OBRA ANALISADA: A morte de Quincas Berro D’água -- 1959
GÊNERO Novela
AUTOR Jorge Amado
DADOS BIOGRÁFICOS Nascimento: 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, Ferradas, município de Itabuna-BA
Morte: 6 de agosto de 2001, Salvador, pouco antes de completar 89 anos.
[*] abril de 1961, eleito para a cadeira nº 23, da Academia Brasileira de Letras; em sucessão a Otávio Magabeira.
BIBLIOGRAFIA
Romance
O País do Carnaval (1931); Cacau (1933); Suor (1934); Jubiabá (1935); Mar Morto(1936); Capitães da Areia (1937); Terras do Sem Fim (1943); São Jorge do Ilhéus (1944); Seara Vermelha (1946); Os Subterrâneos da Liberdade (1954); Gabriela Cravo e Canela(1958); Os Pastores da Noite (1964); "As Mortes e o Triunfo de Rosalinda" in Os Dez Mandamentos (1965); Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966); Tenda dos Milagres (1970); Teresa Batista Cansada de Guerra (1972); Tieta do Agreste (1977); Farda, Fardão e Camisola (1979); O menino Grapiúna (1982); Tocaia Grande -A Face Obscura (1984); O Sumiço da Santa (1988); A Descoberta da América pelo Turcos (1994).
Novela
Os Velhos Marinheiros; A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água (1959); A Completa Verdade Sobre as Discutidas Aventuras do
Comandante Vasco Moscoso de Aragão; Capitão de Longo Curso (1961); O Compadre de Ogun (1995).
Teatro
O Amor de Castro Alves (1947) reeditado como O Amor do Soldado. Poesia
A Estrada do Mar (1938) Literatura Infanto-Juvenil
ABC de Castro Alves (1941); O Cavaleiro da Esperança (1942); O Mundo da Paz (1951); O Gato Malhado e Andorinha Sinhá (1976); O Milagre dos Pássaros (1997).
Guia
Bahia de Todos os Santos (1945) – Guia da cidade de Salvador
RESENHA A obra trata dos acontecimentos que envolvem a morte do rei dos malandros da Bahia, Quincas Berro d'Água. Dividida em 12 capítulos, “A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água” manifesta a magia do
povo humilde que se utiliza da notícia que circula oralmente, nos ditos populares.
No primeiro capítulo, o narrador conta os mistérios e as lacunas que permaneceram sem explicação a respeito da morte de Quincas Berro d'Água. A primeira morte de Quincas - de um total de três mortes - é simbólica; aconteceu quando abandonou a família para viver nas farras, na bebedeira, na malandragem. Aposentado, o então homem de posses Joaquim Soares da Cunha decidiu deixar a esposa e os filhos para se transformar no malandro Quincas, sem a aprovação da família. Se a morte não foi física, foi moral. Quincas era uma vergonha para a família. No segundo capítulo, o narrador apresenta o perfil de Joaquim Soares da Cunha, segundo a família: exemplar funcionário da Mesa de Rendas Estadual, respeitado, burguês, jamais visto em botequim. Transformado em Quincas, resolveram decretá-lo morto para a sociedade.
Quando a filha Vanda ou o genro Leonardo sabiam alguma notícia de Quincas, através de vizinhos ou terceiros, era como se um morto se “levantasse” do túmulo.
Nesse capítulo, a família fica sabendo, através da notícia contada por um santeiro, que Quincas estava morto em uma pocilga miserável. A família suspirou com alívio, poderia ter de volta Joaquim Soares da Cunha. No terceiro capítulo, a filha Vanda chega à pocilga, para constatar que se tratava, de fato, do cadáver de Quincas Berro D’água, cachaceiro, debochado e jogador, sem família e sem lar. Nada em Quincas lembrava-lhe Joaquim Soares da Cunha, correto funcionário da Mesa de rendas Estadual. Vanda indaga-se como pode um homem, aos cinquenta anos, abandonar a todos e começar o que para ela era quase uma insanidade:
[...] vagabundear pelas ruas, beber nos botequins baratos, frequentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável? (p. 08)
Nesse momento, a família entendeu que toda a vergonha havia terminado. Não haveria mais manchas na dignidade dos familiares de Quincas.
Nos capítulos IV, V e VI, a família está às voltas com as soluções práticas para resolver o problema do enterro e do velório. Decidiram que Joaquim Soares da Silva deveria ter um enterro simples, porém respeitável, condizente com o status da família. Não precisariam, porém, avisar aos conhecidos e aos demais familiares. Entregaram o corpo a uma funerária
que faria um desconto, para deixá-lo arrumado, com um bom terno e sapatos lustrosos, para o enterro. O velório aconteceria ali mesmo, na pocilga, discretamente.
Nos capítulos VII, VIII e IX, o narrador passa a retratar a morte de Quincas a partir de outra perspectiva: a tristeza dos malandros da cidade pela morte do amigo.
