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AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DO ESTADO DO PARANÁ LÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DO INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO

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AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DO ESTADO DO PARANÁ – LÍNGUA PORTUGUESA

À LUZ DO INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO

Mariangela Garcia LUNARDELLI (Unopar)

ABSTRACT: Parameters, curriculum and curricular lines are destined to offer models, routes of work to

teachers, pedagogical teams and all sort of educational professionals. These texts are considered prescriptive, directive, program based or, as Bronckart (2003), a genre that predominantly presents injunctive and argumentative sequences. In 2003, the Education Secretary of the State of the Paraná prioritized a debate with teachers of the public net around the formulation of Curricular Lines of direction (Curricular Lines of direction of the Elementary Education of the State of the Paraná), published in two preliminary versions: a first printed version, in 2005; and a second electronic version, in 2006 (SEED/PR homepage). Considering the similarities and differences related to the teaching of the Portuguese language in Elementary School, this article considers to argue about these two preliminary versions in a linguistic-discursive analysis, following the proposal of analysis developed for Bronckart (2003) and Machado and Bronckart (2004).

KEYWORDS: Curricular lines; social/discursive interaction; Portuguese language; textual genre.

1. Introdução

Em auxílio ao professor do Ensino Regular nas escolas de todo o país, e assim o é no mundo em geral, encontram-se os parâmetros, os referenciais, as diretrizes, os currículos. Estes são destinados a aportar ao professor, à equipe pedagógica e aos profissionais da educação luzes e também caminhos a seguir sobre o fazer escolar, as disciplinas, os conteúdos, os materiais, enfim, oferecer modelos / eixos / rumos de trabalho na escola. Podem ser considerados textos prescritivos, diretivos, programativos ou, conforme o estudo de seqüências em Bronckart (2003), um gênero com predominância de seqüências injuntivas e argumentativas.

No Brasil, na década de 1990, foram-nos apresentados, em nível nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais (os de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental, em 1998) – os PCN, os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio – PCNEM, os Referenciais Curriculares para a Educação Infantil – RCN, os quais, de certa forma, elucidaram algumas questões referentes ao trabalho da língua portuguesa, objeto de nosso atuar, principalmente no que concerne ao ensino de e com textos – o trabalho com os gêneros textuais. Os PCN passam, neste exato momento, em 2005-2007, por uma fase de reformulação, a qual ainda não foi divulgada ao grande público.

Para as escolas públicas do Estado do Paraná, no ano de 1990, foi publicado o Currículo para a Educação Básica. Em seguida, houve um momento de discussões centralizadas e mudanças conceituais – política educacional de abordagem neoliberal - nas duas gestões de governo Jaime Lerner, tomando quase toda a década de 1990. Neste novo século, em 2003, na gestão de Roberto Requião, a Secretaria de Educação priorizou um debate com professores da rede pública em torno da formulação das Diretrizes Curriculares (Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná) – DCE.

As Diretrizes Curriculares foram publicadas em duas versões preliminares: a primeira versão é impressa, data de 2005 e foi enviada aos professores do Estado a fim de que enviassem sugestões de reformulação. A segunda versão é eletrônica, acessível somente aos

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que acessam a Internet, consta na página da SEED – PR e data de 20061. As duas versões contêm semelhanças e diferenças em relação ao trabalho com a língua portuguesa no Ensino Fundamental. Em função disso, propomo-nos, neste artigo, a discutir as duas versões preliminares das DCE de Língua Portuguesa, em uma análise lingüístico-discursiva concernente ao item “Práticas Discursivas”, uma vez que não se torna possível, nas medidas deste estudo, propor uma análise de todo o texto das Diretrizes. O recorte em se analisar o item “Práticas Discursivas” deve-se ao fato de que é justamente o item mais modificado da versão impressa à eletrônica.

Tal estudo lingüístico-discursivo segue a proposta de análise desenvolvida por Bronckart (2003) e também a proposta de Bronckart e Machado (2004) para a análise de textos prescritivos educacionais.

