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MIGRAÇÃO E RELIGIÃO: CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE A PARTIR DE CONSIDERAÇÕES DA MIGRAÇÃO BENGALESA NO BRASIL

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MIGRAÇÃO E RELIGIÃO: CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE A PARTIR DE CONSIDERAÇÕES DA MIGRAÇÃO BENGALESA NO BRASIL

Cláudia Siqueira BaltarRosana Baeninger

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo desenvolver o debate sobre a articulação entre migração internacional e religião tendo como foco a migração bengalesa recente para o Brasil. Parte-se da consideração, por um lado, da política emigratória de Bangladesh, concebida como politica de desenvolvimento do país, e, por outro, da especificidade cultural dos migrantes bengaleses, expressa pela religião muçulmana. A pesquisa se baseia em levantamento de bibliografia sobre a política migratório bengalesa, na análise dos registros de entrada de migrantes no país (SISMIGRA), da Polícia Federal, em material jornalístico e informações obtidas junto a entidades filantrópicas que atuam no contexto local. Argumenta-se que há uma convergência entre processo migratório laboral bengalês, a especificidade cultural desse grupo e as demandas pelo setor produtivo nacional.

Palavras-chave: Migração bengalesa; Cultura; Religião; Atividade produtiva. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é contribuir para o debate sobre a articulação entre migração internacional e religião, a partir de considerações a respeito da migração de bengaleses para o Brasil, no período recente.

Situado entre as maiores ―economias de remessa‖ e principais procedências da imigração laboral do Sul Asiático, desde 1970 (OZAKI, 2012; BHAT; RATHER, 2016), Bangladesh, em nenhum momento até o presente, tinha se destacado como origem de fluxos migratórios para o Brasil, nem em termos quantitativos, nem substantivos.

No entanto, esse cenário começa a mudar ao longo do século XXI, especialmente, a partir de 2011, quando se começa a ver frequentemente noticiada a presença de migrantes bengaleses em diferentes localidades do país (GALÃO, 2013; LOUÇÃO, 2014; ROLLSING; TREZZI, 2014; PEREIRA, 2015; NASCIMENTO, 2017; 2018).

Com isso, considerando a especificidade cultural dessa migração, tendo a religião muçulmana como seu caráter distintivo, e a sugestão da importância do vínculo laboral desses imigrantes a diferentes unidades frigoríficas, e, além disso, a carência de estudos sobre esse fenômeno migratório, reconhece-se, aqui, uma oportunidade para estudo inédito.

Doutorado em Demografia, em 2008, pela Universidade Estadual de Campinas. Docente do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: cbaltar@uel.br

Doutorado em Sociologia, em 1999, pela Universidade Estadual de Campinas. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Demografia, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: baeninger@nepo.unicamp.br

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Nesse sentido, esse trabalho tem dois objetivos: primeiramente, pretende-se apresentar um panorama da migração recente de bengaleses no Brasil, a partir da abordagem de aspectos presentes na origem e no destino desse fluxo migratório.

Para conhecermos os dois polos do processo migratório, faremos um quadro de Bangladesh como país de emigração e outro, de entrada dos bengaleses no país. Para tanto, faremos uso de uma bibliografia selecionada (OZAKI, 2012; NEELIM; SIDDIQUI, 2015; BHAT; RATHER, 2016; AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014) e de informações dos registros de entrada de imigrantes do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), da Política Federal.

Uma vez elaborado esse cenário, pretende-se apresentar elementos teóricos e conceitos até então mobilizados para a construção de um debate sobre a articulação entre migração e religião, sinalizando algumas possiblidades para o aprofundamento em estudos posteriores.

MÉTODOS

O desenvolvimento do presente trabalho divide-se em duas partes: a caracterização de Bangladesh como país de emigração e a apresentação do quadro do fluxo migratório bengalês, no Brasil, no período recente.

Assim, a caracterização de Bangladesh como um país de emigração será feita a partir da sistematização de literatura especializada que aborda aspectos da dinâmica demográfica e política migratória do Sul Asiático e, principalmente, de Bangladesh.

Para a elaboração do quadro da migração recente de bengaleses para o Brasil, serão analisadas as informações de registro de imigrantes, do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), da Polícia Federal, do Ministério de Justiça e Segurança Pública. Vale destacar que essas informações se referem a registros de natureza administrativa, para fins documentais e de controle governamental, não sendo concebidos para captar o movimento migratório e todas as suas nuances, como os quesitos de migração dos censos demográficos.

