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FRANCISCA GABRIELA BANDEIRA PINHEIRO*

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Academic year: 2021

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QUASE VAZIA”: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO MÉDICO-CIENTÍFICO SOBRE A LEPRA ATRAVÉS DOS DISCURSOS DE A.JUSTA NA CEARÁ MÉDICO (1928-1941).

FRANCISCA GABRIELA BANDEIRA PINHEIRO*

Em 23 de outubro de 1881, nascia na cidade de Fortaleza Antônio Alfredo da Justa. Filho de Laura Teófilo da Justa e Alfredo Henrique da Justa, décadas mais tarde, se tormaria médico e se envolveria na luta contra a lepra1 no Ceará, se tornando o grande nome no combate a enfermidade, devido aos seus discursos e ações em torno da referida doença, principalmente em terras alencarinas.

Antes de iniciar seus estudos em Medicina, Antônio Justa viveu parte da sua infância na Paraíba e retornou ao Ceará a convite de seu tio e padrinho Rodolfo Marcos Teófilo2, que o incentivou a iniciar seus estudos secundários no Liceu do Ceará. Após devidamente formado, foi para Salvador, na Bahia cursar Medicina, concluindo sua formação em 1906, porém na cidade do Rio de Janeiro.

Depois de formado, Justa passou a exercer a profissão em Quixadá, no Ceará e depois, em Santarém, no Pará. O médico só fixou residência em Fortaleza no início da década de 1920, quando montou um consultório na cidade. É a partir desse momento que Antônio Justa começa a se envolver de forma constante na saúde pública no Ceará, sendo inclusive nomeado para cargos públicos relacionados à saúde. O primeiro cargo desse caráter exercido por Justa foi o de subinspetor sanitário rural, sendo nomeado em 1925 e permanecendo no cargo até 1930, quando foi promovido ao cargo de inspetor sanitário rural (CEARÁ MÉDICO, JAN-MAR/1952: 17-19).

Foi durante o período em que atuou no Serviço de Saneamento Rural (SSR) que se iniciou um interesse maior do médico pela lepra. Primeiramente, segundo o próprio médico

*Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Discente no Mestrado Acadêmico em História e Culturas (MAHIS-UECE), sob orientação da Prof. Dra. Zilda Maria Menezes Lima. Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP-CE). Email:

gabrielabandeira@live.com

1A lepra é uma enfermidade causada pelo bacilo Mycobacterium leprae. Atualmente, ela é conhecida como Hanseníase. Opta-se por usar o termo lepra para não cometer anacronismos, já que, durante o recorte da nossa pesquisa, a doença era conhecida dessa forma, inclusive no discurso médico. Mas, sempre que se usa o termo

lepra e seus derivados, opta-se por utilizar o itálico, a fim de estabelecer o conhecimento acerca da nova

terminologia.

2Rodolfo Teófilo foi um farmacêutico e intelectual que participou de diversas agremiações letradas e teve papel fundamental na vacinação contra a varíola no início do século XX. (SOMBRA, 1999).

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aponta em seu diário, foi convidado para realizar o censo da lepra no Ceará e, posteriormente, para prestar atendimento médico aos leprosos que foram internados no leprosário de Canafistula, primeira instituição de isolamento especificamente para esses doentes no Ceará, fundada em 1928:

Em Julho de 1928, houve mutação no S.S.R. Sahiu o Amaral, sendo substituído pelo Demosthenes. Amaral encarregou-me do Censo de Lepra e o Demosthenes manteve-me no cargo. Na interinidade do S.S.R, compromanteve-meti-manteve-me a acompanhar a primanteve-meira leva de lazaros a Canafistula e a vizital-os assim o estou fazendo, indo mensalmente em [...]-motor (DIÁRIO DE ANTÔNIO JUSTA, 5/JAN/1929: 92-93).

Dessa forma, Antônio Justa, através de sua atuação nos órgãos de saúde pública, acabou se envolvendo com a problemática da lepra no Ceará, o que lhe rendeu o cuidado aos leprosos internados no leprosário desde 1928 até a sua morte, em 1941, quase que ininterruptamente. A partir desse envolvimento, o médico passou a produzir uma série de ações e discursos em torno da doença, utilizando para isso tanto sua atuação médica no cuidado aos doentes no leprosário, como a imprensa leiga e médica, espaços em que o médico publicava artigos e matérias sobre vários pontos acerca da enfermidade.

