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Tradução em libras nos contextos educacionais: dialogando com Bakhtin

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Academic year: 2021

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Tradução em libras nos contextos educacionais: dialogando com

Bakhtin

Philipe Domingos

Neste trabalho apresento algumas experiências como tradutor/interprete de Libras no contexto do programa de pós-graduação em educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) durante o período de fevereiro de 2011 a Julho de 2013. Com base na perspectiva bakhtinianabuscarei apresentar os obstáculos enfrentados em garantir o acesso dos surdos aos discursos pertinentes a este ambiente.Acredito que discutir a tradução em contextos educacionais sob o viés bakhtiniano pode trazer muitas contribuições para os profissionais que atuam nestes contextos

Antes de nos adentrarmos ao espaço da pós-graduação, penso ser necessária uma pequena contextualização das discussões sobre a inserção de tradutores de Libras em ambienteseducacionais.

A inserção de interpretes de Libras em contextos educacionais decorre de mudanças recentes na legislação nacional. Estas mudanças são resultado de movimentos dos surdos brasileiros pela valorização de sua língua de sinais. Os movimentos tiveram como resultado o reconhecimento da Libras como segunda língua nopais por meio da Lei 10. 436 de 2002 regulamentada pelo decreto 5626 de 2005.Esta mudança na legislação garantiu que o ensino de pessoas surdas fosse realizado diretamente por meio da Língua Brasileira de Sinais. O que acarretou em uma mudança de paradigmas em relação a educação de Surdos.

Antes da inserção da Libras em contextos educacionais no Brasil, vigorava o método oralista, este consistia no ensino da comunicação oral para garantir o acesso dos surdos aos conteúdos curriculares. Acreditava-se neste período que o usodas línguas de sinais atrapalhava no aprendizado de uma língua oral pelo surdo. Portanto, era consenso entre muitos dos educadores que a Libras não devia ser usada por estes sujeitos. Logo, seu uso era proibido nas escolas e aconselhava-se aos pais a não deixarem seus filhos surdos a se comunicarem em sinais fora dos ambientes educacionais.

Tradutor e Intérprete de Libras na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES/ES, phd.libras@gmail.com

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Assim, a Libras sobreviveu graças a resistência dos sujeitos que discordavam dos oralistas1.

A barreira criada pelas políticas oralistas por mais de um século impediu o desenvolvimento e complexificaçaoda Libras nos ambientes formais de ensino. O rompimento desta barreira foi uma vitória para os surdos.No entanto, foram muitos os danos causados por este “cordão de isolamento”.

Para entendermos melhor como este fato interfere no trabalho de tradução em língua de sinais acredito que seja necessário compreender a conceitualização de “gêneros dos discurso” proposta por Mikhail Bakhtin.

Segundo o filósofo “[...] Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, sendo isto o que denominamos gêneros do discurso”

(BAKHTIN,1992. p. 279).

Ou seja, cada contexto interativo e construído de elaborações enunciativas próprias, mas relativamente estáveis. Estes enunciados são chamados de gêneros do discurso. Podemos notar a diferença nas elaborações enunciativas ao observar interlocutores no âmbito jurídico, acadêmico ou religioso, por exemplo.

Segundo Lodi e Almeida (2010), para a aquisição e estabilização, os gêneros discursivos devem ser enunciados durante a comunicação verbal viva entre falantes de mesma língua, em determinada esfera da atividade.

Logo, sem interlocutores usuários de Libras nos contextos educacionais durante o período oralista,os gêneros do discurso não se desenvolveram nesta esfera.

Neste espaço de transição que parte de uma incompreensão dos sujeitos surdos e desvalorização de sua língua para um momento de possível inversão de valores, e que apresento minha experiência como interprete.

Esta experiência foi realizada a partir do mês de março de 2011 quando iniciei minha atuação para atender um aluno surdo no PPGE/UFES. Dividirei o processo de atuação em três momentos. O primeiro durante a realização das disciplinas, o segundo, durante as orientações que precederam a qualificação para a pesquisa e o terceiro que foi durante a realização da pesquisa.

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MACHADO (2008) fala a respeito das estratégias que os surdos articulavam para proteg er sua língua durante o período oralista.

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Durante o primeiro momento,que consistiu entre março e julho de 2011 quando o aluno cursou a maioria das disciplinas, atuei com uma equipe de interpretes. Todos nos já estávamos familiarizados com outros contextos educacionais, no entanto, não possuíamos experiência em ambientes de pós-graduação, nem mesmo estávamos familiarizados com as discussões da educação em ambiente acadêmico, pois éramos estudantes de graduação em Letras.

