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ESCOLAS ISOLADAS E GRUPOS ESCOLARES EM SÃO PAULO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX: TENSÕES EM TORNO DE LIMITES 1

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ESCOLAS ISOLADAS E GRUPOS ESCOLARES EM SÃO PAULO NAS

PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX:

TENSÕES EM TORNO DE LIMITES

1

Angélica Pall Oriani

2

À guisa de introdução

Este texto deriva de minha tese de doutorado em educação, a qual foi desenvolvida sob orientação da professora doutora Ana Clara Bortoleto Nery, e defendida no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho", Campus de Marília.

Dessa pesquisa, desenvolvida mediante a seleção, a recuperação e a análise de fontes documentais, as quais foram interpretadas a partir do referencial teórico-metodológico da Nova História Cultural, resultou a tese intitulada "A céllula viva do bom apparelho escolar: expansão das escolas isoladas pelo estado de São Paulo (1917-1945)", a qual teve por objetivo analisar o movimento de expansão das escolas isoladas pelo estado de São Paulo no período que se estendeu entre 1917 e 19473.

Mediante desenvolvimento da pesquisa, pude constatar que no âmbito das discussões sobre a escolarização primária no estado de São Paulo foi perene certa tensão entre a atenção que deveria ser destinada ao espaço urbano e a que deveria ser destinada ao espaço rural e que essa dualidade se manifestou na elaboração das políticas de expansão da educação para ambos os espaços.

Na elaboração das políticas públicas para a expansão e difusão do ensino primário em São Paulo, o grupo escolar foi privilegiado tanto pelo fato de ele condensar pedagogicamente os anseios dos administradores da educação, quanto por estar localizado no espaço urbano, considerado mais desenvolvido e condizente com valores de civilização e progresso, entoados pelos republicanos nas décadas iniciais do século XX.

1 A tese da qual resultou este trabalho foi desenvolvida com Bolsa CNPq.

2 Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de Marília.

Pós-doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. E-Mail: <angelicaoriani@hotmail.com>.

3 Apesar de no título da tese a periodização indicar 1945 como marco final, ampliei até 1947 o desenvolvimento da

análise por sugestão dos membros da banca de defesa. Devido ao fato de não poder alterar o título da tese após a defesa, mantive a periodização 1945 no título, porém ampliei no desenvolvimento da tese.

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Para a delimitação temporal, considerei a tensão entre os espaços urbano e rural no âmbito das políticas educacionais. Delimitei o ano de 1917 como marco temporal inicial da pesquisa, pois considerei pertinente a publicação da Lei nº1.579, de 19 de dezembro, a qual normatiza a classificação das escolas isoladas de acordo com a localização geográfica. Desse modo, essas escolas foram subdivididas em rurais, distritais e urbanas e a partir desse critério de localização seria delimitada a duração do curso ministrado em cada uma dessas escolas primárias: quatro anos para a escola isolada urbana, três anos para a escola isolada distrital e dois anos para a escola isolada rural. Iniciavam-se, com essa lei, as diferenciações entre os tipos de escolas isoladas que foram perenes no processo de expansão da escola isolada no estado de São Paulo.

Delimitei o ano de 1947 como o marco temporal final da pesquisa, pois com a publicação do Decreto n. 17.698, de 26 de novembro de 1947, foi aprovada a Consolidação das Leis de Ensino do Estado de São Paulo, a partir da qual a escolarização foi dividida em duas modalidades diferentes: a primária e a rural. A escolarização primária era oferecida nos grupos escolares, nas escolas isoladas, nos cursos primários anexos às escolas normais, no curso primário, de cinco anos, subdividido em primário comum de quatro anos e complementar de um ano, do Instituto de Educação "Caetano de Campos" nos cursos populares noturnos. A escolarização rural era oferecida nas escolas típicas rurais, nos grupos escolares rurais, nos cursos de agricultura das escolas normais, nos cursos especiais intensivos, destinados aos professores, com ou sem função no magistério oficial. Nesse sentido, considero que em termos legislativos houve certa demarcação entre o que eram consideradas a escola rural e a escola primária, sendo as escolas isoladas enquadradas nesta categoria.