Um dos periódicos em que o médico publicou de forma constante foi a Ceará Médico3, revista cearense que foi fundada pelo Centro Médico Cearense (CMC)4 em 1913. A relação do clínico com a revista teve início através de sua participação no CMC, posto que era um dos sócios mais ativos do referido órgão. Em 1930, ele passou a integrar a comissão de redação da revista, permanecendo nessa função até 1939. Durante esse período, Antônio Justa publicou diversos artigos na revista sobre variados assuntos, porém, o que mais se destacou em sua escrita foram os temas referentes à lepra.

Nesse ensaio opta-se por analisar os discursos de Antônio Justa na Ceará Médico, dando ênfase a construção de um conhecimento médico-científico5 sobre essa enfermidade,

3Inicialmente foi denominada de Norte Médico, porém, devido a problemas internos, em 1919 o periódico teve uma pausa em suas publicações, retornando apenas em 1928, período em que Antônio Justa já se encontrava instalado em Fortaleza e da inauguração do leprosário.

4O Centro Médico Cearense foi uma instituição fundada por 1913 pelos profissionais de saúde do Ceará (médicos, farmacêuticos e dentistas), com intuito de defender os interesses das referidas classes (GARCIA, 2011).

5É importante destacar que quando refere-se à construção do conhecimento médico-científico sobre a lepra no Ceará, não afirma-se que Justa produzia esse conhecimento através de suas pesquisas próprias, refere-se a ideia de que o médico, baseado em suas leituras sobre teorias e conhecimentos sobre a doença, não foi apenas um divulgador dessas informações no Ceará, mas também se posicionava diante dessas ideias, afirmando qual era a sua opinião sobre determinados assuntos da lepra, além de trazer informações sobre suas experiências com os doentes do leprosário, o que contribuía para a construção desse conhecimento médico-científico sobre a lepra.

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que é um dos aspectos dessa atuação plural do médicoquando se fala em lepra. Na construção desse conhecimento médico científico sobre a lepra, destaca-se em seus discursos o problema do isolamento compulsório como uma prática médica imprescindível e a defesa da utilização de medicação conhecida como óleo de chaulmoogra e seus derivados.

Sobre o isolamento, é importante destacar que no contexto vivido por Antônio Justa, a principal política nacional recomendada de combate à doença era o isolamento compulsório do enfermo de lepra, domiciliar ou nosocomial6.

No Brasil, as primeiras ações no sentido de controlar o avanço da lepra, que, pela sua contagiosidade ocorria principalmente entre os familiares do doente, foram implementadas na década de 1920, com a criação de um serviço para a lepra e as doenças venéreas e de uma legislação própria, que determinada o isolamento de todos os doentes de lepra existentes no país. Ainda sem um medicamento específico para a cura, o isolamento dos doentes foi determinado como essencial, e tornou-se mais importante que o próprio tratamento. A exclusão do doente foi sempre lugar-comum para se protegerem as comunidades do contágio. Isso gerou uma tradição, que podemos chamar de “tradição em isolamento” que foi quase consensual entre os médicos no século XX (CUNHA, 2005: 3).

Dessa forma, o isolamento, apesar de ser defendido e recomendado pelos médicos e pelos órgãos de saúde pública, gerava intensos debates, pois existiam divergências com relação à forma que ele estava sendo praticado. Dentro desse contexto, Antônio Justa é um exemplo disso, pois ele acreditava que a política isolacionista devia ser reformulada. Em artigo a Ceará Médico, em 1930, o médico apresenta sua opinião sobre a prática isolacionista, afirmando que o isolamento deveria ser transitório e realizado em conjunto com a terapêutica recomendada para lepra, o óleo de chaulmoogra:

O RECENSEAMENTO DOS LEPROZOS não surtirá rezultado senão quando executado conjuntamente com o TRATAMENTO e o IZOLAMENTO. Este ultimo porém, deverá ser tanto quanto possivel facultativo e tranzitorio, atenuando-se em rejime de liberdade crescente, de sorte a alcançar-se em breve espaço a educação sanitaria bastante, a serem socorridos os doentes em AMBULATORIOS, CLINICAS ou HOSPITAES ESPECIAIS, restrinjindo-se a LEPROZARIA somente aos

Ou seja, o conhecimento médico-científico que se aborda, é construído através das teorias conhecidas por Antônio Justa e do seu posicionamento acerca delas.

