluna cervical é compreendido por: flexão anterior: 60 graus (mento encosta no tórax)
extensão: 75 graus (fronte alinha com o plano horizontal) rotação lateral: 90 graus para cada lado
inclinação lateral: 45 graus para cada lado
Em todos os casos deve ser realizada propedêutica neurológica completa, que inclui a avaliação da sensibilidade, da motricidade e dos reflexos bilateralmente, conforme detalhado na tabela 1.
Tabela 1: Avaliação neurológica completa da coluna cervical.
Raiz Sensibilidade Motricidade Reflexo
C5 Face lateral do braço Abdução do ombro / flexão do cotovelo
Bicipital
C6 Polegar Extensão do punho Estilo-radial
C7 Dedo médio (volar) Extensão do cotovelo Tricipital
C8 Borda ulnar do dedo mínimo Flexor profundo do dedo médio Não há T1 Face medial do cotovelo Abdução do dedo mínimo Não há Testes provocativos
Os testes provocativos têm por finalidade estimular a dor irradiada para o membro superior, por aumentarem a compressão neural existente. Os testes que possuem maior aplicabilidade clínica são:
- Manobra de Spurling: com o examinar posicionado posteriormente ao paciente, realiza-se suave flexão
cervical seguida de compressão axial. A piora da dor irradiada para o membro superior sugere compressão neural por hérnia de disco ou estenose foraminal.
- Fenômeno de Lhermitte: com o paciente sentado realiza-se a flexão cervical anterior. A presença de
sensação de “choque” no dorso sugere a presença de volumosa hérnia de disco mediana. O teste também pode ser positivo em afecções medulares, como na esclerose múltipla.
1. Fatores de alerta para doenças de maior gravidade que cursam com cervicalgia:
Dores poliarticulares, cafaléia e sintomas visuais podem sugerir doença reumatológica em atividade; Febre, nauseas, vômitos e rigidez nucal podem ser sinais de meningite infecciosa;
Febre, calafrios, perda inexplicada de peso, imunossuprimidos, antecedente de câncer ou usuários de drogas aumentam a suspeita de tumor ou infecção;
Sintomas neurológicos (clônus, dificuldade para a marcha, alterações esfincterianas e Sinal de Babinski positivo) sugerem mielopatia cervical;
Sensação de “choque” que piora à flexão cervical (fenômeno de Lhermitte) sugere compressão medular por hérnia discal cervical. Entretanto, pode ser sinal de doença medular como a esclerose múltipla;
Braquialgia associada a edema no membro inferior e/ou diminuição dos pulsos periféricos distais sugerem doença vascular.
Indicações para o estudo radiográfico (incidências frente e perfil) em pacientes com cervicalgia:
Idade superior a 50 anos;
Sintomas constitucionais (febre, perda de peso não explicada, prostração); Dor com duração superior a seis semanas;
Alterações neurológicas;
Risco elevado de infecção (usuários de drogas ou imunossuprimidos); Antecedente de câncer.
Na avaliação radiográfica lateral é possível observar o alinhamento vertebral. A lordose fisiológica pode se apresentar retificada ou invertida devido à dor e ao espasmo muscular. Além disto, pode haver redução dos
espaços discais, devido à fenômenos degenerativos. Por fim, o exame é útil para avaliação de destruição óssea devido a fraturas, tumores ou infecções.
Indicações para a realização de ressonância magnética (REMA) em pacientes com cervicalgia:
A REMA deve ser o exame de escolha em pacientes com sintomas neurológicos, para avaliação de hérnias discais, estenose foraminal e central ou na suspeita de infecção e tumor. A REMA sem contraste é suficiente na maioria das vezes, exceto se há suspeita de infecção ou tumor.
Indicações para a realização de tomografia computadorizada (TC) em pacientes com cervicalgia:
Na cervicalgia sem trauma, a TC é indicada apenas quando há contra-indicação à realização da REMA (presença de marca-passo, clips vasculares neurocirúrgicos e lesão ocular prévia com fragmentos metálicos). Pacientes idosos com massa óssea reduzida, associado a dor cervical intensa, devem ser avaliados sobre a presença de fratura oculta, em especial nos casos em que exista trauma associado, ainda que de baixa energia. Nestes casos, pode-se utilizar estudo complementar com TC por ser realizada mais rapidamente que a REMA, condição relevante naqueles têm dificuldade em permanecer por períodos prolongados na mesma posição devido à dor.
4. Escore risco
A cervicalgia pode ser graduada conforme consenso multidisciplinar norte-americano (Guzman, 2008), abaixo descrito. Embora a classificação não determine o tipo de tratamento, o método auxilia no entendimento da incapacidade funcional local e sistêmica do paciente com cervicalgia.
Grau 1: ausência de sinal de doença maior e pouca interferência nas atividades diárias
Grau 2: Ausência de sinal de doença maior com interferência nas atividades diárias
Grau 3: Dor cervical com radiculite ou sinais neurológicos
Grau 4: Dor cervical com doença maior (tumor ou infecção) 5. Tratamento
A maioria dos pacientes com cervicalgia melhora com o tratamento conservador. Os objetivos deste são a redução da dor e do espasmo muscular e a restauração da função motora. Pacientes com dor leve e moderada (Score de dor < 7 na Escala Visual Analógica) apresentam resolução dos sintomas após 2 ou 3 dias de tratamento conservador, podendo levar até 2 a 3 semanas. Aqueles que apresentam braquialgia e/ou déficit neurológico podem demorar período prolongado ou requerer intervenção cirúrgica.