Proponho-me a realizar essa tarefa e, para isso, faz-se necessária minha apresentação enquanto enunciadora deste trabalho, conforme Cristóvão (2004). Como professora universitária no curso de Letras, fui convidada em 2005 por professores da Rede Pública2 a estudar as DCE – Língua Portuguesa – e ajudá-los a responder às questões ali apresentadas. Instigou-me saber, por parte desses professores, da lacuna existente entre o que estava escrito e seus conhecimentos lingüísticos. Pude perceber seus anseios e inquietações, os quais me levaram à análise das versões preliminares propostas neste artigo.

2. Fundamentação teórica

Como ponto de partida, salientamos a importância de se considerar o quadro vygotskyano. Segundo Vygotsky (1998), a construção do conhecimento só se estabelece através da linguagem. A linguagem apresenta duas funções básicas: a primeira é a de intercâmbio social, para a comunicação com os outros seres humanos; a segunda função seria a do pensamento generalizante: a linguagem ordena o real em categorias conceituais.

Outro ponto relevante é a presença do “outro” como mediador no processo de aprendizagem, conforme aponta Romero (2004). Na teoria vygostkyana, é fundamental a interferência de uma outra pessoa ou a assistência de alguém, pois se trata da interação social dentro do processo de construção das funções psicológicas humanas. É pela zona de desenvolvimento proximal que se estabelece o suporte do outro cuja ação é transformadora.

Quanto ao processo de formulação das diretrizes curriculares, a apropriação dos conceitos do quadro vygotskyano permite observar o processo de interação desenvolvido entre os sujeitos da atividade: professores, equipe pedagógica, professores de IES convidados, Secretaria. De certa forma, esse processo pode ser visualizado por meio dos fluxogramas de trabalho da Rede de Formação Continuada – etapas 2004 e 2005, conforme explicitado no site da Secretaria de Educação do Estado do Paraná - Portal Educacional: Dia-a-dia Educação.

Em seguida, ao tratarmos da dimensão lingüístico-discursiva, é imprescindível destacar a relevância de Bakhtin (1979), em seu estudo sobre enunciados, enunciação e gênero discursivo. Para o autor, a enunciação é “o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados” (p. 112). Mesmo não havendo um interlocutor real, a palavra sempre se dirigirá a outrem. E a palavra comporta duas faces: é determinada por proceder de alguém como por se dirigir a alguém; portanto, determinada tanto pelo falante como pelo ouvinte; a palavra é produto dessa interação.

Bakhtin coloca que a expressão não se adapta ao nosso mundo interior, mas é nosso mundo interior que se adapta às possibilidades de nossa expressão. A atividade mental, com

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Desconhecemos se há versões preliminares das outras disciplinas em versão eletrônica. O acesso se deu somente para a Língua Portuguesa.

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Eram 5 a 7 professores de uma Escola Estadual do município de Londrina – PR, representando a equipe docente de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.

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sua expressão, denomina-se ideologia do cotidiano, a qual constitui o domínio da palavra interior e exterior. Nessa ideologia, há vários níveis, determinados pela escala social e pelas forças sociais. Portanto, o centro organizador de toda expressão é o exterior – o meio social que envolve o indivíduo. A enunciação é de natureza social – sua estrutura, sua elaboração estilística, sua cadeia verbal, enfim, todos os elos, como a sua dinâmica de evolução, são sociais.

A função central da linguagem é a comunicação e, para esta, há de se considerar o papel do interlocutor (locutor-ouvinte). Assim, para o autor, a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, através da enunciação ou enunciações.

Toda enunciação constitui-se apenas de uma fração da corrente de comunicação verbal ininterrupta que, por sua vez, constitui-se de um momento na evolução contínua. Fora do vínculo com a situação concreta, não há qualquer compreensão da comunicação verbal. Desta forma, nessa perspectiva, a língua “vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta” (p. 124).

Sousa (2004) comenta que, segundo Bakhtin, os gêneros discursivos são definidos pelos contratos comunicacionais. Há a separação entre gêneros primários e secundários, cujo critério de classificação seria a noção de “espontâneo, natural”. Gêneros primários são aqueles estruturados pelas ações não-verbais, em relação imediata com as situações produzidas; os gêneros secundários são objeto de estruturação autônoma, convencional, lingüística – os verdadeiros constituintes da ação de linguagem (BRONCKART, 2003). No caso das Diretrizes Curriculares, encontramos um gênero discursivo secundário, cujas manifestações são complexas, escritas e não-naturais.

