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A I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1927) E A CRIAÇÃO DAS ESCOLAS NORMAIS: processos de institucionalização da formação de professores

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750 100 A I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1927) E A CRIAÇÃO DAS ESCOLAS NORMAIS: processos de institucionalização da formação de professores

Rosilda dos Santos Morais1 Raquel Guimarães de Medeiros2

Resumo

Problematizar temas relativos à história da educação ou história da educação matemática tem sido objetivo de pesquisa destas autoras. O texto aqui exposto parte da criação de Escolas Normais na primeira metade do século XX, olhada a partir dos anais da I Conferência Nacional de Educação (1927), e busca apreender processos que reverberam desses, como a institucionalização da formação de professores. Para a análise foram mobilizados referenciais da Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação (ERHISE), de Genebra, Suíça, bem como artigos de pesquisadores brasileiros buscando apreender processos, movimentos constituintes de institucionalização de saberes, da constituição de experts, da constituição de áreas.

Palavras-chave: eventos científicos; saberes institucionalizados; formação de

professores; história da educação matemática.

Abstract

Discuss themes related to the history of education or history of mathematics education has been the objective of research of these authors. The text presented here begins with the creation of Normal Schools in the first half of the 20th century in Brasil, looking at the proceedings of the First National Conference of Education (1927), and seeks to apprehend processes that reverberate from this, such as the institutionalization of teacher education. For the analysis, reference was made to the Research Team on the History of Educational Sciences (ERHISE), Geneva, Switzerland, as well as articles by Brazilian researchers seeking to understand processes, constituent movements of knowledge, the constitution of experts, the constitution of Areas.

Key-words: scientific events; institutionalized knowledge; teacher training; history of

mathematics education.

1Universidade Federal de São Paulo – Campus Diadema. 2Professora de Educação Básica de Guarulhos, São Paulo.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750 101 1. Os anos de 1920 e novas conceituações acerca da arte, da cultura e da

educação brasileira

A semana de arte moderna de 1922, no Brasil, teve como objetivo “renovar o estagnado ambiente artístico e cultural de São Paulo e do país. Acentua-se a necessidade de ‘descobrir’ ou ‘redescobrir’ o Brasil, repensando-o de modo a desvinculá-lo, esteticamente, das amarras que ainda o prendem à Europa” (AJZENBERG, 2012, p.26). Como todo movimento inovador, artistas mais tradicionais se opuseram ao movimento proposto pelos mais modernos de modo que são identificados ainda hoje debates acerca dessa temática. Temas que interrogam sobre se o evento provocou choques e rupturas, se o “tom festivo” não remete à ideia de movimento pouco sério, se alcançou parâmetros mais críticos em relação à arte, se o evento foi de natureza mais destrutiva ou se construiu novas perspectivas para a estética do país... (Ibid.). Embora os debates se mantenham vivos, parece haver consenso acerca dos desdobramentos da Semana, os quais marcaram sensivelmente as buscas de um novo modo de pensar.

É inegável que a Semana de 1922 se configura como um marco para a cultura brasileira. Instaurada nos anos de 1920, momento da história do Brasil no qual movimentos importantes mudaram modos de ver, de pensar e de agir dos cidadãos, todos os quais podem ser percebidos até mesmo nos dias atuais, a Semana de 1922 não se apresentou como um movimento isolado.

Nesse mesmo ano, 1922, Centenário da Independência do Brasil, foram realizadas várias conferências nacionais sobre educação. No ano seguinte, 1923, médicos, engenheiros e educadores criaram a Associação Brasileira de Educação (ABE), órgão que passou a se responsabilizar por questões educacionais (COSTA; SHENA; SCHMIDT; 1997) tornando-se o responsável pela criação e instauração da Conferência Nacional de Educação, um evento de extrema relevância para o país em um momento no qual se buscava por uma uniformização do ensino primário no Brasil que, até aquele momento, atendia a uma minoria.

Sob a coordenação da ABE, tem lugar em Curitiba, Paraná, Brasil, no contexto dos anos de 1920, mais especificamente em 1927, a I Conferência Nacional de

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750 102 Educação3. Lá se fizeram presentes representantes de 18 estados brasileiros, de diferentes áreas, tais como médicos, advogados, professores, juízes, desembargadores, dentre outros, além dos congressistas e alunos de colégios locais. Foram apresentadas nessa conferência 112 teses (comunicações) versando sobre os mais diferentes temas da educação no país, quais sejam, higiene, celibato pedagógico feminino, educação religiosa, o professor como centralizador do processo de ensino aprendizagem, o caráter

não laico do ensino, dentre outros.

