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FABIANA SÁ REGIS DOS SANTOS. CONCEPÇÕES ACERCA DO GOVERNANTE ANÁLISE DA TEORIA POLÍTICA LEGISTA DE HAN FEI (SÉC. III a.c)

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FABIANA SÁ REGIS DOS SANTOS

CONCEPÇÕES ACERCA DO GOVERNANTE

ANÁLISE DA TEORIA POLÍTICA LEGISTA DE HAN FEI (SÉC. III a.C)

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa História, como requisito parcial da conclusão do Curso de Bacharelado e Licenciatura em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof.º Dr. Renan Frighetto.

CURITIBA 2006

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AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente aos professores André Bueno e Renan Frighetto. Agradeço ao professor André, que desde os contatos iniciais, em meados de 2003, se dispôs a co-orientar meus iniciantes estudos na área da Sinologia, apresentando-me as fontes e bibliografias, que foram indispensáveis à realização desta monografia, bem como por sua orientação em diversos aspectos e por suas valiosas sugestões, comentários, e agradáveis conversas. Agradeço ao professor Renan, que gentilmente aceitou orientar esta monografia, auxiliando-me nos estudos acerca de Política, Exercício de Poder, na Antiguidade, bem como com suas sugestões, comentários e conselhos. Agradeço a ambos por terem me auxiliado diversas vezes, a orientação e atenção de ambos foi inestimável.

Agradeço aos demais professores do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, pelos ensinamentos que tive. Agradeço aos meus amigos pelos comentários, apoio e por me escutarem comentar sobre as minhas pesquisas.

Principalmente, gostaria de agradecer a minha mãe, que apesar das diversas dificuldades, sempre buscou garantir as condições que me possibilitaram concluir o curso universitário, e por seu constante apoio. Muito obrigada.

Dedico a minha mãe, Suely, e a memória de uma pessoa fascinante, Gilberto, meu pai.

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES... iv

RESUMO... v

INTRODUÇÃO... 6

1 A DESAGREGAÇÃO DO PODER REAL ZHOU E A FORMAÇÃO DO SISTEMA DE MULTI-REINOS... 11

2 ASPECTOS DA LEGITIMAÇÃO E DO EXERCÍCIO DO PODER REAL... 19

3 O GOVERNANTE NO PENSAMENTO DE HAN FEI... 29

3.1 FA JIA E HAN FEI... 29

3.2 O GOVERNANTE E O ESTABELECIMENTO DA ORDEM... 34

CONSIDERAÇÕES... 45

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

a. Mapas:

Mapa 1. China Pré- Imperial (c. 250 a.C)... 11

Mapa 2. Zhou Ocidentais (c. séc. XI- IX a.C)... 12

Mapa 3. Maiores reinos período Primavera e Outono (c. 770 a 481 a.C)... 14

Mapa 4. Maiores reinos período Reinos combatentes (c. 481a.C - 221 a. C)... 15

b. Imagens: Figura. 1. Osso oracular (escapula) com inscrição de completo registro de adivinhação do reinado de Wu Ding (? - 1189 a.C) dos Shang... 20

Figura 2. Ding (trípode) de Fu Ding – Fase inicial da Dinastia Zhou ocidentais (c. século XI a.C)... 21

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RESUMO

Entre os séculos VI a III a.C, a região que hoje conforma parte do território da atual China, e onde sua civilização teve inicio, passou por profundas transformações políticas, sociais e culturais, marcando a transição para o período Imperial. Estas mudanças, advindas da desestruturação do poder da casa real Zhou (c. 1045 a.C – 221.a.C), que possibilitou a formação de diversos reinos, antes domínios sob sua influência, e que passaram a disputar entre si pela hegemonia, a principio enquanto uma influencia política, e posteriormente, político-territorial, tiveram um forte impacto na sociedade, fazendo surgir novas demandas, novas situações, que levaram a busca de uma tentativa de racionalização e de soluções, levando o pensamento filosófico a alcançar grandes níveis, especialmente nos séculos VI a III a.C. Esta monografia analisa uma das diversas correntes filosóficas surgidas neste período, a Legista, ou “Escola da Lei” (Fa Jia), na interpretação de Han Fei, príncipe menor do reino de Han, presentes no Han Fei Tzu (Livro de Han Fei), compilação de seus escritos, feita posteriormente a sua morte em 233 a.C, observando em sua reflexão características que atribui ao governante, as ações deste no sentido de obter a ordenação.

