Considerações sobre o projeto de pesquisa “fusos horários” proposto pela ABERT
AMOSTRA
A proposta se afasta da metodologia tradicional de pesquisas quantitativas, porquanto desconsidera os critérios censitário e estatístico. A opção de pesquisar em “cidades representativas”, por mera praticidade, produz significativas distorções. Apenas para exemplificar, na cidade de Campo Grande, onde a população a ser pesquisada é de 461.755 habitantes serão realizadas 160 entrevistas, enquanto em Cuiabá com 332.233 habitantes serão feitas 165 entrevistas.
Tal distorção se agrava quando consideramos que na região 3 (estado do Acre), todas as 400 entrevistas serão realizadas em Rio Branco que conta com 158.992 habitantes, praticamente 1/3 (um terço) da população de Campo Grande e, quase a metade de população de Cuiabá. Saliente-se que, mesmo admitindo-se a justificativa da “cidade representativa”, teríamos nessa região a cidade de Cruzeiro do Sul cuja população é quase a mesma de Rio Branco.
Vê-se que não há qualquer critério assegurando a proporcionalidade com a população, perfil de renda, nível de escolaridade, os filtros são apenas referidos no início do projeto, nada sendo esclarecido sobre a forma como os mesmos serão utilizados, o que vicia a amostragem, pois a mesma não se mostra confiável.
O pressuposto técnico exposto no item 2 funda-se na falsa premissa de que, necessariamente, toda a programação será alterada em bloco, quando na verdade apenas os programas sujeitos à classificação indicativa poderão ser afetados pela aplicação do artigo 19 da Portaria n. 1220/07. Na enumeração do item 2, apenas a teledramaturgia e os programas com interatividade são passíveis de classificação indicativa.
Saliente-se que programas de telejornalismo local ou em rede, bem assim a transmissão de práticas esportivas, não estão sujeitas às faixas horárias (artigo 5º), sendo indevida a sua inclusão no questionário.
A forma como deverá ser feita a adequação dos programas classificados nas regiões de fusos horários distintos do de Brasília, em bloco ou atrasando apenas os programas com restrições, é uma opção das emissoras e não uma imposição da Portaria, de sorte que a indução dos entrevistados a acreditar nesta falsa premissa distorce os resultados a serem obtidos.
Não se pode desconsiderar que mesmo os programas sujeitos à classificação indicativa não tem como destino inexorável a exibição em horários distintos nas regiões com diferentes fusos, bastando que adequem o conteúdo dos programas ao horário em que será exibido. Esta solução, por sinal, foi publicamente apresentada por algumas das redes de televisão do país como sendo a mais adequada para cumprimento do disposto no art. 19 da Portaria 1220/07.
Aliás, essa parece ser a tônica do projeto, misturar coisas de natureza diversa buscando a indução de respostas que sejam favoráveis aos interesses dos proponentes da pesquisa.
Analisando o questionário, verifica-se que o bloco 3 (“fusos horários – telejornais locais”), bloco 4 (“fusos horários – telejornais de rede”) e o bloco 6 (“fusos horários-jogos de futebol”), perguntas 9, 10, 11, 13 e 14, são inteiramente descabidas pois aqueles programas não serão direta e necessariamente atingidas pela aplicação do artigo 19 da Portaria.
Apesar de algumas perguntas trazerem breves explicações sobre o conteúdo e aplicação prática, não há qualquer informação sobre as razões da modificação da programação televisiva devido ao respeito aos fusos horários regionais. Tal omissão acarreta comprometimento da compreensão da questão pelos entrevistados, é proposital e tem por escopo induzi-los a entender que se trata de ato arbitrário do Poder Público Federal, muito embora tal medida tenha por fundamento normas da Constituição da República e do Estatuto da Criança e do Adolescente e tem por objetivo tutelar os interesses das crianças e adolescentes brasileiros.
Para maior clareza, segue quadro com análise das questões que compõem o questionário:
bloco Pergunta(s) Comentários
1-Hábitos Gerais Um a quatro
2- Critério de Classificação Indicativa
Cinco a sete Conhecimento sobre a Portaria 1220/07
2- Critério de Classificação Indicativa
Oito É feita ao final do enunciado da pergunta a falsa
afirmação de que se a Portaria 1220/07 entrar em vigor os horários da programação deverão ser alterados para acompanhar o eventual horário de uma hora mais tarde das novelas, inclusive os telejornais e jogos de futebol, apesar da exclusão expressa do art. 5, I e II da Portaria 1220/07.
