OS DESAFIOS DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO E O PROEJA DIANTE À DUALIDADE ESTRUTURAL.
Fábio Azambuja Marçal e Jorge Alberto Rosa Ribeiro IFRS – UFRGS fabio.marcal@restinga.ifrs.edu.br -‐ jorge.ribeiro@ufrgs.br RESUMO
O trabalho que segue é parte de uma pesquisa maior, em nível de doutorada, que tem com foco o Ensino Médio Integrado (EMI), incluindo a sua modalidade EJA (PROEJA), efetivado na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Em tal estudo pretende-‐se analisar o potencial (do EMI e do PROEJA), de enfrentamento da dualidade estrutural que historicamente separou formação profissional e formação geral, impondo-‐se como uma característica da trajetória da educação escolar brasileira. Nesse espaço, além de pontuar questões históricas das políticas de educação profissional no Brasil, serão construídas algumas análises sobre a temática central, EMI e PROEJA, dentro do cenário atual da Educação Profissional e Tecnológica, com olhar especial sobre os dados referentes as matrículas (EMI e PROEJA), indicadas pelo Senso Escolar 2011/2012.
OS DESAFIOS DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO E O PROEJA DIANTE À DUALIDADE ESTRUTURAL.
1. INTRODUÇÃO
O texto que segue é parte de uma pesquisa maior, em nível de doutorado, que tem com foco o Ensino Médio Integrado (EMI), incluindo a sua modalidade EJA (PROEJA), efetivado na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Em tal estudo pretende-‐se analisar o potencial (do EMI e PROEJA), de enfrentamento da dualidade estrutural que historicamente separou trabalho e educação, trabalho manual e trabalho intelectual, formação profissional e formação geral, impondo-‐se como uma característica da trajetória da educação escolar brasileira.Nesse espaço, além de pontuar questões históricas das políticas de educação profissional no Brasil, serão construídas algumas análises sobre a temática central, EMI e PROEJA,observando, pontualmente, os dados de matrícula no Censo Escolar 2011/2012 .
2. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
Diferentes análises históricas ao abordarem a trajetória da educação, em especial no seu espaço escolar, ressaltam a dualidade que separa a escola acadêmica (com conhecimentos gerais) da escola técnica (de formação instrumental, no caso do capitalismo, voltada para o mercado de trabalho), como um dos elementos centrais nas suas análises. Assim, pondera-‐se que esse estudo entende que a dualidade corresponde a um projeto de sociedade. Dessa forma, possui uma perspectiva de escola e “carrega” uma concepção de formação profissional. Ainda, reconhece-‐se que o caráter dual da educação escolar possui raízes na divisão social do trabalho e que ela se estabelece a partir de elementos históricos, culturais e que, ainda, engloba as diferentes divisões (de gênero, étnica e outras) que compõe o corpo social. Esses elementos, formadores da dualidade, impõem-‐lhe ritmos e intensidades distintas na sua efetivação. (FRIGOTTO, 2010).
Nesse sentido, serão destacadas questões históricas, referentes às políticas de educação profissional efetivadas no Brasil, tendo o século XX e o início do XXI como referência, observando a dualidade estrutural como algo marcante na trajetória da educação escolar nesse período histórico.1
Um os grandes marcos da política de educação profissional no século XX brasileiro ocorre em 1909, quando o Presidente da República do Brasil, Nilo Peçanha, cria em todas as capitais dos estados do Brasil, exceto Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, uma escola de Aprendizes e Artífices. Essas escolas tinham legislação e normas próprias que as distinguiam das demais escolas profissionais particulares mantidas por congregações. Assim, percebe-‐se o Estado, no início do século XX, dá continuidade à caminhada de institucionalizar a educação profissional reforçada na
dualidade, uma vez que se montava uma estrutura escolar destinada aos setores pobres da sociedade, com a finalidade de que os mesmos, com o preparo técnico, pudessem vencer as dificuldades impostas pela sua condição social.
