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EM AÇ. Imagens do cérebro

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TECNOLOGIA MÉDICA

O estudo das funções cerebrais humanas dependeu, duran-te muito duran-tempo, de medidas e observações em ani-mais, já que a invariável necessidade de usar fer-ramentas invasivas tornava perigosas e antiéticas as pesquisas em seres humanos. Apesar do conhe-cimento gerado com as experiências em animais, a transposição para o homem das inferências obti-das dessa forma sempre exigiu grandes cuidados.

Por conta dessas dificuldades, o estudo das fun-ções cerebrais ditas superiores – pensamento, lin-guagem, planejamento, localização espacial etc. – restringiu-se por muito tempo a observações em pacientes vítimas de acidentes, de infartos cere-brais ou de outras doenças que destruíam parcial-mente o cérebro. As lesões levavam à perda total ou parcial de alguma função, revelando assim qual parte do cérebro era responsável por ela.

Atualmente, o desenvolvimento das técnicas de imagens médicas, como a tomografia computadori-zada (TC) e a ressonância magnética (RM), tornou possível observar sem riscos detalhes anatômicos do cérebro humano, elevando a imagem estrutural a níveis nunca antes sonhados. Tais métodos per-mitem estudar estruturas com poucos milímetros de tamanho e acompanhar diferentes etapas da ma-turação normal do cérebro após o nascimento, co-mo a mielinização (formação da mielina, proteína que recobre os prolongamentos dos neurônios) no primeiro ano de vida.

O estudo das funções cerebrais, porém, nem sem-pre é possível pela simples análise estrutural. Sur-gem, então, as neuroimagens funcionais, que pro-curam mostrar o cérebro em ação. Além de possi-bilitar o estudo de vários processos cerebrais, o uso de neuroimagens funcionais também é importante para o tratamento de pacientes, em especial os que serão submetidos a cirurgias.

Estudar o cérebro humano em funcionamento

era difícil até recentemente. Durante muito

tempo a eletroencefalografia foi a única

técnica não invasiva capaz de registrar

a atividade neurológica, mas não permitia um

estudo mais detalhado das funções cerebrais,

desde as primárias, como as motoras

ou sensoriais, até as chamadas superiores,

como o pensamento, a linguagem e as emoções.

Nas últimas décadas, porém, técnicas mais

avançadas possibilitaram grandes progressos

na compreensão do funcionamento da mente,

e hoje já se pode localizar com precisão

as áreas cerebrais responsáveis por várias

dessas funções e mesmo acompanhar

a atividade dos neurônios durante sua execução.

Dráulio Barros de Araújo

Departamento de Física e Matemática (FFCLRP), Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto)

Antônio Carlos dos Santos

Departamento de Clínica Médica (FMRP),

Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto)

Américo Sakamoto

Departamento de Neurologia (FMRP),

Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto)

Oswaldo Baffa

Departamento de Física e Matemática (FFCLRP), Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto)

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Imagens do cérebro

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s e t e m b r o d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 2 9 Algumas vezes, por exemplo, certos tumores

crescem perto de regiões cerebrais importantes pa-ra o controle da linguagem ou da movimentação de partes do corpo. Nesses casos, para que o neuro-cirurgião possa retirar o tumor sem atingir essas ‘regiões eloqüentes’ (as que têm função importan-te e cuja lesão leva a déficit grave), é preciso fazer um mapeamento pré-cirúrgico. Para assegurar uma boa qualidade de vida após a cirurgia, é indispen-sável manter ao máximo a integridade funcional de regiões adjacentes e subjacentes àquelas que serão removidas. Isso nem sempre é possível apenas com o estudo estrutural, tornando necessário testar a função dessas áreas.