Tomando como ponto de partida essa tensão entre o grupo escolar e a escola isolada nas políticas educacionais, neste texto tenho por objetivo analisar o debate em prol da difusão e da expansão da escolarização primária paulista o qual se condensou politicamente no privilégio de um tipo de escola e na secundarização de outro, que não se enquadrava pedagógica e geograficamente em uma proposta de escolarização defendida pelos republicanos .

Para atingir o objetivo que propus ao texto, tomo como objeto de reflexão os aspectos geográficos e pedagógicos como os grandes diferenciadores entre as escolas isoladas e os grupos escolares e utilizo como fontes documentais legislações de ensino e documentos de normatização escolar.

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Com a reflexão a respeito das tensões em torno dos limites e dos limites em torno das tensões entre as escolas isoladas e os grupos escolares, pude dimensionar o espaço ocupado por essas escolas, bem como pude aquilatar a secundarização e o privilegiamento deliberados nos âmbitos legislativos e simbólicos efetuados pelos administradores da educação paulista nos anos iniciais do século XX.

Nesse espaço simbolicamente desprivilegiado, busco trazer ao debate a necessidade de evidenciar a importância que as escolas isoladas tiveram na escolarização das crianças que habitavam zonas rurais, zonas distritais e zonas afastadas dos centros urbanos.

A escola urbana e a escola rural

No âmbito das políticas públicas para a expansão da escolarização primária paulista, houve certa diferenciação entre a atenção destinada às escolas que estavam localizadas no espaço urbano e às escolas que estavam localizadas no espaço rural.

Essa diferenciação se pautava em ideias de que o espaço urbano concentrava as condições necessárias para garantir o progresso do estado de São Paulo e que o espaço rural era atrasado e não alçaria o estado a um patamar de civilizado.

Quando Souza (1998) analisou o processo de implantação dos grupos escolares no estado de São Paulo enfatizou que nos projetos de escolarização em países que conseguiram obter êxito na implantação de sistemas nacionais de ensino estava implicado o atendimento aos núcleos urbanos e aos núcleos rurais e que, nesses projetos, eram as escolas isoladas que atendiam ao grupo populacional que habitava as regiões rurais. Esse atendimento dos dois espaços, porém, não foi equilibrado no projeto de expansão da escolarização, conforme planejado pelo estado de São Paulo. No caso do estado de São Paulo, observa-se

[...] justamente a ausência de uma política de expansão e melhoria do ensino que beneficiasse tanto a população rural quanto a população urbana. De fato, a política educacional dedicou-se muito mais à criação de grupos escolares nos núcleos urbanos e à dotação dessas escolas de melhores recursos em detrimento de uma política em favorecimento das escolas isoladas. (SOUZA, 1998, p. 90).

A constatação de Souza (1998) indica a supremacia das cidades e do espaço urbano em relação ao espaço rural. Por serem escolas "tipicamente urbanas" (SOUZA, 1998), para que fossem criados grupos escolares não havia necessidade de classificação a partir do local em que eles estavam inseridos.

A construção dos prédios que abrigariam os grupos escolares nas cidades do interior do estado de São Paulo demonstrava o cuidado dos administradores do Estado na delimitação

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de municípios para a instalação, na escolha da localização centralizada nos municípios e na seleção de terrenos de "[...] quadras inteiras, ou grandes lotes de esquina que proporcionassem uma visualização completa do edifício e permitisse múltiplos acessos" (BUFFA; PINTO, 2002, p. 43-44), com o que é possível compreender a lógica do "primado da visibilidade" (CARVALHO, 1989) a qual serviu de base para a construção de prédios de grupos escolares majestosos e bem situados nas áreas urbanas.