No adentrar do século XX, durante o contexto sócio-‐econômico da década de 30 no Brasil, torna-‐se evidente a transição de um país capitalista agrário exportador, para um modelo capitalista urbano e industrial. Na conjuntura da Revolução de 30, o Estado colocou-‐se como agente importante na construção desse cenário (CARVALHO, 2010). Logo, ao encaminhar sua política de educação profissional, o Estado buscava a formação de trabalhadores qualificados, pois o novo mercado de trabalho exigia mão de obra obediente e disciplinado para adequar-‐se a tal momento de mudança. Nesse sentido, a partir da ascensão de Vargas ao poder, as Escolas de Aprendizes e Artífices, bem como a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, passam a ser Liceus Profissionais com a Lei 378 de 13 de janeiro de 1937. Esse gesto aponta que o Estado brasileiro tomava para si a tarefa de erradicar e controlar o ensino do ofício em todo o país. Ainda sobre a década de 30, destaca-‐se que a dualidade se fazia presente no projeto de escola, desde as primeiras etapas escolares. Existia uma proposta de escola aos que tinham pretensão aos cursos superiores e outro para os que se encaminhavam para uma formação técnica (rural e profissional). Acabando o primário, a possibilidade de seguir a trajetória escolar não era única. A cisão se estabelecia entre o curso ginasial (único que habilitava para o superior) o curso normal e os cursos técnicos. Dessa forma: “O curso normal, o técnico comercial, o básico agrícola e o
complementar tinham caráter terminal e eram voltados para as necessidades imediatas dos setores produtivos”. (MOURA, 2010. P. 63).
Na década de 40, momento em que o foco urbano industrial estabelecia-‐se plenamente, são promulgados decretos que pretendiam normatizar a escola de formação profissional, para que a mesma estivesse de acordo com o modelo, e as necessidades de setores econômicos importantes, como a agricultura e a indústria. Entre os decretos implementados nesse cenário, destaca-‐se o Decreto 4.244/42, que instituiu a Lei Orgânica do Ensino Secundário; o Decreto 4.073/42 referente à Lei Orgânica do Ensino Industrial, que colocava um elemento novo a educação profissional, pois situava a mesma dentro do grau médio da escola, ficando o ensino primário com o ensino geral; o Decreto 6.141/43 contemplava a Lei Orgânica do Ensino Comercial e o Decreto 9.613/46 que trata da Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Esse conjunto de decretos, citados, que compõem as Leis Orgânicas, indica que se tenta atender aos diferentes segmentos da economia brasileira (agricultura, indústria e comércio), que ditavam o ritmo do capitalismo no Brasil. (MANFREDI, 2002). Pondera-‐se que a partir de tais Decretos o modelo dual toma novas formas e outros contornos. O acesso ao ensino superior não era impedido aos que construíram sua trajetória na escola profissional, porém os critérios utilizados para selecionar os que pretendiam ingressar na escola superior exigiam o conhecimento dos conteúdos da escola acadêmica. Assim, os concluintes dos cursos técnicos poderiam rumar para o ensino superior, desde que se submetessem a exames de adaptação, dado estarem habilitados apenas aos cursos relacionados diretamente ao ramo técnico realizado. Ressalta-‐se que os conteúdos desses exames eram os desenvolvidos na trajetória propedêutica da educação escolar.