Classicamente, a localização da área ‘eloqüente’ é avaliada por meio de referenciais anatômicos co-nhecidos. Isso é facilitado pelo uso de técnicas de neuroimagem de alta resolução espacial, como a ressonância magnética. No entanto, a presença de tumores, malformações vasculares ou lesões pós-traumáticas pode deformar a topografia cerebral, dificultando a localização dos limites anatômicos. Além disso, lesões precoces, durante o desenvolvi-mento do sistema nervoso central, ou mesmo pro-cessos de instalação lenta, podem induzir uma reor-ganização funcional cortical por processos de plasticidade neuronal, modificando a localização de áreas funcionais. Em outras palavras, uma fun-ção que normalmente é localizada no lado esquer-do esquer-do cérebro pode estar no laesquer-do direito, se o laesquer-do es-querdo tiver uma grande lesão em fase precoce da vida. No entanto, não é possível saber se isso ocor-reu ou não apenas olhando para a estrutura cerebral. Para contornar essa limitação, o mapeamento funcional tem sido realizado através de estimulação elétrica direta no córtex, durante cirurgias ou não. Neurologistas, neurocirurgiões e neuropsicólogos

avaliam a localização de regiões funcionais impor-tantes, aplicando pulsos elétricos focais, de baixa intensidade, na superfície do córtex. Observam-se, então, as reações do paciente ao estímulo de regiões cerebrais específicas. Ainda que a localização fun-cional pela estimulação direta seja precisa, esses métodos são altamente invasivos, ou, quando reali-zados durante cirurgias, são limitados pelo tempo destas. O desenvolvimento de métodos não-invasi-vos é, portanto, bastante desejável.

A primeira técnica de imagem capaz de analisar funções cerebrais foi a chamada tomografia por emissão de pósitrons (PET, de positron emission tomography). Hoje, técnicas mais avançadas de aqui-sição e processamento de sinais de radiofreqüên-cia e programas de computador (softwares) mais rápidos têm feito da ressonância magnética uma nova alternativa para o estudo das funções cerebrais: a imagem funcional por ressonância magnética (RMf). Além disso, a possibilidade de detectar on-das elétricas e magnéticas cerebrais levou ao sur-gimento da eletroencefalografia (EEG) de alta resolu-ção espacial e da magnetoencefalografia (MEG).

Cada uma das técnicas mede diferentes aspectos da atividade cerebral. A tomografia por emissão de

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pósitrons e a imagem funcional por ressonância magnética proporcionam uma boa resolução espa-cial, detectando alterações de fluxo sangüíneo e me-tabolismo. Já a EEG e a MEG têm na resolução tem-poral sua maior virtude, indicando direta e instanta-neamente os processos elétricos neuronais.

Imagens por emissão

de partículas

Algumas tomografias capazes de gerar imagens do cérebro e de outros órgãos em funcionamento uti-lizam radiofármacos, drogas que contêm átomos ra-dioativos (com núcleos instáveis) injetadas na cor-rente sangüínea. Esses núcleos têm a tendência na-tural de decair para estados de mais baixa energia (mais estáveis), fenômeno geralmente seguido pe-la emissão de partícupe-las e radiação. As imagens são formadas pela captação dessa emissão em aparelhos apropriados. Existem dois métodos principais: a to-mografia computadorizada por emissão de fóton único, conhecida pela sigla inglesa SPECT (de single photon emission computer tomography) e a tomografia por emissão de pósitron (PET).

Na PET, os radiofármacos utilizados emitem pó-sitrons (essencialmente um elétron de carga positiva) e a colisão destes com elétrons (de carga negativa) pro-duz, em uma reação denominada aniquilação, um par de fótons de alta energia (cada um com cerca de 511 quiloeletronvolts, ou KeV), chamados de fótons-gama, que viajam em sentidos opostos. A detecção desses fótons, feita em um anel que envolve axialmente o paciente e contém sensores de radiação gama, permi-te construir uma imagem que traduz a posição de ca-da uma dessas reações – para isso, são considerados apenas os fótons detectados simultaneamente em dois sensores opostos (indicando que a colisão ocorreu em algum lugar na linha que liga tais detectores). O acúmulo de sinais provenientes de inúmeros sensores determina a localização precisa da área emissora.

A parte mais sofisticada e complicada dessa téc-nica, que a faz ter alto custo, é a produção dos ra-dioisótopos (indispensáveis nos radiofármacos), rea-lizada em ciclotrons. Essencialmente, um ciclotron é um acelerador de partículas subatômicas, que usa potentes campos magnéticos para fazê-las girar ao longo de uma órbita circular. Depois de adquirir cer-ta energia, apresencer-tando velocidade próxima à da luz, essas partículas são redirecionadas e levadas de encontro a alvos específicos. Após a colisão, as subs-tâncias bombardeadas tornam-se isótopos radioati-vos. Na tomografia por emissão de pósitrons, o mate-rial a ser bombardeado é escolhido de modo que

o isótopo gerado (que será associado a substâncias biologicamente relevantes, como o carbono, nitro-gênio ou oxinitro-gênio, formando um radiofármaco) de-caia emitindo esse tipo de partícula.