6O isolamento prescrito no código sanitário [1923] poderia ser de dois tipos. O nosocomial deveria ser praticado preferencialmente em colônias-agrícolas, admitindo-se sanatórios, hospitais, asilos, quando as condições locais o permitissem, ou quando o reduzido número de leprosos não exigisse o estabelecimento de uma colônia. O isolamento domiciliar só deveria ser consentido para os casos não-contagiantes ou quando as condições financeiras do doente admitissem a adoção das medidas profiláticas consideradas necessárias, de acordo com as autoridades sanitárias. O isolamento domiciliar deveria permitir uma vigilância assídua e rigorosa sobre os doentes. Ambos os tipos de isolamento possuíam,também, regras de prevenção contra moscas e mosquitos (CUNHA, 2005: 47).

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INDIJENTES, estropiados pela molestia, impossibilitados de proverem a propria subsistência, e sem se descurar o amparo ás suas famílias. Muito longe estamos no Ceará de alcançarmos tal deziderato, pois na mentalidade popular até na das pessôas de instrução mais avançada, não penetrou ainda quanto de beneficio aos doentes e a Coletividade, vieram trazer os RECENTES METODOS DE TRATAMENTO DA LEPRA com o aperfeiçomento dos PREPARADOS CHAUMOOGRICOS (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 17).

Dessa forma, percebe-se que Antônio Justa embasa a sua defesa de um isolamento mais brando considerando os avanços médicos-científicos, como o uso do óleo de chaulmoogra, que é relatado pelo médico como uma possibilidade de abrandamento do isolamento dos doentes.

Continuando sua abordagem sobre a necessidade de abrandamento do isolamento de leprosos, Justa afirma que o desconhecimento sobre as medidas modernas de profilaxia da lepra, causa ignorância e consequentemente prejuízos para o efetivo combate à doença:

Tão ignorando é entre nós o adoçamento das medidas antigas de SEGREGAÇÃO COMPULSORIA na PROFILAXIA DA LEPRA, tal horror e ignorancia impediram ainda sobre a maneira de propagação da moléstia, que ainda muito recentemente, em 1929, o sctual director do SERVIÇO DE SANEAMENTO RURAL DO CEARÁ, dr. Samuel Uchôa, pretendendo levar a efeito o alto beneficio de amparo aos FILHOS SADIOS DOS LAZAROS recolhidos a Leprosaria <<ANTONIO DIOGO>> teve que recuar do seu intento de azilar tais creanças em FORTALEZA, onde melhor seriam assistidas e fiscalizadas, tal a opozição que se levantou, NEMUM PREDIO SE CONSEGUINDO EM NEMUM DOS QUADRADANTES DA CIDADE! De tão descabido protesto rezultou a construção da <<CRECHE SILVA ARAUJO>> em CANAFISTULA, cerca de uma centena de metros da <<LEPROSARIA ANTONIO DIOGO>>, muito própria para o acolhimento das creanças oriundas dos CAZAIS LEPROZOS, mas correspondendo mal a este outro escopro, o amparo dos menores de mais idade, cujos pais estão internados ou demandam internamento, impondo-lhe a proteção e vijilancia dos seus filhos (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 17).

Mas essa crítica à postura da população fortalezense está embasada em um conhecimento médico-científico, do qual Justa corrobora, que acredita que a lepra não deve ser vista como uma doença altamente contagiosa:

Parece evidente, segundo os trabalhos modernos, ser a LEPRA uma molestia RIGOROSAMENTE CURAVEL EM INICIO, POSSIVELMENTE, EM PERIODO MAIS AVANÇADO E SEMPRE MELHORAVEL ou pelo menos, MOLESTIA CUJA PROPAGAÇÃO PODE SER ENTRAVADA PELA TERAPEUTICA ADEQUADA (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 17).