Pensando no caso dos grupos escolares de Curitiba, Bencostta (2001) problematiza aspectos dos projetos arquitetônicos durante a fase de implantação dessas escolas nesse estado. Apesar de o objeto de investigação desse autor se situar no estado do Paraná, há aspectos que transpassam as fronteiras geográficas entre os dois estados e que servem para problematizar as escolhas governamentais a respeito dos espaços para a construção dos grupos escolares. A esse respeito, Bencostta (2001) afirma:

A construção de edifícios específicos para os grupos escolares foi uma preocupação das administrações dos Estados que tinha no urbano o espaço privilegiado para a sua edificação, em especial, nas capitais e cidades prósperas economicamente. Em regra geral, a localização dos edifícios escolares deveria funcionar como ponto de destaque na cena urbana, de modo que se tornasse visível, enquanto signo de um ideal republicano, uma gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o novo regime. (BENCOSTTA, 2001, p. 135).

Em razão da necessidade de conferir certa racionalidade administrativa no trato da supervisão e avaliação das escolas pelo interior do estado, surgiu a problemática de classificar as escolas isoladas tendo como parâmetro a localização. A esse respeito, merece destaque a publicação da Lei nº 1.579, de 19 de dezembro de 1917, a qual definiu a diferenciação pedagógica entre as escolas isoladas urbanas, distritais e rurais, a partir da duração do curso primário em cada uma dessas escolas. Conforme defendi na tese de doutorado, a classificação e a adjetivação das escolas isoladas a partir do local em que elas estavam inseridas gerou a construção da diferença entre a escola do espaço urbano e a do espaço rural, a qual se consolidou por meio da legislação mencionada.

A respeito da publicação dessa lei, vale destacar o conteúdo da Mensagem apresentada por Altino Arantes, então Presidente do estado de São Paulo, ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1918. Nessa mensagem, Altino Arantes destaca a publicação da lei como uma ação estadual capaz de sanar as dificuldades do aparelho educacional paulista e indica:

As escolas isoladas, de acordo com a citada lei, estão sendo classificadas em diversas categorias. Para o seu provimento, o Governo tem dado preferencia

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aos municipios4 novos ou longiquos, e aos que são grande núcleo de

população extrangeira ou se encontram menos providos de instrucção. Dentro em pouco serão installadas as escolas ruraes, que deverão funccionar nos centros agrícolas, onde a população escolar é em grande parte, sinão em sua totalidade, descendente de extrangeiros. A acção do Estado, que até agora se fazia sentir melhor nos centros urbanos, passará a ser exercida, com igual intensidade na zona rural, até agora menos favorecida.

Sem despreoccupar-se das cidades, onde as escolas já satisfazem ás necessidades da população, vae o Estado convergir todos os seus esforços, em prol da disseminação do ensino, em pontos remotos, em que ele se torna mais necessário, quer para os descendentes de extrangeiros, procurando dest'arte integral-os na vida politica do paiz, quer para os núcleos da população nacional, proporcionando a seus habitantes os elementos de que carecem, para se tornarem também factores do nosso progresso economico. (ARANTES, 1918, p. 8).

É, portanto, no movimento de expansão das escolas primárias principalmente pelos espaços rurais e afastados do interior de São Paulo que a classificação das escolas isoladas a partir da localização se tornou uma pertinente estratégia estadual para a expansão racional dessas escolas. Nesse sentido, os limites geográficos conferiram certas configurações específicas que começaram a ser construídas em termos classificatórios os quais se tornaram definidores a partir da Lei nº 1.579, de 19 de dezembro de 1917.

Apesar dessas classificações e do direcionamento pedagógico que começou a se efetuar com a publicação dessa lei, a mobilidade da escola isolada, como aspecto geográfico e pedagógico, também merece destaque. Apesar das denúncias do insucesso da expansão da escolarização primária paulista, Oscar Thompson, na condição de Diretor Geral da Instrução Pública Paulista, conferiu papel significativo às escolas isoladas como meio de alcance das crianças que moravam em bairros, em distritos, em vilas e nas zonas rurais, em relatório que apresentou a Rodrigues Alves, então Secretário do Interior, o qual foi publicado no Annuário do ensino do estado de São Paulo (1918).

Em abordagem convergente com a apresentada pelo Presidente de Estado Altino Arantes, conforme citei anteriormente, Oscar Thompson enfatiza que era nas zonas rurais e nos bairros e vilas longínquas que a escola isolada assumia a função de ser o principal instrumento de expansão da escolarização. Por esse motivo, o local das escolas isoladas era na zona rural.

