Guilherme de Guzzi Bagnato
Instituto de F´ısica de S˜ao Carlos, Universidade de S˜ao Paulo - SP, Brasil
O objetivo deste trabalho ´e introduzir t´ecnicas de resfriamento e aprisionamento de ´atomos. Uma forma muito comum de resfriamento atˆomico consiste apenas na utiliza¸c˜ao de luz laser. Trˆes feixes contra-propagantes s˜ao usados para criar uma for¸ca altamente viscosa no cruzamento dos mesmos. Devio a alta viscosidade os ´atomos s˜ao desacelerados e consequentemente resfriados, criando assim uma regi˜ao conhecida como mela¸co ´otico (optical molasses). Esta t´ecnica possui uma temperatura limite de resfriamento (limite Doppler) que ´e ultrapassada com a introdu¸c˜ao de um campo magn´etico externo capaz de aprisionar os ´atomos j´a resfriados. A est´a da-se o nome de armadilha magneto-´otica (magneto-optical trap).
I. FORC¸ AS DA LUZ
Vamos assumir conhecida a for¸ca de dipolo el´etrico (1) e a for¸ca da press˜ao de radia¸c˜ao (2) em fun¸c˜ao da frequˆencia de Rabi (Ω0) para um ´atomo de dois n´ıveis [1]
FT= − 1 6~Ω0∇Ω0 " ∆ω (∆ω)2+ Γ 2 2 +12Ω2 0 # (1) FC= 1 6~kΓ " 1 2Ω20 (∆ω)2+ Γ 2 2 +1 2Ω20 # bk (2)
Aqui Γ ´e a constante de decaimento relacionada a emiss˜ao espontˆanea e ∆ω ´e a dessintonia do feixe laser em rela¸c˜ao a transi¸c˜ao atˆomica.
Definindo o parˆametro de satura¸c˜ao como
S = 1 2Ω 2 0 (∆ω)2+ Γ 2 2 (3)
podemos reescrever as for¸cas anteriores de forma mais simplificada FT= 1 6~Ω0∇S 1 1 + S (4) FC= 1 6~kΓ S 1 + S (5)
Vemos em (5) que a for¸ca da press˜ao de radia¸c˜ao ”satura”com o aumento de S, ou seja, ela ´e limitada pela taxa de emiss˜ao espontˆanea. Se S >> 1 a oscila¸c˜ao Rabi ´e r´apida comparada com a emiss˜ao espontˆanea e o campo ´e considerado forte. J´a quando S ´e unit´ario define uma condi¸c˜ao de satura¸c˜ao para a transi¸c˜ao
Ωsat= √ 2 Γ 2 (6)
Podemos integrar a for¸ca de dipolo el´etrico (FT) para
definir um potencial atrativo (ou repulsivo) para o ´atomo
UT = −
Z
FTdr =
~∆ω
6 ln(1 + S) (7) Repare que diferentemente de FC a for¸ca de dipolo
el´etrico e seu respectivo potencial n˜ao saturam com o au-mento da intensidade do laser. Normalmente essas duas grandezas s˜ao usadas para manipular e aprisionar ´atomos com luz laser fora da ressonˆancia para evitar absor¸c˜ao. Para S << 1 o potencial confinante pode ser escrito como
UT ≈
Ω2 0
12∆ω (8)
Sabendo que I ´e a intensidade do feixe e com as defini¸c˜oes de Ω0e Ωsatpodemos escrever
I Isat = Ω 2 0 Γ2/2 (9)
Com isso a for¸ca da press˜ao de radia¸c˜ao ser´a
FC= ~kΓ 2 " I/Isat 2∆ω Γ 2 + I/Isat+ 1 # (10)
II. RESFRIAMENTO AT ˆOMICO
Vamos considerar um ´atomo movendo-se na dire¸c˜ao +z com velocidade vz em um sistema de dois laseres
contra-propagantes (figura 1). Devido ao efeito Doppler a frequˆencia dos f´otons no referencial do ´atomo ´e deslo-cada uma taxa kvz. Assim se o ´atomo est´a se movendo
contra a luz, a frequˆencia aumenta, e se o ´atomo est´a se movendo no mesmo sentido da luz a frequˆencia diminui. Portanto a for¸ca da press˜ao de radia¸c˜ao (10) no refer-encial do ´atomo depender´a do sentido de propaga¸c˜ao do feixe e ser´a modificada para