Por fim, consideramos essencial para nosso estudo a proposta de Bronckart (2003), a partir da teoria do interacionismo sócio-discursivo (ISD), a qual se inscreve no quadro teórico e empírico da psicologia do desenvolvimento de Vygotsky, principalmente as abordagens radicalmente sociais de Schneuwly, Alvarez e Del Rio, Moro e Rodriguez.

Para o autor, as representações do agir dos sujeitos são construídas por meio de textos, produtos da atividade humana, “articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações sociais no seio das quais são produzidos” (p. 72). O contexto do agir humano é definido pelos mundos representados (mundo objetivo, mundo social, mundo subjetivo), onde se produzem formas semiotizadas dos conhecimentos coletivos / sociais pelo agir comunicativo.

Quanto a texto, Bronckart (2003, p. 137) assim define:

texto designa toda unidade de produção verbal que veicula uma mensagem lingüisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência em seu destinatário.

Trata-se de uma unidade comunicativa de nível superior. Sendo produtos da atividade de linguagem em funcionamento nas formações sociais, conforme Foucault, as diferentes espécies de textos apresentam características relativamente estáveis – os gêneros de textos – disponíveis no arquitexto como modelos indexados. Por haver arquitexto e por ser modelo indexado, todo novo texto empírico, portanto, pertence a um gênero.

Desta forma, a partir dos textos e dos gêneros textuais, é possível dimensionar as ações humanas. Para o trabalho educacional, a análise dos textos, nesse caso, o das Diretrizes Curriculares, auxilia a compreender “a natureza e as razões das ações verbais e não verbais desenvolvidas e o papel que a linguagem aí se apresenta” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 136).

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3. Material e método

Este estudo baseia-se na proposta de análise desenvolvida por Bronckart (2003), em sua teoria do Interacionismo Sócio-discursivo. Observamos ainda os procedimentos de análise no trabalho com textos sobre trabalho educacional, propostos por Bronckart e Machado (2004). Considerando este contexto de estudo – análise das duas versões preliminares das Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental – selecionamos os seguintes procedimentos:

1) O contexto sócio-interacional de produção

É fundamental analisar, primeiramente, o contexto de produção dos textos selecionados, “por meio do levantamento de informações externas ao texto sob análise” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 140). Para isso, descrevemos o estado político atual e seu plano de governo.

2) As condições de produção das duas versões das Diretrizes

Para Bronckart (2003), os textos são resultado de um comportamento verbal concreto, desenvolvido por alguém situado em um determinado espaço e em um dado tempo – contexto físico; mas também está inserido em um quadro de formação social – contexto de interação comunicativa. Esses contextos são analisados em concomitância nesse item: interpretamos os dois textos introdutórios das DCE, que constam nas versões impressa / eletrônica, e também o texto “Análise dos relatórios” – texto anterior ao das Diretrizes propriamente ditas.

3) As características globais dos textos

Neste procedimento, busca-se analisar a configuração global do texto – título, linhas, parágrafos, tamanho.

4) A infraestrutura textual

Entre os vários aspectos da infraestrutura textual, propostos por Bronckart (2003), optamos, considerando os textos escolhidos, pelos seguintes itens:

4.1) O plano global do texto – com o intuito de “clarificar o estatuto dialógico [da] estrutura composicional” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 145);

4.2) Os tipos de discurso e de seqüência – conforme Bronckart (2003, p. 138), os discursos são “segmentos constitutivos de um gênero que devem ser considerados como tipos

lingüísticos, isto é, como formas específicas de semiotização ou de colocação em discurso”.