Outro componente da educação escolar profissional, vinculada à década de 40 do século XX, foi a criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Decreto-‐lei 4.048/42. Logo adiante criar-‐se-‐ia o Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946, que nas décadas seguintes seria referência para a estruturação do sistema “S”. Pondera-‐se que esse sistema era vinculado ao Ministério do Trabalho e não ao Ministério da Educação.Os setores dominantes do nascente capitalismo urbano industrial brasileiro pretendiam um trabalhador que “colaborasse” com esse contexto. Pelas características do SENAI, (autonomia na gestão e utilização de recursos públicos) os industriais tiveram a oportunidade de gerir e manter sob seu controle a concepção pedagógica de educação profissional que eles efetivavam. O sistema “S” moldava seus programas e suas propostas de escola, de acordo com as suas necessidades no trabalho. Esses elementos irão colocar uma característica marcante na formação profissional no referido contexto, pois ela estava atrelada e controlada pelas necessidades dos setores produtivos. A dualidade é reafirmada, e ganha uma nova perspectiva, pois parte do segmento profissional da estrutura dual passa ser controlada pelos setores privados.
Importante ponderar que, ao direcionar as concepções de educação profissional através do SENAI, os empresários ganharam um forte instrumental de intervenção na sociedade e nas relações de trabalho. Inegavelmente, ter um instrumento de educação escolar profissional, como os donos das indústrias tinham a partir do SENAI, era estratégico na disputa pela hegemonia do mundo capitalista industrial. O Estado, mesmo forte e regulador desde a Revolução de 30, como estratégia política, permitia que espaços de educação fossem protagonizados por “sistemas” não estatais. Dessa forma, afirma-‐se que a dualidade configurava-‐se como produtora e produto desse processo. Ao mesmo tempo em que o projeto dual de escola era parte de um projeto societário maior, a concretização de um modelo dual representou a reprodução e vigência de um projeto que possibilitou a construção do capitalismo urbano industrial, que se estabelecia em um país de trajetória escravista, colonizado e de uma elite de subalterna no sistema capitalista internacional.
Mesmo assim, especialmente na década de sessenta, houve iniciativas no sentido de superação da dualidade refletida nas escolas. Tais tendências ganharam força com a criação do Ginásio Único, para o primeiro ciclo do ensino secundário da época, e com a equivalência entre todos os egressos dos cursos do segundo ciclo do secundário (o colegial e os técnicos) para se candidatarem ao ensino superior. Ambas as modificações foram incorporadas na nova LDB de 1961 (Lei 4.034/61).
Para exemplificar que a trajetória histórica da educação escolar no Brasil desenvolve-‐se de forma não linear e com iniciativas que se afastam da dualidade, cabe mencionar a experiência dos Ginásios Vocacionais (década de 60). De acordo com Mascellani, o projeto dos Vocacionais, ao longo a sua trajetória, chegou a se orientar pela lógica de que a escola deveria ser para a classe trabalhadora, assim como para os demais cidadãos , o espaço para apropriar-‐se do saber socialmente construído. A mesma autora destaca que nos Vocacionais se partia da busca por uma formação abrangente, que proporcionasse um leque de possibilidades em que os jovens seriam levados a fazer opções, descobrindo-‐se e localizando-‐se no mundo (MASCELLANI 1999).
Outro pesquisador, (CHIOZZINI 2010), aponta que nos Ginásios Vocacionais, a tentativa de aliar o trabalho intelectual ao trabalho manual, era verificada em vivências concretas estabelecidas no dia-‐a-‐dia. Assim, “Os professores atuavam na limpeza e na conservação da
escola, algo que contribuiu para um repensar na hierarquia entre o trabalho manual e intelectual”
(CHIOZZINI, 2010, p. 158). O mesmo estudioso, em sua pesquisa, procura evidenciar contradições e disputas, expressas em crises (1963 e 1968) que os Vocacionais vivenciaram. Assim, sublinha que: “Os Vocacionais foram uma experiência influenciada por diferentes matrizes teóricas e que
herdou conflitos resultantes da conjuntura política da década de 60, marcada pela pressão por mudanças na educação e pela efervescência dos movimentos sociais.” (CHIOZZINI, 2010, p.11).
Nesse sentido, pontua que os vários sujeitos históricos envolvidos em sua criação buscavam, genericamente, romper com a dualidade estrutural que caracteriza a formação escolar no Brasil. No entanto, ao longo da caminhada e desenvolvimento das escolas, surgiram diferentes entendimentos de como efetivamente isso poderia ser atingido.