Nas cidades, ao lado dos grupos ou dos grandes estabelecimentos particulares, a escola isolada se apouca, se humilha, se desfigura e se afeia, pela grandeza e luxo de tudo que a cerca; no campo ou ao lado das fabricas,

4 Pelo motivo de se tratar de uma pesquisa histórica, neste e nas demais citações mantive a ortografia conforme

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ella encontra o seu dominio próprio, attrahe a gente em idade escolar e se constitue a cellula viva de um bom apparelho escolar.

É da sua primordial missão levar o primeiro facho de luz ás populações sertanejas; e o professor constitue o pioneiro das primeiras explorações em prol do alphabeto.

É a escola isolada que vae preparar o terreno para futurosas colheitas. Sobre este ponto de vista, ella se sobrepuja, em beneficios, o grupo escolar, pois é da zona rural que corre, como das pequenas fontes para os rios, os elementos da vida para as cidades e as reservas de gente sadia e forte para a sociedade.

Eis porque a alphabetização da zona rural do Estado deve merecer os mais desvelados cuidados dos poderes publicos. (THOMPSON, 1918, p. 24).

Como se observa, a diferenciação entre a escola rural e a escola urbana foi aspecto importante no debate em torno da expansão da escolarização primária paulista, tendo sido perene ao longo da primeira metade do século XX.

Além disso, há que se destacar que no âmbito das discussões entre o que é escola rural e o que é escola urbana, a imagem da escola isolada se consolidou como escola rural, apesar de essa instituição também se localizar em espaços rurais. Com esse estigma de escola rural e essa indefinição conceitual, as políticas elaboradas para as escolas isoladas acabaram se misturando com as que eram elaboradas para as escolas rurais. Todavia, é preciso destacar que a escola rural, como uma organização pedagógica especificamente configurada a partir de valores do ruralismo e com conteúdos escolares típicos rurais, se consolidou como um constructo histórico apenas a partir de 1930, conforme assinalaram Souza e Ávila (2013; 2014).

Essa associação conceitual começa a ser esclarecida com maior precisão apenas com a publicação da Consolidação das leis de ensino do Estado de São Paulo, por meio do Decreto n. 17.698, de 26 de novembro de 1947, com que se estabeleceu uma diferenciação entre as modalidades de ensino. A partir de então, educação primária e educação rural seriam duas formas diferentes de escolarização.

A educação primária seria aquela ministrada nas escolas isoladas, nos grupos escolares e nos cursos primários anexos às escolas normais, no curso primário, de cinco anos, subdividido em primário comum de quatro anos e complementar de um ano, do Instituto de Educação "Caetano de Campos" nos cursos populares noturnos. A educação rural seria ministrada nas escolas típicas rurais, nos grupos escolares rurais, nos cursos de agricultura das escolas normais e nos cursos especiais intensivos destinados aos professores.

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A escola graduada e a escola multisseriada

As escolas isoladas foram uma das primeiras formas de organização escolar no estado de São Paulo. Essas escolas eram unidocentes e, portanto, apenas um professor lecionava os conteúdos para diversas crianças em idades e níveis de adiantamento diferentes. Esse tipo de escola não se pautava em modelos seriados ou graduados de ensino, os quais foram implantados em São Paulo em 1893, por meio da publicação da Lei nº 169, de 7 de agosto e regulamentado por meio do Decreto nº 248, de 26 de julho de 1894. Por meio desse decreto e desse regulamento foi estabelecida a reunião de diversas escolas isoladas em um raio fixado para a obrigatoriedade escolar em apenas um prédio e, com isso, se criavam os grupos escolares.

Como mencionei anteriormente, pensando a respeito das escolas isoladas, é preciso destacar os adjetivos que essas instituições receberam os quais foram definidores do espaço geográfico em que elas estavam situadas e que se constituíram como os critérios elementares para a definição da duração do curso e, por consequência, para a organização dos saberes escolares que deveriam ser disseminados nessas instituições.