Ainda segundo o autor, o discurso é visto enquanto “texto + condições de produção” (p. 145); além disso, traduz a criação de mundos discursivos (mundo do narrar e mundo do expor), apresentados em uma relação de autonomia ou de implicação com os parâmetros da ação de linguagem. Desta forma, Bronckart propõe a seguinte classificação: discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e narração;

4.3) As marcas enunciativas: vozes e modalizações

Damos ênfase na abordagem de alguns aspectos do nível dos mecanismos enunciativos, com o objetivo de analisar o valor que as unidades dêiticas assumem nos textos selecionados. Conforme Bronckart (2003, p. 319), os mecanismos enunciativos

contribuem para o estabelecimento da coerência pragmática do texto, explicitando, de um lado, as diversas avaliações (julgamentos, opiniões, sentimentos) que podem ser formuladas a respeito de um ou outro aspecto do conteúdo temático e, de outro, as próprias fontes dessas avaliações: quais são as instâncias que as assumem ou que se “responsabilizam” por elas?

5) Leitura das “Práticas Discursivas”

Em relação a esse item, realizamos as interpretações quanto à versão preliminar impressa, de 2005, e a versão preliminar eletrônica, de 2006.

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4. Análise e discussão

1) O contexto sócio-interacional de produção

Na década de 1990, o país movimentou-se em torno de reformas educacionais (o mesmo aconteceu em outros países da América Latina, conforme Bronckart e Machado, 2004). Inseridos numa política educacional de concepção neoliberal, surgem os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, no final da década, coroando o movimento de modificações estruturais, como, por exemplo, a abertura às IES privadas, os exames indicativos de competências e habilidades, como o ENEM, para o Ensino Médio, ainda utilizado na atual gestão federal, e o Provão, para os cursos de graduação de todo o país, atualmente substituído pelo ENADE – Exame Nacional de Cursos.

Na atual gestão estadual, do governador Roberto Requião, podemos descrever um plano político alinhado ao governo federal, de política denominada “esquerda”3. No Paraná, o que se observa é a descontinuidade em relação ao processo anterior e a prioridade ao processo “coletivo” de reformas educacionais, com a retomada da discussão sobre o currículo da rede pública.

2) As condições de produção das Diretrizes

Para o estudo das condições de produção dos textos das Diretrizes Curriculares, realizamos uma interpretação dos dois textos introdutórios que constam tanto na versão impressa (2005) quanto na versão eletrônica (2006): o primeiro pertence à Superintendente de Educação da SEED, Profa. Dra. Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde; o segundo é a Apresentação, da Chefe do Departamento do Ensino Fundamental, Fátima Ikiko Yokohama. Uma terceira interpretação é também realizada sobre o texto “Análise dos relatórios elaborados pelos Núcleos Regionais de Educação e professores participantes dos grupos de trabalho sobre as Diretrizes para o Ensino Fundamental”, de Língua Portuguesa, de autoria da instituição – SEED.

2.1) Os textos introdutórios das DCE

No primeiro texto – Reformulação curricular nas escolas públicas do Paraná (p. 3 até 6 da versão impressa), a autora inicia contextualizando a situação política do Estado, salientando a atual gestão, que se propôs à retomada da discussão coletiva sobre o currículo da Educação Básica. Destaca que a elaboração das Diretrizes seguem-se por 6 fases: discussão; propostas pedagógicas; processo coletivo de reformulação, “cujo protagonista das reflexões foi o próprio professor”; sistematização das propostas – justamente em que se insere a versão impressa; preparo, elaboração e avaliação dos Projetos Político-pedagógicos das escolas; avaliação e acompanhamento das propostas implementadas.

Todo este programa segue referências como redução das desigualdades sociais, defesa da escola pública gratuita e de qualidade, valorização do professor, trabalho coletivo e outras. E enfatiza os conteúdos científicos, os saberes escolares das disciplinas, “e não em competências e habilidades”.

Em nossa observação, percebemos a presença acentuada da palavra “coletivo”, como substantivo e adjetivo, permeando o texto (18 vezes em 3 páginas e meia). Tal palavra insere-se em insere-seqüências descritivas e argumentativas e destaca a atitude do enunciador em esclarecer a todo o momento que o trabalho foi realizado em grupo.

No segundo texto – Apresentação (p. 07 e 08 da versão impressa), a autora também acentua a palavra coletivo – 7 vezes - em várias seqüências descritivas sobre trabalho realizado pelo coletivo de professores representado pelo GP – Grupo Permanente de trabalho

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Não pretendemos descrever o plano político das gestões federal e estadual. O adjetivo esquerda refere-se exclusivamente a que o próprio governo se autodenomina.

