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Imagens fotograficas e memorias : uma incursão pelo passado da cidade de Antonina - PR

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(1)

INSTITUTO DE ARTES

IMAGENS FOTOGRAFICAS E MEM6RIAS: UMA INCURSAO PELO PASSADO DA CIDADE DE ANTON INA - PR

ANABELA LEANDRO CAMPINAS

2002

UNICAMP

BiBUOTECA CENTHAL

SECAO

ClRCULANTE

(2)

INSTITUTO DE ARTES Mestrado em Multimeios

IMAGENS FOTOGRAFICAS E MEM6RIAS: UMA INCURSAO PELO PASSADO DA CIDADE DE ANTONINA - PR

ANABELA LEANDRO

Este exemplar

e

a reda~ao final da disserta~ao defendida pela Sra. Anabela

Leandro e aprovada pela Comissao Julgadora em 27/02/2002

Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain

-orientador-Disserta~o apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Institute de Artes da UNICAMP como requisite parcial para a obten~o do grau de Mestre em Multimeios sob a orienta~o do Prof. Dr. Etienne Samain.

CAMPINAS

2002

UN! CAMP BiBLlOTECA CENTRAl

(3)

CM00170320-8

FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP

Leandro, Anabela.

L476i lmagens fotograficas e mem6rias : uma incursao pelo passado da cidade de Anton ina - PR I Anabela Leandro. Campinas, SP : [s.n.], 2002.

Orientador : Etienne Samain.

Dissertagao (mestrado)- Universidade Estadual de Campinas, Institute de Artes.

1. Fotografia. 2. Hist6ria oral. 3. Antropologia visual. I. Samain, Etienne Ghislain. II. Universidade Estadual de Campinas. Institute de Artes. Ill. Titulo.

(4)

Realizar uma pesquisa nunca e um exercicio solitario. A conclusao deste trabalho s6 foi possfvel com a colaborayao e ajuda de muitas pessoas. Cita-las todas seria inviavel pelo pequeno espago disponfvel. Mencionarei aqui aquelas que mais diretamente estiveram comigo durante o processo da pesquisa.

Primeiramente, agradego com todo meu afeto,

a

meus pais Aninha e Abel, e ao Edu, sem duvidas meus melhores amigos durante todos os projetos da vida.

Ao meu orientador Etienne Samain, que com muita sensibilidade forneceu o suporte necessaria para realizac;ao desta pesquisa. Pelos seus ensinamentos, decorrentes nao apenas do seu "saber'', mas sobretudo de sua "sabedoria". Tambem agradego

a

Godelieve e Mafra, por sua simpatia e amizade.

A

professora Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, pelos apontamentos valiosos na ocasiao do Exame de Qualificayao e pelo material bibliografico que gentilmente me emprestou.

A

Eliane, Dinarte e Carol, por terem aberto as portas de sua casa, pelos almoc;os e pelas conversas que despertaram em mim a paixao por Antonina e suas hist6rias.

Agradego aos moradores de Antonina, por terem me acolhido com muita

amizade e carinho. Especialmente aos parceiros desta pesquisa que

compartilharam suas hist6rias de vida e suas fotografias: Joubert, Jeferson, Chiquinho, Walderez, Relem, Jofre, Armandina, Ernani e Luiz Siqueira.

Devo agradecer ainda

a

FAPESP, pelo financiamento fornecido para o desenvolvimento da pesquisa, e pelos pareceres que muito contribufram e elucidaram o trabalho.

(5)

INTRODUCA0 ... 05

CAPiTULO 1 -ANTON INA DA COLONIZACAO

A

CONTEMPORANEIDADE ... 09

CAPiTULO 2 - PESQUISA COM FOTOGRAFIAS E MEMORIAS ... 29

I mag ens e Mem6rias de Anton ina ... 40

Gale ria dos lnformantes .... ... .43

Reprodur:;ao e Digitalizar:;ao das Fotografias ... .47

Levantamento Tematico I Fichas ... ... .48

CAPiTULO 3 - FOTOGRAFIAS OFICIAIS DE ANTONINA: UMA OUTRA VERSAO DO PASSAD0 ... 69

Serie 1 -A IGREJA (Fotografias de Amir Henkel) ... 80

Serie 2- 0 Crescimento da Cidade eo Porto (Fotografias de Costa Pinto) .. 88

1° Livro- 0 Crescimento da Cidade ... 89

2° Livro - 0 Porto ... 1 02 CAPiTULO 4- NARRATIVA VISUAL- 0 Presente ... 128

CONSIDERAC6ES FINAIS ... 149

(6)

fig. 1 - Teatro Municipal, 1930 ... 24

fig. 2-Grupo 4, serie trapiches n° 16 ... .49

fig. 3 -Grupo 4, serie trapiches n°20 ... 50

fig. 4 -Grupo 2, no 8 ... 51 fig. 5 -Grupo 2, n° 9 ... 52 fig. 6-Grupo 2, n° 4 ... 53 fig. 7 -Grupo 3, n° 1 ... 56 fig. 8-Grupo 4, n° 1 ... 58 fig. 9 -Grupo 2, n° 6 ... 63

fig. 10 - Capa do album Estrada de Ferro do Parana ... 75

fig. 11 -Marc Ferrez, 1879 ... 76

fig. 12- Marc Ferrez, 1879 ... 77

fig. 13- Marc Ferrez, 1879 ... 78

fig. 14- Amir Henkel, cerca de 1920 ... 82

fig. 15- Amir Henkel, 1927 ... 83

fig. 16- An6nimo, 1928 ... 84

fig. 17 -Amir Henkel, cerca de 1930 ... 85

fig. 18 - Amir Henkel, cerca de 1930 ... 86

fig. 19 - Amir Henkel, cerca de 1930 ... 86

fig. 20 -Amir Henkel, cerca de 1930 ... 87

fig. 21 - Amir Henkel, cerca de 1930 ... 87

fig. 22 -Capa do Livro Prefeitura Municipal de Antonina ... 89

fig. 23-Tracho do livro Prefeitura Municipal de Antonina ... 91

fig. 24- Costa Pinto, 1928 ... 93

fig. 25- Costa Pinto, 1928 ... 94

fig. 26- Costa Pinto, 1928 ... 95

fig. 27- Costa Pinto, 1928 ... 96

fig. 28- Costa Pinto, 1928 ... 97

fig. 29-Costa Pinto, 1928 ... 98

fig. 30 -An6nimo, cerca de 1920 ... 1 00 fig. 31 - An6nimo, 1916 ... 101

fig. 32-Capa do livro Antonina. Questoes Portw!Jria e Taritaria ... 102

fig. 33 -Trecho do livro Antonina. Questoes Portuaria e Tarifaria ... ... 1 03 fig. 34- Antonina. Questoes Portuaria e Tarifaria, p.1 ... 1 05 fig. 35- Antonina. Questoes Portuaria e Tarifarta, p.2 ... 106

fig. 36 -Antonina. Questoes Portuaria e Tarifaria, p.3 ... 1 07 fig. 37- Antonina. Questoes Portuaria e Tarifaria, p.4 ... 108

fig. 38 - Costa Pinto, 1928 ... 11 0 fig. 39 -Costa Pinto, 1928 ... 111

fig. 40 -Costa Pinto, 1928 ... 112

fig. 41 - Costa Pinto, 1928 ... 113

fig. 42- Costa Pinto, 1928 ... 114

fig. 43- Costa Pinto, 1928 ... 116

fig. 44 -Costa Pinto, 1928 ... 117

fig. 45 -Costa Pinto, 1928 ... 118

fig. 46- Costa Pinto, 1928 ... 120

fig. 47-Costa Pinto, 1928 ... 121

fig. 48- Costa Pinto, 1928 ... 123

(7)

INTRODUCAO

A memoria, pode ser considerada uma linha que nos une ao passado e que tece lembrangas na espessura das experiemcias. Neste contexto, servindo de suporte para tecer nossas lembrangas, a fotografia incorpora-se com a memoria pelo fato de sempre se referir ao passado. Segundo Boris Kossoy, "fotografia e memoria e com ela se confunde"1. E, foi justamente entre memorias e fotografias de

um passado, o da cidade de Antonina, que esta pesquisa de mestrado se realizou. Antes de expormos os objetivos que nortearam o trabalho, cremos que seja pertinente expor como eles foram construfdos a partir da pesquisa de campo. 0 trabalho que pretendfamos inicialmente desenvolver, referia-se especificamente aos artesaos do Municipio de Antonina. Objetivavamos tragar um perfil deste artesao a fim de desvendar quem e este homem contemporaneo, herdeiro de toda uma tradigao, e quais as relag6es que estabelece hoje com a sociedade, de maneira geral, e com a comercializagao de seus produtos, em particular. 2 Para compreender tais relagoes que o artesao de Antonina tecia com uma contemporaneidade na qual, necessariamente, mergulha, utilizarfamos, alem do estudo de textos bibliograficos, outros dois suportes de investigagao: a fotografia e os relatos orais.