Quando os radiofármacos são injetados na corren-te sangüínea de um paciencorren-te, corren-tendem a percorrer todo o corpo. O ponto de maior concentração, porém, dependerá do papel fisiológico específico da subs-tância ‘marcada’ pelo radioisótopo. Um radioisótopo muito importante, por exemplo, é o flúor-18 (18F), que pode servir como marcador da glicose, o que permite seu emprego no mapeamento de processos metabólicos cerebrais.

Muitos avanços na

eletroencefalografia

A eletroencefalografia (EEG), ainda que tenha sur-gido há muito tempo, só passou a desempenhar um papel fundamental nos estudos de processos ce-rebrais complexos nos últimos anos, com o desen-volvimento de dispositivos eletrônicos e técnicas de processamentos de sinais eficientes. Sua apli-cação clínica é vasta e, em função do baixo custo, está disponível na grande maioria dos centros neu-rológicos.

Através da medida direta dos campos elétricos resultantes de processos neuronais, a EEG é capaz de mapear, de forma bastante simples e não invasi-va, os traçados normais e patológicos de seres huma-nos. Os registros são realizados, em geral, através da utilização de eletrodos à base de prata, mantidos em contato constante com o couro cabeludo por meio de gel condutor. A resolução temporal dessa técnica é excelente, conseguindo capturar eventos neuronais da ordem de milissegundos (10-3 s).

A principal aplicação clínica da eletroencefa-lografia convencional é o diagnóstico de epilepsias. São classicamente conhecidas as alterações que surgem no período entre as crises epilépticas (EEG intercrítico) e durante essas crises (EEG crítico). Mais recentemente, o desenvolvimento da tecnolo-gia digital (EEG digital) e a associação com outras metodologias (vídeo, por exemplo) permitiram o registro prolongado e contínuo da atividade elétri-ca do cérebro. Isso ampliou muito as possibilidades de uso da eletroencefalografia, em especial na ava-liação de pacientes com epilepsias de difícil controle por medicamentos e na seleção de candidatos a tra-tamento cirúrgico. Para essa seleção foram desen-volvidas mais recentemente técnicas invasivas, atra-vés da implantação de eletrodos intracranianos e in-tracerebrais, que possibilitam o registro de

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poten-s e t e m b r o d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 3 1 ciais elétricos diretamente do tecido cerebral, com

ganho impressionante em precisão e localização. Além do uso clínico rotineiro, como no mapea-mento de crises epilépticas, a EEG experimapea-mentou outro grande avanço metodológico quando surgiram os equipamentos de alta resolução (que possibilitam registro de número praticamente ilimitado de canais ou regiões cerebrais), além de inúmeras técnicas de pós-processamento dos sinais registrados (incluindo técnicas lineares e não-lineares). Tais avanços torna-ram possível melhorar a localização e a caracteriza-ção de vários processos nervosos e essa evolucaracteriza-ção tem permitido, fundamentalmente, aprimorar as técni-cas de localização das fontes de corrente que produ-zem os vários tipos de resposta cognitiva e, em con-seqüência, uma melhor compreensão dos complexos processos fisiológicos cerebrais.

Além disso, a diferenciação de padrões espaço-temporais que ocorrem em um período de tempo muito curto exige uma boa resolução espaço-tempo-ral, o que faz da eletroencefalografia uma ferramen-ta poderosa na avaliação do funcionamento cerebral normal e patológico. O momento atual é de franco desenvolvimento da tecnologia na direção do co-registro integrado com outras técnicas, particular-mente as de neuroimagem estrutural, permitindo estudar, a um só tempo, a anatomia, a fisiologia e a patologia cerebral em inúmeras doenças do sistema nervoso.

Os campos magnéticos

do cérebro

Conforme o próprio nome indica, a magnetoen-cefalografia (MEG) refere-se ao estudo dos campos magnéticos gerados pelo cérebro. A atividade neu-ronal caracteriza-se pela passagem de corrente elé-trica ao longo da sua estrutura, e esta corrente provo-ca o aparecimento de um provo-campo magnético. O sinal magnético produzido por apenas um neurônio não é intenso o bastante para ser captado pelos sensores magnéticos atuais, sendo necessário para isso que cerca de 10 mil neurônios estejam ativados simul-taneamente.