2. Pesquisa em anais de eventos científicos

O que podem revelar documentos (anais, folhetos, anúncios, dentre outros) produzidos em eventos científicos acerca de questões que interessam a pesquisa em História da Educação Matemática?

Morais (2015) acredita que pesquisadores da História da Educação Matemática interessados em analisar movimentos constituintes de temas, assuntos e problemas relativos à educação matemática brasileira, por exemplo, deveriam se voltar à análise de documentos produzidos em eventos científicos, por reunirem, eles, produções que não avançam em termos de publicações em periódicos, notadamente os que mais circulam. Desse modo, ainda que se configurem como pesquisa, pois foram produzidas e apresentadas em eventos científicos e, por essa razão, ditam movimentos de pesquisa, não circulam para além desses espaços e, por conseguinte, não são representativos de resultados de pesquisa em razão de esse tipo de publicação, anais de eventos, por exemplo, não receber a atenção que periódicos recebem.

Assim, eventos científicos se apresentam como veios férteis de pesquisa, pois por meio de documentos neles produzidos pode-se perceber a circulação de pessoas; a circulação de saberes e sua sistematização na medida em que vão sendo apropriados e perdurando de um evento a outro; o papel exercido por pessoas influentes (os escols ou

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Seguida da primeira conferência, outras dez foram realizadas no período de 1928 a 1954 sendo que em 1935 e 1936 o título do evento foi mudado para Congresso Nacional de Educação, mas sem alterar a ordem de ocorrência do evento, conforme segue: II Conferência Nacional de Educação – Belo Horizonte (1928); III Conferência Nacional de Educação – São Paulo (1929); IV Conferência Nacional de Educação – Rio de Janeiro (1931); V Conferência Nacional de Educação – Niterói (1932-1933); VI Conferência Nacional de Educação – Fortaleza (1934); VII Congresso Nacional de Educação – Rio de Janeiro (1935); VIII Congresso Nacional de Educação – Goiânia (1942); IX Congresso Brasileiro de Educação – Rio de Janeiro (1945); X Conferência Nacional de Educação – Rio de Janeiro (1950); XI Conferência Nacional de Educação – Curitiba (1954).

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experts), bem como resultados que reverberam desse trânsito. Citando o contexto de revistas pedagógicas, Nery (2008), apoiada em Catani (1992), afirma que esses espaços configuram-se como lócus de disputas nos quais a produção e a divulgação participam como instauradoras. Por certo esta não é uma realidade apenas das revistas pedagógicas, mas de eventos científicos (MORAIS, 2015) também. Assim, se o desejo é o de melhor investigar movimentos constituintes de temas relativos à educação, à educação matemática, o olhar para esses eventos poderá dizer muito sobre o objeto pesquisado, que, nesta pesquisa, diz de temas, assuntos e problemas da educação brasileira (relativos ao ensino matemática ou não) que ganharam a cena na I Conferência Nacional de Educação.

Nessa esteira, as Conferências Nacionais de Educação constituem-se em um espaço importante de pesquisa haja vista que sua realização se deu em um momento muito significativo para a educação brasileira. Algumas das razões acerca desse tema já foram citadas neste texto, outras não, tais como a criação da ABE e a responsabilidade dessa instituição pelo cuidado com a educação, caracterizando essa fase como uma “infância” da educação brasileira em termos de eventos científicos. Essa caracterização se justifica a partir das teses apresentadas na I Conferência, pois, pela primeira vez, os autores, ao submeterem os trabalhos, tiveram conhecimento de que teses puramente científicas não seriam discutidas.

3. Um projeto de pesquisa, um cenário de investigação – as Conferências Nacionais de Educação

Este texto é parte de uma pesquisa que vem sendo realizada pelas autoras a partir do projeto “O ensino de matemática dos primeiros anos escolares nos documentos das Conferências Nacionais de Educação (1927-1954)”. A pesquisa resultante desse projeto objetiva analisar o ensino de matemática nos primeiros anos escolares e suas dinâmicas de transformação lidas a partir de documentos das referidas conferências. De outra parte, busca-se com a pesquisa inventariar documentos das Conferências de modo a construir uma base de dados de textos que tomem por tema o ensino de matemática dos primeiros anos escolares; localizar no inventário realizado personagens que tenham tido participação ativa nos debates sobre o ensino de matemática para os primeiros anos escolares; identificar temas, assuntos e problemas relativos ao ensino de matemática dos

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primeiros anos escolares; digitalizar e disponibilizar no Repositório de Conteúdo

Digital4 a documentação encontrada, fonte da pesquisa em andamento.