Os Ginásios Vocacionais foram encerrados em 1969, pela mão da Ditadura Civil-‐Militar. Esse regime, após Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968, retoma a agressividade frente a qualquer possibilidade, ou modelo de sociedade contrário ao que essa ditadura defendia. As vivências dos Vocacionais foram colocadas em destaque nesse momento, para enfatizar que na trajetória da educação escolar brasileira, existiram experiências históricas que se concretizaram a partir de uma lógica que não a da dualidade estrutural característica do projeto de escola burguês2.
Em 1964, um golpe civil-‐militar instala uma Ditadura no Brasil (que se estende até a década de 80) vai reorientar toda a política de educação brasileira. Nesse sentido, são implementadas mudanças profundas na educação básica do Brasil através da Lei 5.692/71, que obriga todo o ensino médio a ser profissionalizante. Aparentemente tal legislação opunha-‐se à dualidade estrutural que marcara os projetos de escola no Brasil, até então. No entanto, por pressão dos setores médios, que viam no ensino secundário uma forma de preparação para o vestibular, acrescidas pelas posturas das escolas privadas que desde o início rejeitaram a profissionalização e somadas a falta de investimento, principalmente nas escolas estaduais, em estrutura – como laboratórios e recursos didáticos – para efetiva profissionalização, a referida lei fracassou em seus propósitos. Cabe mencionar que, em virtude da diferença de investimentos, criou-‐se uma grande distância entre as redes públicas Federais e as Estaduais. Desde a lei 5.692/71, houve um fortalecimento das Escolas Técnicas Federais e das Escolas Agrotécnicas Federais, que consolidaram sua atuação no campo da indústria, bem como da agricultura. Por outro lado, as redes estaduais, além dos precários recursos, pautaram-‐se pela proposta pedagógica de diminuição dos espaços para as disciplinas gerais, para alocar a formação profissional. Assim, essas escolas proporcionaram um empobrecimento do seu currículo (MOURA, 2010).
2 Pondera-‐se que antes dos Vocacionais, outros projetos de escola concretizaram-‐se dentro de uma lógica oposta a
da dualidade. Os sindicalistas, vinculados ao Anarquismo, na década de 20, do século XX criaram escolas, no Brasil, que priorizavam a formação integral. As educações nesses espaços privilegiavam aspectos culturais, educativos e libertários. Possuíam um projeto classista, voltado para emancipação política e cultural da classe operária (MANFREDI 2003)
Prosseguindo a trajetória histórica da educação escolar na história do Brasil, pontua-‐se a década de 1990 como marco importante, porque a dualidade se estabeleceu sobre uma “nova”etapa do capitalismo, o neoliberalismo. Tais elementos são adequadamente observados ao se destacar que no referido contexto, caracterizado como neoliberal, propunha-‐se um Estado mínimo que implicava em privatizações e escassez de investimentos estatais em setores fundamentais para a vida. No campo da educação, a lógica de mercado adentra aceleradamente. Nesse sentido, a educação escolar e a formação profissional, deveriam explorar as competências dos educandos para que os mesmos, individualmente, superassem as dificuldades do mundo e do trabalho. Era a pedagogia das competências colocando-‐se como o grande referencial pedagógico. Ainda, na década de 1990, as concepções de gerenciamento foram incorporadas ao vocabulário de educação escolar.
Analisando as políticas de educação profissional dessa época e propondo mudanças de rumo, intelectuais e sindicalistas, ligados à luta pela educação profissional de outra lógica, escreveram a Carta de Santo André (Dezembro de 2002)3. Nesse documento,caracteriza-‐se como desescolarização, as propostas de educação profissional postas naquele momento. A separação
entre educação básica e educação profissional era nítida, segundo a carta, pois as políticas de formação profissional não estavam conectadas com políticas de elevação da escolaridade, portando estavam afastadas da escola.