De tudo se conclúe que o contajio da Lepra se PROCESSA DE MANEIRA MUITO LENTA, em regra mediante PROLONGADO CONTACTO, e requer condições ESPECIAIS DE RECEPTIVIDADE, tendo-se em vista a frajilidade extrema do

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MYCO-BACTERIUM LEPRAE no meio ambiente, evidenciada pela sua incultivabilidade e rara transmissibilidade aos animais de laboratorio e ao proprio homem, em INOCULAÇÃO EXPERIMENTAL (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 18).

Mesmo defendendo que os doentes deveriam ser tratados e reintegrados à sociedade, o médico propõe que a relação entre enfermos e sãos deve ser mantida com certo distanciamento, evitando principalmente, o contato mais intimo, já que, de acordo com os conhecimentos dos médicos, ele considerava que o contágio ocorria através do contanto intimo e prolongado

As relações entre o individuo sadio e o morfético devem ser as mais sumarias evitando-se particularmente os contatos inúteis, aperto de mão, abraço, beijo e conversação aproximada, sobretudo de frente pois gotículas de saliva (perdigotos) carregadas de germes pódem alcançar notória distancia. As creanças e os moços não devem habitar com os leprozos e NINGUEM DEVE DORMIR NO MESMO APOSENTO COM O ENFERMO (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 18-19).

É importante ressaltar que esses argumentos de Justa foram produzidos na década de 1930, porém a aceitação dessa nova forma de ver a doença demorou a ser consenso entre os médicos, pois os eles tinham várias teorias sobre a lepra, o que gerava intensos debates. Letícia Souza aponta que em 1931, a nível nacional, existiam outros médicos que também acreditavam na pouca contagiosidade da lepra e apontava a necessidade de mudanças na política isolacionistas, mas a autora aponta que Eduardo Rabelo era uma voz entre tantas, pois a divergência era comum quando se falava em lepra:

Apesar da existência de alguns consensos nos discursos dos especialistas, pode-se perceber que muitos pontos sobre a doença, como sua transmissão, o real poder de cura dos derivados de chaulmoogra e a melhor forma de encaminhar a campanha de combate à doença, respeitando as condições específicas do país, estavam em aberto e eram objetos de divergências (SOUZA, 2009: 67).

Dessa forma, o médico travava esses discursos em um contexto de extremas controvérsias quando se falava em lepra, já que existiam poucas certezas e consensos com relação aos conhecimentos médicos-científicos sobre a doença, ou seja, a maioria das informações não passavam de teorias, o que dificultava uma efetiva mudança no tratamento da doença, inclusive as defendidas por Justa. Portanto, embora o discurso de Antônio Justa sempre estivesse em torno da ideia menos isolamento e mais medicamento, o médico defendia que as alterações deveriam ser feitas de forma gradual: “Evacuação lenta da Leprosaria,

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constituindo-se pequenos nucleos de lázaros, em locais adrede determinados, onde serão atendidos pelo Estado em suas necessidades rudimentares” (CEARÁ MÉDICO, MAI/1931: 11). Em 1940, Justa aponta alguns critérios que poderiam ser seguidos para serem realizadas as mudanças no combate à lepra:

1.º - Isolamento dos leprosos contagiantes e dos indijentes, sejam ou não contagiantes; 2.° - Recenseamento dos lazaros e seus contatos; 3.° - Amparo e vigilancia das familias dos lazaros isolados. 4.° - Amapro e vigilancia dos egressos dos leprosários (CEARÁ MÉDICO, MAI/1940: 26).

O médico ainda afirma que os leprosos não contagiantes7 deveriam ser tratados no dispensário. Percebe-se então que Justa não condena completamente o isolamento, mas acredita que os novos conhecimentos médico-cientificos sobre a lepra, possibilitam que ele seja extinto pouco a pouco e o tratamento com medicamentos, como óleo de chaulmoogra seja a principal forma de tratar e combater a doença.