Por se tratar de campos magnéticos de baixíssi-ma intensidade, a atividade neurobaixíssi-magnética só pode ser medida adequadamente por dispositi-vos supercondutores conhecidos como SQUID (do inglês superconducting quantum interference devi-ces), descobertos no final da década de 1970. Esses dispositivos são posicionados na superfície cra-niana para localização e determinação da intensi-dade das fontes magnéticas.

O sinal neuromagnético pode resultar de uma resposta provocada (por estimulação visual, por exemplo), ou de atividade espontânea (oscilações alfa, teta, delta, atividade epileptiforme). Os padrões característicos observados nos sinais, simultanea-mente, em diferentes regiões, possibilitam locali-zar precisamente, com um erro da ordem de milí-metros, as regiões cerebrais envolvidas.

A maior vantagem da magnetoencefalografia es-tá em seu poder de localização das fontes (bastante restrito na eletroencefalografia) e em sua capacida-de capacida-de capacida-detectar sinais cerebrais que durem menos que 10 milissegundos.

Atualmente, a magnetoencefalografia é utilizada rotineiramente em algumas instituições como uma ferramenta clínica, em especial no mapeamento pré-cirúrgico e na detecção de focos epilépticos. Além disso, como apresenta altíssima resolução temporal e não é invasiva, vários grupos de pesquisa têm usado essa técnica para estudar inúmeros processos cog-nitivos e para caracterizar anormalidades dos sinais magnéticos cerebrais envolvidos em uma série de doenças neurológicas.

Como exemplo, podemos utilizar o mapeamento pré-cirúrgico de uma paciente do centro de neurolo-

Figura 1. Mapas do córtex cerebral (imagens de ressonância magnética estrutural), em plano frontal, sobre os quais são indicados pontos de atividade neuronal (em vermelho) registrados por magnetoencefalografia durante estimulação pela aplicação de leve pressão nos lábios, pés e mãos de paciente portadora de epilepsia – a lesão (indicada pelas setas em laranja) pode ser identificada em três das imagens

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gia da Universidade de Wisconsin (figura 1). Após apresentar duas crises convulsivas, com espasmos dos membros, a paciente foi submetida a um exame de rotina de ressonância magnética, que constatou a presença de um tumor na porção posterior do lobo frontal, junto ao sulco central e próximo da região que controla a movimentação e a sensibilidade do lado oposto do corpo. Para localizar precisamente as áreas eloqüentes, que deveriam ser preservadas em uma cirurgia, foi indicado o mapeamento magnetoen-cefalográfico. Para isso, a paciente foi estimulada, pela aplicação de leve pressão em partes das mãos, dos pés e dos lábios, e as respostas cerebrais permi-tiram obter mapas bilaterais que localizam as

re-giões controladoras da sensibilidade dos dedos polegar, indicador e míni-mo, além do lábio, como pode ser ob-servado na figura.

Além do mapeamento pré-cirúrgi-co, a MEG tem se destacado na inves-tigação de diversos processos cere-brais. Um exemplo de sua aplicação no estudo de tarefas cognitivas está em um recente trabalho dos autores deste artigo (e de suas equipes) sobre os processos cerebrais envolvidos em tarefas de navegação espacial em hu-manos. Para estudar o processo em seres humanos normais, criamos uma cidade em realidade virtual, usando um programa comercial (da empresa 3D Realms) que permite ao usuário projetar o ambiente desejado (figura 2). Os voluntários usavam um mouse para navegar e medíamos os padrões

Figura 2. Visão de uma parte da cidade de realidade virtual utilizada no estudo de processos cerebrais envolvidos em tarefas de navegação espacial (o mapa da ‘cidade’ é mostrado no canto inferior direito)

Figura 3. O mapeamento pré-cirúrgico de paciente com crises convulsivas de epilepsia resistentes à medicação revela o foco epileptogênico (em A) e as áreas eloqüentes (controladoras de sensibilidade) do córtex (em B)

de oscilação neuronal espontânea relacionados à atividade cognitiva de navegação. Como conclu-são, acreditamos que os ritmos do tipo teta, cuja fre-qüência está entre 4 e 7 hertz, têm papel fundamen-tal no ato de se mover por entre ambientes, familia-res ou não.