Figura 1. Deslocamento Doppler F±=~kΓ 2 I/Isat 2(∆ω±kvz) Γ 2 + I/Isat+ 1 (11)
Desta forma a for¸ca total sentida pelo ´atomo devido aos laseres ser´a F = F++ F−. Se kvz´e muito menor que
Γ e ∆ω obtemos a express˜ao F≃ 4~k I Isat kvz(2∆ω/Γ) [1 + I/Isat+ (2∆ω/Γ)2]2 = −αdvz (12)
Onde definimos o coeficiente de atrito
αd= −4~k2 I Isat (2∆ω/Γ) [1 + I/Isat+ (2∆ω/Γ)2]2 (13)
Figura 2. For¸ca da Press˜ao X Velocidade Atˆomica
Podemos ver na Figura 2 que no limite referenciado a press˜ao de radia¸c˜ao atua como uma for¸ca de atrito, linearmente proporcional ao negativo da velocidade. Por esse motivo esta for¸ca atenua a velocidade dos ´atomos causando um acumulo de ´atomos resfriados no encontro dos laseres. Criando desta forma o mela¸co ´otico (optical molasses).
Entretanto, os ´atomos n˜ao s˜ao resfriados indefinida-mente. Em algum momento a taxa de resfriamento Doppler (15) ser´a equilibrada pela taxa de aquecimento (14) proveniente das flutua¸c˜oes dinˆamicas do ´atomo.
dEh dt = (~k)2 M Γ I/Isat 1 + (2∆ω/Γ)2 (14) dEc dt = FTv = −αv 2 (15)
Como no equil´ıbrio as taxas s˜ao iguais ficamos com [2]
v2= ~Γ 4M
1 + (2∆ω/Γ)2
2∆ω/Γ (16)
Como essas taxas s˜ao valores m´edios, podemos in-terpretar a ´ultima equa¸c˜ao como a velocidade m´edia quadr´atica de um grupo de ´atomos. Juntando esse fato com o teorema da equiparti¸c˜ao da energia encontramos
kBT =
~Γ 4
1 + (2∆ω/Γ)2
2|∆ω|/Γ (17)
Esta express˜ao mostra que T varia com o deslocamento do laser (laser detuning), desta forma a m´ınima temper-atura obtida ´e quanto ∆ω = −Γ/2. Para esse desloca-mento temos
kBT = ~
Γ
2. (18)
Esta temperatura ´e chamada de limite de resfriamento Doppler. Tipicamente, para ´atomos alcalinos, ela vale algumas centenas de microkelvin.
III. APRISIONAMENTO
O resfriamento ´e apenas a diminui¸c˜ao da velocidade m´edia atˆomica, diferentemente do aprisionamento, que implica em confinamento espacial. No mela¸co ´otico, como a press˜ao de radia¸c˜ao n˜ao depende da posi¸c˜ao, os ´
atomos com velocidade v sofrem a mesma for¸ca onde es-tiverem, portanto n˜ao s˜ao presos numa regi˜ao fixa.
Uma armadilha baseada somente em absor¸c˜ao e emiss˜ao espontˆanea numa configura¸c˜ao est´atica de feixes lasers n˜ao ´e est´avel (Teorema de Earnshaw ). Mas se al-gum campo externo altera a for¸ca de espalhamento do feixe com uma dependˆencia posicional, uma armadilha est´avel ´e poss´ıvel de se criar.
Com isso foi criada a armadilha magneto-´otica (MOT) que combina o resfriamento de mela¸co ´otico com o efeito de um campo magn´etico (figura 3). A ideia b´asica ´e usar o momento angular da luz circularmente polarizada para explorar a estrutura magn´etica do ´atomo.
Vamos considerar agora um ´atomo de dois n´ıveis com J = 0 → J = 1 as transi¸c˜oes ao longo do eixo z, onde J ´e o n´umero quˆantico momento angular total. Ao aplicamos um campo magn´etico B(z), que aumenta com a distˆancia, devido ao efeito Zeeman ocorrer´a uma separa¸c˜ao os seus subn´ıveis magn´eticos que dependem da posi¸c˜ao (Figura 4).