Apesar dessas limitações, esses registros têm se constituindo numa importante fonte de dados para os estudos migratórios pois, por apresentar uma cobertura anual no período posterior aos últimos censos demográficos, realizado em 2010, suas informações podem ser utilizadas como uma proxy da migração internacional no período recente. Dito isso, passamos para a abordagem dos registros.

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Essa análise dos registros administrativos será complementada com material jornalístico, sobre a presença dos imigrantes bengaleses em municípios da Região Sul do país e com informações sobre o contexto de municípios do interior do Paraná, obtidas através da atuação de entidades de acolhimento e de formação para esses imigrantes. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta seção será composta por duas subseções, visando abordar os dois polos desse processo migratório: primeiramente, será apresentado um quadro de Bangladesh como um país de emigração, a partir de elementos demográficos, perfil recente dos emigrantes aspectos políticos e sociais do país e características da política migratória, e, na segunda seção, será apresentado um panorama da migração recente de bengaleses no Brasil, a partir dos registros administrativos do SISMIGRA.

I. Bangladesh como país de emigração

A migração bengalesa para o Brasil constitui um fenômeno social e migratório relativamente novo, para o poder público, para a academia e para a sociedade em geral, sendo a produção de estudos sobre o tema bastante incipiente, destacando o estudo de Amaral; Milesi e Munoz, (2014), sobre os bengaleses no Distrito Federal.

Assim, para a compreensão do processo migratório, do qual os bengaleses fazem parte, considera-se necessário o conhecimento do contexto social, geopolítico e migratório da sociedade bengalesa, que será feito nesta seção.

Iniciando nossa apresentação, destaca-se que, situado no Sul Asiático, Bangladesh ocupa a oitava posição entre os países mais populosos do mundo, com 163 milhões de habitantes, em 2019 (UNITED NATIONS, 2019), e registra um dos maiores níveis de densidade populacional, com valor superior a 1.000 habitantes por km2. Em termos confessionais, cerca de 89% da sua população é de religião muçulmana (WORLD POPULATION REVIEW, 2020).

Complementarmente, vale destacar que Bangladesh constitui uma das principais procedências da imigração laboral do Sul Asiático, desde 1970 até os dias atuais, fazendo parte do grupo de países que se situam entre as maiores ―economias de remessa‖ (OZAKI, 2012; BHAT; RATHER, 2016).

Neste sentido, destaca-se que, de acordo com os dados do Bureau of Manpower, Employment and Training (BMET), órgão governamental de Bangladesh, apresentados em Barkat e Ahmed (2014), no período 1976-2012, cerca de 8.307.000 migrantes laborais

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emigraram do país, numa média de saída de 223.270 pessoas por ano, com destaque para o período posterior a 2007, quando, em alguns anos, a emigração chegou a ultrapassar o patamar de 800.000 pessoas.

Complementarmente, quanto ao nível de qualificação profissional, os autores observam que 52% da migração bengalesa é composta por migrantes com baixa qualificação, seguidos por 32% de migrantes qualificados, 14% semi-qualificados e, por fim, 2% de migrantes profissionais, compostos por médicos, engenheiros, enfermeiras e professores (BARKAT, AHMED, 2014, p. 3).

Estudos destacam, ainda, que os países do Oriente Médio constituem os principais destinos da migração bengalesa, com destaque para os Emirados Árabes Unidos, que chegaram a concentrar, em 2010, 38% dos migrantes laborais (BARKAT, AHMED, 2014; NEELIM; SIDDIQUI, 2015; BHAT; RATHER, 2016).

Esse alto nível de emigração internacional corresponde, não por acaso, a elevados níveis de remessas para o país. É unânime entre os diferentes estudos (OZAKI, 2012; NEELIM; SIDDIQUI, 2015; BHAT; RATHER, 2016) o destaque à importância que o envio das remessas dos emigrantes representa para a economia e para as finanças públicas de Bangladesh.

Quanto à dimensão assumida pelas remessas, de acordo com os dados do Banco Mundial, referentes ao ano de 2018, Bangladesh estava entre os dez países em volume de remessas (9ª. posição), movimentando cerca de 15,5 bilhões de dólares – volume que representou 5,4% do PIB do país, no mesmo ano (WORLD BANK, 2019).

Já quanto ao cenário histórico das migrações internacionais de Bangladesh, diversos estudos (SIDDIQUI, 2010; NEELIM; SIDDIQUI, 2015; SARMA, 2015; AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014) destacam diferentes aspectos explicativos do fenômeno migratório, dentre os quais, selecionamos aqueles de maior interesse para este trabalho.