Além disso, algumas patologias, como é o caso de distúrbios epilépticos, estão associadas a descargas neuronais anormais, resultando em anomalias fun-cionais transitórias. Na epilepsia, essas irregularida-des nos sinais cerebrais são irregularida-descargas repetidas e sín-cronas (ocorrem ao mesmo tempo em vários locais), que afe-tam uma porção relativamente extensa do cérebro. Em algumas formas de epilepsia resisten-te à medicação anticonvulsivanresisten-te, a cirurgia pode ser indicada.

Nesse caso, é realizada a remo-ção (ressecremo-ção) do tecido epilep-togênico, causador da atividade elétrica anormal, o que pode le-var à cura ou à melhora signifi-cativa do paciente. Infelizmente, os métodos de diagnóstico e lo-calização das fontes das descar-gas ainda são muito imprecisos e invasivos. Dado o número de pacientes que sofrem desse mal (no Brasil, cerca de 1% da popu-lação, sendo que de 10% a 15% requerem tratamento cirúrgico), é necessário aperfeiçoar esses métodos.

Algumas formas de epilepsia são acompanhadas por lesões visíveis com técnicas de neuroimagens de

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res-sonância magnética. No entanto, ou-tros casos exibem alterações apenas funcionais, não associadas a deforma-ções anatômicas. Nessas condideforma-ções, a localização do tecido que produz a descarga elétrica anormal só pode ser feita pela análise dos traçados da ati-vidade elétrica cerebral.

Podemos usar, como exemplo des-se tipo de procedimento, o caso de um paciente de 15 anos de idade com epilepsia originada no lobo temporal e resistente ao tratamento com medi-camentos. O paciente sofreu remoção de um tumor no lobo temporal esquer-do e, anos depois, passou a sofrer cri-ses convulsivas, possivelmente causa-das pela cicatriz e por outras altera-ções no cérebro ao redor (geradas pelo tumor ou pela cirurgia). A indicação era a de uma nova intervenção para minimizar os ‘ataques’.

Devido ao alto grau de desfigura-ção da topografia cerebral, tornou-se

mentar o contraste das imagens em regiões de ativi-dade cerebral.

Esse mecanismo de contraste, conhecido como ‘bold’ (de blood oxigen level dependent), aliado a téc-nicas de aquisição rápida, fez surgir, no início da dé-cada de 1990, a imagem funcional por ressonância magnética (IRMf), permitindo o estudo de grande nú-mero de processos cerebrais. Infelizmente, a varia-ção no contraste das imagens não é grande (da ordem de 3%-4%), o que impossibilita uma inspeção visual direta, tornando necessário o emprego de algoritmos computacionais para a identificação dessas áreas.

Embora ainda existam questões referentes à me-todologia utilizada, os achados em psicologia, pato-logia e neurociência em geral são consistentes o bastante para que essa técnica sirva de referência em estudos de processos cognitivos elevados, além das aplicações clínicas (entre as quais destaca-se, mais uma vez, o mapeamento pré-cirúrgico).

Um exame de ressonância magnética funcional passa geralmente por duas etapas: a aquisição de imagens rápidas, que detectam as alterações de con-traste, e a aquisição de uma série de imagens de boa resolução anatômica. O primeiro conjunto serve ao processamento estatístico, usando métodos bem estabelecidos, e o segundo serve para a apresenta-ção dos resultados finais. Imagens obtidas em um voluntário sem sintomas anormais (figura 4) mos-tram (em vermelho) áreas em que ocorreu alteração de contraste estatisticamente significativa em res-posta a estímulos nos dedos das mãos.  necessário um mapeamento cuidadoso do

hemisfé-rio anormal para a localização de áreas eloqüentes próximas à lesão ou ao foco. Para detectar atividades elétricas anormais entre as crises, medidas bilaterais de magnetoencefalografia foram realizadas sobre regiões do lobo frontal (figura 3). Os mapas indica-ram a origem das crises nas estruturas profundas do lobo temporal e mostraram que as regiões contro-ladoras da sensibilidade não estavam associadas às áreas geradoras das crises.