Os amigos estavam inconformados por ter morrido, em terra, um homem que se dizia velho marinheiro, mesmo sem nunca tê-lo sido. Era herança que herdara de família, dizia. Seu corpo, por sua vontade, pertencia ao mar. O narrador conta como Quincas adquiriu o apelido “Berro D’água”. Certa vez, no bar, o espanhol o enganou, oferecendo-lhe água, em lugar de cachaça. Ao perceber o engodo, Quincas gritou "- Água!", chamando a atenção de meio mundo, sendo ouvido até no elevador Lacerda. A partir de então, transformou-se em Quincas Berro D’água. Todos sofriam a morte de Quincas. O povo estava de luto.
No capítulo X, os melhores amigos de Quincas, Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-vento, além da amante Quitéria do Olho
Arregalado, estão no velório. A família, que se revezava em turnos para cumprir as horas em que velaria o corpo de Quincas, resolveu deixar a tarefa a cargo dos amigos de Quincas, durante a noite. No turno do irmão de Quincas, Eduardo, que iria passar a noite no velório, ficou decidido que seria melhor descansar, em casa, e deixar Quincas ser velado pelos amigos. Os amigos tentaram rezar, começaram a beber e dar bebida a Quincas, que sorria e devolvia um pouco da cachaça, lambuzando o paletó. Nesse momento, como se trata de uma narrativa fantástica, o leitor não consegue dizer se os amigos é que estão bêbados e começam a tratar Quincas como se não tivesse morrido ou se de fato o defunto começa a interagir com os amigos. Os amigos tiraram o terno e os sapatos de Quincas e vestiram-no com os velhos trapos. Saíram agora com o defunto vivo para a peixada no saveiro:
Curió e Pé-de-vento saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança, ia entre Negro Pastinha e Cabo Martim de braço dado. (p.48)
No capítulo XI, os amigos e Quincas acordaram a cidade para a peixada. Fizeram o que faziam todas as noites: farra, bebedeira, confusão... Enfim, chegam ao Saveiro para saírem para a peixada no mar. Em alto mar, Quitéria do Olho Arregalado e Quincas não comiam. Quincas olhava
o céu, ouvindo Maria Clara cantar. De repente, o anúncio de tempestade, mas não respeitaram, retardaram a volta, aproveitando o momento. A tempestade chegou e ninguém sabe como Quincas pôs-se de pé e "no meio do ruído, do mar em fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira” (p.53). Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade.
No capítulo XII, sabemos que o caixão de Quincas encontra-se na loja de Eduardo, esperando um defunto. Quanto à frase derradeira há versões variadas. Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:
No meio da confusão ouviu-se Quincas dizer: ”Me enterro como entender
na hora que resolver. Podem guardar seu caixão Pra melhor ocasião. Não vou deixar me prender Em cova rasa no chão.' E foi impossível saber
O resto de sua oração." (p.54)
ESTILO DE ÉPOCA A obra de Jorge Amado aparece no cenário artístico da terceira fase do Modernismo. Nessa geração, o regionalismo adquiriu uma nova
dimensão, com Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do jagunço. Jorge Amado popularizou-se por criar tipos sociais, valendo-se da ambientação e do exotismo da Bahia, gerando um cenário propício para que seus
personagens pudessem agir livremente, entregues ao universo em que se inserem. É neste universo que a novela de Amado se desenvolve. Os becos, as ruas, os espaços habitados pela gente pobre, humilde, feliz e excluída da velha São Salvador são postos em primeiro plano, exigindo que o leitor compactue com certa malícia, ironia e humor da novela. INTERTEXTUALIDADE “Quincas Berro d’Água”
Filme
Em 2010, foi lançado o filme “Quincas Berro D’água”, dirigido por Sérgio Machado. O filme, que corresponde a uma adaptação da novela para o cinema, apresenta os seguintes atores no elenco: Mariana Ximenes, Paulo José e Marieta Severo.
VISÃO CRÍTICA A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água é uma das narrativas mais reconhecidas, publicadas por Jorge Amado. Apresentando a realidade a partir da visão dos ditos populares, o narrador conta que ao renunciar à família, mudar de ambiente e de costumes, Quincas morreu pela primeira
vez; morreu pela segunda vez na solidão de sua pocilga e morreu pela terceira vez ao cair ao mar, não deixando qualquer testemunho físico de sua passagem pela vida. A novela mistura sonho e realidade; loucura e racionalidade; amor e desamor; ternura e rancor, de forma envolvente e instigante, características próprias à estética do realismo fantástico. O realismo fantástico é uma escola literária surgida na segunda metade do século XX. Também é conhecida por realismo mágico ou realismo maravilhoso. Abriga um tipo de obra literária ou artística que apresenta a realidade a partir de uma perspectiva incomum que, sem transcender os limites do natural, induz no leitor ou observador a um senso de
irrealidade. O uso atual, que hoje substitui amplamente o primeiro, descreve textos em que duas visões de mundo opostas – uma natural e outra sobrenatural – são apresentadas como se não fossem
contraditórias, lançando-se mão de mitos e crenças de grupos etno-culturais para os quais essa contradição não se manifesta.
É o que ocorre em “Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água”, em que por diversas vezes Quincas, mesmo estando morto, interfere nos acontecimentos, fato que envolve o leitor numa atmosfera de sonho, desafinado os limites entre realidade e fantasia.