Dessa forma, uma premissa que é constante na escrita de Antônio Justa é o quanto ele valoriza o tratamento medicamentoso dos doentes, apontando sempre que o óleo de chaulmoogra deve ser utilizado o mais cedo possível, a fim de obter os melhores resultados, já que não havia grandes certezas quanto á eficiência do medicamento no tratamento da doença:

Parece evidente, segundo os trabalhos modernos, ser a LEPRA uma molestia RIGOROZAMENTE CURAVEL EM INICIO, POSSIVELMENTE, EM PERIODO MAIS AVANÇADO, E SEMPRE MELHORAVEL ou pelo menos, MOLESTIA CUJA PROPAGAÇÃO PODE SER ENTRAVADA PELA TERAPEUTICA ADEQUADA (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 17).

[...] Perdida a oportunidade da intervenção, que esta somente propicia é, realmente, no inicio da doença, a eficiência terapeutica, si não é nula, é das mais minguadas e ao medicamento teem de sobrepujar o rejime, alimentação sadia e revigorante, subsidiados pelas outras medidas hijienicas de ordem geral (CEARÁ MÉDICO, MAI/1931: 12).

Ou seja, para Justa, mesmo sendo o medicamento mais utilizado para o tratamento da doença, o óleo de chaulmoogra não trazia uma cura certa. Em sua concepção ele trazia grandes e pequenas melhoras, pois tudo variava de caso a caso. Esse pensamento de Justa vai

7A principal diferença entre leprosos contagiantes e não-contagiantes é que os primeiros eliminavam o bacilo e os segundo não, o que, de acordo com o conhecimento da época, significava que o doente não estava mais transmitindo a doença.

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de encontro com o que é apresentando pela historiografia acerca do referido medicamento, através da análise dos discursos médicos:

Em muitos artigos, os médicos afirmavam que a lepra não era incurável, mas que o sucesso do tratamento dependia da seleção clínica dos casos para escolha do medicamento mais indicado. Os casos incipientes poderiam ser curados com a administração correta do moderno tratamento [chaulmoogra] e os casos não muito avançados podiam tornar-se não infectantes em poucos anos (SOUZA, 2009: 83).

Vivian Cunha aponta em seu trabalho também essa problemática em torno do óleo de chaulmoogra, demonstrando o quanto era complicado alcançar bons resultados com o medicamento:

O óleo de chaulmoogra e seus derivados – como os éteres etílicos, por exemplo – eram empregados comumente para o tratamento dos doentes, mas sem que surtisse os efeitos decisivos. Sua aplicação constante na pele diminuía ou até fechava as feridas, o que dava ao doente a sensação de cura. Mas, mesmo sendo minimizada a sua aparência externa, a lepra continuava atacando o organismo do enfermo e a contaminar aqueles que com ele mantinham contato íntimo e prolongado. Com o chaulmoogra algumas curas clínicas foram atestadas, mas era necessário continuar realizando exames e tratamentos nos estabelecimentos apropriados (CUNHA, 2005: 60).

Essas incertezas sobre a eficácia da medicação, de certa forma, dificultaram mudanças no modo de se combater a doença, pois sempre o isolamento vinha em primeiro lugar e o medicamento funcionava apenas como um complemento à prática médica de isolar os leprosos. Justa aborda esse problema em seus discursos:

Do exposto depreende-se com evidencia que a Profilaxia da Lepra mais se deve bazear no DIAGNOSTICO e no TRATAMENTO DOS CAZOS PRECOCES, DO QUE NO IZOLAMENTO, SOBRETUDO NO IZOLAMENTO COMPULSORIO [...]. Entre nós, há muito pouco conhecimento das possibilidades da Profilaxia da Lepra pelo tratamento. Em chocante constraste, encontramos ou o TERROR PANICO DA MOLESTIA, como se fôra a mais eminentemente contajioza de todas, ou a mais CONFIANTE IGNORANCIA sobre o CONTAJIO, traduzindo-se em repugnante promiscuidade, principalmente si se trata de PARENTES ou AMIGOS (CEARÁ MÉDICO, OUT/1930: 19).