Portanto alem de termos que lidar com estes novos gêneros na língua portuguesa, tínhamos que buscaraproximações de sentidos com a Libras.Este trabalho foi extremamente árduo, pois processo de tradução das aulas não compreendia apenas em traduzir o que o professor dizia.

Lodie Almeida (2010)afirmam o seguinte sobre o gênero aula:

Por sua própria constituição este gênero dialoga diretamente com diferentes textos (lidos anteriormente e tecidos no espaço da sala de aula)articulando visões de mundo determinadas pela linguagem, na medida em que as palavras enunciadas são impregnadas de ideologia(LODI e ALMEIDA 2010 p. 94).

Logo, a tradução pura e simples dos códigos linguísticos usados em sala não faria sentido algum. Para interpretar o gênero aula em Libras era necessário estar a par dos diferentes textos que seriam discutidos em sala.

Para aprender estes conteúdos marcávamos encontros com professores e alunos mais experientes. Além disso, vez por outra, julgávamos necessário discutir previamente em Libras assuntos com o aluno.Pois eram totalmente novos para ele.

Durante as aulas, com o intuito de favorecer a dinâmica da comunicação, precisávamos convencionar sinais para representar ideias que não existiam na Libras. Estes convencionamentos, em alguns momentos eram bem sucedidos, em outros nem tanto.

Foram convencionamos, por exemplo, os sinais de subjetividade e ecologia de

saberes. Também convencionamos sinais para teóricos como Boa Ventura de Souza

Santos, Bakhtin e Vygotsky. Alguns convencionamentosgeraram complicações durante a tradução. Por exemplo, para a criação dos sinais dos conceitos de Modernidade e Pós-modernidade usamos os sinais que significam “novo”para Modernidade e “pós+novo” para Pós –Modernidade. O segundo sinal não fazia o menor sentido em língua de sinais a princípio até que os contextos foram criando seus sentidos.

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Mas uma determinada situação causou grande confusão ao aluno. Em uma aula o professor afirmou que a Modernidade era ultrapassada e a Pós-Modernidade era o que havia de novo. A tradução saiu algo como “o novo é velho e o pós-novo é novo”, não fez sentido algum para o aluno. Acredito que ele deva ter se indagado, como o “novo” pode ser “velho?”Felizmente, com algumas explicações conseguimos contornar o problema.

No segundo momento,durante as orientações que precederam a qualificação do trabalho, ao perceber que os alunos constituíam boa parte de seu aprendizado não somente em ambientes formais, mas também nos informais como nos bate papos e discussões fora de sala resolvi relatar esta limitação à orientadora.Como estratégia, ela orientadora passou a criar espaçosde interação para este aluno. Marcou encontros quinzenais com vários pesquisadores e professores de Libras que estavam em processo de conclusão ou já haviam concluído suas pesquisas de mestrado e doutorado. Durante estes encontros, uma das professoras que já havia concluído o doutorado e tinha muita experiência com surdos se disponibilizou em apoiar a orientação do aluno. O que ampliou ainda mais seu espaço de interação. Acredito que nestes momentos de interação direta e constante, o aluno passou a se constituir como pesquisador de fato.

Graças ao apoio de todos, e ao esforço pessoal, este aluno conseguiu chegar ao terceiro momento que consistiu na realização da pesquisa e elaboração da dissertação que envolveu constante dialogo com o aluno para a realização da dissertação para a Língua Portuguesa.

Assim, ao encerrar este texto, levanto alguns questionamentos:

Visto que as esferas da atividade humana dependerem de enunciações relativamente estáveis, como pode um interprete buscar aproximações entre a língua portuguesa e libras, visto que a primeira possui gêneros já bastante complexificados em contextos acadêmicos e a ultima esta ainda fase estabelecimento? Como e possível que a Libras se estabeleça nestes contextos? Que formação previa devem ter os interpretes que atuam nestes contextos educativos? Como as instituições podem se articular para garantir o acesso dos surdos às discussões nestes contextos?

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. LODI, Ana Claudia Balieiro; ALMEIDA, Elomena Barbosa de.Gêneros Discursivos de esfera acadêmica e práticas de tradução Libras-Português:Reflexões.Tradução e

Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo, V.20, Setembro 2010.

Disponível em: <http://sare.anhanguera.com/index.php/rtcom/article/view/1965>. Acesso em: 07 de agosto de 2013

MACHADO, Lucyenne Matos da C. Vieira. Narrar e pensar as narrativas surdas capixabas: o outro surdo no processo de pensar uma pedagogia. In: QUADROS, Ronice Muller de. Estudos Surdos. Petrópolis: Arara Azul, 2008.

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