Em primeiro lugar, destacam-se as especificidades da configuração de Bangladesh como Estado independente. Nesse sentido, é necessário considerar dois contextos geopolíticos: a partilha do subcontinente indiano, em 1947, pelo governo britânico, que contribuiu para a formação da Índia como um estado de maioria Hindu, ao mesmo tempo que dividiu o território do Paquistão (West Pakistan and East Pakistan), de maioria muçulmana. Essa partilha causou conflitos e disputas entre os Estados recém-criados e entre os grupos hindus e muçulmanos, nas décadas subsequentes, levando à migração e fuga de populações entre os territórios dos dois países (BOSE, 2006).

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O segundo contexto geopolítico a ser considerado refere-se à independência da porção territorial do East Pakistan em relação ao Paquistão, em 1970, em decorrência de divergências econômicas e culturais entre as duas porções territoriais, dando origem ao Estado de Bangladesh, de maioria mulçumana (BOSE, 2006; AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014).

Como segundo elemento, destacam-se as políticas migratórias elaboradas pelo estado bengalês, que também são imprescindíveis para a compreensão do fenômeno migratório a partir de Bangladesh. Nesse sentido, de acordo com o estudo realizado em Amaral; Milesi e Munoz, (2014), é possível observar que, diferentemente do Brasil, as principais leis migratórias versaram e versam sobre a emigração de bengaleses.

De forma geral, os autores destacam que, desde a sua independência, nos anos de 1970, Bangladesh vem fazendo da migração uma política de Estado, inicialmente constituída para fornecimento de mão-de-obra temporária para países do Golfo Pérsico (AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014, p. 58).

Nas décadas seguintes, observa-se um aprimoramento, por parte do governo bengalês, da gestão das emigrações bengalesas, através da institucionalização e fortalecimento de um sistema migratório de capacitação e assistência de nacionais, bem como a modernização de captação e gestão de remessas1 (AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014).

Em termos jurídicos, destacam-se a Portaria de Emigração de 1982, que teve como objetivo a melhoria do sistema de monitoramento e gestão da emigração internacional, e a Lei de Migração e Trabalho no Exterior de 2011, que, por um lado, visou o enquadramento das agências de recrutamento, buscando uma maior responsabilização e redução de fraudes e, por outro, ressaltou o direito das mulheres de participação no sistema emigratório, encerrando a exclusão feminina existente até então (AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014).

Com isso, destacamos que a política emigratória de Bangladesh conta com uma sistemática atuação e gestão do Estado, com a institucionalização de diferentes etapas e atividades do processo migratório e, ao mesmo tempo, com a atuação crescente e também organizada de agências privadas de recrutamento de migrantes laborais, ora atuando junto ao governo, ora como seu concorrente.

1 Destaca-se que o Bureau of Manpower, Employment and Training (BMET) constitui o principal órgão

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II. De Bangladesh para o Brasil: panorama do fluxo migratório recente

Nesta seção, será apresentado um quadro da migração recente de bengaleses para o Brasil, a partir das informações de registros administrativos, do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA).

Assim, considerando esses dados, observamos que o sistema apresenta um total de 2.986 migrantes bengaleses registrados no país, os quais estão distribuídos por ano de entrada, conforme o Gráfico 1.

Observamos que até 2007, a entrada de bengaleses se manteve relativamente baixa, e que, a partir de 2008, passa a apresentar um crescimento constante, sendo o momento auge o ano de 2013, quando as entradas ultrapassam 1.200 registros. Entre as hipóteses para esse desempenho entre 2008-2013, pode-se destacar a crise financeira de 2007-2008, que atingiu a economia os países do Oriente Médio, afetando os empregos dos migrantes laborais bengaleses, combinada à atração do Brasil, no contexto pré-Copa (AMARAL; MILESI; MUNOZ, 2014).

GRÁFICO 1 – Migrantes bengaleses registrados no Brasil, entre 2000 e 2019*, segundo ano de

entrada

Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), Polícia Federal/Ministério da Justiça e

Segurança Pública do Brasil/OBMigra. Tabulações Observatório das Migrações de Londrina – UEL.

* Os dados do ano de 2019 referem-se aos meses de janeiro a agosto.

Posteriormente, outras 1.200 entradas de bengaleses são registradas, porem distribuídos ao logo dos seis anos seguintes, com destaque para os anos de 2018 e 2019, cujos fatores relacionados precisam de uma análise aprofundada.

Quanto ao diferencial por sexo, observa-se, a partir do Gráfico 2, que, enquanto para o total de imigrantes registrados no país há um predomínio masculino, com 64% de homens contra 36% de mulheres, entre os bengaleses, o peso da população masculina é bem maior, com 83% de homens, contra 17% das mulheres.