Telejornais locais exclusão expressa do art. 5, I da Portaria 1220/07.
A pergunta é direcionada apenas aos que assistem telejornais e não à população em geral, embora o universo a ser pesquisado seja supostamente composto por pessoas de 16 anos ou mais e de todas as classes sócio-econômicas, confirmando a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento.
4- Fusos horários- Telejornais de rede
Dez e onze As perguntas se referem a telejornais, apesar da
exclusão expressa do art. 5, I da Portaria 1220/07.
A pergunta é direcionada apenas aos que assistem o Jornal Nacional e não à população em geral, embora o universo a ser pesquisado seja supostamente composto por pessoas de 16 anos ou mais e de todas as classes sócio-econômicas, confirmando a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento.
5- Fusos horários-
teledramaturgia
Doze A pergunta é direcionada apenas aos que assistem
a novela das 20/21 horas e não à população em geral, embora o universo a ser pesquisado seja supostamente composto por pessoas de 16 anos ou mais e de todas as classes sócio-econômicas, confirmando a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento.
6- Fusos horários – jogos de futebol
Treze e quatorze As perguntas se referem a jogos de futebol de 4a
feira, apesar da exclusão expressa do art. 5, II da Portaria 1220/07.
A pergunta é direcionada apenas aos que assistem
jogos de futebol de 4a Feira e não à população em
geral, embora o universo a ser pesquisado seja supostamente composto por pessoas de 16 anos ou mais e de todas as classes sócio-econômicas, confirmando a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento.
7- Fusos horários-
programas com
interatividade- Big Brother
Quinze e dezesseis A pergunta é direcionada apenas aos que assistem Big Brother e não à população em geral, embora o universo a ser pesquisado seja supostamente composto por pessoas de 16 anos ou mais e de todas as classes sócio-econômicas, confirmando a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento.
A pergunta quinze traz afirmação falsa de que os moradores dos locais com fuso diverso do de Brasília não poderão participar das votações do
Big Brother, mas não há qualquer empecilho à votação pela internet.
A partir do quadro acima, constata-se que das dezesseis perguntas do questionário, as sete primeiras dizem respeito ao perfil do entrevistado e ao conhecimento sobre a portaria. Dentre as nove perguntas específicas sobre a programação, seis são a respeito de práticas desportivas e telejornais, aos quais não se aplica a classificação indicativa, por exclusão expressa da norma contida no art. 5, I e II da Portaria 1220/07. Vale dizer: apenas três perguntas se referem a telenovelas e ao programa Big Brother, programas que se sujeitam à classificação indicativa.
As perguntas de número 8, 10, 11,12, 13, 14 e 16 trazem referências constantes a antenas parabólicas e afirmam posição mais vantajosa daqueles que as possuem, buscando direcionar os entrevistados a afirmar que vão adquirir antenas parabólicas ou a dar respostas que demonstram um sentimento de prejuízo por não disporem de tal tecnologia ou não poderem adquiri-los. O objetivo claro é buscar desqualificar a utilidade da medida prevista no art. 19 da Portaria 1220/07.
Outro dado alarmante é que as nove perguntas relativas à programação são feitas apenas ao público específico do programa em foco, o que somado à absoluta ausência de esclarecimento sobre os fundamentos da necessidade de modificação da programação televisiva devido ao respeito aos fusos horários regionais e à presumível tendência dos entrevistados que têm por hábito assistir a determinados programas estejam muito menos propensos a mudanças que os demais, o que apenas confirma a inidoneidade, parcialidade e nítido intuito de direcionamento da pesquisa realizada pela ABERT.
Por todo o exposto, conclui-se que o projeto de pesquisa sob análise apresenta graves deficiências sob o aspecto da metodologia adotada, assim como é evidente o intuito de direcionamento dos resultados em sentido contrário à norma contida no art. 19 da Portaria 1220/07, de tal sorte que se revela imprestável como subsídio para qualquer discussão acerca do tema. É lamentável que tanto tempo e recursos sejam desperdiçados com trabalho com este grau de inconsistência, quando poderiam ser melhor utilizados para lançar luzes sobre tema tão relevante.