Dessa forma, o médico aponta que o medo e a ignorância acerca da doença dificultavam uma terapêutica que colocasse em primeiro lugar o tratamento clínico. Ele volta, mais uma vez, a afirmar, que o isolamento deveria ser evitado na maior parte das vezes e a recomendar condutas menos intimas entre leprosos e sãos (já que ele era adepto da teoria do contágio por contato íntimo e prolongado), mas sem defender o afastamento total. Percebe-se

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então, a defesa de Justa no tratamento medicamentoso, porém, ancorado sempre no conhecimento médico/científico sobre a doença.

Em 1932, após uma série de mudanças relacionadas à saúde pública no Ceará8, o médico aponta que a distribuição de medicamentos para os leprosos havia sido encerrada, o que ocasionou bastante descontentamento por parte do médico, gerando inclusive o seu afastamento dos órgãos de saúde relacionados à enfermidade até 19349, já que ele defendia o tratamento medicamentoso como a melhor forma de se tratar a lepra. Mesmo afastado das questões relacionadas a lepra, o médico continua a publicar sobre a doença na Ceará Médico, inclusive sobre o problema dos medicamentos:

Infelizmente caba de ser interrompido o socorro em medicamentos que o Serviço Sanitario vinha prestando a Leprozaria, rompendo-se assim a reciprocidade de favores entre este instituto e a Seção de Profilaxia da Lepra do referido Serviço Sanitario: Jão agora, a assistencia terapeutica que era indistintamente prestada pelo departamento de hijiene do Ceará, aos lazaros de Fortaleza, aos de Canafistula e mesmo a alguns outros disseminados no Interior, fica restrita às 3 dezenas de enfermos do Ambulatorio ao Serviço Sanitario (CEARÁ MÉDICO, JUN/1932: 4).

Esse problema continua a ser relatado em sua escrita. Em um relatório datado de 1934, porém publicado na Ceará Médico apenas em 1936, o médico aponta novamente o problema da medicação e relata como foi a sua volta aos serviços de saúde de combate à lepra, mas especificamente o Serviço de Assistência e Profilaxia da Lepra que, segundo o próprio relata através do relatório e de correspondências, foi um processo difícil, já que ele não aceitava a falta de atenção dos órgãos estaduais acerca do problema da lepra: “De tal sorte, aguardo a oportunidade de assumir o cargo para o qual fui dezignado. No desempenho das minhas funções procurarei fazer o maximo que for possível, muito afastado infelizmente do que se deve fazer...”(CEARÁ MÉDICO, SET-OUT/1936: 15).

Com a sua volta aos serviços de saúde relacionados à lepra, Justa continua a alertar a população sobre a necessidade de se dar mais atenção para o problema da doença, utilizando, muitas vezes argumentos baseados em seu conhecimento médico. Por exemplo, em 1934, Antônio Justa, juntamente com o Dr. Cesar Cals e o Dr. Jurandir Picanço vem alertar para a

8Com a extinção do SSE (Serviço Sanitário do Estado), houve uma série de mudanças na saúde pública do Ceará, o que causou certa desorganização em alguns setores da saúde pública, como, por exemplo, nos relacionados à lepra (BARBOSA, 1994).

9Devido à falta de atenção dos órgãos de saúde estaduais para a questão da lepra, Antônio Justa pediu o seu afastamento dos serviços de combate à lepra, retornando apenas em 1934 (CEARÁ MÉDICO, JAN/1934: 16).

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atual situação da lepra no Ceará, apontando que, mesmo após a construção da leprosaria, o número de leprosos não diminui, na verdade, aumentou:

Preliminarmente, devemos lembrar que a <Leprosaria Antonio Diogo>, até agora, no Ceará é a única instituição social e clinica realisada afim de solucionar o problema da Lepra, no Estado, molestia que já vae tomando vulto impressionante, não só na capital como nos municipios. A ultima estatistica estima em 822, no maximo, o numero de leprosos, no Estado, convindo lembrar que em 1920 eram conhecidos apenas 180 lazaros, emquanto em fins de 1928 já eram identificados 421 casos e em 1932, 436 eram recenceados. Ao mesmo tempo verifica-se que a Leprosaria foi inaugurada, em Agosto de 1928, com 43 doentes e, em 1934, com 215 doentes [...]. Por esses simples numeros é fácil de avaliar o quanto se deve fazer ainda no que se refere ao problema isolamento e hospitalização (CEARÁ MÉDICO, MAI/1934: 14).

