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CHIQUINHA GONZAGA E O PIANO: FORMAS DE EXISTIR E REEXISTIR NA SOCIEDADE PATRIARCAL CARIOCA DO SÉCULO XIX Mona Mares Lopes da Costa Bento 1

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Academic year: 2021

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1 CHIQUINHA GONZAGA E O PIANO: FORMAS DE EXISTIR E REEXISTIR

NA SOCIEDADE PATRIARCAL CARIOCA DO SÉCULO XIX

Mona Mares Lopes da Costa Bento1

Resumo: Esta comunicação tem como objetivo demonstrar as formas de resistência a um modelo composto por regras sociais e costumes, em um meio no qual estavam se configurando crenças e opiniões decorrentes de estruturas de poder patriarcal no final século XIX através de aspectos biográficos da maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga, precursora do movimento da Música Popular Brasileira, tendo como base as relações constituintes desta sociedade carioca em transformação. Nosso intuito é apontar sua atuação, tanto política, quanto profissional, que através do seu contato com o piano ressignifica sua existência a partir do movimento de subjetivação libertária. Pois este instrumento era um ícone referencial de uma boa educação relegada a condição da mulher da classe abastada neste período, porém, entendemos aqui que Chiquinha Gonzaga atribuiu um novo significado sobre o que lhe era imposto, pois além de utilizar o piano para compor canções, ousou explorar tal ferramenta para se lançar no espaço público da sociedade carioca oitocentista, em um período histórico singular. De modo geral, é nesse momento que a produção teatral e musical se intensifica no Brasil e a trajetória desta mulher sintetiza, de certo modo, os conflitos e contradições existentes no período e, é a partir destas análises que entenderemos como se davam as relações sociais, as atuações públicas das mulheres “damas de salão” e as questões de gênero. Com isso, procuramos contextualizar aspectos de sua biografia e produção musical a partir da categoria de gênero como construção de sua identidade enquanto sujeito social não apenas de forma analítica e descritiva, mas também histórica. Dessa forma, utilizaremos esta categoria para refletir sobre a subordinação da mulher, sua reprodução e as diversas formas que sustentam a supremacia masculina, as desigualdades de gêneros presentes em seu cotidiano, como também as formas de resistência encontradas por Chiquinha Gonzaga.

Palavras-Chave: Relações de Gênero – Mulher – Papel Social.

CONSIDERAÇÕES INICAIS

Partindo das análises das representações produzidas sobre a compositora, compreendemos que existia – e de certa forma, ainda existe – um lugar direcionado para as mulheres, porém, Francisca Gonzaga não se atém a esta norma, ocupando outros espaços socialmente delimitados como masculinos. O que nos faz refletir sobre os motivos pelos quais não há indícios dessa figura feminina na historiografia brasileira. Uma outra preocupação se faz necessária: pensar sobre as relações sociais que permeiam

1 Graduada em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/CPCX. Mestranda em História

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historicamente a sociedade brasileira, a qual tem como uma de suas principais características os fortes traços de uma cultura patriarcal2 e conservadora.

Joan Scott (1995), em seu didático e tão citado texto Gênero: uma categoria útil de análise histórica, nos orienta nesta caminhada de transformar nosso olhar sobre o passado e instituir novos saberes, práticas e possibilidades na escrita histórica atual.

Sob esse prisma, destacamos como a figura da mulher foi pensada a partir de um quadro social de valores que, de maneira geral, restringia o campo de atuação feminino à esfera doméstica, impondo comportamentos, modos de agir e pensar, cobrando uma postura recatada sob uma perspectiva masculina dominante. E por isso, nos questionamos: Quais foram os impactos causados pelo modo de agir de Chiquinha Gonzaga com relação ao seu contexto social?