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GRÁFICO 2 – Total de imigrantes e bengaleses, registrados no Brasil, 2000-2019, por sexo

Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), Polícia Federal/Ministério da Justiça e Segurança

Pública do Brasil/OBMigra. Tabulações Observatório das Migrações de Londrina – UEL.

Esse menor peso das mulheres nas migrações bengalesas coaduna-se com a própria política migratória de Bangladesh, que só, recentemente, regularizou e acabou com a discriminação em relação às mulheres na migração laboral regular do país – o que coloca a necessidade de estudos complementares da presença feminina por ano.

Já com relação ao local de entrada dos bengaleses, os dados do SISMIGRA apontam para uma diversificação, conforme a Tabela 1. O estado de São Paulo aparece como a principal unidade de federação de entrada, concentrando 26% dos registros (780 casos), o que sugere a chegada por via aérea.

Por sua vez, os registros de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, juntos, superam os de São Paulo – 843 registros (28%) – e reforçam a hipótese de entrada pela fronteira com a Bolívia, já identificada pelo estudo de Amaral et al. (2014). Por fim, destaca-se o estado do Paraná, terceiro em registros, com 341 entradas (11%), os quais podem ter ocorrido tanto por transporte aéreo, como por terra, através da fronteira.

TABELA 1 – Imigrantes bengaleses registrados no Brasil, entre 2000 e 2019*, segundo UF de

entrada

Unidades Federação Registros %

São Paulo 780 26,1

Mato Grosso do Sul 642 21,5

Paraná 341 11,4 Mato Grosso 201 6,7 Distrito Federal 188 6,3 Rio de Janeiro 110 3,7 Demais UFs 194 6,5 Sem informação 530 17,7 Total 2.986 100,0

Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), Polícia Federal/Ministério da Justiça e Segurança Pública

do Brasil/OBMigra. Tabulações Observatório das Migrações de Londrina – UEL.

* Os dados do ano de 2019 referem-se aos meses de janeiro a agosto.

Complementarmente a esse perfil das entradas, destacam-se os amparos legais através dos quais os bengaleses se regularizaram no país. De acordo com o Quadro 1, a

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quase totalidade dos amparos (83%) se concentrou nas ―situações especiais e casos omissos‖ e ―reunião familiar‖, sendo que o primeiro caso, segundo Amaral; Milesi e Munoz (2014), foi a alternativa de regularização encontrada para solicitantes de refúgio, numa ação conjunta entre o CONARE (Comitê Nacional para o Refúgio) e o CNIg (Conselho Nacional de Imigração).

Embora o dado não tenha sido discriminado no Quadro, vale destacar que, diferentemente de imigrantes de outras nacionalidades, a condição de estudante não é uma situação relevante no caso bengalês, dada a sua ínfima ocorrência, o que nos permite apontar o caráter laboral prioritário dessa migração.

QUADRO 1 – Imigrantes bengaleses registrados no Brasil, entre 2000 e 2019*, segundo situações e

amparos legais

Situações amparadas Amparo legal registros Total de %

Situações especiais e casos omissos Resoluções Normativas no. 27, de 1998, do CNIg 1.448 48,5

Reunião familiar Diferentes amparos legais 1.036 34,7

Demais situações Diferentes amparos legais 502 16,8

Total de amparos legais 2.986 100,0

Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), Polícia Federal/Ministério da Justiça e Segurança Pública

do Brasil/OBMigra. Tabulações Observatório das Migrações de Londrina – UEL.

* Os dados do ano de 2019 referem-se aos meses de janeiro a agosto

Quanto a sua distribuição espacial, pode-se observar, a partir do Mapa 1, a maior presença dos bengaleses nos municípios dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, na área próxima ao município de São Paulo e no Distrito Federal.

Considerando os dados do SISMIGRA, destaca-se que a Região Sul é a de maior participação dos bengaleses, no período analisado, concentrando quase 50% dos registros (total = 1.481), sendo que, desses, só o estado do Paraná concentra cerca de 62%, num total de 971 registros.

Por sua vez, a Região Sudeste é a segunda em participação, concentrando 36% dos registros (total = 1.091), tendo no estado de São Paulo a maior presença regional, com 862 registros, dos quais 786 somente na capital paulista.

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MAPA 1 – Imigrantes bengaleses registrados, segundo município de residência, 2000-2019

Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), Polícia

Federal/Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil/OBMigra. Elaboração: Observatório das Migrações de Londrina – UEL.