Novo tipo

de imagem funcional

Existe uma relação – conhecida há algum tempo – entre a presença de atividade cerebral e o aumen-to do fluxo sangüíneo local. Ainda sem explica-ção conclusiva, esse aumento de fluxo não é acom-panhado por maior consumo de oxigênio. Em con-seqüência, durante os estados de atividade cere-bral, ocorre uma alteração local da razão entre he-moglobina oxigenada (oxi-Hb) e hehe-moglobina de-soxigenada (deoxi-Hb), que resulta em uma redu-ção da concentraredu-ção local de deoxi-Hb. Além dis-so, sabe-se que a deoxi-Hb e a oxi-Hb têm carac-terísticas magnéticas distintas: a primeira é pa-ramagnética e a segunda é diamagnética. Portanto, a diminuição de concentração de deoxi-Hb faz

au-Figura 4. Apresentação tridimensional do resultado de um exame funcional por ressonância magnética em um vo-luntário assintomático – as áreas vermelhas no corte horizontal do cérebro correspondem a regiões responsáveis pelos movimentos dos dedos de ambas as mãos

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Usada clinicamente como ferramenta de mapea-mento pré-cirúrgico, a ressonância magnética fun-cional tem conquistado um papel de destaque no cenário das neuroimagens funcionais. Estudo com-parativo entre os resultados obtidos por um exame funcional típico por ressonância magnética e por estimulação direta do córtex durante uma cirurgia revelam a importância do primeiro método.

A paciente, de 57 anos, apresentava uma lesão expansiva no lobo parietal esquerdo, medindo cerca de 2 cm de diâmetro, com características que

suge-riam ser um tumor maligno. Indicada a cirurgia para re-moção da lesão, a pacien-te foi submetida a mapea-mento pré-cirúrgico, por estimulação direta do córtex (técnica padrão em cirur-gias) e por ressonância mag-nética funcional. A compa-ração dos resultados revela que os dois métodos são efi-cientes (figura 5), sendo que a IRMf não é invasiva e não traz riscos para o paciente.

O lado esquerdo da figu-ra mostfigu-ra as regiões cere-brais da paciente mapeadas por estimulação direta do córtex durante a operação: o giro pré-central (córtex motor), a projeção da lesão e uma região eletricamente normal. O lado direito mostra um corte sagital (um plano lateral do cére-bro), onde aparecem a lesão e uma concentração da atividade cerebral na porção média do giro pré-central esquerdo, estrutura responsável pelas fun-ções motoras (movimentação das mãos), identifica-das através dos mapas estatísticos obtidos por res-sonância magnética funcional. A concordância en-tre o exame por essa técnica e pela estimulação dire-ta do córtex é excelente.

Após alguns anos tendo como objetivo a exploração de funções primárias, as pes-quisas em ressonância magnética funcio-nal têm sido utilizadas para estudar fenô-menos mais complexos de processos cog-nitivos e de comportamento. Especial aten-ção tem sido dada aos processos de lingua-gem e de memória.

Comparação

entre as técnicas

e considerações finais

As várias técnicas de neuroimagem funcio-nal apresentam características bem exclusi-vas, que podem ser comparadas sob alguns aspectos. Levando em conta variáveis técni-cas como resolução temporal e espacial, po-demos, de modo geral, representar essa com-paração sob forma de um diagrama (figura 6). Portanto, certos processos cerebrais só podem ser estudados por metodologias específicas.

Figura 5. Em um paciente com tumor, a localização das áreas importantes do ponto de vista eletrofisiológico (em A) é tão efi-ciente quanto as imagens por ressonância magnética funcional (em B) – na imagem por RMf, pode-se identificar as áreas eloqüentes (em amarelo) e, pouco abaixo, o tumor (área mais escura)

Figura 6. Gráfico comparativo da resolução (espacial e temporal) obtida pelas diferentes técnicas de imagem: magnetoencefalografia (MEG), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética funcional (RMf ), tomografia por emissão de pósitrons (PET), ressonância magnética convencional (RM) e tomografia por emissão de fóton único (SPECT)

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magnetoen-cefalografia avaliam os padrões de ativi-dade elétrica de um conjunto de neurô-nios. Já a imagem funcional por ressonân-cia magnética e a tomografia por emissão de pósitrons trazem informações sobre processos hemodinâmicos, sendo que es-sa última (PET), assim como a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), possibilitam ainda estudar processos metabólicos. São, por exemplo, as úni-cas a detalhar os efeitos no cérebro da dependência química a drogas, como a cocaína.