1

KOSSOY, Boris. "Fotografia e memoria: a reconstitui~ao por meio da fotografia" in: (org.) SAMAIN, Etienne. 0 fotografico. Sao Paulo: Huciteq I CNPq, 1998. p. 42.

2

Em Antonina, o desenvolvimento do artesanato ocorre como uma alternativa de subsistencia ante a escassez de empregos no setor comercial e portuario. Representa ainda, um redirecionamento para o turismo, visto como uma saida para a crise economica que vive a cidade

(8)

No decorrer da pesquisa, ao ja termos coletado os relatos orais de oito artesaos e transcrito cinco deles, percebemos, ao fazer a analise deste material, que a relayao das pessoas com o artesanato nao era, de certa maneira, o assunto que prevalecia nestes encontros. As hist6rias de vida geralmente apareciam entrelayadas com hist6rias da epoca em que o municipio tinha um movimento cultural e econ6mico consideravel, e, com menor intensidade, estas hist6rias se relacionavam com a atividade artesanal. Da mesma maneira ocorreu com as fotografias. lmagens de produtos produzidos pelos artesaos ou imagens que revelassem sua pratica apareciam em menor numero do que aquelas que traziam o movimento de caminh6es nas ruas, o porto em pleno funcionamento e as festas tfpicas como o Carnaval e a festa da padroeira Nossa Senhora do Pilar.

E

consideravel o numero de fotografias antigas que trazem como tema o cotidiano de Antonina nos seus anos de "gloria", e e da mesma forma impressionante como os moradores (pessoas que entrevistei e outras que conheci informalmente) referiam-se

a

este passado com frequemcia, lamentando-se e fazendo uma comparagao com a situayao atual, na qual apenas 6% das pessoas sao assalariadas e a cidade considerada no grau crltico de pobreza.3

Desta forma, discutindo a questao com o nosso orientador, vislumbramos a possibilidade de seguir um outro caminho que se mostrava muito interessante, inclusive em termos de viabilidade visando cumprir a pesquisa no prazo estabelecido. 0 fato da maioria das pessoas entrevistadas se referirem constantemente em suas mem6rias a este passado, e tambem de ter sido um

3

IPARDES- Instituto Paranaense de Desenvolvimento Economico e Social. 0 1Yfapa da Pobreza do Parana. Curitiba: Secretaria de estado da Crian<;a e Assuntos da Familia, 1997.

(9)

periodo registrado com intensidade atraves da fotografia, foi o que nos levou para urn redirecionamento dos objetivos da pesquisa.

Assim, o objetivo principal desta pesquisa

e

compreender como a

comunidade de Antonina se relaciona com o passado e como esse passado se presentifica atraves das memorias e das imagens fotograficas, procurando discutir de que maneira a fotografia, como meio de comunicat;ao, aliada

a

memoria, pode proporcionar urn modo distinto de conhecer, transmitir, interpretar e recriar o passado, uma vez que existe, fora as imagens e as memorias, apenas urn livro4 que relata parte deste passado. Com isso, a busca pelas versoes desta historia sera guiada nao apenas pela visao do pesquisador, mas sobretudo, pelo olhar que o morador lanya sobre seu passado. A memoria destes moradores estimulada pelas imagens fotograficas e expressa nos depoimentos, nao sera analisada com

o

proposito de encaminhar

o

leitor para uma unica "verdade", ou conclusao. Desta maneira, delineamos os seguintes objetivos secundarios: mostrar que nao existe uma s6 verdade sobre o passado da cidade, mas varias versoes; expor as diversas possibilidades de interpretat;ao desse passado; e detectar os rastros da construt;ao das diferentes memorias.

No primeiro capitulo, afim de situar Antonina em urn quadro de referencia historica e detalhar o local do trabalho etnografico, apresentaremos urn historico do municipio. Este capitulo tambem tern por objetivo que

o

leitor possa compreender

o

curse que tomou a cidade, uma vez que a pesquisa constantemente debruya-se sobre a questao passado/presente.

4

(10)

No segundo, apresentamos alguns aspectos metodol6gicos utilizados para interrelacionar as fontes orais, imageticas e escritas, procurando discutir possibilidades e limitac;:oes da utilizac;:ao destes suportes de investigac;:ao. Buscamos, ainda neste capitulo, estabelecer um dialogo entre a teoria e o trabalho de campo no Municipio de Antonina, exemplificando como as imagens e os relates foram documentalizados e interrelacionados.

Ap6s o trabalho com depoimentos e fotografias de moradores, o que caracterizou a memoria individual, no terceiro capitulo, o objetivo foi analisar de que modo a fotografia foi utilizada nas decadas de 20 e 30 para criar uma imagem da cidade de Antonina, atraves de fotos oficiais. Comparando tais fotos com as dos moradores, ou seja, contrapondo as mem6rias oficial e individual, objetivamos compreender o contexte socio-cultural da construc;:ao e da representac;:ao do passado atraves da fotografia, observando o que se diz no discurso oficial e o que se diz no outre, ou ainda o que nao se diz sobre o passado de Antonina.

0

Capitulo 4, que encerra esta dissertac;:8o, tem como objetivo apresentar uma narrativa visual de Antonina, afim de que o leiter possa,

a

sua maneira, trac;:ar uma trajet6ria imagetica entre passado e presente. Com este objetivo, durante o processo da pesquisa realizamos imagens do cotidiano da cidade, e tambem retornamos aos locais mais fotografados tanto pelas agencias oficiais, quanta por moradores, realizando novas fotografias.

(11)

0 objetivo deste capitulo e situar a cidade de Antonina em urn quadro de referencia hist6rica e detalhar o local do trabalho etnografico. Serao apresentados urn breve hist6rico do municipio realizado a partir do entrelac;:amento de informac;:oes contidas nos artigos pesquisados em jornais que circularam entre 1860 ate 19401, nas poucas obras publicadas sobre a cidade2, nos relatos orais e nas imagens fotograficas que recolhemos ate agora.

1

No jornal Commercia do Parana, impresso em Paranagua, pesquisamos os anos de 1862 ate 1864; No

Almanack de Antonina, impresso em Antonina, os anos de 1920 ate 1930; e no Jornal de Antonina, tambem

impresso na cidade, pesquisamos de 193 3 ate 1940.

2

Principalmente: LEAO, Ermelino de. Antonina: Factos e Homens. Antonina, 1926. Este livro adquire

importancia, pois, alem de ser o Unico estudo hist6rico publicado, contem a recuperac;ao de documentos raros e sua transcric;3o feitos pelo autor ao Iongo do trabalho realizado em 1918.

(12)

Antonina e uma pequena cidade situada a 80 quilometros de Curitiba, no literal norte do Parana. Os primeiros vestfgios da ocupayao da Mala Atlantica onde esta situado o municipio foram encontrados em 72 sambaquis, sltios arqueol6gicos existentes no local3. Aglomerados de conchas, espinhas, utensilios domesticos, ceramicas e pedras lascadas atestam a sucessiva ocupayao por duas numerosas tribos: o povo que Ermelino de Leao denominou "Tambaquiba"4 que estacionava ali na epoca da pesca; e, posteriormente OS Indios Carij6s do tronco lingOistico Tupi-Guarani, que povoaram uma extensa faixa do literal paranaense.

Os Carij6s eram considerados "passives", pelo pesquisador Ermelino de Leao, responsavel pela principal obra publicada sabre Anton ina.

