• Nenhum resultado encontrado

ATIVIDADE: Estudo dirigido sobre As fontes da equivocidade

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ATIVIDADE: Estudo dirigido sobre As fontes da equivocidade"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO Disciplina: Teoria do Direito II (PLE) Professora: Ana Paula Barbosa-Fohrmann

Doutoranda em estágio docência: Alessandra Moraes de Sousa Mestrando em estágio docência: Arthur Cezar de Melo

Monitor: Michael Guedes

ATIVIDADE: Estudo dirigido sobre “As fontes da equivocidade”

LIVRO BASE: GUASTINI, Riccardo. Interpretar y Argumentar. Madrid: Centro de

Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 55, 62-67.

Este estudo dirigido tratará do tema as fontes da equivocidade1, assunto específico que compõe o tema geral da interpretação jurídica. A exposição terá como texto base o livro Interpretar y Argumentar, de Riccardo Guastini, do qual serão extraídos os conceitos aqui expostos; os exemplos ilustrativos a serem utilizados, quando não recolhidos diretamente do texto base, serão, em maior ou menor medida, nas circunstâncias e/ou nos raciocínios, inspirados naqueles utilizados por Guastini.

O fato da equivocidade, segundo Guastini, pode ser compreendido como o “(...) fato de que cada texto normativo admite uma pluralidade de interpretações e está por isso sujeito a (possíveis) controvérsias interpretativas.”2 Interessa a este estudo as fontes desse fato, sobre as quais Guastini entende não se limitarem a fatores objetivos3 do processo de elaboração do texto normativo. Com efeito, o autor elenca as seguintes causas como sendo

1 O assunto é tratado especificamente em GUASTINI, Riccardo. Interpretar y Argumentar. Madrid:

Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p. 62-67.

2 Ibidem., p. 55, tradução nossa.

3 A título de exemplo, Guastini menciona a obscuridade do texto e a ambiguidade de natureza sintática e

(2)

as principais ensejadoras da equivocidade: I – interesses em conflito; II - distintos sentimentos de justiça; III - multiplicidade de métodos interpretativos; IV – construções dogmáticas.

Para além dessas fontes da equivocidade, a atividade interpretativa pode, ainda, padecer de problemas, qualificados por Guastini como problemas de interpretação. Segundo o autor, tais problemas podem ser concebidos ao menos de dois modos e variam conforme a perspectiva que se adota: por um lado, a perspectiva do juiz que estabelece uma relação de fidelidade com a lei; por outro lado, a do advogado ou do juiz cuja fidelidade é consagrada à sua orientação política4. Sob a ótica da primeira perspectiva, a interpretação é concebida como uma atividade de conhecimento, cuja função é extrair “o ‘verdadeiro’ significado das leis e/ou a ‘verdadeira’ intenção do legislador.”5 Os problemas, sob a primeira perspectiva, podem ser expressos, de acordo com Guastini, como fontes ou motivos de dúvida a respeito dos objetos de interpretação referidos. Por sua vez, sob a segunda perspectiva, entende Guastini que a interpretação consiste em uma atividade de “avaliação, eleição e decisão: interpretar é individualizar os significados distintos possíveis de um texto, avaliar em cada um deles os possíveis resultados práticos e escolher o mais oportuno tendo em vista um fim pré-estabelecido.” 6 Guastini identifica que, à luz dessa segunda perspectiva, a forma assumida pelos problemas de interpretação é a de margens ou espaços de discricionariedade.

Feita a ressalva acima, estamos em condições de avançar para as principais causas de equivocidade, conforme foram elencadas por Guastini. Primeiramente, constam os interesses em conflito. Sobre essa fonte, Guastini menciona o fato de que os interesses práticos dos diferentes intérpretes, seja no parlamento, seja em processos judiciais, impõem condições às suas escolhas interpretativas. Para fins ilustrativos, pensemos brevemente em um processo trabalhista hipotético da realidade brasileira: confrontam-se, em juízo, um empregado e um empregador, sustentando pedidos e interesses contrastantes. Em um processo judicial, no qual interesses práticos opostos se confrontam, Guastini considera provável que os mesmos textos normativos sejam interpretados de maneira diversa por cada parte7.

4 Essa segunda perspectiva também é atribuída por Guastini ao “homem mau”, com aspas empregadas pelo

próprio autor. Cf. Ibidem., p. 63.