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INTRODUÇÃO

O tema da Antiguidade Oriental, apesar de vastíssimo e rico, por abranger uma temporalidade bastante longa, ainda é pouco pesquisado no Brasil. No entanto, o estudo da História Antiga é fundamental na compreensão do processo histórico. Além de sua importância para o entendimento histórico do período em si, é fundamental para o entendimento de outros períodos, uma vez que muitos dos conceitos, instituições, entre outros elementos, presentes em outros períodos, e até mesmo ainda hoje, tanto nas sociedades Orientais quanto Ocidentais, tiveram suas origens na Antiguidade. 1

O recorte proposto para a analise desta monografia, dentro da área da Antiguidade Oriental, é o de estudo da História da Antiguidade Chinesa, que vem despertando a atenção dos pesquisadores nos últimos anos, especialmente por haver um maior acesso a fontes e publicações, especialmente por meios eletrônicos. Dentro das pesquisas de cunho cientifico no Brasil, há trabalhos como o do Prof.Dr.André Bueno, que buscou analisar as relações da China, entre os séculos I - III d.C. 2 em sua dissertação de mestrado; de Rosana da Costa Maia, que analisou os textos de Shang Yang,3 importante autor Legista - mencionado neste trabalho - ambos na área de História, bem como os estudos realizados pelo Prof.Dr. Mário Bruno Sproviero, que, no campo filosófico e lingüístico, trabalha com diversos temas da Antiguidade chinesa. 4

Como metodologia orientadora da analise, optou-se pelo viés da Historia Política. Esta, segundo Foster, deve ser escrita como “recriação de uma cultura política”, o que exigiria uma “ênfase naquilo que as pessoas pensavam que estavam fazendo e nas razões pelas quais o queriam fazer, tanto quanto no resultado real (muitas vezes não pretendido) de suas ações.”5 Esse entendimento de Foster acerca da História política complementa, e é complementado, pela visão de François Furet, que entende que a História Política como capaz de colocar em evidencia um esquema ou um conjunto de esquemas de ações e

1 CARDOSO, Ciro Flamarion S. A importância da História Antiga na compreensão do processo Histórico.

In: MELLO, Maria Martha Pimentel de. (Org.). Anais do I Simpósio Nacional de História Antiga. Pesquisas, Problemas e Debates. João Pessoa: Imprensa Universitária: 1984, pp. 25 e 28.

2 Bueno, André S.Roma, China e o Sistema Mundial entre os séculos I ao III d.C. Dissertação de

Mestrado em História Antiga da UFF; Niterói, 2002.

3 MAIA, Rosana da Costa. A proibição aos festejos e à música na proposta política de Shang Yang - séc.

IV a.C. Monografia de conclusão do curso de Bacharelado em História da UFF. Niterói: 2005.

4 Professor da Universidade de São Paulo. A lista de sua produção acadêmica pode ser obtida no Portal Lattes. 5 FOSTER. Apud. CARDOSO, Ciro Flamarion. História do Poder, História Política. Estudos

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representações que comandam simultaneamente a formação e a encenação de uma sociedade, e também sua dinâmica.6

Nesse sentido, dentro da análise da História da China Antiga, e levando-se em consideração suas especificidades, bem como as possibilidades de possíveis paralelos com o estudo da história de outras civilizações, esta monografia propõe analisar, dentro da Cultura Política citada em Foster na interpretação de Ciro Cardoso, uma Teoria de Poder, de organização Político-Administrativa, dentro das perspectivas da “Escola da Lei” (Fa

Jia), na concepção de um de seus autores, Han Fei, buscando observar o que este entendia por governante; as características deste, e suas atribuições. Para tanto, a perspectiva teórica empregada, dialoga com autores cuja contribuição, proveniente da área sinológica7, possibilita apresentar, definir e explicar os problemas relacionados ao pensamento político na China Antiga. Esta, em sua maioria, provém de uma historiografia anglo-americana, mais recente, abarcando as décadas de 70 ao ano 2000, e, em menor grau, uma historiografia francesa, que contempla as décadas de 30 a 80.

A análise que se pretendeu nesta monografia viria a contribuir para as reflexões históricas acerca da construção do pensamento político e suas instituições, trazendo para a discussão histórica no Brasil os temas da antiguidade e suas concepções, contribuindo assim para a ampliação das várias leituras do que significa o poder, analisando-se o pensamento político antigo e suas permanências e legados nas sociedades contemporâneas, uma vez que a análise da teoria política Legalista Chinesa, dos séculos IV a III a.C, nos escritos de Han Fei, é de suma importância se levarmos em consideração que este foi o período onde se funda uma análise racionalista do pensamento político chinês antigo, dentro de uma proposta laica, sendo posteriormente, apropriado e reinterpretado ao longo de todo o período imperial chinês.