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e representantes dos NRE. Estranhamos o fato da representação do “coletivo” por um grupo permanente de trabalho4. Os fluxogramas já mencionados demonstram todas as fases do processo de construção coletiva das Diretrizes.

2.2) Texto “Análise dos relatórios...” para as Diretrizes de Língua Portuguesa

O referido texto consta das p. 179 a 191 na versão impressa das Diretrizes e propõe-se a uma análise dos relatórios referentes aos dois seminários realizados pela SEED. Está dividido em cinco partes: visão dos professores quanto às concepções de linguagem; formação docente; processo de avaliação; realidade da sala de aula; trabalho com leitura, produção e análise lingüística.

De maneira geral, são descrições generalizadas das respostas fornecidas pelos professores nos dois seminários. Em muitos momentos, no entanto, percebem-se críticas por parte da Instituição das demandas desses professores, por exemplo, da falta de conhecimento da teoria bakhtiniana:

Acreditamos, todavia, que maiores informações teóricas só podem ser conseguidas por meio de muita leitura, estudo e reflexão de textos que tratem do assunto, e se houver muito empenho do professor em aprofundar seus conhecimentos. (DCE, p. 180, negrito nosso)

Mais adiante, encontramos uma série de sugestões e recomendações sobre a questão da avaliação, com o uso de negativas e imperativos: “Não avaliar..., Não levar em conta..., Não estabelecer...”. Em relação aos alunos deficientes, é desta forma colocado: “Logo, é preciso que os professores recebam informações, sejam de alguma forma preparados para esse trabalho, pelo próprio Sistema de Ensino” (DCE, p. 187, negrito nosso). Quanto ao problema de desinteresse e indisciplina, o texto salienta que cabe aos professores “buscar as causas para tal comportamento”. Por fim, sobre o trabalho com leitura e produção de texto, o documento destaca: “o que deve estar muito claro para o professor é a forma como ele concebe a língua, quem é o aluno e o que ele faz ali” (DCE, p. 189).

3) As características globais dos textos

O documento “Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental – língua portuguesa (versão preliminar)”, versão impressa de 2005, está inserido no livro DCE, que consta com 224 páginas, divididas em: a) capa; b) página com nominação de chefes, secretários e governador; c) texto de Arco-Verde, mencionado em 2.1; d) texto de Yokohama, também mencionado em 2.1; e) textos das Diretrizes Curriculares das seguintes disciplinas: Ciências, Educação Artística, Educação Física, Geografia, História, Língua Estrangeira, Língua Portuguesa e Matemática; f) página com nominação da equipe técnico-pedagógica e professores-assessores.

O texto das Diretrizes de Língua Portuguesa encontra-se da p. 192 à p. 202 e contém sete partes: 1) Introdução (4 parágrafos); 2) A linguagem na concepção interacionista (13 parágrafos); 3) Alfabetização: uma reflexão sempre necessária (22 parágrafos); 4) Práticas Discursivas (17 parágrafos); 5) O processo de avaliação em Língua Portuguesa (9 parágrafos); 6) Palavras finais (2 parágrafos); e 7) Referências (22 referências).

O documento “Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental – língua portuguesa (versão preliminar)”, versão eletrônica de 2006, contém 51 páginas e a grande modificação

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Chamamos à atenção para o fato de que o grupo de professores que me contatou em 2005 declarou, em conversa informal, não ter sido convocado para os grupos de discussões nem se sentia representado nas tais reuniões de trabalho.

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ocorre no item 4: Práticas Discursivas, com 10 páginas e 41 parágrafos; há um aumento para 36 referências.

4) Infraestrutura textual

Para a análise das duas Diretrizes – item “Práticas discursivas”, consideramos relevantes os seguintes aspectos: o plano global dos textos, os tipos de discurso e de seqüência observados, e marcas enunciativas de vozes e modalizações.