E para a investida as costas do Sui, nenhum estfmulo faltava a gloria do emprehendimento: o ouro e a pacifica e numerosa tribu Carij6. Os indigenas ahi estavam para saciar a ambiyao dos aventureiros, fornecendo arcos e bra9os para a ignominia da servidao, que se mascarava sob o titulo de administrayao e com intuitos religiosos. 5

Porem, I sa Adonias em pesquisa com base em alguns manuscritos afirma que as terras mais pr6ximas

a

Cananeia (SP) eram habitadas por Tupiniquins "amigos" dos portugueses. Ja as terras mais ao sui - onde estao situadas Paranagua e Antonina s6 mais tarde puderam ser habitadas pelos colonizadores, pais os Indios Carij6s ja eram ressentidos de lutas anteriores com as primeiros portugueses, sendo definidos como urn povo violento. Tanto que os homens que desejaram instalar-se

3 BOLDRINI, Eliane BeeMembria Popular e Identidade Cultural. Identificando Elementos para a Constrm;:do

Contempordnea da Identidade Culturai.Antonina:Associa<;iio de Defesa do Meio Ambiente e do

Desenvo1vimento de Antonina, 1999. p. 6

4

LEA.O, Erme1ino de. Antonina: F aetas e Homens. Antonina, 1926.

(13)

na regiao foram inicialmente para as ilhas, como a ilha da Cotinga, e s6 depois transferiram-se para o continente. Mais tarde, como consequencia das bandeiras paulistas de Sao Vicente, grande parte desta populagao indfgena Carij6 foi sendo rendida para o trabalho escravo.6

A exploragao do Estado do Parana tem seu infcio atraves das navegagoes nas bafas de Paranagua e Antonina logo no primeiro seculo ap6s o "descobrimento". A primeira notfcia sabre as bafas consta em um documento escrito por Hans Staden em 1556, no qual ele narra o epis6dio em que seu navio, que deveria seguir ao "La Plata", enfrentou uma tempestade sendo langado na entrada da bafa de Paranagua7 A primeira vila fundada na regiao, ou a primeira que se tem registro, foi na ilha da Cotinga por volta de 1570.8

Contudo, o que motivou o povoamento do litoral foi o comunicado feito

a

Sao Paulo sabre o descobrimento de minas de ouro no seculo XVII, mais precisamente no ano de 16469. A partir deste periodo levas de aventureiros, moradores e egressos das vilas paulistas, atrafdos pelo ouro, desembarcaram no litoral paranaense. Nesta epoca a regiao onde situa-se Antonina ainda nao havia sido colonizada, sendo representada nos mapas que oferecemos a seguir como regiao de minas.

6

ADONIAS, !sa. Afapas e pianos manuscritos relativos ao Brasil Colonial (1500-1822). Rio de Janeiro:

Ministerio das rela96es Exteriores, 1960. p. 503

7

ST ADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Sao Paulo: EDUSP, 1974. p.55. (Traduzido da edi<;ao alema 1857,

Marburg, Alemaul1a).

8 MORGENSTERN, Algacyr. Porto de Paranagua: contribui9iio

a

hist6ria. Periodo: 1648-1935. Paranagu:i:

Administra<;ao dos Portos de Paranagu:i e Antoulna, 1985. p.1

9

Gabriel de Lara vai ate Sao Paulo fazer o comunicado da descoberta de ouro no distrito que estava povoando. Lara foi considerado o primeiro povoador de Paranagua, nao porque foi o seu primeiro habitaute. mas por realizar os chamados "atos de organiza9ao politica", como a elei<;ao de conselhos, jnizes, etc.

(14)

0 primeiro mapa demonstra um fragmento da costa Sui do Brasil no seculo XVII, estando ja identificada a cidade de Paranagua.(mapa 1) E, no segundo, apresentamos um mapeamento atual da regiao de Antonina. (mapa 2)

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h•of<>'""J: t~-'~"-~·~-"':-~' -·";---~--t (mapa 1) 0 mapa acima data de 166610 Na maioria dos mapas deste perfodo, a regiao de Antonina aparece com a denomina9iio de minas, designa9iio que podemos observar, varias vezes, na parte central superior do documento. Houve uma grande explora9iio de ouro, ferro e alguns outros meta is no local antes da vila ser construida.

10 "Demonstra~ao

do Pernagua e Cananeia", Livro de toda a costa da Provincia Santa Cruzfoito por Joiio Teixeira Albbernas.Anno 1666. 30x42cm. Mapoteca do Ministerio das Rela96es Exteriores in: SOARES,

Carlos Roberto: LANA, Paulo da Cunha. Baia de Paranagua. Mapas e Hist6rias. Curitiba: Editora da L'FPR,

(15)

(mapa 2) Mapa atual da regiao de Anton ina, representando o ponte em que o Oceano Atlantica mais adentra o continente, formando as Baias de Paranagua e Antonina. Fonte IBGE, 1999.

(16)

0 ciclo do ouro persistiu com fon;:a somente ate a descoberta de metais preciosos no Estado de Minas Gerais, mas alguma atividade de minerac;:ao ainda se estendeu ate o comec;:o do seculo XIX

Particularmente na regiao de Antonina, foi somente com a diminuic;:ao da explorac;:ao aurffera que se deu o infcio do povoamento, quando os faiscadores de ouro foram se transformando em agricultores, conforme trecho abaixo citado por Leao:

Mas a insanie do ouro passou: e ao lado das catas e faisqueiras abandonadas foram surgindo os sftios e cultivados, menos promissores de opulencia, mas mais garantidores do bem estar e fartura do colona. Contudo, somente no comec;:o do seculo dezenove cessaram os trabalhos de minerac;:ao.11

Segundo o senhor Joubert Vieira, ate alguns anos atn3s os catadores de caranguejo ainda achavam pequenas pepitas de ouro no fundo do mangue. A sua hip6tese e que por ali devia ser um dos locais para a lavagem do ouro, geralmente em grandes rochas nas quais eram escavados canais para escoamento da agua12

Foram as primeiras sesmarias concedidas pelo Capitao-mor de Paranagua, e posteriormente a construc;:ao da capela de Nossa Senhora do Pilar que culminaram na formac;:ao do povoado de Antonina. 0 Capitao Manoel do Valle Porto, com seus numerosos escravos, estabeleceu um sftio na regiao no qual administrava trabalhos agrlcolas e de minerac;:ao Aproximadamente cinqOenta casais habitavam as redondezas de seu sftio e uma destas famflias, devola de Nossa Senhora do Pilar, rezava a cada dia 15 de agosto animados terc;:os em louvor

a

santa, atraindo muitos

n Op. Cit., p. 29.

12

(17)

moradores das redondezas. 0 Capitao Valle Porto participou de algumas das festas dos devotes e se propos a erigir uma capela onde pudesse ser rendido o culto. Na ocasiao em que o Bispo do Rio de Janeiro, D. Francisco de Sao Geronimo, autorizou em 1714 a construgao desta capela, foi realizada uma testa em homenagem

a

Virgem do Pilar. Ate hoje esta festa se realiza, dia quinze de agosto, e torna-se um grande acontecimento que reune pessoas de toda a regiao do litoral norte.13 A constrw;:ao da capela fez com que, desde entao, Antonina ficasse conhecida como "capela" e seus moradores como "capelistas".14

No ano da instalagao da Villa 1797, segundo demonstram alguns documentos, o povoado ja possuia 2.300 habitantes vivendo da pesca, agricultura de subsistencia e alguma extragao de ouro.15

Nos seculos posteriores dois fatores proporcionaram um intenso fluxo populacional e conferiram autonomia comercial

a

regiao: a reabertura do caminho da Graciosa (hoje Estrada da Graciosa) e bern mais tarde a instalagao de treze trapiches portuarios de empresas particulares que formavam o porto.

Segundo apontam alguns autores como Wachowicz e Leao 16, a Estrada da Graciosa foi inicialmente uma picada pela qual os Indios, localizados no planalto, desciam ao literal. Posteriormente foi tambem utilizada pelos faiscadores de ouro. Rubens Habitzreuter cita a Graciosa como a trilha mais primitiva entre o literal e o planalto. Desde 1720, inumeros reparos foram sendo feitos e tornou-se estrada, .mas apenas comportava transite de animais de carga:

13 A Festa de Nossa Senhora do Pilar hoje

e

tambem chamada de "Festa de Agosto" para, segundo os

moradores, atrair mais turistas que nilo somente os romeiros. " LEAO, Ermelino de. Op. Cit. p. 28 a 32.

15

Documento do Setor de Docmnenta<;iio Paranaense da Biblioteca PUblica do Estado do Parana, 1989.

16

WACHOWICZ, Ruy Christovam. Hist6ria do Parana. Curiuba: Vicentina, 1988. p. 53.