O aspecto dessa distribuição territorial que interessa a esse trabalho refere-se ao fato de que a maior presença dos bengaleses na região Sul ocorre em municípios do interior dos estados, particularmente em municípios com população entre 10 mil e 50 mil habitantes, em média, nos quais a participação dessa imigração, e consequentemente, a sua visibilidade na sociedade local, são maiores em comparação, por exemplo, com o município de São Paulo.

Além disso, a partir de análises dos registros do SISMIGRA em andamento, complementadas com a pesquisa em material jornalístico (GALÃO, 2013; LOUÇÃO, 2014; ROLLSING; TREZZI, 2014; PEREIRA, 2015; NASCIMENTO, 2017; 2018), podemos afirmar que os migrantes bengaleses, de religião muçulmana, dirigiram-se para esses municípios em função das atividades laborais nos frigoríficos, para atender as exigências do corte halal2 (corte específico para o mercado de países muçulmanos)

Não se pode afirmar que todos os migrantes bengaleses estejam inseridos em trabalhos nos frigoríficos, mas os que se encontraram ou se encontram nos municípios

2 Segundo Amaral; Milesi e Munoz (2014, p. 75), o abate halal é um ritual de sacrifício animal para o consumo

humano em conformidade com a sharia ou Lei Islâmica, a partir do qual se obtém ―permissão‖ para o abate mediante oração em nome de Alá para agradecer pelo alimento e pedir perdão pelo ato do sacrifício. Devido a essas características, o corte halal só pode ser realizado por muçulmanos.

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paranaenses e gaúchos, direta ou indiretamente, por mais ou menos tempo, se relacionam ou se relacionaram com essa demanda de mercado.

Embora Bangladesh tenha uma política de emigração e se insira, no contexto das migrações internacionais contemporâneas, entre os países de origem de migrantes laborais, principalmente para países do Oriente Médio, o Brasil surgiu como um destino migratório possível, em grande parte, motivado pela demanda laboral do corte halal, em crescimento no país.

Neste caso, a confissão religiosa, em si, não atua como um fator estimulador dos movimentos migratórios, mas a religião, tomada como uma dimensão cultual, vinculada a uma atividade econômica específica e uma rede internacional de migração, pode ser considerada como uma estratégia migratória mobilizada pelos bengaleses, num contexto no qual, por questões econômicas politicas de ordem mundial, as portas dos destinos preferenciais permaneceram fechadas para esses imigrantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi apresentar as características e algumas especificidades da migração bengalesa para o Brasil, no período recente, a partir da elaboração, por um lado, do quadro de Bangladesh como país de emigração e, por outro, do perfil dos migrantes bengaleses que entraram no Brasil, ao longo das primeiras décadas do século XXI, através de registros administrativos.

Com isso, busca-se elencar elementos que possibilitem a construção de um debate sobre a relação entre migração e religião, agenda esta que foi motivada pela visibilidade dada pela mídia, em muitos municípios paranaenses e gaúchos, a respeito da diversidade cultural trazida pela imigração recente, expressa, entre vários aspectos, pela presença de imigrantes muçulmanos, provenientes especialmente de Bangladesh, e a sua vinculação laboral aos frigoríficos, em função do crescimento da demanda do corte halal, voltado para o mercado de países muçulmanos.

Os quadros apresentados neste trabalho sobre a migração bengalesa são provisórios, uma vez que persistem algumas lacunas e outros aspectos precisam ser aprofundados, o que não nos impede de definir alguns caminhos para a elaboração do debate teórico que se pretende construir.

Nesse sentido, tomando a migração bengalesa para o Brasil como um fenômeno social inédito na história migratória do país, consideramo-la como um fenômeno migratório característico do século XXI, marcado, segundo Therborn (2001); De Haas

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(2008); Sassen (2010) e Baeninger (2013), pelo aprofundamento da globalização e a consequente complexificação das migrações internacionais – contexto no qual o Brasil insere-se no circuito da migração laboral internacional.

Complementarmente, embora reconheça-se a importância de se inserir o debate sobre o caráter transnacional das migrações internacionais (PORTES, 2004) e a questão das diásporas (SIDERI, 2008), até o momento consideramos que abordar as migrações internacional através da noção de ―rede de migração internacional‖, conforme colocado por Krissman (2005), jogaria luz em diferentes frentes, estimulando pesquisas posteriores como a inserção do Brasil na rede internacional de migração laboral, a atuação de diferentes agentes em diferentes pontos da rede, a gestão da própria política migratória no Brasil, seus agentes e tomadas de decisão e, por fim, poder levantar e discutir hipóteses sobre como a dimensão cultural, através da religião, atua ou é mobilizada na dinâmica do processo migratório.

REFERÊNCIAS

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