4.1) O plano global dos textos

O texto “Práticas Discursivas”, item nº 4 das Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, nas versões impressa e eletrônica, trata do gênero “diretrizes”. Assim como os parâmetros e o currículo, é um gênero que pertence à esfera educacional oficial, apresentando uma composição que varia entre o plano argumentativo – uma vez que fornece argumentos e que reconhece que seu discurso é controverso ao do destinatário; o plano descritivo, ao sugerir atividades para o ensino da língua portuguesa; e o plano injuntivo, ao recomendar, de maneira enfática, pelo uso de modalizadores, algumas atitudes por parte do professor.

O texto da versão impressa apresenta três partes: a) Prática da leitura; b) Prática da produção; e c) Prática da reflexão ou análise lingüística. O texto da versão eletrônica apresenta quatro partes: a) Considerações sobre a oralidade, b) Prática da leitura, c) Prática da produção, e d) Prática da análise lingüística.

4.2) Os tipos de discurso e de seqüência

Ao verificar as unidades dêiticas dos textos impresso e eletrônico – doravante textos 1 e 2 - em especial as marcas de pessoa, e também as marcas pessoais e temporais dos verbos, percebemos, de acordo com Bronckart (2003, p. 152-153), a presença do mundo discursivo do expor: as coordenadas organizadoras dos textos estão conjuntas às das ações de linguagem, conforme se observa a seguir:

A interação pela linguagem, que é uma condição do processo de letramento, materializa-se em textos orais e escritos. (texto 1, p. 198)

Portanto, a ação pedagógica referente à língua precisa pautar-se nessa postura interlocutiva... (texto 2, p. 35)

Em relação às operações de explicitação da relação com os parâmetros da ação de linguagem em curso, descritas em termos binários “implicação / autonomia”, encontramos, em cada texto, o discurso teórico. De acordo com o mesmo Bronckart (2003, p. 171), “o discurso teórico é, em princípio, monologado e escrito e esse caráter se traduz, principalmente, pela ausência de frases não declarativas”. Também são características do discurso teórico: a ausência de marcas de referência aos participantes da interação, a presença quase total de marcas verbais do presente, a ausência de marcas verbais do futuro, a ausência de pronomes e verbos de primeira e segunda pessoas do singular e a presença de organizadores lógico-argumentativos.

São marcas do discurso teórico dos dois textos: o caráter monologado e escrito, a presença do presente do indicativo e de organizadores lógico-argumentativos:

Na concepção interacionista da linguagem, a leitura é entendida como um processo de produção de sentido... (texto 1, p. 198)

Na verdade, a Sociolingüística mostra que, em termos comunicativos, não há falas

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É relevante salientar a presença de verbos conjugados na 1ª pessoa do plural, também indicativo do discurso teórico: há uma ocorrência no texto 1 e quatro no texto 2:

Devemos lembrar que a criança quando chega na escola já domina a oralidade, pois

cresce ouvindo e falando a língua na interação com o outro... (texto 2, p. 36).

Em relação aos tipos de seqüência, observamos a presença dominante de seqüências descritivas de ação, nos dois textos, dado o próprio plano global estruturado. No entanto, é possível verificar a presença de seqüências explicativas (a maioria na parte “Prática de leitura”), pequenas seqüências argumentativas (na parte “Prática de produção”) e seqüências descritivas (na parte “Prática da análise lingüística”):

É nessa dimensão dialógica, discursiva, intertextual, que a leitura deve ser experenciada, desde a alfabetização, como um ato social em que autor e leitor participam de um processo interativo no qual o primeiro escreve para ser entendido pelo segundo. (textos 1 e 2, p. 198 e p. 38, “Prática da leitura”)

Por outro lado, é preciso despertar nos alunos a motivação pelo ato de escrever, para que eles se envolvam com os textos que produzem, assumindo de fato a autoria do que escrevem. (textos 1 e 2, p. 198 e p. 39, “Prática da produção”)

4.3) As marcas enunciativas: vozes e modalizações

Quanto aos mecanismos enunciativos, observamos a distribuição das vozes e a marcação das modalizações, conforme Bronckart (2003). Para o autor, as vozes são definidas “como as entidades que assumem (ou às quais são atribuídas) a responsabilidade do que é enunciado” (2003, p. 326). Quanto às modalizações, por sua vez, têm a finalidade de “traduzir, a partir de qualquer voz enunciativa, os diversos comentários ou avaliações formulados a respeito de alguns elementos do conteúdo temático” (2003, p. 330).