6 François Furet segundo a interpretação de Claude Lefort sobre a sua obra Penser la révolution française.

LEFORT, Claude. Pensar a Revolução na Revolução Francesa. trad. Denise Botmann. In: História: questões e debates. Curitiba, 1985, p. 28

O conceito de Política aqui é entendido segundo a definição de Moses Finley:

“Como algo que abarca métodos formais e informais; como o governo é conduzido e as formas pelas quais as decisões políticas são tomadas, bem como a presença de ideologias concomitantes.”

FINLEY, Moses I. Prefácio. In: A política no mundo antigo. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 09

7 A história da China é tradicionalmente analisada por uma vertente das ciências humanas denominada como

Sinologia, que incorpora e rediscute, num plano próprio, as diversas contribuições teóricas oferecidas pela história, lingüística, arqueologia, e demais áreas.

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O documento utilizado como fonte para a análise do governante dentro da teoria de

Han Fei, é uma tradução, publicada em língua inglesa, do Han Fei zi (obras do Mestre Han

Fei) ou Han Fei Tzu (Livro de Han Fei), como trás o titulo da tradução, feita por Wen-Kuei Liao, cujo primeiro volume foi publicado em 1930, e o segundo apenas e, 1960, com o auxilio da UNESCO, já após a morte do tradutor. 8 Para a composição do “The Complete

Works of Han Fei Tzu”, Liao indica que se utilizou como referencia publicações chinesas, traduções e obras japonesas, e seus comentários.9 Ate onde se pode aferir, a versão feita por Liao dos escritos de Han Fei é uma das últimas que apresenta o texto completo, com 55 sessões.

Segundo pesquisas, o “Livro de Han Fei” seria composto originalmente por 55 sessões, distribuídas em 20 “livros”, já que seus ensaios foram divulgados separadamente, e posteriormente foram compilados em uma única obra, por seus seguidores.10 Este é um dos mais completos escritos preservados da antiguidade, mas como a maior parte das obras da preservadas da antiguidade,pesam dúvidas sobre a autoria de algumas partes, prováveis acréscimos posteriores. Marcel Granet, em 1934, na introdução do “Pensamento Chinês”, ao fazer uma critica as formas como os estudos sinológicos estavam sendo levados por seus colegas, comentava que Henri Maspero, um dos pioneiros nestes estudos, no livro “La

Chine antique”, afirmava que podia-se conservar apenas 7 das 55 sessões da obra, uma vez que:

“No conjunto, a obra parece datar da segunda metade do século III, mas não é inteiramente da mão de Han Fei; como no caso de Zhuangzi, Mozi e a maioria dos filósofos dessa época, uma parcela importante deve-se aos discípulos do Mestre (...) raramente é possível distinguir entre as partes que podem remontar ao mestre e as partes que devem ser atribuídas a sua escola.” 11

No entanto, como coloca Granet, o próprio Maspero analisou a obra citando partes por ele condenadas, o que torna a discussão sobre a veracidade das partes, vazia, sendo meramente um estudo sobre classificação de Obras ou Filiação doutrinaria. 12

8 PROBSTHAIN, Arthur. Foreword to Volume Two. In: Han Fei Tzu. The Complete Works of Han Fei

Tzu. trad. W.K.Liao. London: A. Probsthain, 1960, v.2.

9 LIAO, W.K. Preface by the Translator. In: Han Fei Tzu. The Complete Works of Han Fei Tzu. trad.

W.K.Liao. London: A. Probsthain, 1939, v.1;

LIAO, W.K. Methodological Introduction by the translator. In: Han Fei Tzu. The Complete Works of Han

Fei Tzu…, v1.

10 NIVISON, David Shepherd. The Classical Philosophical writings. In: LOEWE, Michael;

SHAUGHNESSY, Edward L. (ed.) The Cambridge History of Ancient China. From the Origins of Civilization to 221 B.C. Cambridge/ Nova York: Cambridge University Press, 1999, p.800.

11 MASPERO, Henri. La Chine antique. Paris, 1927, livo V, p. 552 (nota 1) apud: GRANET, Marcel. O

Pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 14.

