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A sociologia da educação em Portugal na viragem do século: uma parte constitutiva das ciências de educação e uma subespecialização da sociologia

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1 Secção Temática de Sociologia da Educação

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Associação Portuguesa de Sociologia

| Simpósio |

A sociologia da educação em Portugal na viragem do

século: uma parte constitutiva das ciências de educação

e uma subespecialização da sociologia

Mariana Gaio Alves UIED & DCSA – FCT/UNL

Do século XX...

As décadas de 1980 e de 1990 são um período de expansão e consolidação da sociologia da educação em Portugal, tanto em termos de número de alunos, docentes e investigadores no ensino superior, como também no plano da multiplicação e diversificação dos estudos. O desenvolvimento intenso da sociologia da educação nessas décadas é favorecido pela mudança política associada ao 25 de Abril de 1974 e, mais concretamente, pela publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986 que, coincidindo com a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, sinaliza uma etapa de forte investimento na expansão da escolaridade (prolongamento das trajetórias escolares) e da escolarização (alargamento das taxas de participação) dos portugueses. O destaque conferido a este período cronológico não pretende, contudo, escamotear movimentos e contributos anteriores.

Com efeito, no plano da lecionação, a entrada da sociologia no campo das ciências da educação terá sido sancionada pela respetiva inclusão em planos de estudos de cursos de habilitação ao magistério da Faculdade de Letras de Lisboa em 1901 e mais tarde, depois da implantação da 1ª República, pelo alargamento do ensino das ciências pedagógicas à Faculdade de Letras da

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Universidade de Coimbra em 1911 (Stoer, 1992). Já enquanto área de especialização em cursos de sociologia, a sociologia da educação só muito mais tarde foi instituída, uma vez que apenas depois do 25 de Abril de 1974 se criaram no nosso país cursos universitários nesta área disciplinar (Costa, 1992). No que respeita ao plano da investigação, dir-se-ia que, em Portugal, as pesquisas sociológicas sobre temas educativos se desenvolvem inicialmente com maior vigor e visibilidade no contexto institucional da sociologia. A este propósito, importa recordar o trabalho de legitimação científica e institucional da sociologia conduzido no Gabinete de Investigações Sociais (mais tarde Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) pela equipa liderada pelo professor Adérito Sedas Nunes, bem como o relevo conferido nessa equipa às questões educativas, em particular respeitantes à análise da crise da universidade na época (Stoer, 1992 e Afonso, 2005).

Também no domínio das ciências de educação se identificam, durante os anos 1960, atividades de pesquisa e de produção de conhecimento científico que adquiririam algum vigor e que contribuíam para o desenvolvimento da área da sociologia da educação, nomeadamente no quadro da Fundação Calouste Gulbenkian onde trabalhou Rui Grácio (Abrantes, 2004). Aliás, é nesse contexto institucional que se promovem um conjunto de estudos e conferências, inclusivamente convidando sociólogos da educação estrangeiros a visitar o nosso país (Afonso, 2005). Contudo, a premência em responder a necessidades de formação de professores e educadores relegou para uma fase posterior a afirmação do domínio científico e a produção de conhecimento através da investigação na área de ciências da educação (Nóvoa, 1991).

Esta breve retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento da sociologia da educação em Portugal no século XX aclara que o mesmo ocorreu, desde o início, em dois contextos institucionais: o das ciências da educação (estreitamente ligadas à formação de professores e outros educadores) e o da sociologia (correspondente a formações centradas nesta área científica vocacionadas para

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a formação de sociólogos). Tanto no plano da respetiva lecionação no ensino superior, quanto tendo em conta a investigação e conhecimento produzidos ou ainda as sociedades científicas e profissionais existentes 1 , reconhece-se a existência de duas comunidades nem sempre exatamente coincidentes, o que não constitui uma especificidade portuguesa. Referindo-se aos Estados Unidos da América, Mónica (1977) assinalou o modo como a sociologia da educação esteve isolada da sociologia durante longos anos, desenvolvendo-se no quadro de estudos educacionais ligados à formação de docentes; enquanto essa mesma dualidade – entre contextos institucionais da sociologia e da educação - é crucial na retrospetiva histórica do campo da sociologia da educação no Reino Unido, segundo Lauder, Brown & Halsey (2009).

...ao século XXI

O debate sobre as convergências e divergências entre as duas comunidades de sociólogos da educação tem vindo a ser sustentado por algumas análises sistemáticas publicadas durante a primeira década do século XXI. Uma dessas análises considera as atas dos principais congressos organizados pela Associação Portuguesa de Sociologia e pela Sociedade Portuguesa de Ciências de Educação entre 1985 e 2000, permitindo ao autor desse trabalho (Abrantes, 2004) sugerir a existência de poucos contactos entre as duas comunidades e identificar diferenças ao nível dos protagonistas e das suas pertenças institucionais, mas bastantes convergências em termos das temáticas abordadas e das metodologias de pesquisa escolhidas.

Num texto posterior, baseando-se na análise de uma amostra intencional de trabalhos em sociologia da educação entre 2004 e 2009, um outro autor não

1 A Associação Portuguesa de Sociologia fundada em 1985 e a Sociedade Portuguesa de Ciências de Educação em 1990 foram desde então responsáveis pela organização periódica de debates, seminários e outros encontros científicos e profissionais que beneficiam o desenvolvimento da sociologia da educação.