Em relação às vozes presentes nos dois textos, percebemos a instância da voz social, principalmente a voz da autoridade – utilização de referentes: autores que embasam as idéias apresentadas – e a voz das instituições sociais – representadas pelos sujeitos: a leitura, o texto, as atividades, o professor, os alunos.

Kleiman (2000) destaca a importância... (textos 1 e 2, p. 198 e p. 38, “Prática da

leitura”)

Tais atividades incidem sobre aspectos discursivos... (texto 1, p. 199, “Prática da

reflexão ou análise lingüística”).

Aliás, os sujeitos “professor” e “aluno” são identificados na maioria das orações dos dois textos, com predominância no texto 2:

os alunos trazem... (texto 1, p. 198; texto 2, p. 40)

o aluno realmente se constitua como sujeito do processo comunicativo... (texto 2, p. 36)

o professor pode planejar uma ação pedagógica... (texto 2, p. 39) o professor poderá levar o aluno a perceber... ( texto 2, p. 41)

Também observamos a presença da voz passiva, indicadora da pretensa neutralidade do expositor:

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garante-se a constituição dos autores... (texto 1, p. 199)

precisam ser desenvolvidas atividades que favoreçam... (texto 2, p. 37)

Destacamos ainda a presença da voz do expositor, nas orações com verbos na 1ª pessoa do plural:

Lembramos que, na concepção interacionista... (texto 1, p. 198; texto 2, p. 39) Queremos dizer, com isso, que o trabalho com a gramática... (texto 2, p. 45) Queremos que o aluno tenha noção de unidade temática... (texto 2, p. 45)

Acerca das modalizações, utilizamos a mesma classificação de Bronckart (2003): a) modalizações lógicas: avaliação dos elementos do conteúdo temático do mundo objetivo, do ponto de vista de condições de verdade; b) modalizações deônticas: avaliação dos elementos do conteúdo temático, mas do ponto de vista dos valores e opiniões; c) modalizações apreciativas: avaliação de elementos do conteúdo temático do mundo subjetivo, do ponto de vista avaliativo; e d) modalizações pragmáticas: explicitação de aspectos da responsabilidade de uma entidade do conteúdo temático.

Ao se examinar quantitativamente os verbos e locuções verbais, percebemos que há predominância quase total de modalizações deônticas, com maior ocorrência no texto 2, versão eletrônica, o que confirma a intenção injuntiva do enunciador – fazer valer a sua opinião como dever, obrigação social, em conformidade com as normas expostas:

é preciso despertar, é importante garantir, tem que se levar em conta (texto 1) é importante ter claro, cabe à escola e ao professor trabalhar..., devem ser enfatizadas, precisam ser trabalhadas, ele não deve perder de vista que..., é preciso ficar claro, é importante frisar, convém lembrar que, deve-se levar em conta (texto 2)

Em relação aos articuladores – advérbios e expressões – ressaltamos a presença de modalizadores apreciativos no texto 2, não existindo praticamente nenhum modalizador no texto 1:

realmente, na verdade, gradativamente, prioritariamente, é de extrema importância, principalmente, amplamente, importante, especial relevância, fundamental importância, o mais importante (texto 2)

5) Leitura das “Práticas discursivas”

Quanto à leitura que é possível realizar sobre os dois textos das Diretrizes, consideramos alguns pontos que nos parecem relevantes.

Em relação à versão preliminar impressa de 2005, falta a referência ao trabalho com a oralidade, questão resolvida no texto eletrônico de 2006; também podemos perceber, na versão 2, a introdução de várias atividades que devem ser realizadas com os alunos na prática da análise lingüística; é possível concluir que os professores, no encaminhamento de suas respostas à SEED acerca da versão preliminar de 2005, demandaram essas colocações. O texto eletrônico, portanto, aparece com mais seqüências descritivas de ação, pois mostra atividades e pistas de trabalho com o texto do aluno.