Assim, privilegiamos as biografias escritas sobre esta personagem, entendendo que sua trajetória de vida fornece elementos para a compreensão do contexto histórico da cidade do Rio de Janeiro do final do século XIX, pois a maioria de suas produções possui intrínseca relação com as transformações e o processo de formação de um determinado projeto de identidade nacional em vias de constituição – a partir das reformas sociais ocorridas com o fim da sociedade imperial no Brasil. Desta forma, é necessário pensar Chiquinha Gonzaga como maestrina – pois foi à primeira mulher regar uma orquestra – de sua vida em uma sociedade que a maioria das mulheres eram regidas por outros, sobretudo, por homens. Ou seja, analisar sua transgressão com relação as imposições e ditames, traçando de forma diferente o rumo de sua vida e subvertendo os papéis socialmente delimitados.

Evidentemente, compreendemos que toda escrita historiográfica é feita a partir dos resquícios que perduram ao longo do tempo e que chegam até nós, tornando-se a partir do trabalho do historiador, os lugares privilegiados para sua interpretação. Afinal, segundo Michel de Certeau,

2 Podemos melhor compreender este conceito a partir da obra intitulada Da Monarquia à República:

momentos decisivos, da autora Emília Viotti da Costa, dizendo que: “A necessidade de manter intacto o latifúndio explica a sobrevivência do direito de primogenitura até a primeira metade do século XIX (1835), criando condições para o desenvolvimento da família de tipo patriarcal em que o chefe goza de poder absoluto sobre seus membros que dele dependem e a ele devem obediência”. (COSTA, 1999, p. 237.)

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3 Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de outras maneiras. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e seu estatuto. (CERTEAU, 2002, p. 81.)

Os elementos de sua vida pessoal e pública chegaram até nós por meio de vários vestígios – que pretendemos explorar como fontes – nos quais suas músicas e seu “pioneirismo” enquanto mulher e musicista tornam-se atuais e necessários servindo como instrumentos de análise para pensarmos as relações da sociedade brasileira e de suas estruturas, bem como o papel social da mulher que possue uma longa historicidade. “NÃO ENTENDO A VIDA SEM HARMONIA”

Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro no dia 17 de outubro de 1847 e faleceu aos 87 anos, em 28 de fevereiro de 1935, na mesma cidade. Sua mãe, Rosa de Lima Maria, mulher parda e filha de escravizada, amasiara-se ainda muito nova com seu pai, o marechal-de-campo José Basileu Neves Gonzaga; homem branco, de olhos claros e de ilustre família do Império, tendo parentesco com o Duque de Caxias. Segundo relata Edinha Diniz.3, na biografia intitulada Chiquinha Gonzaga: uma história de vida:

“Ao reconhecê-la na pia batismal, José Basileu dava á inocente Francisca a condição mínima à sua integração social numa sociedade escravista. Agora a filha bastarda de Rosa poderia ter um futuro”. (DINIZ, 2009, p. 26.)

Dessa forma, percebemos a importância de refletirmos sobre o conceito de patriarcado, especificamente para analisar esta passagem da vida de Chiquinha Gonzaga, pois é um conceito que emerge para designar um sistema de organização familiar, onde o pai exerce autoridade e poder irrestrito sobre os membros da família. Nas discussões teóricas feministas utiliza-se tal conceito para denominar as relações desiguais e de dominação de homens sobre mulheres. Neste caso do nascimento de Chiquinha podemos

3 Nas bibliografias pesquisadas a socióloga Edinha Diniz é a principal referência para se falar da biografia

de Chiquinha Gonzaga. Além da biografia supracitada, também publicou as biografias de Cartola, Machado de Assis e Jorge Amado.

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perceber nuances destes aspectos. Para Heleieth I. B. Saffioti (1992), a dominação-exploração do sistema patriarcal inscreve-se tanto no âmbito familiar quanto na esfera política. Este sistema é representado como suporte de poder de esfera ideológica e que se corporifica em violência.

Como toda sinhazinha do Segundo Reinado, Chiquinha Gonzaga teve uma educação que obedecia aos padrões impostos pela estrutura familiar patriarcal, que permitia às mulheres uma total devoção primeiramente ao pai e, após o casamento, ao marido. Neste período, a participação feminina na vida social, muito restrita no período colonial brasileiro e na primeira metade do século XIX, ampliou-se e ganhou contornos novos.