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confirma totalmente a hipótese da diferenciação entre as duas comunidades científicas, argumentando que não existem divergências teóricas e metodológicas suficientemente profundas entre ambas (Afonso, 2010). Não obstante, identifica a tendência para a sociologia da educação no quadro das ciências da educação privilegiar um pouco mais as estratégias metodológicas de cariz qualitativo (ainda que não descartando as quantitativas) e para abordar mais frequentemente objetos e contextos não-escolares; ao mesmo tempo que indica, sobre a sociologia da educação que se desenvolve enquanto subespecialização da sociologia, um maior fechamento aos contributos das ciências de educação e um grau menor de interdisciplinaridade (Afonso, 2010). Uma outra vertente deste debate remete para as diferenças de estatuto e reconhecimento. Em Portugal, aponta-se que as ciências da educação não têm “atrás de si o estatuto científico e o reconhecimento social que a psicologia, a sociologia e outras ciências sociais adquiriram” (Estrela, 2008, p. 26). Também noutros países se indica que as ciências da educação são tradições intelectuais complexas e instáveis que necessitam constantemente de argumentar e fundamentar a sua legitimidade, por contraste com disciplinas que correspondem a conjuntos estáveis de conhecimentos apoiadas em teorias e métodos claramente demarcados (Furlong & Lawn, 2011). Nestas circunstâncias, quais os desafios que se afiguram, na atualidade, como sendo mais prementes para o desenvolvimento da sociologia da educação?

Nos anos mais recentes, várias decisões políticas originaram, no nosso país, o decréscimo do número de docentes do ensino básico e secundário, bem como a diminuição da procura dos cursos vocacionados para a formação inicial e pós-graduada de professores e outros profissionais de educação. Os alunos de ensino superior inscritos na área de educação (cursos de formação de professores e de ciências de educação) reduziram acentuadamente de 51.128 e 13,2% em 2001, para 22.262 e 5,6% em 2011 e para 13.969 e 3,9% em 2016; enquanto o número de alunos na área das ciências sociais, comércio e direito, na qual se

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incluem os cursos em sociologia, se reduz de forma ligeira ao totalizar 127.043 correspondendo a 32,8% em 2001, 126.102 correspondendo a 31,8% em 2011 e 113.800 correspondendo a 32% em 2016 2.

Esta tendência pode contribuir para a reconfiguração do contexto institucional em que se desenvolve a sociologia da educação, sendo possível o agravamento das dificuldades de afirmação e estabilização das ciências da educação (e da sociologia da educação que se pratica nesse âmbito) no interior das instituições de ensino superior. Ainda que a situação portuguesa tenha seguramente particularidades e matizes específicas, não deixa de ser curioso notar como um trabalho recente focado sobretudo no Reino Unido, mas referenciando-se também à situação no resto da Europa e nos Estados Unidos da América, aponta para um diagnóstico de “fragilidade institucional” da educação em geral como área científica (Furlong & Lawn, 2011, p. 186).

No entanto, ainda que o investimento (material e simbólico) no sector educativo esteja sendo reduzido atualmente e os cursos de formação de professores registando quebras na respetiva procura social no nosso país, parece ser possível afirmar que em nenhum outro momento, desde as origens da sociologia da educação, se registou um tão grande interesse social e científico pelas temáticas e problemáticas educativas. E isto, independentemente dos níveis de escolaridade considerados, da idade e etapa do ciclo de vida analisado e até mesmo incluindo o que se convencionou chamar de educação não-escolar. Para além de poder ser entendida como uma consequência da progressiva expansão da escolaridade e da escolarização das populações que se vem verificando desde meados do século XX nos vários países, esta situação articula-se também com o facto de as políticas educativas ao longo da primeira década do século XXI terem vindo a promover um entendimento da educação enquanto processo que se estende ao longo e ao

2 Dados consultados em “PorData-Base de Dados de Portugal Contemporâneo” (http://www.pordata.pt/) em 27 de Janeiro de 2017.

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largo da vida, dando origem a práticas e modalidades educativas inovadoras que nem sempre se circunscrevem aos contextos escolares.

A sociologia da educação em Portugal, como de resto noutros países, tem sido em grande parte uma sociologia da escola, ou seja, uma sociologia dos processos e sistemas educativos formais, tanto no quadro das ciências da educação como enquanto subespecialização da sociologia. Porém, novos desafios têm vindo a ser enfrentados nesta área científica, quer no plano das problemáticas e objetos de reflexão, quer no que respeita à renovação de abordagens teórico-conceptuais e de modelos de análise. Tal não significa que a escola deixe de ser um espaço e tempo privilegiado de educação ou um objeto menos importante da análise sociológica, mas sublinha-se, em vez disso, a necessidade de equacionar os sistemas formais de educação em estreita articulação com espaços e tempos não-escolares de educação.

Este é um desafio para o qual o cruzamento entre a sociologia da educação, enquanto parte constitutiva das ciências de educação e como subespecialização da sociologia, nos parece ser particularmente promissor pelo facto de se poder traduzir em contributos complementares e enriquecedores. Afinal, a pluralidade e a diversidade caracterizam a sociologia da educação, em Portugal e noutros países, na atualidade. Neste sentido, “qualquer tentativa de abarcar ou resumir a sociologia da educação dentro de um único quadro está repleta de dificuldades. Na verdade, não existe uma disciplina, um projeto intelectual unificado e estável” (Ball , 2004, p. 1), pelo que a sociologia da educação tem de ser entendida como um “campo diverso, dinâmico (...) e invariavelmente controverso” (Apple, Ball, & Gandin, 2010, p. 1).

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Abrantes, P. (2004). Sociologia e ciências de educação: a distância entre nós. Revista Sociologia - Problemas e Práticas , 45, 117-130.

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Costa, A. F. (1992). O que é sociologia? Lisboa: Difusão Cultural.

Estrela, T. (2008). As Ciências da Educação, Hoje. In J. M. Sousa, Educação para o Sucesso: Políticas e Actores. Actas do IX Congresso da SPCE-Funchal, 2007. (pp. 15-25). Lisboa: Legis Editora - SPCE.

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