(18)

Gado cavalar, erva-mate, trigo, milho, fumo, came seca, couros e cereais diversos eram os produtos que maier volume apresentavam no transporte de descida da serra. Subiam mercadorias estrangeiras como peyas de pano de algodao, barris de vinho, aguardente do reino ou da terra, vinagre, azeite, sal, alcool, e ferragens H

No entanto, quando a abertura foi oficialmente autorizada, houveram inumeros protestos das cidades vizinhas Paranagua e Morretes. Tal oposigao pelo trafego na estrada tinha dais motives principais. lnicialmente a estrada ligava Curitiba

a

Antonina sem passar por Morretes, fate que faria com que os tropeiros viajantes utilizassem unicamente o comercio de Antonina para sanar suas necessidades. Por outre lade, Paranagua preferia que se utilizasse o porto de Morretes, pais as mercadorias que chegavam neste porto tinham que ser exportadas por Paranagua, enquanto que Antonina poderia ela mesma exportar por ser tambem porto maritime. Segundo Soares e Lana18, estes sao os motives pelos quais Morretes e Paranagua eram aliadas na chamada "Guerra dos Portos" contra Anton ina.

Barao de Teffe, engenheiro e idealizador do porto de Antonina, escreve sabre estes conflitos em publicagao de 1879:

A provincia do Parana possui um vastissimo territ6rio, mas s6 dispoe de uma bahia capaz de receber navies de grande calado. A parte principal dessa bahia tem uma forma alongada no sentido de leste a oeste; quasi a meia distancia esta a cidade de Paranagua e, no extreme occidental, a cidade de Antonina.

Paranagua e mais antiga, tem a categoria de villa desde 1646; Antonina foi fundada em 1714.

Paranagua fez quanto lhe foi possivel para impedir a funda~o de Antonina, e, ha 160 anos, combate o progresso desta cidade com tal animadversao, que, felizmente, nao ha outre exemplo no Brazil!!

E

necessaria recorrer aos tristissimos tempos da edade Media para encontrar, na ltalia, exemplos analogos, lutas fraticidas, entre cidades irrnas, tao duradouras e tao

1

' HABITZREUTER, Rubens. A Conquista da Serra do Mar. Curitiba: Pinha, 2000. p. 46

18 SOARES, Carlos Roberto; LANA, Paulo da Cunha. Baia de Paranagua. Mapas e His/arias. Curitiba:

(19)

tenazes, entre Pisa e Genova, entre Pisa e Floren9<1, e sobretudo Genova e Veneza!19

Apesar das observa¢es parecerem um tanto exageradas, a cidade vizinha permaneceu opondo-se aos empreendimentos, pois, uma vez que o caminho da Graciosa fosse reaberto Antonina teria facil comunicayao como planalto, e tornaria-se uma competidora temfvel para o porto de Paranagua. Somente em 1873 o trafego de carro<;:as foi liberado, sendo o 1° caminho carrogavel que ligava Curitiba ao porto do mar mais proximo, o de Antonina.

Pavimentada com pedras regulares no seu trecho de 12 quilometros de descida, a Graciosa foi a segunda estrada cal9<1da do Brasil. Por ela trafegaram, durante muitos anos, alem de animais, gado e cavaleiros, centenas de carro9<1s com 1500 quilos de carga m6vel e diligencias transportando as malas postais e viajantes.20

A partir da construyao do primeiro trapiche em Antonina, por volta do ano de 1856, ficou estabelecida a linha de navegayao entre a cidade e o porto de Paranagua. Considerado o quarto em exportayao no pais, o porto de Antonina formado pelos trapiches particulares juntamente com as fabricas da famflia Matarazzo e varias outras industrias e armazens, contribuiu para o exito da cidade principalmente com a exportayao da erva-mate. Alem disto, Antonina exportava cana-de-agucar, sal, arroz, milho, feijao, algodao, mandioca, banana, trigo, sabao, madeira e importava outros produtos de necessidade que nao podia produzir como: cal9<1dos, tecidos, maquinas diversas, perfumes, etc. A explorayao de minerio de ferro e manganes tambem foi feita em larga escala, pela vasta quantidade de minas na regiao.

19 TEFFE, Barilo de; HARGREA YES, H. E.; REBOU<;AS, A. Superioridade do caminho de ferro de Antonina a Curitiba perante o lnstituto Polytechnico brasileiro. Rio de Janeiro: Leuzinger, 1879. p.43. citado em:

SOARES, Carlos Roberto; LANA. Paulo da Cunha. Op. Cit. p. 54.

(20)

Arquivos dos jornais que circulavam na epoca, apresentam dados que demonstram a movimenta9ao nos trapiches e o crescimento da cidade. Na sel(c3o "Movimento Geral das Embarca96es" encontramos o fluxo mensal de exportal(c3o e importal(aO, o que, somando os treze trapiches chega a cerca de um navio por dia. No Jornal Commercio do Parana, de 21 de maio de 1864, a tabela dos fretes e passagens no vapor "Marumby", discrimina sua carga:

Caixa de loul(a - 320; Barricas com generos - 400; Ancorotes de azeitonas - 80; Caixas de sabao e de vellas grandes - 100; Caixotes de vidros regulares - 120; Caixas de passas e figos - 80; Cestos de charque - 240; Cocos da Bahia - 5rs; Aparadores- 500; Ter9os de erva grossa de 5 a 7 arrobas- 440.

Os jornais da epoca evidenciam a instala9ao de escrit6rios de Sao Paulo, agencias bancarias, usinas siderurgicas e grifam a palavra "progresso".

Em um anuncio de 1927 do Almanack de Antonina, a "Companhia Nacional de Navegal(c3o Costeira" anuncia horarios e datas das safdas de navies para viagens de passageiros para o norte e para o sui: Santos, Rio de Janeiro, llheus, Vit6ria, Macei6, Recife; Paranagua, Florian6polis, Rio Grande, Pelotas, Sao Francisco, ltajai. (anuncio 1)

Outre anuncio do mesmo ano, liqOida madeiras devido a concorrencia gerada pelo "progresso". (anuncio 2)

(21)

Sui:

TariM n<

P-~sugarn: At:~nJ:::,&a ?~l~ ,.,n.nll<L

Carga: Rec;;be·~c eom ,b~ideactAo ;.1ol>~~r6. Fartakta;

Tra[<t-5e· na ;·e$f"lllta da ;,,,;i;-,,;;c,,;,,;~;,,;,

?Mi mab inionna.;5~t. corn ,o -agcnte

- 1. ,u, Ra.Cilmenlo

RH:\ 16. "ii.U.fJ._. c::_correio 11,_15

(anuncio 1)- Almanack de Antonina, 1927,

0 porto proporcionava comunicagao e transporte para as principais cidades brasileiras e facilitava nao somente a chegada de produtos mas tambem de notfcias, que, segundo o Sr. Relem Salubergth, eram veiculadas antes em Antonina e s6 depois na capital Curitiba

(22)

'

Em c:ttcncO.o ,,o crf'.-"Ynt<: profjrCs->o d~qt'l Cld<Jd0. c de toJo

Mtii-li-cipio, resolvi balxM consid(;~.welmcnte O>:'i pri!CO!:I de m<Jdeira a

come-t:;:<~r do dia -t do corrcnk c dw11nf:e 30 d'•ds- 0 stock d vcr!da <'lcha..:ae

nJ. ~errcria proximo d E!'t<~<;do da Estrad~ de !!crro, em oeguido. dou

,1 li"id d<:: :=rc~oa pclo.s '!ll•lCil .sardo liqu1Jdda3 tnJ"" aa madc!ras- .ol! existcntcs.

till tx1:.!-'.:U pulmo~ de lu. qunli;!rtdf' il:l$1100

b:_!:.!<~ll .'!a. ost•<J!hidn H~{)UO h\~·'20 :Ia. I'OI!IIlll!Ul JiJ$000

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Antoniua 2 de 1\brU de 1927

B. Bandeira Ribas

(a nuncio 2)- Almanack de Antonina, 2 de abril de 1927

Materias e anuncios falam do progresso de Antonina e apontam para o grande movimento e concorrencia comercial na cidade. Frenquentemente informam das novidades chegadas da Europa, como um "novfssimo vidro colorido de Jan9a perfume, ultima moda para brincar o carnaval. Nao arde os olhos!" (Aimanack de Antonina, agosto, 1924)

(23)

Antonina era um dos principais p61os de produgao e circulagao de riquezas do Estado, conforme relata o Jornal de Antonina de 12 de agosto de 1931 :

Possue o municipio, trinta industrias, das quais, oito empregam mais de cinco operarios. As industrias R. F. Matarazzo com fabrica de sabao, moinho de trigo e de sal tern produ«iio anual que eleva-se a centenas de milh6es de cruzeiros e emprega centenas de operarios. 21