A carta de Santo André aponta que o Decreto 2.208/97, direcionava para a efetivação do ensino técnico concomitante ao ensino médio, algo que obstruía a ocorrência do ensino médio integrado, inclusive no campo da EJA. Além disso, garantia a certificação modular, o que implicava no “aligeiramento” da formação profissional. Assim, buscava-‐se elaborar o mínimo de conhecimento junto ao trabalhador, para que o mesmo pudesse adaptar-‐se às novas realidades do capital. (FRIGOTTO, CIVATTA E RAMOS, 2010). Além desses elementos, abria-‐se a possibilidade de influência das empresas na manutenção de instituições públicas de educação profissional, pois a verba de manutenção dessas não era de obrigatoriedade do Estado, de acordo com o referido Decreto.
Fechando os apontamentos de caráter histórico, cabe mencionar aspectos da política de educação profissional do início do século XXI. Em 2008, as escolas agrotécnicas, a maior parte dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), bem como algumas Escolas Técnicas vinculadas às universidades fundiram-‐se. Nessa fusão foram criados 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) espalhados pelo Brasil.Pontua-‐se a criação dos IFs como um elemento importante na trajetória da educação profissional pública brasileira, inclusive a na sua relação com a dualidade, uma vez que a Lei 11.892/2008 que cria os Institutos, destaca como
3 Documento intitulado: A Qualificação Profissional como Política Pública – sugestões para o novo governo.
Produzido no Seminário Nacional realizado no município de Santo André – SP, nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002, sediado pela Secretaria de Educação e Formação Profissional da Prefeitura de Santo André, organizado conjuntamente com : Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo ( FEUSP) e Intercâmbio, informações, Estudos e Pesquisas (IIEP).
objetivos dessas instituições ofertar a educação profissional de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da EJA. Logo, ao dar prioridade a oferta de EMI abre-‐se a possibilidade para uma prática que caminhe na lógica contrária a da dualidade estrutural. Ainda, essas instituições que podem ter o ensino médio integrado como o ponto de partida, permitindo um repensar da formação profissional como um todo.
3. REFLETINDO SOBRE O EMI E O PROEJA, E SEU POTENCIAL DE ENFRENTAMENTO DA DUALIDADE.
A pesquisa em andamento parte da conceituação de ensino médio integrado, proposta por Ciavatta e Ramos :
“(...) ensino médio integrado carrega, nas expressões correlatas, ensino médio integrado à educação profissional e educação profissional integrada ao ensino médio, a ideia de uma educação que esteja além do simples objetivo propedêutico de preparar para o ensino superior, ou apenas preparar para cumprir exigências funcionais ao mercado de trabalho. A ideia básica subjacente à expressão tem o sentido de inteiro, de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos” (CIAVATTA E RAMOS, 2012, p.307).
É importante destacar que se percebe a dualidade como uma construção histórica e que estão vinculadas as relações sociais, de trabalho, culturais, étnicas e outras. Ainda, sua superação envolve questões que vão além das questões de uma proposta de escola. Além disso, superar a dualidade está relacionado a um projeto de sociedade. Por outro lado, pontua-‐se que existem espaços, mesmo dentro do modelo social capitalista, para a construção de enfrentamentos a essa perspectiva dual. Nesse sentido, visualiza-‐se o ensino médio integrado com potencial para questionar a dualidade. Dessa forma, esse estudo segue-‐se a análise de Frigotto, quando o mesmo destaca que:
“A proposta de ensino médio integrado é a política mais adequada para superar
o academicismo, a fragmentação e o tecnicismo que tem marcado a formação profissional. Não é a mesma coisa que o ensino médio unitário politécnico e/ou tecnológico, mas é um grande passo na usa direção” (FRIGOTTO, 2011, p. 16). Retomando Ciavatta e Ramos, sublinha-‐se que essas autoras apontam que a perspectiva do EMI está relacionada com a perspectiva de enfrentamento à dualidade, destacando que:
“Ela busca recuperar, no atual contexto histórico e sob uma específica correlação de forças entre as classes, as concepções de Educação Politécnica, Educação Omnilateral e Escola Unitária, que estiveram na disputa por uma nova LDB na década de 1980 e que foram perdidas na aprovação da Lei nº 9.394/1996. Assim, essa expressão também se relaciona com a luta pela superação do dualismo estrutural da sociedade e da educação brasileiras, da divisão de classes sociais, da divisão entre formação para o trabalho manual ou para o trabalho intelectual, e em defesa da democracia e da escola pública” (CIAVATTA E RAMOS, 2012, p. 308).