As constantes oscilações na duração do curso primário oferecido nas escolas isoladas e a inclusão e/ou exclusão de determinadas matérias e conteúdos curriculares indicam que, no processo de organização do ensino primário paulista, não houve muito consenso. As disputas em torno daquilo que era considerado necessário para a formação do cidadão republicano, bem como sobre quem era esse cidadão republicano almejado passaram não apenas pelas finalidades das escolas primárias, mas, também, pelo conjunto de conhecimentos que cada uma das instituições divulgava.

Os grupos escolares foram organizados em quatro séries; cada uma delas correspondia a um ano letivo. O programa de ensino das escolas isoladas organizou a duração do ensino nessas instituições em três seções e não anos, graus ou séries, possivelmente prevendo a presença de alunos em diferentes níveis de adiantamento e a possibilidade de disposição e agrupamento dos alunos por seções.

Sobre a questão da organização das atividades didáticas, é notório que com a implantação dos grupos escolares de certo modo foram oferecidos alguns modelos de divisão do tempo da escola. Souza (1998, p. 214) distingue que:

Se a escola de primeiras letras, reinado do ensino individual vicejava sobre um tempo aleatório, marcado pelo ritmo da aprendizagem do aluno, o término do compêndio ou a livre decisão do professor, a escola primária

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republicana pôs em marcha a organização racional do ensino na qual o emprego do tempo ganha relevância e significado.

É pertinente destacar que certa divisão no tempo das escolas isoladas e a subdivisão das salas em níveis de adiantamento também já eram práticas utilizadas pelos professores das escolas de primeiras letras no período que antecedeu a implantação dos grupos escolares em São Paulo, em decorrência da utilização do método de ensino mútuo.

Nos anos iniciais do século XIX, o método de ensino individual era utilizado para a instrução pública paulista. A partir de 1824, de acordo com Cardoso (2013), com a defesa de Rafael Tobias Aguiar, o método de ensino lancasteriano ou mútuo foi sugerido como uma aposta na universalização do ensino, o qual se restringiria à leitura, à escrita e às operações elementares de aritmética. Em 1825, com a publicação da Decisão nº 182, o governo imperial oficializou a adoção do método de ensino lancasteriano ou mútuo nas províncias brasileiras e, por meio da Decisão nº 232, foram criadas escolas de ensino mútuo na capital do Império, e duas na província de São Paulo, uma na capital e outra em Santos (CARDOSO, 2013).

As discussões em torno do método de ensino como organização da classe e como forma de ensinar passaram a ganhar destaque entre as décadas de 1840 e 1870, dando lugar à adoção de métodos mistos, os quais buscavam aliar as vantagens do método individual com as vantagens do método lancasteriano ou mútuo. Essa vertente de discussões sobre os métodos, as quais, de acordo com Faria Filho (2000) incidem sobre a forma de organizar as classes, sofreu uma importante inflexão a partir de 1870, principalmente em decorrência das ideias e das experiências do educador suíço Jean-Henri Pestalozzi, as quais geraram certo deslocamento das discussões sobre os métodos para as discussões sobre as relações pedagógicas de ensino e aprendizagem. Esse deslocamento norteou os caminhos para a adoção do método intuitivo, o qual balizou as iniciativas republicanas na/por ocasião da implantação da escola graduada.

Quando Cardoso (2013) analisa a organização do trabalho didático nas escolas isoladas paulistas, o recorte dessa autora perpassa os momentos que antecedem a implantação das escolas graduadas e os momentos em que escola isolada e escola graduada coexistem.

As constatações dessa autora se referem ao controle e classificação dos alunos das turmas e também à organização do tempo escolar. Em uma escola de Itu, por exemplo, o relato do professor Felix do Amaral indica que no ano de 1828, dos 77 matriculados, 65 eram frequentes, e esses eram classificados em sete classes, as quais contavam com sete monitores (CARDOSO, 2013). Sobre a organização do tempo escolar, Cardoso (2013) apresenta a rotina do professor Bernardino de Carvalho, na cidade de Silveiras, que data de julho de 1868. As

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atividades eram bastante cronometradas e os exercícios de caligrafia, aritmética, leitura de impressos, lições de doutrina, de gramática, de manuscritos, de tabuada e de sistema métrico eram divididas em intervalos de quarenta e cinco minutos a uma hora de duração, entre as 8h e as 16h.