Em quase todos os depoimentos dos moradores que presenciaram a epoca do funcionamento do porto, aparecem comentarios relacionados as oportunidades de emprego que o complexo gerava. No entanto, tais depoimentos proporcionam alguns contrapontos interessantes. 0 Sr. Joubert, par exemplo, foi par duas vezes prefeito e ao falar sabre o imperio do Matarazzo diz: "Matarazzo foi a razao de Antonina e Antonina a razao do Matarazzo". Ja o Sr. Relem que e alfaiate conta uma outra hist6ria: "( ... ) tudo isto, esta colegao de carros, tude construfdo com a exploragao dos trabalhadores. Se voce procurar as famflias dos que trabalharam no Matarazzo, vai ver que ninguem tern nada, nem casa propria. Ganhava com ele, gastava aonde? Com ele."22

Antonina nao viveu um periodo continuo de exito com as atividades portuarias. Altos e baixos ocorreram devido a rivalidade, sempre permeada por questoes politicas, com Paranagua. Um fato que bern exemplifica tal relagao entre os portos foi a ordem de Getulio Vargas em 1939 para fechar os escrit6rios da Companhia Nacional de Navegagao Costeira e da Loyd Nacional em Antonina, noticia encontrada nos dais principais jomais da epoca23 Segundo estes jomais, a

21

Jornal de Antonina, edi9ao de 12 de agosto de 1931, p. 9.

22 Depoimentos concedidos por: Re1em Salubergth em 12/03/00 e Joubert Antonio Vieira 16/04/00.

23

(24)

atitude foi tomada sem motive aparente provocando revolta na populac;:8o.

Porem, uma hist6ria repetida em tres relates de diferentes moradores talvez possa explicar o fate. Na epoca Manoel Ribas, o interventor do Estado do Parana escolhido por Getulio, foi para Antonina afim de conhecer o porto e negociar verbas para sua ampliagao. Na ocasiao, acontecia urn baile para os oficiais e alguns "ilustres" para o qual Manoel Ribas foi tambem convidado. Porem, o interventor foi barrado na entrada por estar acompanhado de uma "dama", que nao a sua esposa. Muito ofendido deixou Antonina para visitar a cidade de Paranagua, na qual foi recebido com jantares e festas. Duas semanas depois, Getulio Vargas tomou tal decisao "repentina e sem motive aparente". Bern, o motive jamais poderia ter side publicado na imprensa da epoca e esta apenas na memoria dos que vivenciaram o fato24

Uma outra hist6ria relativa ao acontecido, esta sim publicada nas primeiras paginas, foi a atitude tomada por urn grupo de escoteiros afim de que Getulio voltasse atras em sua decisao. Quatro meninos, o mais velho com apenas 16 anos, resolveram ir a pe ate o Rio de Janeiro para tentar uma audiencia com o presidente, que ate o memento nao havia recebido nenhuma das comissoes enviadas ao Rio. Andaram pela Mala Atlantica por 42 dias guiados por uma bussola e conseguiram chegar. 0 fate, segundo o Jornal de Antonina, sensibilizou Vargas que aceitou recebe-los e reabriu os escrit6rios das companhias.

Com doze mil habitantes, seis mil na zona urbana, a cidade possufa -segundo a edic;:8o de 3 de outubro de 1934 do Jornal de Antonina - uma vida social

24

Depoimentos concedidos por: Jeferson Santos 09/02/00, Joubert Antonio Vieira 16/04/00 e Relem Salubergth 12/03/00.

(25)

agitada, com "um Cine-Teatro com tela panoramica, um Cinemascope beneficente, 6 clubes recreativos, 5 esportivos"

0 cenario cultural da epoca contava ainda com varias festas populares, dentre elas a Festa da Padroeira, o Fandango de Tamanco (realizado na zona rural), os Blocos e mais tarde o Carnaval. 0 movimento gerado pelo porto teve forte influencia no surgimento do carnaval em Antonina. Conta-se que um estivador vindo de Belem do Para, formou, em 1924, o bloco dos Apinages no qual as pessoas se vestiam de indios e dangavam coreografias como as dangas rituais das tribos dos apinages. Este bloco deu infcio

a

tradigao dos desfiles populares de rua em Antonina, contribuindo para que mais tarde o Carnaval se tornasse uma forte manrrestagao local.

Dentre as multiplas hist6rias que remetem a tais festas e ao significativo movimento na cidade, uma das mais simples, em termos de transcrigao, e a que foi narrada, quando observavamos a fotografia de uma jardineira em frente ao teatro municipal em 1930 (fig. 1), como Sr. Joubert Vieira, ex-prefeito, hoje com 84 anos e uma memoria invejavel, que assim comentou:

(26)

(fig. 1) Grupe 2 -Teatro Municipal, 1930, anonimo

E,

n6s aqui tfnhamos o carnaval que fazia o corso. Parava o corso para tirar as serpentinas pro caminhao passar! Naquele tempo o caminhao vinha todo enfeitado, e esse 6nibus que ta aqui

e

que carregava a banda, tocando na rua. .. Trinta, essa

e

trinta, esse aqui

e

o carro do Edgar que puxava o pessoaL

e

interessante isso aqui, na rua em frente ao cinema

e

que parava Entao o corso faziam essa volta aqui, pegava essa rua que era, chamava-se Rua das Marrecas, que agora e a rua jardinada(, .. )

Entao dava a volta e chegava aqui nesta outra rua. Mas, sete da noite ja acabava o corso, a gente voltava pra casa tamar banho ne,. nove e meia, dez horas a gente ja estava no bloco que s6 acabava quando o sol raiava, e com a parada ali no mercado municipal para tamar cafe com bolinho de banana. Era 1929, 193025

(27)

Em 1930, existiam na pequena cidade de Antonina seis agendas bancarias com tres representantes de bancos estrangeiros, quinze corretores de navios e despachantes; seis exportadores de madeira; dezessete armazens de "secas e molhados"; tres torrefay6es de cafe e mais todo o complexo das industrias Matarazzo.26

Entretanto, diferente de outras cidades portuarias como Paranagua ou Santos que assim tambem iniciaram seu curso de desenvolvimento, Antonina entrou em decadencia no final da decada de 70, quando o Porto Barao de Tefe, par questoes polfticas, perdeu para o porto de Paranagua incentives e liberagoes de impastos para a exportagao. Par conta disto, o porto de Antonina, apesar de estar situado a menor distancia de Curitiba, nao conseguiu superar Paranagua em volume de exportagao de madeira. A preferencia dos exportadores resultava da influencia governamental da epoca, assim como a aplicagao em larga escala de verbas estaduais somente ocorria nas instalay6es do porto de Paranagua.

Desde entao, a hist6ria da cidade vern se relacionando com a hist6ria do porto, com seu passado recente de gl6rias e farturas que mediaram a maioria das relay6es de produgao e de trabalho.

Atualmente Antonina e tombada pelo Patrimonio Hist6rico do Estado do Parana e pertence

a

Area de Preservagao Ambiental (APA) de Guaraquegaba, par possuir urn "ecossistema estuarine lagunar", isto e, o mangue que beira a cidade produz mais oxigenio do que as matas, tornando favoravel o desenvolvimento de

26

(28)

inumeras especies raras, sendo a sua bafa o ponto em que o Oceano Atlantica mais penetra o territ6rio brasileiro.

Duas aparentes conquistas para urn pequeno municipio, mas que na pratica nao funcionam devidamente.

E

que a lei permite que os casaroes sejam habitados e reformados, desde que sejam conservadas suas fachadas, e para urn morador com baixfssima renda, como e o perfil do antoninense, este tipo de restauro e quase inviavel. lsto faz com que a popula9i!io ou realize "reformas" que descaracterizam as fachadas originais ou mude-se da area hist6rica para a periferia criando, digamos assim, duas Antoninas: uma dos que compram os casaroes centrais e Ia constr6em suaS"l:asas de veraneio, e outra das vilas perifericas. Uma segunda questao eo fato de habitarem urn local que recentemente foi denominado Area de Preserva9i!io Ambiental, o que vern significar algumas mudan98s em sua rela9i!io com o meio ambiente. Boa parte da popula9i!io de Antonina, principalmente da area rural que abrange dois grandes bairros, o da Cachoeira e Bairro Alto, precisam de autoriza9i!io do IBAMA para qualquer atividade que ate algum tempo, segundo eles, simplesmente faziam para sobreviver, tal como: plantar, colher, tirar taquara, ca98r, etc... Esta questao geralmente esta presente nas conversas com os moradores destes bairros.