O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional, com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovem e Adulta (PROEJA), aqui é percebido como uma proposta de ensino médio integrado na modalidade EJA. Logo, entende-‐se que o PROEJA também possui potencial de enfrentamento à dualidade.
Em 2005, um Decreto (5.478/05) colocou como obrigatório a sua oferta de PROEJA dentro da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Como algumas dessas instituições já possuíam experiências no campo da integração da EJA com a EP, as mesmas movimentaram-‐se propondo e criticando o documento de 2005. A partir desse movimento, elaborou-‐se um segundo Decreto, 5.840/06, que dá um caráter mais abrangente ao programa. Um dos condicionantes do segundo Decreto é que o projeto pedagógico do curso seja integrado, contemplando elevação da escolaridade e profissionalização em um único documento, algo que sinaliza para algumas concepções pedagógicas com foco na formação integral. Ainda, o programa articula e busca a integração de campos da educação de trajetórias distintas como a Educação Básica, a EJA e a EP. A EJA e a EP historicamente pouco dialogaram enquanto, política pública que lhes integrasse. Assim, em sua pretensão de integrar formação geral e formação profissional, o PROEJA coloca-‐se como uma modalidade EJA de ensino médio integrado com lógica contrária a da dualidade. (FILHO 2010)
A percepção de educação profissional do PROEJA MÉDIO pode ser observada no seu documento base:
“A educação profissional e tecnológica comprometida com a formação de um sujeito com autonomia intelectual, ética, política e humana exige assumir uma política de educação e qualificação profissional não para adaptar o trabalhador e prepará-‐lo de forma passiva e subordinada ao processo de acumulação da economia capitalista, mas voltada para a perspectiva da vivência de um processo crítico, emancipador e fertilizador de outro mundo possível” (Brasil, 2007, p. 32)
Dessa forma, pode-‐se perceber que o PROEJA, respeitando todas as particularidades da EJA, carrega consigo elementos que são motivadores da integração entre formação geral e da educação profissional. Esses elementos caracterizam tal modalidade como ensino médio integrado na modalidade EJA.
3.1 Matrículas no EMI e no PROEJA, segundo o Senso Escolar 2011/2012
De forma a refletir sobre a efetivação de EMI e do PROEJA, destaca-‐se o número de matrículas apontadas pelo Censo Escolar, 2011/12:
Comparação de Matrículas por Modalidade de Ensino Médio e EP -‐ Brasil. 2011 e 2012.
Modalidades de Ensino Médio
Matrículas / Ano 2011 2012 Diferença 2011-‐ 2012 Variação 2011-‐2012 Ensino Médio 8.400.689 8.376.852 -‐23.837 -‐0,3
Ensino Médio (Regular) 7.978.224 7.944.741 -‐33.483 -‐0,4 Ensino
MédioNormal/Magistério 164.752 133.566 -‐31.186 -‐18,9 Ensino Médio Integrado 257.713 298.545 40.832 15,8 Ensino Médio EJA 1.364.393 1.345.864 -‐18.529 -‐1,4
Educação Profissional 993.187 1.063.655 70.468 7,1 Concomitante e Subsequente 188.572 240.226 51.654 27,4
Subsequente 804.615 823.429 18.814 2,3
Fonte: Censo Escolar 2011-‐2012.