As variadas técnicas de neuroimagem têm enorme poder quando usadas sepa-radamente. Em conjunto, esse poder é ainda maior. Alguns estudos têm sido realizados para comparar a precisão e concordância dessas técnicas – um exem-plo é a comparação dos resultados de localização (por magnetoencefalografia e por ressonância magnética funcional) da atividade relacionada a uma função motora simples (figura 7). A localização resultante, embora as fontes que geram as atividades detectadas sejam distintas, é bastante coerente.

O certo é que as neuroimagens fun-cionais vêm apresentando um progres-so significativo nos últimos anos, com crescentes aplicações clínicas em servi-ços hospitalares, em especial nos

ma-peamentos pré-cirúrgicos. Entretanto, várias ques-tões ainda precisam de resposta. Por exemplo: apesar da vasta aplicação da ressonância magnética fun-cional, até bem pouco tempo atrás não havia uma prova definitiva de que as diferenças entre o estado de oxigenação da hemoglobina observadas com essa técnica deviam-se, realmente, à atividade neuronal. Um número enorme de aplicações continua surgindo a cada dia, como a localização de áreas funcionais referentes a processos de emoção, reconhecimento de padrões, organização funcional primária, memó-ria, linguagem e outros.

A neuroimagem funcional tem sido cada vez mais empregada no estudo de processos de reorganização cortical, ou seja, aqueles responsáveis pela recupe-ração de funções perdidas com doenças ou aciden-tes. Muitas pesquisas mostram evidências da ocor-rência de fenômenos de plasticidade neuronal após lesões destrutivas, revelando como o cérebro res-ponde à lesão, readaptando conexões e utilizando outras áreas para executar as funções das áreas per-didas. Esse tem sido o tema de inúmeros trabalhos, que usam principalmente a

magnetoencefalogra-fia (MEG), a ressonância magnética funcional (IRMf) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET).

Hoje, porém, poucas instituições no mundo fazem exames de neuroimagem funcional para o mapea-mento pré-cirúrgico, com ressonância magnética funcional ou outra técnica de neuroimagem, sem complementar com a estimulação direta do córtex durante a operação. Em casos clínicos mais comple-xos, a decisão definitiva de realizar a ressecção de uma área depende do mapeamento durante a cirur-gia, um exame invasivo. Só com a resposta às várias questões que ainda envolvem as demais técnicas (MEG, PET ou IRMf) é que elas poderão substituir definitivamente as técnicas invasivas.

Por outro lado, a utilização de mais de uma técni-ca de análise é fundamental para a interpretação dos resultados. Além do mais, todas as modalidades apre-sentam vantagens e desvantagens umas sobre as ou-tras, de modo que sua integração fornece, certamente, resultados mais robustos. Essa é, assim entendemos, a tendência atual nesse campo de pesquisa multidis-ciplinar: estudar os processos cerebrais sob diferentes perspectivas, pela utilização de variadas técnicas. I

Figura 7. Imagem reunindo magnetoencefalografia e ressonância magnética funcional, de mapeamento pré-cirúrgico realizado na Universidade de Wisconsin (Estados Unidos) em paciente com epilepsia de difícil controle – o ponto azul é a fonte de sinais magnéticos localizada por MEG, e a região colorida é a área controladora dos movi-mentos da mão, localizada por IRMf (a pequena diferença entre eles não invalida a localização)

Sugestões para leitura ARAÚJO, D. B.; CARNEIRO, A. A. O., MORAES, E. R. e BAFFA, O. ‘Biomagnetismo: uma nova interface entre a física e as ciências biológicas’, in Ciência Hoje, v. 26, nº 153, p. 24-30, 1999. GATTASS, R.; FARIAS, M.; FEITOSA, P.; MOLL, J.; ANDREIUOLO, P.. Mapeando o pensamento: um estudo de ressonância funcional. Ciência Hoje. v.26, nº 155, p.18-25, 1999. PANEPUCCI, H.; DONOSO, J. P.; TANNÚS, A.; BECKMANN, N.; e BONAGAMBA, T. (1985). Tomografia por ressonância magnética nuclear: novas imagens do corpo. Ciência Hoje, v. 4, nº 20, p. 46-56, 1995.

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