Por certo, em se tratando de uma conferência de educação, uma enormidade de temas perpassaram as discussões do evento ampliando, assim, os objetivos do projeto citado. Dessa forma, os documentos inventariados podem dizer sobre muitos temas relativos à educação brasileira para além dos concernentes ao ensino de matemática nos primeiros anos escolares. Isso posto, um inventário da natureza do que se pretende produzir no projeto citado tem, também, o propósito de se constituir como fonte de pesquisa não só para a pesquisa em andamento derivada do projeto há pouco citado, mas, também, constituir-se como um lócus de pesquisa para que novas narrativas historiográficas se constituam com ele e/ou partir dele.

Diante do exposto, este texto, por conta das limitações de editoração, se ocupará

de discutir temas gerais da educação brasileira a partir de dados produzidos no Trabalho

de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “I Conferência Nacional de Educação – um estudo histórico relativo a temas, assuntos e problemas da educação brasileira por volta de 1927” (MEDEIROS; MORAIS, 2016) realizada por uma das autoras deste texto sob a orientação da segunda. Detalhes sobre a escolha dessa fonte serão apresentados mais adiante.

4. A escolha por um referencial teórico norteador e a ida as fontes

O convite para a escrita deste artigo veio seguido da interrogação: Como elementos advindos dos artigos do grupo suíço estão sendo mobilizados em articulação com a temática da pesquisa em desenvolvimento?

O grupo suíço de que se fala na interrogação é o ERHISE – Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação, da Universidade de Genebra, na Suíça, que “descreve a emergência das ciências da educação nesse país, questionando notadamente sua relação com as formações para o ensino” (HOFSTETTER, SCHNEUWLY et al. 2007 apud BORER, 2009, p.41).

Um conjunto de artigos do ERHISE vem sendo analisado pelo Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática, o GHEMAT, de São Paulo os quais concentram questões relativas a processos de disciplinarização das ciências da educação e das didáticas das disciplinas; saberes como tem central para a profissão do ensino e da

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750 105 formação; saberes como tema crucial da institucionalização da formação de professores e, por fim, a institucionalização do expert em educação nos séculos XIX e XX. Todos esses artigos foram traduzidos para o português por pesquisadores do GHEMAT São Paulo os quais estão em vias de serem publicados no Brasil.

O estudo prévio dos textos do grupo ERHISE abriu diferentes possibilidades de análise dos temas identificados na fonte de pesquisa deste artigo5, a saber, a pesquisa intitulada “I Conferência Nacional de Educação – um estudo histórico relativo a temas, assuntos e problemas da educação brasileira por volta de 1927” (MEDEIROS; MORAIS, 2016). Detalhes sobre a escolha dessa fonte serão apresentados no tópico

seguinte. Essas análises possibilitaram inferir sobre processos de disciplinarização

identificados nos discursos que perpassaram a conferência, saberes que vão sendo institucionalizados na medida em que passam a se legitimar discursos, processos de institucionalização da formação de professores, dentre outros. Por certo outras referências poderiam ter sido mobilizadas para a análise, mas estas pesquisadoras, como integrantes do GHEMAT, têm se voltado ao aprofundamento das pesquisas do grupo ERHISE por essas referências se ocuparem de formas institucionalizadas de saberes de formação à despeito de formas não institucionalizadas. Associados aos textos do grupo ERHISE, recorreu-se, ainda, ao artigo “Les enjeux da pesquisa em história da educação matemática nos anos iniciais escolares”, de Valente (2016).

4.1 A ida as fontes

Um estudo inicial de ida as fontes, anais da I Conferência Nacional de Educação, foi realizado por uma das autoras deste texto, sob orientação da segunda, em um curso de Especialização em Matemática, lato sensu, na Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), São João del Rei, Minas Gerais. Esse esforço resultou em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “I Conferência Nacional de Educação – um estudo histórico relativo a temas, assuntos e problemas da educação brasileira por volta de 1927” (MEDEIROS; MORAIS, 2016). A metodologia adotada pela pesquisadora para a análise das teses (comunicações) foi selecionar, dentre todas as apresentadas na I

Conferência, aquelas que ganharam o título de oficiais6. A partir dos temas que

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Alguns dos temas: higiene e eugenia, a relação urbano/rural, o movimento de feminilização do magistério, os modos de conceber a infância e educação da infância.

