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Violência doméstica contra a mulher: perspectiva para o trabalho das equipes de saúde da família

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Academic year: 2021

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Violência doméstica contra a mulher: perspectiva para o trabalho das equipes de saúde da família

Clara de Jesus Marques Andrade1

Introdução

Este artigo extraído da tese As equipes de Saúde da Família e a violência doméstica contra mulher: um olhar de gênero, aborda a violência doméstica como uma violência de gênero, evidenciando as políticas públicas de enfrentamento do problema e reflete sobre a possibilidade de sua abordagem pelas equipes de saúde da família.

Desenvolvimento

A violência pode ser entendida como todo evento representado por relações, ações, negligências e omissões realizadas por indivíduos, grupos, classes e nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a outrem. Suas raízes se encontram nas estruturas sociais, econômicas e políticas, bem como nas consciências individuais. É um fenômeno que nos últimos anos aflorou no cotidiano e no imaginário mundial como um dos maiores, mais complexos e graves problemas sociais contemporâneos, sobretudo nos centros urbanos. Apesar disto, ainda carece de estudos, pesquisas e definições políticas para ser enfrentada em toda a sua magnitude e complexidade (1).

Sabe-se que a violência se nutre de fatos políticos, econômicos e culturais, presentes nas relações micro e macrossociais, o que significa que só pode ser estudada dentro da própria sociedade ou relação na qual é gerada. Quando se analisam os eventos violentos, evidencia-se que “eles se referem a conflitos de autoridade, a aniquilamento do outro e que as suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas,

1Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço: Rua Catanduvas 550, Bairro Renascença, CEP-31130-600, Belo Horizonte - Minas Gerais. E-mail: clara@enf.ufmg.br

 Artigo extraído da tese As equipes de saúde da família e a violência doméstica contra a mulher: um olhar de gênero, defendida junto ao Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem da

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segundo as normas sociais mantidas por aparatos legais da sociedade ou por usos e costumes naturalizados”, o que permite que seja tolerada ou condenada de acordo com a época, o local e as circunstâncias (2).

A violência contra a mulher ocorre em todo o mundo e, sendo um fenômeno relacionado às concepções de gênero e à distribuição do poder dentro de cada grupo social, na maioria das vezes é praticada por parceiro íntimo. Apesar de sua ocorrência em escala planetária, tem sido subestimada devido à precariedade do sistema de informações, do silenciamento e da sua invisibilidade em todos os cenários onde transitam as mulheres (3).

O entendimento da violência contra a mulher como violência de gênero e violação dos direitos humanos é consenso internacional consignado na Declaração e no Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena no ano de 1993. Este entendimento foi ratificado e ampliado na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher, Convenção de Belém do Pará, que foi adotada em 1994 pela Organização dos Estados Americanos e, em 1995, passou a integrar o Programa de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim. Em 1995 o governo brasileiro ratificou a Conferência de Belém do Pará e assumiu oficialmente a elaboração de políticas públicas no combate à violência de gênero (4)

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A violência doméstica contra a mulher, entendida como uma violência de gênero caracteriza-se por agressividade e coação, que correspondem a ataques físicos, sexuais e psicológicos, bem como a coação econômica que adultos ou adolescentes usam contra seus companheiros íntimos, praticados, sobretudo por maridos, companheiros, pais e

padrastos, sendo considerada até poucos anos atrás um tabu.(5).

A violência sexual também é considerada violência doméstica se perpetrada por parceiro íntimo. A Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos a define como uma ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com o uso da força, intimidação, coerção,

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chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal (6).

A violência doméstica repercute na saúde das mulheres e em sua qualidade de vida e está associada à depressão, ao suicídio, ao abuso de drogas e álcool, a queixas vagas como cefaléia, distúrbios gastrintestinais e sofrimento psíquico em geral. Nestes casos, as mulheres procuram com mais frequência os serviços de saúde, mas,

paradoxalmente, a violência não é contabilizada nos diagnósticos realizados (7).

Os estudos internacionais apontam altas prevalências da violência doméstica nos serviços de saúde, uma vez que os episódios são repetitivos e tendem a se tornar progressivamente mais graves, entretanto, apesar desta situação, nem sempre é reconhecida pelos serviços de saúde. Tem sido observado que os profissionais não identificam as mulheres em situação de violência, mesmo quando as lesões apresentadas

são características do fenômeno (8).

Considerando a saúde reprodutiva, a violência doméstica contra as mulheres pode estar associada às dores pélvicas crônicas, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS,

doença inflamatória pélvica e gravidez indesejada (7).

A gravidez pode funcionar como fator agravante ou como fator de proteção contra a violência doméstica. Estes estudos apontam ainda que a violência doméstica na gestação tem forte associação com a violência na infância e em gestações anteriores. Estes dados demonstram a complexidade e a circularidade da violência doméstica na vida das mulheres (5).

Os serviços básicos de saúde são importantes para detecção da violência devido à sua proximidade e ampla cobertura. Considera-se também a assistência pré-natal como um espaço importante para sua identificação. Como porta de entrada para se abordar a violência possibilita o estabelecimento de vínculos com as mulheres, encorajando a notificação (7).

O Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, proposto pelo governo federal, prevê um conjunto de ações a serem executadas nas áreas de educação, trabalho, saúde, segurança pública, assistência social, dentre outras, no

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período de 2008-2011, consolidando uma política intersetorial de enfrentamento da violência. Prevê ainda estruturação e ampliação da rede de serviços especializados como delegacias da mulher, casas-abrigo, centros de referencia, serviços de apoio jurídico, defensorias públicas, serviços de saúde para atendimento integral às mulheres em

situação de violência e a capacitação dos agentes públicos para o atendimento (9).

A Lei 11340 - Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, um dos destaques do Pacto Nacional. Vem sendo usada com sucesso na defesa das mulheres em situação de

violência, porém ainda é desconhecida nos serviços de saúde (9).

O Programa de Saúde da Família (PSF) pode ser entendido como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial vigente no Brasil, mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, que se responsabilizam pelo acompanhamento de um determinado número de famílias, residentes em uma área geográfica delimitada. Estas equipes devem atuar com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes. Caracterizam-se, entre outros aspectos, por estabelecer vínculos de compromisso e co-responsabilidade com a população e por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos

determinantes sobre as condições de vida e saúde das famílias (10).

Algumas considerações

A violência contra a mulher é um problema complexo, de difícil abordagem, cuja solução passa pela implementação de políticas públicas intersetoriais que estejam baseada na concepção dos direitos humanos das mulheres. Nos últimos anos têm sido alvo de várias propostas políticas no âmbito do judiciário, da segurança pública, da educação e da saúde, dentre outros setores.

Alguns avanços na implementação das políticas de enfrentamento das questões de violência de gênero já podem ser percebidos, como no caso da legislação em vigor, a Lei Maria da Penha.

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Entretanto, há que se considerar que este processo não pode ser tratado apenas como uma questão do mundo feminino. A violência de gênero deve ser vista como um problema que se articula a outras desigualdades sociais como as de classe, raça/etnia, geração, região e outras. É necessário que se amplie o olhar na abordagem destas questões, que se busquem não apenas relações pessoais mais simétricas, mas também a cidadania no amplo sentido.

O setor saúde, como uma das instâncias da rede de enfrentamento da violência contra as mulheres, tem um papel fundamental na detecção dos casos e na sua problematização com as mulheres. Este é o desafio que se coloca para os profissionais de saúde, demandando mudanças na prática cotidiana e nos paradigmas que a sustentam.

A construção de alternativas para a abordagem da violência doméstica deve ter como premissa a capacidade do ser humano de superar as situações adversas e reconstruir a própria vida. Neste sentido, a validação das estratégias adotadas pelas mulheres constitui condição básica para que se busque efetivamente enfrentar o problema da violência doméstica contra as mulheres. Porém, validar as estratégias das mulheres não significa encerrar o enfrentamento da violência doméstica no espaço privado, do lar. Significa considerar-las como possibilidades que devem ser articuladas àquelas desenvolvidas pelos profissionais e instituições. Validar e articular as estratégias das mulheres à rede assistencial pode transformar a situação de violência que vivenciam, contribuindo para o seu empoderamento.

A validação das estratégias das mulheres e o envolvimento dos homens no processo de enfrentamento da violência doméstica pressupõem que sejam estabelecidas relações simétricas e dialógicas entre os sujeitos. Isto exige uma postura profissional aberta ao diálogo e à utilização de uma metodologia que possibilite uma prática emancipadora.

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Referencias Bibliográficas

1. Souza ER. Processos, sistemas e métodos de informação em acidentes e violências no ambito da saúde pública. In: Minayo MCS, Deslandes SF, organizadoras. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 255-73.

2. Minayo MCS. A violência dramatiza causas. In: Minayo MCS, Souza ER, organizadoras. Violência sob o olhar da saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 23-47.

3. Mendes CHF. Violência contra a mulher e políticas públicas no setor saúde. In: Almeida SS, organizadora. Violência de gênero e políticas públicas. Rio de Janeiro:UFRJ; 2007. p. 157-74.

4. Almeida SS, organizadora. Violência de gênero e políticas públicas. Rio de Janeiro: UFRJ; 2007. Essa violência mal-dita; p. 23-41.

5. Grossi PK. Violência contra a mulher: implicações para os profissionais de saúde. In: Lopes MJM, organizadora. Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996. p. 133-49.

6. Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Violência contra a mulher. São Paulo; 2001. p. 5.

7. Schraiber LB, D´Oliveira AFPL, França-Junior I. A violência contra a mulher: um estudo em uma unidade de atenção primária. Rev Saúde Pública. 2002;36(4):470-7.

8. Kronbauer JFD, Meneghel ST. Perfil da violência de gênero perpetrada pelo companheiro. Rev Saúde Pública. 2005;39(5):695-701.

9. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Pacto Nacional de Combate à Violência. Brasília. 2007.

10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação de Saúde. Saúde da família: uma estratégia de reorientação do modelo assistencial. Brasília; 1997.

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