0 porto ja nao oferece mais expectativas de emprego. Permaneceu urn grande perfodo de tempo desativado sendo depois arrendado por uma multinacional que preencheu a grande maioria das vagas com operarios trazidos por empresas que estao executando as reformas. Atualmente esta sob dire9ao da famflia Matarazzo, mas ainda permanece desativado.

(29)

Segundo um levantamento intitulado Mapa da Pobreza, elaborado pelo IPARDES (1996) e !PEA (1993)27, Antonina era em 1996 um municipio classificado no grau crftico de pobreza, onde 69% des chefes de domicflio urbane tinham renda de ate 2 salaries mfnimos, enquanto 1470 famflias encontravam-se no nfvel de indigemcia absoluta, com nfvel crftico de saude e mortalidade infantil de 45/1000 nascidos vivos. Hoje apenas 17000 pessoas distribufdas entre as zonas urbana e rural habitam o municipio, estima-se que apenas 6% desta populagao seja assalariada.

Memorias, rufnas e belfssimas fotografias o que ficou deste passado -evidenciam o contraste com o presente. Em uma primeira leitura que fizemos das imagens fotograficas antigas, cedidas per alguns moradores, percebemos elementos que dificilmente sao encontrados nas imagens produzidas atualmente (inclusive as que realizamos): ruas cheias de gente mesmo fora da epoca das festas, carros, jovens, crianc;as, o porto em movimento.

Uma frase dita pelo Sr. Francisco C. de Almeida o "Chiquinho" quando observavamos algumas fotografias nos chamou a atengao. 0 Sr. Chiquinho repetiu algumas vezes: " ... o futuro de Antonina

e

o passado ... ..2s lnicialmente, pelo tom de desanimo com que pronunciou as palavras entendemos que, o que se costuma relacionar ao "futuro" de uma cidade, o crescimento ou o "progresso", ja haviam ficado pra tras. Porem, a colocagao de Chiquinho tambem nos indica um outre caminho: de que o futuro da cidade e a sua condigao de permanencia esta na preservagao da memoria de Antonina, desde que esta memoria seja trabalhada de

27

Citado em: BOLDRINI, Eliane Bee. A1emoria Popular e Jdentidade Cultural. ldentificando Elementos para

a ConstrU<;iio Contempordnea da ldentidade Cultural. Antonina: Associayao de Defesa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento de Antonina, 1999.

(30)

forma a atrair novas investimentos no campo do turismo e desta maneira suprir a atual crise econ6mica na cidade.

(31)

0 objetivo deste capitulo

e

apresentar alguns aspectos metodol6gicos utilizados neste trabalho para interrelacionar relates orais e imagens fotograficas, procurando discutir algumas possibilidades e limitac;:oes da utilizac;:ao destes dais suportes de investigayao, que fundamentalmente sustentam esta pesquisa. lnicialmente, utilizando como pano de fundo algumas reflexoes de autores da teoria da imagem - apesar de nao ser o objetivo aqui discutir semi6tica - da antropologia visual e da hist6ria oral, buscamos um dialogo entre estas teorias e o trabalho de campo no Municipio de Antonina.

(32)

A crescente utiliza~o na pesquisa cientffica de outras fontes, alem do texto escrito, tern gerado novas possibilidades de obten9ao e analise dos dados e proporcionado a constru~o de novas metodologias em diferentes areas de atua9ao.

A contribui~o dada pelos recursos imageticos e orais- fontes que utilizamos neste trabalho - vern ampliar as possibilidades de estrutura980 das narrativas. 0 relate oral abre urn campo de dialogo entre o pesquisador e a comunidade que contribui com seus relates, colocando ambos como sujeitos participantes do processo de constru~o da pesquisa. Ja a fotografia permite uma incursao em elementos singulares que proporcionam uma nova 16gica para a analise e interpreta~o dos dados.

0

texto escrito permaneceu durante urn Iongo perfodo como a (mica fonte utilizada em pesquisa, pelo menos a (mica considerada como linguagem de carater "objetivo" e "impessoal". Contudo, desde que a fotografia nasceu, no final do seculo XIX, passou a ser utilizada em diversas areas da pesquisa cientffica.

A antropologia nasce neste mesmo seculo, juntamente com a fotografia. Objetivando estudar o homem e suas diferentes produ96es materiais e simb61icas, os antrop61ogos tambem se utilizaram da imagem fotografica, principalmente no registro de campo.

Porem, no ambito da produ~o cientffica em ciemcias sociais, a fotografia, na maioria das vezes, veio sendo utilizada como simples ilustra9ao para o texto escrito ou como "prova" da realiza~o do trabalho em campo. 1 Por outre lade, Margaret Mead e Gregory Bateson em seu trabalho Balinese Character, ja buscavam atraves

1

VON Sitv!SON, Olga R de Moraes. "Som e lmagem na Pesquisa Qualitativa em Ciencias Sociais" in:

Pedagogia da Imagem. Imagem na Pedagogia. Anais do Semiruirio. Niter6i: Uuiversidade Federal Fluminense,

Faculdade de Educa¢o. CNPq, 1995.

2 BATESON, Gregory; MEAD, Margaret. Balinese Character: A photographic analysis. New York Academy

(33)

da imagem, metodos que superassem o textual para descrever a forma de aprendizagem balinesa3. Assim como tambem John Collier Jr., que procurava a ampla utiliza98o da fotografia dentro da pesquisa antropol6gica4 Podemos dizer que, de certa forma, ambos os estudos levantaram quest5es que serviram de fundamentos para a forma98o da antropologia visual.

Contudo, a fotografia ainda e pouco explorada como ferramenta etnografica e o c6digo visual como integrante do metoda de pesquisa. Abordando este contexte, Maria Sylvia Porto Alegre coloca:

A questao central a ser enfrentada, no meu modo de ver, diz respeito

a

subjetividade, uma vez que muitos materiais visuais, como o desenho documental e a fotografia, costumam ser associados a um grau de "autenticidade" da informayao que, na verdade, nao possuem. Apesar de todos os avanyos da crftica te6rica, penso que as ciEmcias sociais, verbais por exceiEmcia, ainda tratam as imagens de forma positivista, como descriyoes da realidade e nao como representa9oes simb61icas, cuja leitura nao apenas varia segundo o olhar do espectador como tambem e decorrente da propria natureza construfda da imagem.5

Alguns autores, que apresentaremos a seguir, tambem tem contribuido para o desenvolvimento de quest5es acerca das especificidades da imagem fotografica como linguagem. Estes estudos mais recentes permitem a discussao nao somente das contribuiy5es mas tambem dos limites da imagem fotografica na pesquisa.

Neste sentido, Roland Barthes desenvolve quest5es cruciais acerca da fotografia. Em suas obras 0 6bvio e o obtuso6 e A Camara Clara7 Barthes

debruya-se sabre a imagem, porem, o faz em diferentes patamares perrnanecendo uma

3

Ver tambem: NUNES, Andre Gustavo Alves. Os Argonautas do Mangue: uma etnograjia visual dos caranguejeiros do municipio de Vi tori a- ES Dissel"ta9fto de Mestrado, Multimeios, UNICAMP,!998. Neste trabalho, Andre analisa a metodologia proposta por Mead e Bateson, e utiliza no resultado final da disserta<;ao as irnagens fotograficas dos carangoejeiros de Vit6ria expostas em pranchas.

4

COLLIER Jr., Jolm; COLLIER, Malcolm. Visual Anthropology. Photography as a Research Method.

Albuquerque: University of New Mexico Press, 1987.

5 ALEGRE, Maria Sylvia Porto. "Reflex5es sobre iconografia etnografica: por urna hermeneutica visnal." in:

FELDMAN-BIANCO. Bela e LEITE, Miriam L. Moreira (orgs.) Desajios da Imagem. Fotograjia, iconograjia e video nas ciencias sociais. Campinas: Papirus, !998. p. 77.

6 BAR TilES, Roland. 0 6bvio eo obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 7

(34)

divergencia de tratamento e de interesse com a fotografia entre os dois trabalhos. No primeiro, 0 6bvio e o obtuso Barthes realiza uma analise semiol6gica da

fotografia como mensagem, tragando suas aplicagoes na imprensa e sua relagao com o texto. 0 autor nos apresenta a imagem como portadora de uma dupla mensagem atraves da "denotagao" e da "conotagao" . A primeira trata da capacidade da fotografia em reproduzir

o

real, evidenciando seu carater anal6gico. Ja a conotagao agrega o sentido simb61ico, referente a urn determinado saber cultural.