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Um outro ponto a salientar em relação aos dois textos é quanto ao trabalho com gênero textual. No texto impresso, aparece uma só vez a expressão “gênero textual”, numa referência vaga à sua composição e estrutura. No texto eletrônico, é possível verificar em todas as partes – leitura, produção, análise lingüística – a explicação sobre gênero, inclusive com exemplos. No entanto, não há citação sobre os autores que trabalham com gênero textual – Bronckart, Dolz, Schneuwly, Pasquier – nem o trabalho de seqüências didáticas indicado pelos autores. Não se encontram referências sobre um trabalho efetivo com o gênero nas duas Diretrizes. As “práticas discursivas” estão sem referência nem inferência de gêneros textuais. Para um texto atualíssimo, de concepção interacionista e bakhtiniana, essa ausência causa estranhamento.

Por fim, em relação às Diretrizes, ressaltamos a concepção bakhtiniana: as duas versões enfatizam a importância da concepção de linguagem interacionista, baseada nos estudos de M. Bakhtin; no entanto, como apresentado no texto “Análise dos relatórios...”, muitos professores ainda desconhecem tal teoria; uma vez a teoria sendo desconhecida, desconhece-se toda uma metodologia de trabalho que pode ser realizada em sala de aula. Além do mais, não há, nas Diretrizes de Língua Portuguesa, nenhuma referência à teoria vygotskyana, a qual poderia ser de grande alcance para o trabalho com os professores e, talvez, mais bem compreendida. O professor precisa realmente de muito “empenho” para a leitura de Bakhtin, conforme já mencionado pela voz social das Diretrizes.

5. Considerações finais

Neste artigo, propusemos discutir as duas versões preliminares das DCE de Língua Portuguesa, o estudo lingüístico-discursivo do item “Práticas Discursivas”.

Ao encerrar este trabalho, consideramos, primeiramente, a imprescindibilidade da análise lingüístico-discursiva para a compreensão dos dois textos: através dessas análises, é possível inferir os mecanismos utilizados pelos enunciadores para dizer o que disseram, suas posições no mundo discursivo, suas apreciações quanto ao fazer educacional, ao papel da Instituição e do professor – seu enunciatário.

Conforme já explicitado, há algumas lacunas quanto à prática discursiva: em que momento a concepção bakhtiniana é considerada no estudo do texto? Como é possível mencionar gênero textual, sem se referir aos trabalhos de Bronckart e do grupo de Genebra ou outros autores que tratam do mesmo assunto?

Quanto ao discurso presente nas Diretrizes, pela análise realizada acerca dos tipos de discurso e de seqüências, das vozes e das modalizações, ressaltamos a presença do texto prescritivo, o que infere normas e leis, deveres e obrigações, de maneira a colocar, nas mãos dos docentes, responsabilidades que podem não lhes pertencer. As Diretrizes, por sua etimologia, deveriam direcionar; no entanto, percebemos informações vagas a respeito do trabalho em sala de aula, principalmente em relação ao gênero textual.

Faltam direções nas Diretrizes...

Referências dos textos analisados

DCE - Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná (versão preliminar). Paraná. Secretaria do Estado da Educação: 2005. DCE - Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná (versão eletrônica). IN:

http.//www.diaadiaeducacao/portals/portal/diretrizes/dir_ef_portuguesa.pdf. Acesso em julho/2006.

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Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, texto e discurso: por um interacionismo sócio-discursivo (tradução de Anna Rachel Machado e Péricles Cunha). São Paulo: EDUC, 2003. ____ e MACHADO, A. R. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, A. R. (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. p. 131-163.

CRISTOVÃO, V. L. A relação entre teoria e prática no desenvolvimento do professor. In: MAGALHÃES, M. C. C. (org.). A formação do professor como um profissional crítico: linguagem e reflexão. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 251-266.

MACHADO, A.R. (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004.

ROMERO, T. R. de S. Características lingüísticas do processo reflexivo. In: MAGALHÃES, M. C. C. (org.). A formação do professor como um profissional crítico: linguagem e reflexão. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 189-202.

SOUSA, J. M. C. de. O lapso na conversação oral como transgressão do gênero. In:

MACHADO, I. L. & MELLO, R. (org.) Gêneros: Categorias de Análise do Discurso. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2004. p. 191-203.

Referências

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