Dessa forma, o médico afirma, de forma sutil, que o modelo de combate à lepra no Ceará está surtindo pouco efeito, já que os casos de lepra só têm aumentado nos últimos anos. Devido a isso, Justa reafirma a importância da medicação:

E’ medida de humanidade, conciencia clinica e tecnica hospitalar, o fornecimento de assistencia medica e recursos da terapeutica especifica, sintomatica e intercurrente para os internados. Sem esses ultimos não se compreende a ação do medico de serviço, por mais dedicado e competente que seja. E sem esses dois recursos primaciaes não se pode justificar a finalidade da Leprosaria, com o que os proprios não se conformorão. Sem assistencia terapeutica a existencia da instituição se torna quase vasia, e tende a desaparecer pela retirada dos doentes, que terminam desistindo da reclusão, que nada lhes oferece para consolo do seu tormento e para energia de sai esperança sempre nova e confiante (CEARÁ MÉDICO, MAI/1934: 18).

Mesmo considerando a medicação essencial, Justa afirma que, para ela ter o melhor efeito possível, é necessária uma série de recomendações que devem ser seguidas pelos pacientes:

O lazaro deve manter o mais completo aceio corporal, mercê de banhos, de preferancia mórnos, frequentes e com sabão; fazer exercicios compatíveis com as suas enerjias e buscar manter sempre o mélhor moral, si bem seja isto o mais dificil em sua triste condição. Todo o trabalho (fizico ou mental) os divertimentos compativeis com o seu estado, á marjem da comunhão social, concorrerão para o deziderato requerido. Sobretudo ao lazaro deve arraigar a idéa, e esta prezumimos ainda melhor poder justificar na sequencia deste trabalho, de que o seu mal já não é incuravel, sendo-lhe licito esperar com um tratamento metodico e persistente, reintegrar-se na Sociedade que o repele, ou no minimo, obter melhoras tais, de molde a não ser mais contajiante, a não mais tornar-se nocivo aos seus semelhantes. O maximo cuidado deve haver com qualquer solução de continuidade da pele ou das mucozas. O minino golpe, a menor escoriação, devem ser desinfetados por meios adequados com antisepiicoa brandos [...]. A alimentação

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deve ser variadas e substancial. Alimentação comum, de acordo com o gosto individual, sómente sendo de proscrever de maneira absoluta o álcool. Só nos periodos febrís de exacerbação da molestia se impõe a dieta liquida, geralmente láctea e vejetaliana. Nos cazos de necroz ou gangrena, e ainda nos abcessos, a eficiencia da cirurjia é soberana e a ela o enfermo deve alivio, e mais do que alivio, poderozo auxilio na sua luta pela saúde (CEARÁ MÉDICO, SET/1930: 12).

Percebe-se que nessas recomendações o médico volta a citar a importância do medicamento e o desejo, por parte de Justa, que os doentes pudessem ser reintegrados na sociedade quando a sua doença não fosse mais contagiosa, demonstrando, mais uma vez, uma postura contrária ao isolamento praticado que não trazia a possibilidade de liberdade futura.

A menção a essas recomendações médicas ocorre novamente em outros momentos da escrita do médico, demonstrando que ele também valorizava a boa higiene e a alimentação como um modo de combate à doença. Dessa forma, Justa faz severas críticas a situação de penúria que o leprosário vivia, pois devido à superlotação era praticamente impossível que todas as recomendações acima fossem seguidas:

Assim, na Leprosaria Antonio Diogo, cerca de 274 doentes são precariamente socorridos. A algumas desenas de enfermos, na maioria contagiante, é proporcionada medicação chaulmogrica, para tratamento no ambulatório do Centro de Saúde, ou em domicilio, particularmente aos que não residem na cidade. A Leprosaria, cuja lotação já se acha excedita ao maximo, espera os caros abertos da Morte, para imediatamente preenchelos, tal constante e vultuoso grupo de enfermos que solicitam ingresso naquele asilo! Entretanto, a míngua de recursos, faz com que a alimentação seja ali por demais rústica, e escasso o socorro em medicamentos! (CEARÁ MÉDICO, MAI/1940: 25).