Em suma, todas estas "artes" imitativas comportam duas mensagens: uma mensagem denotada que

e

o proprio amilogon, e uma mensagem conotada que

e

a maneira pela qual a sociedade oferece

a

leitura, dentro de uma certa medida, o que

ela pensa.8

Ja na Camara Clara, Barthes se coloca nao mais como semi61ogo tentando

formular uma metodologia, mas agora como espectador. Trata simplesmente de uma unica fotografia (que nao mostrara ao seu leitor) que lhe instiga todo o trabalho: uma foto de sua mae com doze anos no jardim de invemo. Somos levados a perceber aspectos sutis da imagem atraves da distingao entre studium e punctum, duas

maneiras de apreender uma mesma foto. 0 studium e o momento em que a imagem

se apresenta para n6s como urn objeto situado dentro de urn campo de significagoes culturais que reconhecemos e que dominamos, urn objeto de estudo. Mas, uma fotografia pode nos despertar para algo que situa-se fora deste campo, que nao podemos muitas vezes definir, listar, reconhecer, decodificar, mas que nos toea, num carater pouco nftido, "obtuso", o que Barthes chamou punctum.

A Camara Clara e construfda abordando a infinidade de portas as quais uma

fotografia nos permite adentrar. 0 studium, o "6bvio", ou seja, os elementos

8 BARTI!ES, Roland.

(35)

codificados que o quadro fotografico mostra, estaria posicionado em frente a cada uma destas portas, mas, ao escolher e atravessar uma delas encontraremos o punctum, ou o carater "obtuso" da fotografia, uma relagao nao-intencional entre a imagem e o imaginario do espectador.

Ao abordar estas questoes, Barthes fala da "toto do fot6grafo e da toto do espectador". Este "desdobramento" da fotografia aparece sobretudo no memento em que trabalhamos com imagens antigas, como e o caso desta pesquisa. Sempre procuramos realizar diversas leituras: ora tentando alcangar o olhar do fot6grafo, ora como espectadores, e ainda, indo alem destes dois mementos propostos por Barthes, almejando ver atraves do olhar daqueles que vivenciaram o passado no qual a fotografia foi obtida, atraves dos relates orais.

No que diz respeito

a

tal "desdobramento", Etienne Samain em seus trabalhos dedicados ao estudo dos diferenciados meios da comunicagao humana, elabora questoes acerca das singularidades de cada uma das linguagens, mais especificamente da imagem fotografica. No texto Nos Jardins da lnfancia: viagens dentro de uma despretensiosa fotografia9, o autor apresenta diversas maneiras

pelas quais uma mesma fotografia pode ser observada, relatando algumas "viagens" a partir de uma unica fotografia que apresenta: a sua viagem, a do fot6grafo, e a de trinta e tres outras pessoas. Este "exercfcio" demonstra a capacidade que possui a imagem fotografica de ser ampla, e o autor coloca:

Se

e

verdade que os labirintos sao caminhos quase sem safdas, as fotografias, per sua vez, sao safdas de todos os lados, quase sem caminhos. Sao, no entanto, esses caminhos que devemos ainda descobrir e explorar.10

9

SAMAIN, Etienne. "Nos Jardins de Inf'ancia: Viagens dentro de uma despretensiosa fotografia" in: VON

SIMSON, Olga R. de Moraes (org.) 0 Garimpeiro dos Cantos e Antros de Campinas.Homenagem a Jose

Roberto do Amaral Lapa. Campinas: CMU I Gcifica IFCH, 2000. p. 237- 254. 10 SAMAIN, Etienne. Op. Cit. p.254.

(36)

Esta questao permite-nos abordar uma outra colocagao feita pelo autor, quando trata da especificidade da imagem fotografica frente a outras formas de visualidades nao menos singulares11

Ver um filme nao

e

olhar para uma fotografia. Sao atos de observagao, posturas do olhar, muito diferentes. Assiste-se a um filme, mergu/ha-se numa fotografia. De um lade, um olhar horizontal, do outro, um olhar vertical, abissaL Enquanto as imagens projetadas levam o espectador num fluxo temporal continuo, que procura seguir e entender; as fotografias, por sua vez, o fixam num congelamento do tempo do mundo e o convidam a entrar na espessura de uma memoria. Diante da tela, somes viajantes e navegadores; diante da fotografia, tomamo-nos analistas e arque61ogos. Posturas diferentes do olhar, sobretudo maneiras diferentes de ver e de pensar o

mundo. No primeiro caso, pensa-se o mundo na sua continuidade, no seu fluxo, na

sua dinamica, na sua aparente norma/idade; no outre, pensa-o na sua descontinuidade, na sua fragmentagao, no seu recorte, na sua extraordinaria

singu/aridade. 12

A imagem fotografica, de certa forma, tornou mais forte a cren9a em nossos olhos: "se eu estou vendo e porque e verdade", "ver para crer". A questao do realismo na fotografia, ou seja, da foto como representagao verdadeira ou como "espelho do real"13, surge justamente porque o conjunto - homem-maquina - obtem como resultado impressa uma imagem que se aproxima espantosamente do que nosso olho pede ver. Esta imagem traz

a

frente elementos denotativos que fazem com que sua leitura seja aparentemente direta.

A fotografia carrega ate hoje, na maioria des cases, o titulo de prova da verdade. Mas, a aparente objetividade da lente e des processes de revelagao permitem apenas "representa¢es" de uma realidade, dado que o carater da imagem e determinado tanto pela intencionalidade do operador, quanta pela

11

SAt\1AIN. Etienne. "Modalidades do Olhar Fotognifico". in: ACHUITI, Luiz Eduardo (org.) Sobre o Fotograflco. Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre, 1998.

12 SAMAIN, Etienne. Op. Cit., 1998. p.113,114.

13 Conceito desenvolvido por DUBOIS, Philippe em seu

livTO 0 Ato Fotograflco e outros ensaios. Campinas,

(37)

"subjetividade" cultural do espectador. A fotografia, produto social,

e

ainda uma imagem construfda a partir da escolha de alguns "meios especfficos" como: ponto de vista, zona de foco, plano, luz, lente, camera, filme, revela9'3o, etc.14

Jacques Aument sintetiza, de certa maneira, todos estes aspectos da fotografia : "A imagem

e

universal, mas sempre particularizada."15

Mais do que documentar fatos visfveis, as fotografias adicionam outras 16gicas de representa9<3o para a descrigao etnografica, conforme aponta Luciana Aguiar Bittencourt. Em trabalho no Vale do Jequitinhonha, a autora utiliza-se da fotografia para compreender as transformagoes nas produg5es texteis e como as pessoas relacionam-se com tal possibilidade de mudanga no sistema de significagoes. Ao tratar do campo de dialogo proposto pela imagem, Luciana coloca:

The picture opens a world of sense and a framework for dialogue not only communicated in words, but with gestures and sights as well. In displaying additional data not perceived by the ethnographer, the picture can lead the viewer to interpret certain events that escape the outsider's view.16

A questao da "subjetividade" colocada como barreira para a utiliza9<3o da imagem fotografica na pesquisa

e

tambem colocada em rela9<3o aos relates orais. Contudo, a "subjetividade", as "distorgoes", a falta de "veracidade", as "versoes", apresentam-se como fontes para o pesquisador que trabalha com depoimentos orais. Nesse sentido, alguns estudos vern levantando questoes importantes sobre a utiliza9<3o dos relates orais, expandindo o debate acerca da memoria e suas relag5es com a hist6ria e da constru9<3o do passado segundo as necessidades do present e.

14 BECEYRO, Raul. Ensayos sobre fotogrofia. Arte y Libros, City of Mexico, 1980.

15

AUMONT, Jacques. A Jmagem. 2 ed; Campinas: Papirus, 1995. p. 131.