Essa prerrogativa é destacada pelas pesquisadoras Vanda Freire e Angela Portella, segundo as quais:

O interesse das moças pela música era aprovado e cultivado, sobretudo no que se refere ao piano. Sendo elas proibidas de se desenvolver intelectualmente, já que, além de restrições à educação que recebiam, suas leituras eram severamente fiscalizadas pelos pais e maridos, elas concentravam muito de suas atenções nas atividades artísticas, mostrando-se peritas e devotadas, sobretudo ao piano, quando as posses da família permitiam ter esse instrumento em casa. (FREIRE; PORTELLA, 2010, p. 65.)

Assim, compreendemos que a educação feminina estava voltada para que as mulheres pudessem ser exibidas perante à sociedade e, o casamento ainda representava uma carreira concebível ou seu destino inevitável. Chiquinha Gonzaga casou-se aos dezesseis anos e teve três filhos. Ela insistia na música e seu marido na intransigência. A tensão entre essas duas vontades cresce ao ponto de chegar a um ultimato: Jacinto pede à mulher que escolha entre ele ou a música, ao que obtém como resposta: “Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia”. (DINIZ, 2009, p. 67.), ocorrendo o desquite. Essa foi uma atitude extremamente condenável para a sociedade da época e, como consequência, a família Neves Gonzaga reage com todo rigor, declarando-a morta, seu nome impronunciável, fechando-lhe definitivamente as portas, sendo deserdada pelo pai. Sua filha Maria do Patrocínio foi criada pelos avós maternos, como se não tivesse mãe, afinal, ela passava a ser um perigoso modelo de moralidade para uma menina.

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Hilário, com então oito meses, passa os primeiros anos em companhia do pai e, posteriormente, é criado por uma tia paterna. Chiquinha Gonzaga sai de casa levando apenas João Gualberto, seu filho mais velho, sendo proibida de visitar seus filhos.

“No Rio de Janeiro de 1877, o nome de Chiquinha Gonzaga foi cantarolado em maldosas quadrinhas satíricas pelas ruas. Este era o preço que ela pagava por romper as normas sociais e perturbar o funcionamento da ordem social”. (DINIZ, 1999, p. 104.) Porém, tais acontecimentos não abalam a musicista que se dedica a sua grande paixão: A MÚSICA. Driblando o destino que muitas vezes restavam as mulheres quando optavam pelo desquite – o ostracismo –, ao contrário, explode na vida pública como pianista e compositora de músicas de dança. Esses são os primeiros acordes da partitura que se tornaria a sua vida.

Em meados do século XIX, grandes transformações marcaram o Brasil e, especialmente, o Rio de Janeiro. Cidade laboratório das principais construções ideológicas do país, se tornou palco de um ideal civilizatório e modernizante, com a perspectiva de implementação, em terras brasileiras, dos usos e costumes advindos da Europa, principalmente da cidade de Paris.

Mediante este contexto histórico, Francisca Gonzaga luta para conseguir conquistar um espaço na vida pública desta sociedade oitocentista, optando por tentar uma carreira profissional a se ver sob os jugos de um marido. Seus anseios são de liberdade, travando uma luta constante para que seus ideais fossem alcançados, bem como para que suas vontades fossem respeitadas. Assim, nossos questionamentos são aguçados com relação a sua participação feminina na vida social e no espaço público, local que ocupou papel de destaque ao transpor as barreiras que estavam ligadas às questões sociais, econômicas e, principalmente, aos papéis relegados às mulheres.