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Não foi possível identificar nos documentos analisados o porquê de essas teses terem sido classificadas como “oficiais”. As teses oficiais versaram sobre os seguintes temas: A unidade nacional pelas culturas literária, cívica e moral; A uniformização do ensino primário, mantida a

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perpassaram essas teses, buscou-se, dentre as demais, por outras com proximidade de assuntos aos das oficiais desejando, com isso, identificar temas acerca da educação brasileira que perpassaram as discussões do evento. O TCC não avançou dessa etapa.

Isso posto, este texto irá tomar como material de análise dados produzidos na pesquisa de Medeiros e Morais (2016) sem, no entanto, esgotá-los. Será considerada uma situação, a criação das Escolas Normais, a qual será analisada à luz dos referenciais teóricos aqui mobilizados.

5. Uma proposta de análise

Um tema que foi bastante discutido na I Conferência diz respeito à criação de Escolas Normais como espaço de preparação pedagógica do professor. A educação é considerada como preparo para a vida, elemento útil à sociedade e à pátria e deve ser ela a maior causa de um governo: “dever imperioso para o poder público ampliar sempre a obra educativa, sem medir o sacrifício que ela venha reclamar” (COSTA, 1997, p.520 apud MORAIS; MEDEIROS, 2016, p.8). Nesse sentido, uma formação de qualidade aos professores é pressuposto como única maneira de garantir a melhoria do ensino.

Quanto aos saberes privilegiados nessa formação, destaca-se o estímulo e a valorização da pediatria, da sociologia e da higiene. Sobre esse último tema, se tratados na escola, acredita-se seus efeitos reverberariam em outros contextos, como na família, na sociedade, por exemplo, afirmam os autores. Para atingir esses resultados, os cursos de formação de professores, oferecidos nas Escolas Normais, deveriam colocar acento em questões como saneamento e educação para a higiene. A difusão do ensino primário deveria ocorrer em paralelo com as noções de higiene ensinadas nas escolas. Isso posto, o país rumaria ao progresso.

Apoiados no discurso de uniformização dos programas de ensino, as teses analisadas por Medeiros e Morais (2016) colocam nos ombros do professor e da escola a responsabilidade por tal feito. No que diz respeito ao professor, destaca-se a importância de uma boa formação, do amor a profissão, de que ele é exemplo a ser seguido por seus alunos. Tido como agente principal no processo de ensino aprendizagem tem como dever entregar seus alunos à pátria “como cidadãos fortes, unidos, aperfeiçoados os espíritos, educados no bem, formados os caracteres para a

liberdade de programas; A criação de escolas normais, em diferentes pontos do país, para preparo pedagógico; e A organização dos quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, científico e literário

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glória do nome de brasileiros” (COSTA, 1997, p. 207 apud MEDEIROS; MORAIS, 2016, p.12). Com relação à escola, nota-se uma visão de uniformização mais independente de caraterísticas regionais, dando ênfase a não depreciação dos bens nacionais e da pátria, mas sua valorização e amor, bem como o trabalho pelo progresso material e social. A uniformização visa uma formação de brasileiros e não, apenas, de

goianos, cearenses, mineiros, paulistas, disseram os autores das teses. O que se

identifica no que foi exposto relativo à criação das Escolas Normais, e por consequência, a formação de professores, denota um movimento no sentido de institucionalização da formação docente. Notam-se discussões que apontam para saberes específicos para a profissão do ensino os quais deveriam ser incluídos nos cursos de formação, os relativos a uma formação cívica, moral, de hábitos de higiene, dentre outros. O que foi reivindicado converge com o que diz Borer (2009), ao afirmar que saberes necessários nos cursos de formação deveriam “assegurar aos professores uma formação de qualidade que possa ser repercutida sobre o conjunto do sistema educativo” (p.41) que, no caso do Brasil, compreende a esfera social, dada a precariedade vivida pelo país em termos de saúde, cultura e educação.

Valente (2016, p.274) destaca que estudos que se voltam a investigar os primeiros anos escolares carecem de uma “ultrapassagem dos objetos fenomenológicos (os conteúdos de matemática, os livros didáticos, as provas dos alunos, o ensino de matemática num dado nível escolar etc.) rumo a objetos teóricos, construídos e não dados a priori”. Analisar a criação de Escolas Normais pode indicar processos rumo a essa ultrapassagem?