Se um campo de luz ´e aplicado ao longo das dire¸c˜oes ±z, com polariza¸c˜oes circulares e com dessintonia para o vermelho da transi¸c˜ao atˆomica, os ´atomos que se movem para a direita ter˜ao uma taxa maior de espalhamento de f´otons com polariza¸c˜ao esquerda (σ−). Isto ´e devido a
Figura 3. Esquema de uma Armadilha Magneto- ´Otica
Figura 4. Separa¸c˜ao dos subn´ıveis devido a um campo magn´etico externo
eles estarem mais pr´oximos da transi¸c˜ao ∆mj = −1, e
os que se movem para a esquerda ter˜ao uma maior taxa de espalhamento de f´otons com polariza¸c˜ao circular di-reita (σ+), devido a estarem mais pr´oximos da transi¸c˜ao ∆mj= +1. [4]
Com isso a for¸ca da press˜ao de radia¸c˜ao sentida pelos ´atomos em ambos os casos ser´a
F1z= − ~k 2 Γ 1 2|Ω0| 2 ∆ω + kvz+µ~B dB dzz 2 + (Γ/2)2+12|Ω0|2 (19) F2z= + ~k 2 Γ 1 2|Ω0| 2 ∆ω − kvz−µ~B dB dzz 2 + (Γ/2)2+12|Ω0|2 (20) Desta forma, o ´atomo sempre sentir´a uma for¸ca que vai leva-lo para a origem da armadilha. Este processo ´e
idˆentico nas trˆes dire¸c˜oes, e, portanto teremos uma ar-madilha tridimensional se agregarmos mais dois pares de feixes contra propagantes.
Para pequenos deslocamentos e velocidades, a for¸ca total restauradora pode ser escrita como a soma de um termo linear na velocidade e um termo linear no desloca-mento
FM OT = F1z+ F2z= −α ˙z − Kz (21)
Podemos derivar da equa¸c˜ao anterior um movimento harmˆonico amortecido ¨ z +2α m ˙z + K mz = 0 (22)
onde as constante de amortecimento e de mola s˜ao re-spectivamente α = ~kΓ 16|∆ ′ |(Ω′ )2(k/Γ) [1 + 2(Ω′)2]2 1 + 4(∆ ′)2 1 + 2(Ω′)2 2 (23) K = ~kΓ 16|∆ ′ |(Ω′ )2(dω0 dz ) [1 + 2(Ω′)2]2 1 + 4(∆ ′ )2 1 + 2(Ω′)2 2. (24) Aqui Ω′ ,∆′ e dω0 dz = µB/~dBdz Γ (25)
s˜ao an´alogas as grandezas definidas anteriormente mas normalizadas por um fator Γ.
Os valores t´ıpicos para um MOT s˜ao Ω′
= 1/2, ∆′ = 1, ent˜ao α e K se reduzem a α ≃ (0, 132)~k2 (26) e K ≃ (1, 16 × 1010)~kdB dz (27)
A dependˆencia com a velocidade do termo de amorteci-mento implica que a energia o ´atomo ´e dissipada da forma
E = E0e−
2α
mt (28)
onde E0´e a energia cin´etica inicial no come¸co do
pro-cesso de resfriamento. Assim, o termo que expressa a for¸ca dissipativa resfria os ´atomos bem como combina o termo do deslocamento para confina-los.
A. N´umero de ´Atomos Aprisionados
Os ´atomos em um MOT n˜ao permanecem na ar-madilha para sempre. O destino mais prov´avel do ´atomo ´e ser expulso da armadilha devido a colis˜oes com os ´atomos do g´as de fundo. A taxa de colis˜oes el´asticas entre os ´atomos do MOT e os ´atomos do g´as de fundo ´e dada por [5]
Γel= 1
τ = nbgσelvrel (29) onde nbg ´e a densidade total do g´as de fundo, σel ´e a
se¸c˜ao de choque para colis˜oes el´asticas, vrel´e a velocidade
m´edia relativa dos ´atomos que est˜ao colidindo e τ ´e o tempo que um ´atomo permanece na armadilha.