Ao incorporar o aprendizado de piano à sua formação, as mulheres revelaram-se elementos decisivo no processo de “transformação” do gosto musical. Segundo Edinha Diniz, não é por acaso que tenha sido uma mulher, Chiquinha Gonzaga que mais contribuiu. Dessa forma:

Se era a mulher quem decidia o gosto musical, este mais facilmente recaía sobre o popular por ser capaz de servir à desrepressão de um ser dominado. Aqui, como antes no caso da profusão de festas religiosas,

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6 nos parece que a mulher e o escravo, enquanto grupos sociais subjugados, aparecem como os elementos interessados e responsáveis pela direção do processo. E convém lembrar também que a mulher dessa época, quase sempre uma executante de sala de visitas, ainda estava restrita ao ambiente familiar e portanto em contato direto com os escravos domésticos. E isso parece ter facilitado o intercâmbio cultural e favorecido o processo de síntese musical. (DINIZ, 2009, p. 129.)

Entretanto, não podemos perder de vista que a música popular, nessa época, refere-se àquelas dirigidas as camadas intermediárias, pois as clasrefere-ses mais abastadas refere-serviam-refere-se basicamente de músicas europeias, demarcando as fronteiras entre o erudito e popular4. Percebemos que uma das diferenças sociais se davam através dos hábitos, principalmente pela música.

Porém, praticar música ao piano ou até mesmo compor e publicar, não era incomum as senhoras de então, desde que mantivessem o respeito ao espaço feminino por excelência, o da vida privada. Mas, Chiquinha Gonzaga vai além das estruturas rígida atribuídas às funções desempenhadas por uma mulheres. Conseguindo se tornar uma profissional e ser “reconhecida” pelo seu trabalho.

Sua imersão na vida pública se dá em um período singular da então capital, na qual a questão abolicionista se fazia pauta de discussão. Chegou a vender suas músicas de porta em porta para conseguir a libertação de escravizados; também participou dos festivais artísticos destinados a arrecadar fundos e encaminhá-los à Confederação Libertadora para a compra de alforrias. Era uma militante política, participou de inúmeras causas sociais e, dessa forma, assumia publicamente sua revolta contra uma ordem social que a condenava, denunciando o preconceito e o atraso social. Sua luta era por liberdade, seja ela de gênero ou racial.

FINALMENTE MAESTRINA: O PIANO COMO INTRUMENTO DE RESISTÊNCIA

4 Segundo Mónica Verme, enquanto a música erudita está “[...] associada a uma educação musical formal

e à prática dos gêneros musicais do repertório europeu dos séculos XVIII e XIX”, (VERME, 2015, p. 13.) a música popular abarca “[...] grosseiramente todas as outras práticas musicais urbanas” (VERME, 2015, p. 13.)

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A utilização do piano como fonte de entretenimento, era comum nas residências das classes mais abastadas, nas quais as sinhazinhas eram responsáveis por tal atividade, pois os moldes franceses eram pensados para compensar o atraso do país mestiço. Segundo Edinha Diniz “Chiquinha dedicava muito tempo ao piano, muito além do que se esperava de uma mulher. ” (DINIZ, 2009, p.59) para ela, o piano servia como elemento de expressão de suas vontades e de seus anseios.

Em 1877 Chiquinha Gonzaga publica sua primeira polca, intitulada Atraente. Porém, a mulher que se aventurava ao trabalho de atuação profissional colocava em risco sua reputação e sofria com a perda de status sociais. Portanto, suas atitudes e “ousadias” não ficariam impune. A calúnia e o repúdio eram instrumentos eficazes para banir da sociedade as mulheres que afrontavam o sistema patriarcal. Não para menos, seu comportamento foi severamente condenado, afinal, o fato da futura maestrina ser encontrada onde houvesse música, independente do ambiente ou da valoração moral que tivesse, fazia com que fosse considerada uma mulher de reputação duvidosa e metida em rodas de boêmios. Ao compor músicas indiscutivelmente saltitantes e com títulos atrevidos (como Sedutora e Atraente) suas provocações foram demais para uma sociedade que ainda mantinha rígidos os seus códigos morais.

Nesse processo, pôde conviver com amigos que partilhavam dos mesmos ideais e juntos promoveram inúmeras manifestações, saindo às ruas para demonstrarem suas insatisfações. Dentre eles destacam-se José do Patrocínio, Olavo Bilac e Lopes Trovão, todos adeptos a causa abolicionista. Segundo Boris Fausto, José do Patrocínio “Foi proprietário da Gazeta da Tarde, jornal abolicionista do Rio de Janeiro, ficando famoso por seus discursos emocionados”, (FAUSTO, 2012, p. 219.) Logo, um importante influenciador da causa.