5 Ibid., p. 63, tradução nossa. 6 Ibidem, p. 63, tradução nossa.

7 Isso se extrai das considerações que Guastini faz sobre os exemplos que utilizou, os quais inspiraram a

(3)

A segunda dentre as fontes prevalentes de equivocidade apresentadas por Guastini consiste na existência de distintos sentimentos de justiça. Segundo o autor, os intérpretes têm suas decisões interpretativas influenciadas de maneira condicionante pelas predileções de natureza ética e política que possuem, as quais ele equipara a sentimentos de justiça. Para exemplificar essa fonte de equivocidade, podemos refletir sobre o conteúdo do Art. 5º, LVII, CRFB: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Ora, diante desse texto, um intérprete inclinado à defesa do indivíduo pode interpretar que tal dispositivo indica que privação da liberdade (prisão), para fins de cumprimento de pena, só pode ter início após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por outro lado, um intérprete partidário da atuação ostensiva do Estado no combate à corrupção e à impunidade poderia interpretar que tal dispositivo não apresenta qualquer objeção ao encarceramento para fins de execução da pena após decisão condenatória em segunda instância, uma vez que a espera pelo trânsito em julgado das decisões fomentaria, sob essa perspectiva hipotética, a promoção da impunidade8. Percebe-se, através do exemplo, o modo como distintas predileções éticas e políticas podem influenciar o processo interpretativo e gerar equivocidades, segundo a conceituação proposta por Guastini.

A terceira fonte apresentada por Guastini é constituída pelos diferentes métodos passíveis de aplicação quando da interpretação (métodos de interpretação). Segundo o autor, é frequente que, de acordo com o método que se empregue, significados diversos sejam extraídos dos enunciados normativos. Para compreender essa fonte de equivocidade, podemos refletir, a título de exemplo, sobre a união civil homoafetiva, cuja possibilidade foi reconhecida no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das ADI 4277 e ADPF 132. Antes do julgamento, não havia o reconhecimento legal ou constitucional da união homoafetiva em nosso ordenamento jurídico. Observemos a previsão legal da união civil presente no Art. 1.723 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua (...).” Ora, diante desse texto, seria possível

8 Recentemente, a possibilidade de execução da pena privativa de liberdade após decisão condenatória de

segunda instância foi tratada em decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que foram reunidas. A decisão que resolveu o mérito das três ações pode ser consultada em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADC&documento=&s1=43&proce sso=43. Acesso em: 09 ago. 2020.

Frisa-se, por fim, que informações mais específicas sobre as ADCs 44 e 54, como as partes dessas ações, as respectivas fundamentações constitucionais, andamentos e etc., devem ser buscadas à parte, uma vez que o link indicado versa prioritariamente sobre a ADC 43.

(4)

formular um argumento qualificado por Guastini como uma variante do argumento a contrario: não há menção explícita à possibilidade de união homoafetiva, então somente aos casais heterossexuais é concedido o direito à união civil. Dessa argumentação, segundo Guastini, decorre uma interpretação literal.

Contudo, com base no mesmo texto do Art. 1.723 do Código Civil, é possível formular um outro argumento, que o autor qualifica como argumento sistemático9: embora não haja menção explícita à possibilidade de união homoafetiva no dispositivo mencionado, a República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CRFB) e como um dos seus objetivos a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação (Art. 3º, IV, CRFB); desta forma, considerando esses princípios fundamentais que regem o Estado brasileiro, poder-se-ia argumentar que a vedação à união homoafetiva, promovida pela conclusão do argumento exposto, é incompatível com o sistema formado pelo ordenamento jurídico brasileiro10. Segue-se desse argumento, segundo Guastini, uma interpretação extensiva.

Ademais, vale mencionar um terceiro tipo de argumento, qualificado por Guastini como argumento da dissociação. Faremos uso de um exemplo bastante semelhante ao empregado pelo próprio autor em seu texto11. No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal faz menção, pontualmente, a homens e mulheres de maneira diferenciada12, de tal forma que se pode concluir que há uma subdivisão entre o grupo geral “cidadãos”. Isso posto, vejamos o conteúdo da alínea a), I, do Art. 12, CRFB, que indica uma das classes de brasileiros natos: “os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros (...);”. Considerando a diferenciação entre homens e mulheres reconhecida pelo ordenamento jurídico, poder-se-ia argumentar que a ausência de menção às nascidas (mulheres) em território brasileiro foi intencional no texto constitucional, de forma que somente aos homens nascidos no Brasil concede-se a

9 Assim como no exemplo empregado por Guastini em seu texto (Cf. Ibidem, p. 64), há, aqui, um

pressuposto dogmático presente. Ressalta-se que “dogmático” deve ser compreendido nos termos explicitados no último parágrafo desse estudo.