No caso especial, em que a intensidade do feixe laser do MOT ´e muito intensa, pode levar a uma quantidade significativa de colis˜oes entre ´atomos no estado exitado com ´atomos no estado fundamental. Esta taxa de perda ´e descrita matematicamente por
Γ = −β Z
nmot(r, t)2d3r (30)
onde nmot ´e a densidade do MOT e β um parˆametro
que depende da intensidade e do deslocamento do laser. Desta forma a equa¸c˜ao que corresponde a taxa do n´umero de ´atomos no MOT ´e
dN dt = R − N τ − β Z nmot(r, t)2d3r. (31)
Mas se a intensidade no feixe n˜ao for intensa, podemos ignorar a taxa de perda. Assim a equa¸c˜ao anterior toma a seguinte forma
dN dt = R −
N
τ (32)
onde a solu¸c˜ao ´e
N = N0(1 − e−t/τ), (33)
ou seja, o n´umero de ´atomos na armadilha decai ex-ponencialmente com o passar do tempo, tendendo ao n´umero de ´atomos que carregam o MOT (N0).
B. Temperatura do MOT
A temperatura pode ser estimada conhecendo o n´umero relativo de ´atomos e considerando um modelo onde a nuvem atˆomica se expande balisticamente [3].
Vamos assumir que a nuvem pode ser descrita como uma esfera de raio R0 e cont´em uma densidade
ho-mogˆenea n. Enquanto o feixe laser ´e interrompido os ´
atomos n˜ao est˜ao mais presos e podem se expandir livre-mente. Ao assumir uma expans˜ao isotr´opica pode-se dizer que todos os ´atomos que foram capturados (N ) est˜ao localizados no interior da esfera de raio R. A su-posi¸c˜ao de uma densidade homogˆenea se ´atomos nesse dom´ınio (que poderia ser um erro) nos leva a
R = R0 N0 N 1/3 (34)
Assumindo tamb´em que a expans˜ao isotr´opica dos ´
atomos obedece a distribui¸c˜ao de Maxwell-Boltzmann podemos fazer uma suposi¸c˜ao adicional de que todos os ´
atomos se movem com a velocidade mais prov´avel
vmax= 2kBT m 1/2 . (35)
Com isso a varia¸c˜ao do raio da nuvem com o passar do tempo ser´a
R(t, T ) = R0+ vmaxt. (36)
Colocando este resultado em (34) finalmente teremos
T = m 2kB R0 t 2" N0 N 1/3 − 1 #2 . (37)
Esta temperatura ´e tipicamente da ordem de mi-crokelvin, ou seja, ela ´e menor do que se tiv´essemos ape-nas o molasse ´otico.
IV. CONSIDERAC¸ ˜OES FINAIS
Utilizando um MOT juntamente com outros proces-sos de resfriamento e aprisionamento criou-se em 1995 o primeiro condensado de Bose-Einstein (BEC) em ´atomos de rub´ıdeo 87 cuja temperatura ´e perto de 170ηK. Este feito rendeu aos pesquisadores o prˆemio Nobel de f´ısica de 2001. [2]
Essas t´ecnicas de resfriamento e aprisionamento per-mitiram a produ¸c˜ao de ´atomos frios, que s˜ao excelentes condi¸c˜oes para aplica¸c˜ao em espectroscopia de alta pre-cis˜ao, rel´ogios atˆomicos e at´e mesmo estudos de mol´eculas biol´ogicas, como o enrolamento de mol´eculas de DNA.
O recorde de temperatura continua sendo vencido. Por exemplo, em 2003 o grupo de W. Ketterle no MIT con-seguiu atingir 450pK, medida em um BEC de s´odio. Para atingir est´a marca eles utilizaram uma nova t´ecnica de confinamento chamada armadilha gravito-magn´etica.
[1] J. Weiner, Ligh-Matter Interaction: Fundamentals and Applications, 2002
[2] H. Zhang, Constru¸c˜ao de Uma armadilha Magnato-´
Otica para Aplica¸c˜oes em Informa¸c˜ao Quˆantica e F´ısica Atˆomica, 2009
[3] S. Lieder, Magneto-optical trap
[4] E. E. P. Pe˜nafiel, Absor¸c˜ao Cooperativa de dois f´otons em ´
atomos frios, 2011
[5] D. S. Naik, Bose-Einstein Condensation: Building the Testbeds to Study Superfluidity, 2006