As afirmações de Cardoso (2013) permitem compreender alguns vestígios das práticas de organização do tempo nas escolas isoladas no período que antecedeu a implantação dos grupos escolares; é certo que a divisão do tempo operada nas escolas de primeiras letras se vincula a outro modelo pedagógico que sustenta as práticas, baseado nos princípios do método lancasteriano ou mútuo, o que foi alterado com a implantação das escolas graduadas, em que o controle do tempo era regulado por princípios científicos, ancorados em discussões médicas sobre a fadiga e o rendimento em torno da aprendizagem e, também, em questões que perpassavam o sentido que o tempo passou a ter, não sendo vinculado mais ao tempo da natureza, mas sim ao tempo do relógio e do trabalho, seguindo a lógica do capital (SOUZA, 1998).

É possível constatar, portanto, que com a implantação dos grupos escolares a organização do tempo escolar das escolas isoladas também foi sendo vinculada às novas formas de se compreender o tempo. Nesse sentido, a proposição de calendários, de período de matrículas, de férias e as tentativas de ordenação do tempo dessas escolas eram aspectos constantes também nas escolas isoladas. Apesar das discussões em torno da diferenciação das escolas isoladas em relação aos grupos, com períodos de férias e de exames finais diferenciados para o atendimento das demandas específicas dessas escolas, bem como com os problemas de frequência nas escolas isoladas, que gerava certa oscilação na quantidade de alunos, é possível constatar a organização temporal fazendo-se sentir também nessas instituições.

Quanto às matérias ensinadas nos grupos escolares e nas escolas isoladas, é possível constatar a diferenciação e o apelo prático que conferiu o vínculo entre os conteúdos curriculares das escolas isoladas aos locais em que elas estavam inseridas e ao modelo de indivíduo que era almejado formar com esses conteúdos culturais. A simplificação dos programas escolares das escolas isoladas decorreu da visão de que essas instituições eram mais singelas e modestas do que os grupos escolares. Ao longo do período, o processo de diferenciação entre as escolas isoladas e os grupos escolares, que começou efetivamente na década de 1910, permaneceu nas décadas seguintes, em alguns momentos acentuando mais a diferença entre as instituições e delimitando com mais ênfase o vínculo da escola isolada ao atendimento da população rural.

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À guisa de conclusão

Neste texto, problematizei os limites que separaram e criaram tensões entre as escolas isoladas e os grupos escolares, duas instituições escolares que coexistiram no Brasil durante boa parte do século XX, e que foram responsáveis pela escolarização de inúmeras crianças.

Direcionando o olhar para as políticas públicas relativas à expansão e à difusão do ensino primário e explorando as questões geográficas e pedagógicas, analisei as tensões em torno dos limites entre as escolas isoladas e os grupos escolares, passando por aspectos como a instalação, a duração do curso primário, e a seriação graduada ou a multisseriação.

Mediante a análise desses aspectos, discuti o lugar privilegiado do grupo escolar nas políticas públicas para a expansão das escolas primárias durante as décadas iniciais do século XX, e a secundarização das escolas isoladas, as quais foram estigmatizadas pelo fato de estarem localizadas no espaço rural e por não concretizavam pedagogicamente aquilo que era considerado ideal e necessário para os interesses republicanos.

Para além das questões relacionadas à secundarização das escolas isoladas, é preciso destacar o papel auxiliar e complementar que essas escolas tiveram na difusão da escolarização primária. Tal aspecto pode ser evidenciado com o desenvolvimento de pesquisa de doutorado (ORIANI, 2015), a qual, dentre outros aspectos, permitiu constatar o alcance das escolas isoladas em regiões em que os grupos escolares demoraram a chegar, pela distância da capital paulista ou dos grandes centros urbanos.

Nesse sentido é fundamental direcionar o olhar para as escolas isoladas, evidenciando que a despeito dos aspectos que lhe secundarizavam em comparação aos grupos escolares, o alcance dessas insitutições foi bastante significativo, especialmente quando se considera que até metade do século XX grande parte da população paulista vivia nas zonas rurais do estado de São Paulo.

Referências

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