Atualmente, as melhores evidências disponíveis para o tratamento da cervicalgia sem déficit neurológico ou doença maior associada são:
a) Medidas farmacológicas: analgésicos simples e antiinflamatórios não hormonais são considerados
padrão-ouro nesta situação clínica. Ocasionalmente, pode ser necessário o uso de analgésicos opióides (tramadol 150-300 mg/dia) (1B). Relaxantes musculares (ciclobenzaprina 10 a 30 mg/dia) ou benzodiazepínicos podem ser utilizados como medicação complementar (2C).
Tabela 1. Opções terapêuticas (não exclusivas) para o tratamento da cervicalgia aguda em adultos.
Substância Apresentação Dose Via Frequência Dose mínima Dose máxima
Paracetamol Comprimido 500 e 750mg
500 a 750mg
Oral 8/8h 500mg/dia 3,75g/dia
Dipirona Ampola 2g;
Frasco 500mg/ml
1 a 2g IM/Oral 6/6h 1g/dia 8g/dia
Ibuprofeno Comprimido 400 e 600mg
400 a 600mg
Oral 6/6hs 400mg/dia 2,4g/dia
Naproxeno Comprimido 250 e 500mg
250 a 500mg
Oral 12/12hs 250mg/dia 1,5g/dia
Ciclobenzaprina Comprimido 5 e 10mg 5 a 10mg Oral 12/12hs a 6/6hs 5mg/dia 60mg/dia Tramadol Ampola 100mg; Comprimido 50 a 100mg
50mg
b) Colar cervical: o uso de colar cervical macio de espuma pode auxiliar no controle da dor em pacientes
com cervicalgia intensa. O uso deve ser intermitente (não superior a 3 horas contínuas) e por poucos dias, a fim de evitar atrofia muscular (2B). Entretanto, existe moderada evidência de que a mobilização precoce destes pacientes ofereça resultados satisfatórios e retorno mais rápido às atividades cotidianas.
c) Fisioterapia: possui importante papel no tratamento da cervicalgia crônica e/ou recorrente. O tratamento
fisioterápico deve incluir exercícios proprioceptivos e alongamentos musculares, além de calor local e liberação miofascial. O objetivo é manter o paciente independente e evitar o uso crônico de medicações (1A).
Dor cervical
Sem irradiação para membro superior
Com irradiação para
membro superior Sintomas sistêmicos associados*
Avaliação da clínica médica Presença de déficit neurológico maior*** Ausência ou mínimo déficit neurológico Presença de alterações vasculares no exame ƒísico Ausência de sinais de alerta** Presença de sinais de alerta** Radiografias simples + REMA + contato com titular ou retaguarda ortopedia Avaliação da cirurgia Tratamento medicamentoso / imobilização / orientações pós alta Ausência de suspeita de infecção ou tumor Suspeita de infecção ou tumor Tratamento medicamentoso + imobilização + orientações pós alta + REMA + encaminhamento para especialista em coluna * Febre, cefaléia, dores poliarticulares, rigidez de nuca, alterações visuais, náuseas ou vômitos. Radiografias simples
7. Medida de Qualidade
Tempo médio de permanência na UPA
Taxa de retorno à UPA - número de pacientes que retornam com a mesma queixa em até 15 dias / número total de pacientes atendidos com esta queixa no referido prazo.
Taxa de exames de imagem solicitados para dores cervicais: número de exames solicitados para pacientes que se encaixam no protocolo / número de exames que deveriam ter sido solicitados (este dado deve ser realizado de modo transversal a cada 6 meses).
8. Referência Bibliográfica
1. Gross A, Miller J, D’Sylva J, Buernie SJ, Goldsmith CH, Graham N et al. Manipulation or mobilisation for neck pain; a Cochrane Review. Man Ther.2010 Aug;15(4):315-33.
2. North American Spine Society Evidence Based Clinical Guidelines for Multidisciplinary Spine Care Diagnosis and Treatment of Cervical Radiculopathy from Degenerative Disorders - 2010.
3. Isaac Z, Anderson BC. Evaluation of the patient with neck pain and cervical spine disorders. Disponível eletronicamente em uptodate.com/contentes/evaluation-of-the-patient-with-neck-pain-and-cervical-disorders, em 10 de outubro de 2013. Editora Wolters Kluwer.
4. Guzman J, Haldeman S, Carroll LJ et al. Clinical practice implications of the Bone and Joint Decade 2000-2010 Task Force on Neck Pain and Its Associated Disorders; from concepts and findings to
9. Orientações ao Paciente
No momento da alta hospitalar são desejáveis as seguintes recomendações para pacientes com cervicalgia:
a) Repouso: evitar carregamento de peso, prática de atividades esportivas ou trauma local durante o
tratamento. O paciente deverá evitar a imobilização absoluta no leito e ser encorajado a mobilização assim que a dor a permitir.
b) Exercícios: após o controle da fase aguda da dor, os pacientes deverão ser estimulados a realizar
exercícios ativos cervicais domiciliares diários. A sequência básica inclui exercícios cervicais de inclinação lateral, rotação lateral e flexo-extensão.
c) Afastamento da escola ou trabalho: quando necessário, o afastamento das atividades cotidianas não
deverá exceder 72 horas, exceto em casos de dor extrema.
d) Avaliação de especialista: após o primeiro episódio de cervicalgia não há indicação formal para
seguimento com especialista em cirurgia de coluna. Esta recomendação se aplica para pacientes com braquialgia ou casos de dor crônica e/ou recorrente.
10. Esse documento foi elaborado por:
Dr Alberto Ofenhejm Gotfryd Dr Dan Carai Maia Viola
Dr Délio Eulalio Martins Filho Edgar Santiago Valesin Filho Dr Mario Lenza