Se atentarmos para suas composições e partituras percebemos que apesar do seu processo de composição ser alicerçado nos moldes das escolas europeias (contendo características da música erudita), sua obra conquistou uma melodiosidade singular, de cunho popular, sendo conhecida e cantarolada pelos “quatro cantos” do Rio de Janeiro. Possuindo traços específicos, com elementos que demonstram sua originalidade, muitos dos quais serviram de base para a Música Popular Brasileira que conhecemos hoje.

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Porém, o teatro que foi o veículo de consagração profissional de Chiquinha Gonzaga e através dele, a compositora conseguiu, efetivamente, fazer com que seu nome fosse conhecido e querido pelo público. Sua prolífica produção conta com mais de setenta partituras para peças teatrais, alcançando em grande parte delas sucesso. Festa de São

João, Forrobodó, Manobras do Amor e Zizinha maxixe, entre várias outras, constituíram

alguns dos grandes sucessos de sua carreira no mundo teatral. Assim, sua importância se apresenta na constituição e elaboração de melodias em que aparecem, de forma evidenciada, os elementos nacionais.

A música pelo viés do teatro musicado e especialmente da opereta, abriu um outro espaço de diálogo, o qual (ao invés de negar) celebrava a identidade nacional marcada pela mistura de diferentes povos. Chiquinha Gonzaga, por sua vez, foi uma mulher que lutou pela igualdade de direitos, não apenas de gênero como também raciais. Suas músicas contêm traços inerentes às questões que permeiam o momento histórico em que viveu, como, por exemplo, a busca pela valorização da música brasileira, a luta a favor do abolicionismo e a liberdade feminina no que tange a ocupação dos espaços públicos (físicos e profissionais)

A opereta A corte na Roça marcou a estreia de Chiquinha Gonzaga como maestrina, em 1885. No entanto, o seu caminho até os palcos do teatro nem sempre foram fáceis, sendo recusados os seus trabalhos apenas pelo fato de ser mulher. Sem dúvidas, esse foi um importante passo na sua luta por igualdade feminina, visto que firmou seu lugar enquanto profissional, sendo a primeira mulher a reger uma orquestra (formada apenas por homens). Em outros termos, esse é um momento de guinada na sua trajetória, o instante que por excelência ela toma as rédeas da sua própria vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo nascido em pleno século XIX, Chiquinha Gonzaga foi criada a partir de um modelo familiar tradicional, no qual as vontades das mulheres estavam subjugadas às dos homens, sejam eles seu pai ou seu marido. A compreensão dessa sociedade patriarcal, ao longo deste trabalho, se deu justamente pelos choques e tensões estabelecidos entre as ideias e comportamentos de Chiquinha Gonzaga com as expectativas de como uma

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mulher deveria se portar e agir. Por esse motivo, sua biografia foi pontuada por esses momentos de questionamento à ordem social estabelecida, tanto como esposa e mãe, como de profissional que almeja reconhecimento.

É importante ainda destacar que o Brasil em meados do século XIX, passou por grandes transformações, especialmente em sua capital Rio de Janeiro. Como apontado ao longo deste trabalho, havia um projeto de modernização, um ideal de progresso e civilidade a ser alcançado. Sob esse prisma, havia uma preocupação em demonstrar que o progresso de fato ocorreria a partir de uma modernização, tal como nos aponta Nicolau Sevcenko “Assistia-se à transformação do espaço público, do modo de vida e da mentalidade carioca, segundo padrões totalmente originais; e não havia quem se lhe pudesse opor”. (SEVCENKO, 1983, p. 30.) Essas modificações tiveram como base e modelo as características dos moldes europeus, especialmente a cidade Paris – idealização de que o Rio de Janeiro deveria se tornar.