10 Trata-se de uma ilustração simplificada do argumento sistemático. Padrões argumentativos semelhantes,

embora muito mais complexos e sofisticados, podem ser encontrados nos votos proferidos pelos Ministros do STF no julgamento das ADI 4227 e ADPF 132, cuja decisão pode ser acessada em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em: 09 ago. 2020.

11 Cf. GUASTINI, 2014, p. 65. Por fazermos uso de um exemplo semelhante ao de Guastini, decorre que,

também aqui, o argumento da dissociação combina-se com o argumento literal, argumento a contrario e o argumento sistemático.

12 Um exemplo é a dispensa do serviço militar obrigatório, assegurada às mulheres e aos eclesiásticos (Art.

(5)

qualidade de brasileiro nato13. Desse argumento, decorreria uma interpretação qualificada como restritiva por Guastini.

Por fim, a quarta e última dentre as fontes prevalentes de equivocidade apresentadas por Guastini é representada pelas construções dogmáticas. Tais construções são, segundo Guastini, os pressupostos teóricos carregados pelos intérpretes, que “fatalmente condicionam sua interpretação”14. Tais construções foram formuladas por juristas em momento “logicamente anterior à, e independente da, interpretação de qualquer enunciado normativo específico.”15 Essa construção pode, segundo Guastini, condicionar a interpretação de diferentes formas, seja recomendando a preferência por uma decisão interpretativa, seja aventando a exclusão de outras. Entende o autor que esse tipo de construção dá origem a normas que qualifica como “não formuladas”16, normas que os agentes da interpretação produzem “(...) através de distintos procedimentos argumentativos logicamente não vinculantes.”17 Para exemplificar essa última fonte e concluir este estudo, vale mencionar um dos exemplos utilizados pelo próprio Guastini em seu texto: quando do julgamento do caso “Marbury” pelo Supremo Tribunal estadunidense, formulou-se uma doutrina “(...) segundo a qual toda constituição escrita implica o princípio que qualquer lei contrária à constituição é nula (e que sua nulidade pode ser declarada pelos juízes).”18.

Texto escrito por Arthur Cezar de Melo

QUESTÕES:

1) Cite e explique um dispositivo normativo não apresentado nesse estudo dirigido, mas que funciona de maneira igualmente adequada para exemplificar o fenômeno da equivocidade. Especifique, também, à qual fonte de equivocidade dentre as apresentadas por Guastini o mesmo pode ser relacionado.

2) O artigo 155, § 1º, do Código Penal Brasileiro explica que no crime de furto “A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.”.

13 O que está em questão, aqui, não é avaliarmos a pertinência desse argumento, mas tão somente

observarmos como ele se estrutura.

14 GUASTINI, op. cit., p. 65, tradução nossa. 15 Ibidem., p. 65, tradução nossa.

16 Cf. Ibidem, p. 67. Guastini ressalta que, a despeito de não terem sido propostas por autoridades

normativas, tais normas têm a pretensão de integrar o ordenamento maneira implícita.

17 Ibidem., p. 67, tradução nossa. 18 Ibidem, p. 65.

(6)

O “repouso noturno” do dispositivo em questão pode ser interpretado, pelo menos, de 3 (três) formas: quando o furto é realizado posteriormente às 18 horas; quando realizado mediante atmosfera escura (escuridão); e quando realizado com as vítimas deitadas na cama/vulneráveis. Cite e explique a fonte de equivocidade capaz de esclarecer a existência das múltiplas interpretações elencadas.

Referências

Documentos relacionados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Apothéloz (2003) também aponta concepção semelhante ao afirmar que a anáfora associativa é constituída, em geral, por sintagmas nominais definidos dotados de certa

A abertura de inscrições para o Processo Seletivo de provas e títulos para contratação e/ou formação de cadastro de reserva para PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR

A maneira expositiva das manifestações patológicas evidencia a formação de fissuras devido a movimentação térmica das paredes, Figura 9, que não foram dimensionadas com

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise

Por isso, quando a quantidade de Oxigênio Dissolvido na água diminui, os peixes não conseguem compensar esta.. Diminuição, ficando prejudicados e,

Graças ao apoio do diretor da Faculdade, da Rede de Museus e em especial da Pro Reitoria de Extensão, o CEMEMOR tem ampliado e mantido suas atividades junto

A Variação dos Custos em Saúde nos Estados Unidos: Diferença entre os índices gerais de preços e índices de custos exclusivos da saúde; 3.. A variação dos Preços em