(38)

Maria lzaura Pereira de Queiroz, em um estudo pertinente e pioneiro, analisa a revalorizagao do relato oral, principalmente com o desenvolvimento dos novos meios de captagao como o gravador:

A hist6ria oral pode captar a expenencia efetiva dos narradores, mas tambem recolhe destes tradi96es e mitos, narrativas de ficyao, crenyas existentes no grupo, assim como relatos que contadores de hist6rias, poetas, cantadores inventam num momento dado. Na verdade tudo quanto se narra oralmente e hist6ria, seja hist6ria de alguem, seja a hist6ria de um grupo, seja hist6ria real, seja ela mitica.17

Lucila Reis Brioschi e Maria Helena B. Trigo, tambem tratam da amplitude da utilizagao dos relatos orais:

Acreditamos ser possivel considerar essa forma de depoimento como estando a meio caminho entre o metodo biografico e a hist6ria oral. Em outras palavras, enquanto vivencia ou experiencia subjetiva esta dentro da proposta do metodo biografico, e enquanto informayao sobre a instituiyao ou movimento a que o sujeito pertence, esta no dominio do objetivo da hist6ria oral. Evidentemente, nessa circunstancia, a entrevista devera ser aberta e livre no que se refere

a

vivencia do sujeito na instituiyao e as suas rela96es com ela, mas diretiva quando se trata de obter dados informativos e factuais sobre as entidades em questao.18

Porem, e certo que em todas estas formas de depoimento o narrador sempre podera privilegiar ou ocultar fatos, consciente ou inconscientemente. lsto, por um lado, pode permitir a percepgao de importantes aspectos da relagao entre os indivfduos e sua cultura, e por outro ser uma armadilha para o pesquisador.

Se os relatos de vida nao se coadunam com uma postura positivista no processo de formulayao da problematica e da coleta de dados, eles nao estao isentos de cair em um "neo-positivismo" quando se trata de sua analise. Muito facilmente, a riqueza dos relatos de vida leva o pesquisador, desprovido de um quadro conceitual

17

QUEIROZ. Maria Izaura Pereira de. "Relatos Orais: do indizivel ao dizivef' in: VON SIMSON, Olga R. de

Moraes (or g) Experimentos com Histbrias de Vida. Sao Paulo: Vertice I Ed dos Tribunais, 1998. col. Enciclopedia de Ciencias Sociais. p.19

18

BRIOSCID, Luci1a Reis; TRIGO, Maria Helena Bueno. "Relatos de vida em ciencias sociais: considera¢es

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explfcito, a reificar a narrayao, a tratar o discurso como fato ao inves de uma determinada versiio do mesmo.19

Neste sentido, para que o pesquisador possa realizar uma analise adequada dos depoimentos acompanhados de leitura de fotografias, e necessario que ja tenha urn conhecimento previo do contexto que envolve o informants e dos elementos que compoem a imagem. Mercedes Vilanova observa a forma singular pela qual devemos analisar os relatos, e diriamos ainda, tambem as imagens: "As fontes orais devemos escuta-las em estereo, com registros diferentes para cada ouvido. Por urn lado escutamos o que se nos diz e por outro ouvimos o que nao se nos diz."20 Nesses termos, deve-se levar em conta que, no momento da entrevista, cada individuo - inclusive o pesquisador - realiza uma leitura do fato ou da fotografia baseado em sua rede de lembranc;as relacionada com seus "determinantes de classe, formac;:iio cultural, sexo, idade". Sendo assim, a coleta dos dados e urn processo de "comunicac;:iio e interac;:ao social" que deve ser considerado no momento da analise e interpretac;:8o21

A construc;:ao deste dialogo entre os individuos da pesquisa caminha para urn processo que nao visa descobrir o que realmente aconteceu, mas sim como as pessoas identificam-se e situam-se com o contexto pesquisado atraves da memoria. Philippe Dubois, estabelece uma relac;:iio possivel entre a fotografia e a memoria, e coloca: "a memoria e uma atividade psiquica que encontra na fotografia seu equivalents tecnologico moderno", e fala da fotografia como uma "maquina de memoria"22 De fato, a memoria pode ser considerada como processamento de

19

BRIOSCHI, Lucila reis; TRIGO, 'Maria Helena Bueno. Op. cit., 1987. p. 633.

20

VILANOV A, Mercedes. Ptiginas de Hist6ria. A hist6ria presentee a hist6ria oral. Rela9oes, ba/anqo e

perspectivas. Be!em: Universidade Federal do Pari, 1998.

21

BRIOSCHI, Lucila Reis; TRIGO, Maria Helena Bueno. Op. cit., 1987. p.633.

22

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imagens perceptivas (um complexo de sons, sentimentos, cheiros, imagens) expressadas em palavras. Tal relac;:ao e confirmada na utilizac;:ao de fotografias no memento dos depoimentos orais: a memoria e permeada por imagens e a fotografia e uma massa folheada por camadas de memorias.

Olga de Moraes Von Simson, nas pesquisas que vern realizando desde a decada de oitenta, faz uso da imagem fotografica como "detonador da memoria". Segundo a autora, a utilizac;:ao da fotografia no memento dos relates orais pode muitas vezes provocar um processo de rememorac;:ao, "desencadeando" ou "detonando" a memoria do entrevistado:

Durante as entrevistas, ainda que as fotografias muitas vezes nao revelassem os mesmos aspectos cobertos pelo depoimento, elas sempre funcionaram como desencadeadoras da lembranc;:a. Registre-se ainda que, em alguns casos, as lembranc;:as da fotografia tambem se encontram amareladas pelo tempo e, em outros, a fotografia existente na memoria substitui inteiramente a propria memoria. A existencia das fotografias estabelece uma ponte mais consistente de compreensao entre entrevistador e entrevistado. Os elementos visiveis favorecem uma seleyao mais clara dos recortes de questoes a explicitar. Com todas as criticas por que deve passar, para seu funcionamento adequado, a fotografia oferece uma representayao do real em que a entrevista pode se fundamentar, ou de onde pode partir com maior seguranc;:a. 23

As imagens nos apresentam sempre uma grande variedade de informac;:oes "mudas" que podem ser interpretadas de infinitas maneiras e que podem levar o pesquisador a se perder em suas interpretac;:Oes. Cabe

a

ele saber faze-las falar, procurando enxergar muitas vezes o invislvel "escondido" atras da foto. Ja os relates orais por sua vez, trazem versoes do passado proporcionadas pelas necessidades do presente e permeadas pelo imaginario do entrevistado, que pode

23

VON SIMSON, Olga R. de Moraes; LEITE, Miriam L. Moreira. "lmagem e Linguagem: Reflexiles de

Pesquisa" in: LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo (org.). Rejlexoes sobre a Pesquisa Socio/6gica. Sao Paulo:

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revelar mas tambem ocultar dados. Neste momenta, o pesquisador deve ouvir tambem o que nao se disse, interpretando e filtrando detalhadamente os dados.

Mas, se por um lado, nos deparamos com tais dificuldades, por outro, justamente pelo carater ambfguo e subjetivo dos textos oral e visual, sao geradas novas possibilidades de estruturagao de narrativas. Percebemos que a utilizagao dos relatos, aliados as fotografias, tornam o campo da investigagao muito mais amplo e o entrecruzamento entre eles possibilita a construgao de caminhos para a continuidade da pesquisa. Cabe ao pesquisador desenvolver metodologias a fim de analisar, e poder desta maneira, se utilizar das complementaridades das varias linguagens.

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lmagens e Mem6rias de Antonina

Dentro da proposta desta pesquisa, a fotografia e o relata oral desempenham inicialmente Ires fung6es, as quais, porem, se entrecruzam o tempo todo. Essas fun96es sao: fontes para a pesquisa, objetos da pesquisa e parte do produto final da pesquisa. Enquanto fonte eles se constituem em documentos singulares para o pesquisador ajudando-o a entender nao s6 o passado da cidade, mas tambem como os habitantes de Antonina se relacionam com este passado. Ja enquanto objetos da pesquisa, a fotografia e os relatos orais sao considerados como documentos para o grupo pesquisado, porque sao o suporte da sua memoria e a propria explicita9So da mesma. E, enquanto produto final, farao parte da divulga9So dos resultados na disserta9So, compondo com o texto escrito, outros textos possfveis.

0 trabalho de Miriam Moreira Leite contribui muito neste sentido, principalmente pela metodologia de analise das imagens juntamente aos relatos orais24 A partir do acervo de fotografias de familias de imigrantes que vieram para Sao Paulo entre 1890 e 1930, a autora analisa como uma sociedade representa a si mesma atraves da imagem fotografica.

Alem de realizar urn estudo historico atraves da imagem, no qual analisa a constru9So do "texto" fotografico, das tecnicas de exposi9So e registro da epoca, a autora trabalha com depoimentos orais a fim de compreender qual a rela9So que tais famflias estabelecem com as fotografias de seu passado.

Para analisar as fotografias de familia, a pesquisadora levanta as caracterfsticas externas (data, local, fot6grafo, tipo, tamanho), e internas as quais

24 LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Familia: Leitura da Fotografia Historica. Sao Paulo: EDUSP, !993.

Referências

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