Arrisca-se a dizer que a criação das Escolas Normais denotam o processo de institucionalização da formação docente em seu estágio inicial. Outras questões irão, ainda, juntar-se a esse processo, como é o caso da profissionalização docente, que carece de mais algum tempo para se constituir. Em um determinado momento coexistem institucionalização da formação docente e profissionalização docente possibilitado pela especialização dos profissionais do ensino, a constituição dos experts (HOFSTETTER et al. 2013). Exemplo do processo lento da profissionalização docente é identificado nas teses analisadas por Medeiros e Morais (2016) quando os autores relacionam a docência à vocação, a um ato de amor, à mulher, e não a uma profissão como todas as outras. Paralelo ao processo de institucionalização ocorre o desenvolvimento das ciências da educação, cujos objetos são a educação, a formação, o ensino.

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Com respeito à interrogação sobre “como os referenciais suíços ajudam a pensar a pesquisa que vem sendo realizada”, cabe ressaltar que a aproximação a esses teóricos possibilitou olhar para processos, para movimentos e não para fatos isolados. Para além da criação de Escolas Normais, o que pode ser lido nesse processo acerca da formação docente? Ele diz da institucionalização dessa formação, como já foi colocado, de caminhos que rumam à sua profissionalização, bem como possibilita

analisar como se articulam de um lado os saberes constitutivos do campo profissional, no qual a referência é a expertise profissional (saberes profissionais ou saberes para ensinar); e de outro, os saberes emanados dos campos disciplinares de referência produzidos pelas disciplinas universitárias (saberes disciplinares ou saberes concernentes ao saberes a ensinar) (BORER, 2009, p.42).

A aproximação a esses referenciais possibilitou à pesquisa em processo “captar como diferentes tipos de saberes surgem em conexão com o desenvolvimento da formação de professores, como eles evoluem, se diferenciam e se articulam” (Ibid.). A respeito disso identifica-se no processo de constituição das Escolas Normais uma demanda social que dita quais saberes viriam a ser institucionalizados, formando as disciplinas (HOFSTETTER, SCHNEUWLY, 2009). Para esses mesmos autores, em publicação de 2014, “as profissões são a emanação da intervenção das disciplinas em diversos campos sociais, que essas últimas, contribuem também a transformar e reestruturar” (p.33). No caso em estudo não é diferente, pois ao mesmo tempo em que se desenvolvem, pressionadas por questões externas, as disciplinas interferem em diversos campos sociais.

6. Seria este um fim?

Não. Alguns temas indicados no texto se quer foram explorados, como é o caso dos indicados na nota de rodapé de número 5: eugenia, a relação urbano/rural, o movimento de feminilização do magistério, os modos de conceber a infância e educação da infância. E os relativos aos saberes matemáticos? A aritmética se revela em muitas pesquisas como tema importante de debates à época da I Conferência Nacional de Educação. Assim interroga-se: Quais os direcionamentos relativos à esse saber foram discutidos no evento? Todos esses temas se configuram como saberes institucionalizados na infância da formação de professores no Brasil a partir da criação das Escolas Normais. Por essa razão, deve-se avançar no estudo desses temas...

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750 109 7. Referências

AJZENBERG, E. A semana de arte moderna de 1922. Revista Cultura e Extensão USP. 2012. USP: São Paulo. Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária. Maio, v. 7, 2012. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rce/article/view/46491 Acesso em 19 dez. 2016.

BORER, V. L. Os saberes: uma questão crucial para a institucionalizzção da formação de professores. IN: Rita Hofstetter et al. (2009). Savoirs en (trans)formation – Au

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MEDEIROS, R. G.; MORAIS, R. S. I Conferência Nacional de Educação – um estudo histórico relativo a temas, assuntos e problemas da educação brasileira por volta de 1927. In: Anais dos Trabalhos de Conclusão do Curso de Especialização em

Matemática – versão 2014-2016 – UAB – Universidade Aberta do Brasil – NEAD –

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MORAIS, R. S. O processo constitutivo da Resolução de Problemas como uma

Temática da pesquisa em Educação Matemática – um inventário a partir de

documentos dos ICMEs. 2015. 44f f. Tese de doutorado. Educação Matemática. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Rio Claro, 2015. NERY, A. C. B. A Sociedade de Educação de São Paulo – embates no campo educacional (1922-1931). São Paulo: Ed. UNESP. 2009.

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