As mulheres frequentavam alguns lugares, porém ainda muito restritos – apenas até ao entardecer. Chiquinha Gonzaga encontrou no espaço público seu lugar, relacionando-se com sujeitos que lhe inspiraram e, ao mesmo tempo, compartilhavam dos mesmos ideais. Dessa forma, demonstramos que o contexto histórico e a sua trajetória profissional estão intrinsicamente relacionados. Ela, enquanto sujeito histórico, esteve imersa em seu tempo/espaço, produzindo suas obras a partir dos embates e discussões que lhe foram caros. O próprio ato de escrever e vender partituras já representava, em si, uma afronta aos moldes patriarcais impostos socialmente. Não que outras mulheres não tenham escrito partituras dentro de suas residências, mas elas não faziam dessas suas cartas de alforria aos jugos matrimoniais.

Sendo assim, Chiquinha criou, inventou, produziu, compôs e não se contentou em repetir invariavelmente o modelo já experienciado por outros compositores. Depois de obter sucesso com a opereta A Corte na Roça, tornou-se pioneira nessa questão, pois até então não havia relatos sobre uma mulher regendo uma orquestra. Nesse período, alça voos em direção ao seu reconhecimento profissional, fazendo com que o seu nome se tornasse referência e chamariz de público para outras tantas produções que levassem a sua assinatura. Dessa maneira, há um “reconhecimento” do trabalho da artista, porém,

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isso de fato só pôde ser efetivado devido aos seus esforços particulares, através de lutas para que seus trabalhos fossem apreciados. Suas músicas, partitura e peças teatrais demonstram essa busca pela liberdade.

A descrição da experiência feminina na história foi até determinada época incumbência reservada aos homens. E observar a descrição da mulher, mesmo que mínima nos exige lentes especiais para encontrá-la em meio a uma história escrita por homens e sobre homens, que muitas vezes naturalizamos como caráter universal. Desta forma, acreditava-se que, ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo igualmente contempladas, porém, tais afirmações não correspondiam as realidades femininas, conforme nos orienta as autoras Rachel Soihet e Joana Maria Pedro (2007), no texto

Emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero.

Todavia, se considerarmos a quantidade de composições e trabalhos elaborados por Chiquinha Gonzaga ao longo de toda a sua vida, constataremos que não foram suficientes para manter viva a lembrança daquela que em muito ajudou a alicerçar as bases da Música Popular Brasileira. Isso porque, hoje em dia, suas músicas são pouco executadas e ocupando poucas páginas nas bibliografias que versam sobre a História da Música Brasileira. Afinal, é muito simplista acreditar que toda a sua produção tenha sido reduzida ao eterno grito de Carnaval “Ó Abre Alas”, muito pouco para uma obra tão prolífica e tão competente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 2 ed. Tradução de Maria de Loudes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7 ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999.

DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009.

______. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1999.

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FREIRE, Vanda Lima Bellard; PORTELLA, Angela Celis H. Mulheres pianistas e

compositoras, em salões e teatros do Rio de Janeiro (1870-1930). Cuadernos de Música,

artes visuales y artes escénicas, v. 5, n. 2, jul./dez. 2010. Disponível em: http://cuadernosmusicayartes.javeriana.edu.co/images/stories/revistas/RevistaV5N2/cua

dernos_volumen_5_numero_2_05Bellard_Celis.pdf. Acesso em: 02 de mar. de 2017.

SAFFIOTTI, H. I. B. Rearticulando Gênero e Classe Social. In: COSTA e BRUSCHINI. Uma Questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul./dez., 1995.

SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das

mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v,27, nº 54,

p. 281-300, 2007.

SEVCENKO, Nicolau. A inserção compulsória do Brasil na Belle Époque. In: SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão, tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo, Brasiliense, 1983.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre: RS, 1990.

VERME, Mónica. Música e músicos nos teatros do Rio de Janeiro (1890-1920): trânsitos entre o erudito e o popular. Música Popular em Revista, Campinas, ano 3, v. 2, p. 7-31, jan./jun. 2015.

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