Pontua-‐se que os dados em questão mostram que as matrículas, do EMI e PROEJA (EJA Médio Integrado a Educação profissional) estão em caminhos opostos. Enquanto o EMI, claramente apresentou crescimento (é o que mais cresceu no item Ensino Médio), a EJA Médio integrada a Educação Profissional, Presencial e Semipresencial, claramente decresce. Salienta-‐se que no item EJA Médio, a integração com a educação profissional, aparece com maior decréscimo de matrículas.
Os indicadores do senso suscitam algumas questões. O crescimento de matrículas no EMI estaria vinculado à expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica, fundamentalmente com a ampliação de oferta a partir da expansão dos IFs?4 Porque as matrículas do PROEJA não estão
acompanhando a expansão como supostamente estariam as matrículas de EMI?A oferta de
4Segundo Relatório do Tribunal de Contas da União – Tc 026.062/2012 - , na fase II da expansão da Rede Federal de
PROEJA, não está crescendo dentro dos IFs? Estaria a Rede Federal com resistências a oferta de PROEJA?
Ainda sobre as matrículas no EMI, o fato de, mesmo com números ascendentes, não superam as matrículas de EP concomitância e subsequentes, estaria apontando que o integrado tem uma longa trajetória a trilhar de modo a tornar-‐se referência para os estudantes que buscam a escola profissional de nível médio?
4. CONCLUSÕES:
Certamente, o fato de estar em etapa inicial de estudo inviabiliza a construção de conclusões mais sólidas sobre a temática. No entanto, alguns indicativos podem ser percebidos ao longo da caminhada construída até o momento. Um desses, apontada pela síntese histórica, é de que a dualidade, estabelecida sobre diferentes condicionantes históricos, sociais, culturais ao mesmo tempo é que está vinculada ao projeto capitalista de sociedade, pode ser questionada por projetos contrários a sua lógica. O ensino médio integrado e o PROEJA podem ser um desses elementos de questionamento a essa dualidade. No entanto, não basta a ocorrência desses para que a dualidade seja enfrentada. O EMI e o PROEJA devem ser construídos a partir de uma política efetiva que possibilite aos jovens a educação básica que lhes permita uma formação integral, “aliando trabalho, ciência a cultura” (CIAVATTA E RAMOS, 2011, P. 32).5 Ainda, tal formação integral considera a profissionalização como um caminho possível, e necessário, aos brasileiros, fundamental aos de baixa renda, que têm na urgência do trabalho uma realidade para garantir a sua sobrevivência dentro da sociedade capitalista.
Os números de matriculados destacados pelo Senso podem ser considerados indícios de que a concretização do EMI e do PROEJA necessita que ocorra a ampliação da sua oferta. Considerando que a lei de criação dos IFs aponta como objetivo dessas instituições a oferta de ensino médio técnico, preferencialmente integrado, pode-‐se colocar a expansão dos IFs como um dos fatores que possibilitou o crescimento do número de matriculados no EMI. Por outro lado, deve-‐se questionar se mesmo com tal expansão a oferta existente é suficiente para a demanda?
O caso do decréscimo das matrículas em EJA Médio integrada aponta questões preocupantes. A expansão dos IFs não impactou no aumento nas matrículas de PROEJA. Seria por falta de oferta? Os sujeitos que caracterizam a EJA não estariam sendo contemplados com a expansão dos IFs?
Finalmente, é preciso ampliar e qualificar o debate sobre educação profissional, de modo a contribuir para a construção de políticas consistentes que reconheçam a sua trajetória histórica dual e caminhe rumo à construção de um modelo que reconheça a educação profissional como direito e estabeleça uma concepção de formação contrária a da dualidade.
5 A temática referente a perspectiva formação integral no EMI e no PROEJA é um debate central na pesquisa maior,
4. BIBLIOGRAFIA:
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