Assim, percebe-se, mais uma vez, que para Justa a situação do leprosário não conseguia dar conta das necessidades de se tratar a doença, tanto com relação aos medicamentos, como na necessária alimentação para a melhora do quadro geral dos enfermos.

No ultimo artigo publicado por Justa na Ceará Médico, já em 1942, em um número em homenagem ao médico, devido a sua morte, Antônio Justa mostra, mais uma vez, o quanto considerava ineficientea atual forma de tratar a lepra através do isolamento, considerando-a atrasada e aponta o quanto ainda existiam controvérsias sobre a doença:

Doença da intimidade, doença de vizinhança, como a observação secular o demonstra, deante da ininiade da Ciência, que nem ao menos conseguiu até hoje lhe esclarecer a etiologia cultivando e transmitindo experimentalmente o agente causal, a despeito de ousadas tentativas no próprio home, a lepra somente conta como medida básica de profilaxia, a retirada do doente do convívio dos sãos, a segregação, o isolamento!... Mas, isolamento humano, tolerante, sem o barbarismo

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da Idade Média, sem compulsão, muita mais nociva do que útil, porque afugentaria os doentes incipientes... Segundo a concepção hodierna, a Lepra em início é um mal possivelmente curável, e raro se faz mistér segregar os doentes nessa condição, exigindo-se no máximo, retira-los temporariamente das suas ocupações... (CEARÁ MÉDICO, JAN/1942: 4).

O médico ainda complemente sua ideia, informando que a solução para o problema da lepra não era só construir leprosários:

Não basta isolar o lazaro, não basta retirar-lhe os filhos recem-nascidos e os de mais idade, ainda indenes!... É mister que o isolamento atraia pelo conforto, que nunc, por maior que seja, bastará a compensar a restrição de liberdade e o abandono do lar; [...] e os doentes incipientes, aqueles que mais beneficiam do tratamento modernamente preconizado, devem ser socorridos sem prejuizo das suas atividades, ou quando esse se faz preciso, devem receber compensação equivalente, enquanto lhes durar o impedimento... (CEARÁ MÉDICO, JAN/1942: 7).

Diante do exposto durante as páginas desse artigo, pode-se inferir que Antônio Justa, durante os anos de 1928 a 1941, exerceu suas várias atividades num período de intensas controvérsias no que se refere à lepra. Dúvidas em torno da lepra eram constantes entre os médicos, como, por exemplo: Como a doença é transmitida? Qual é o melhor tratamento? Isolar ou não isolar? Mesmo vivendo um contexto controverso no que ser refere à doença, isso não o impediu de externar o seu pensamento com base no conhecimento médico-científico adquirido sobre a enfermidade, no qual aponta questões sobre o tratamento, o isolamento e a forma de transmissão da doença, que foram analisadas durante esse artigo. Dessa forma, percebe-se que uma constante em seu discurso é uma revisão do modelo isolacionista e a necessidade de um tratamento mais eficiente para poder se alcançar os melhores resultados no combate à lepra.

BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, José. História da saúde pública do Ceará: da Colônia a Vargas. Fortaleza: UFC, 1994.

CUNHA, Vívian. O Isolamento compulsório em questão: Políticas de combate à lepra no Brasil (1920-1941). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.

GARCIA, Ana. A ciência na saúde e na doença: Atuação e prática dos médicos em Fortaleza (1900-1935). São Paulo: PUC-SP, Tese de doutorado, 2011.

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LIMA, Zilda. Uma enfermidade à flor da pele: a lepra em Fortaleza (1920-1937), Fortaleza: Museu do Ceará/SECULT, 2009.

SOUZA, Letícia. Sentidos de um “País Tropical”: A lepra e a chaulmoogra brasileira. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, Dissertação de mestrado, 2009.

SOMBRA, Waldy. Rodolfo Teófilo: o Varão Benemérito. Fortaleza: Casa de José de Alencar/ Programa Editorial, 1999.

Referências

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