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Neste sentido, buscou-se analisar a obra de Han Fei seguindo, para tanto, a metodologia de análise proposta por Granet e levando em consideração a afirmação de Marc Bloch, “Não basta constatar o embuste. É preciso descobri seus motivos (..) Acima

de tudo, uma mentira enquanto tal é (também), a seu modo, um testemunho”.13 Assim sendo, mesmo sendo interpolada, estas podem significar o que a posteriori foi entendido ou acrescentado a uma visão, no caso, a Legista, tanto por seus seguidores, querendo legitimar uma nova concepção ou aspecto, remontando-o a obra clássica; como por seus opositores, acrescentando elementos que em seu tempo possam vir a denegrir a obra. Portanto, as interpolações têm seu valor quando se pretende compreender uma mentalidade, as concepções, de um determinado grupo. Este entendimento da possibilidade de se utilizar a versão completa da obra de Han Fei, a despeito das duvidas acerca das partes acrescidas e do fato das publicações mais recentes apresentarem apenas extratos, esta de acordo com a historiografia relativa ao Legismo, que em sua análise, se utiliza das diversas sessões da obra.

Apesar de Liao ter se utilizado de termos, ao traduzir a obra, que, como ele mesmo apontou, permitiriam conservar a poética da escrita clássica chinesa,14 mas que muitas vezes são inadequados, por expressar idéias possivelmente anacrônicas, sua versão ainda é utilizada pela historiografia, mas levando-se em conta estas particularidades. Dessa forma, na presente monografia, todas as traduções feitas, incluindo as citações de bibliografias, são livres, e sempre que foi possível, buscou-se adaptar os termos àqueles que poderiam ser mais adequados ao contexto do século III a.C. No entanto, respeitou-se as transliterações dos caracteres a escrita fonética, mantendo nas traduções o sistema Wade-Giles, usado pelo tradutor, e de uso corrente até a década de 70, quando houve uma padronização, promovida pelo governo da Republica Popular da China, instituindo o sistema Pinyin. Os termos em chinês aparecem aqui destacados em itálico, por sua grafia especifica.

Devido ao fato de ser uma publicação sem novas edições, ela se encontra atualmente disponível no site da Profª: Anne Behnke Kinney, do departamento de Línguas e Culturas asiáticas e do Oriente Médio, no Institute for Advanced Technology in the Humanities, da Universidade de Virginia, nos Estados Unidos. 15

13 BLOCH, Marc. Apologia da história. Ou o oficio de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 98. 14 LIAO, W.K. Methodological Introduction by the translator. In: Han Fei Tzu. The Complete Works of

Han Fei Tzu…, v1.

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Esta monografia foi estruturada em três capítulos. O primeiro trata de uma contextualização do processo de desagregação do poder legitimo da casa dinástica Zhou e a formação do sistema de multi-reinos, fundamental para a compreensão dos motivos que levaram Han Fei a elaborar sua obra, bem como dos temas por ele tratado. O segundo capitulo consta de uma análise dos aspectos que embasavam a legitimação e o exercício do poder pelos governantes, desde a dinastia Shang, o que possibilita aferir as possíveis diferenças propostas por Han Fei, bem como as possíveis permanências destas concepções em sua teoria. O terceiro capitulo refere-se a analise da teoria, privilegiando os aspectos concernentes ao governante, ao exercício de seu poder. Este capítulo foi dividido em duas partes, com a primeira apresentando aspectos acerca da corrente teórica a qual Han Fei pertenceria, bem como aspectos relativos à sua vida.

O site é parte do projeto de estudos acerca da mulher na China antiga. Além de informações e fontes sobre o tema, o site disponibiliza diversos textos, inclusive os Clássicos Chineses, que se encontram fora de

(11)

1 A DESAGREGAÇÃO DO PODER REAL ZHOU E A FORMAÇÃO DO

SISTEMA DE MULTI-REINOS

No século III a. C, o que conhecemos atualmente como China, estava circunscrito as áreas centro-leste e nordeste do atual espaço geográfico por ela ocupado, especialmente as regiões compreendidas no entorno dos vales dos rios Amarelo e Yangzi, dividido entre diversos reinos, especialmente os sete maiores: Yan (Yen), Qi (Ch’i), Wei, Zhao (Chao),

Hann, Qin (Ch’in) e Chu (Ch’u), que disputavam entre si a hegemonia política.

Mapa 1. China Pré- Imperial (c. 250 a.C)

Os antecedentes desta conformação podem ser vistos em seu esboço já na dinastia

Shang (c. 1570-1045 a.C), onde o rei era o chefe de uma teocracia patrimonial, exercendo uma autoridade derivada de sua relação única com os ancestrais, por sobre uma rede de domínios ligados entre si por laços de parentesco,1 sendo aprimorado na dinastia Zhou, (c. 1045 a.C – 221.a.C), com o inicio de uma laicização2 do exercício do poder real, com o

1 KEIGHTLEY, David N. The Shang. In: LOEWE, Michael; SHAUGHNESSY, Edward L. (ed.) The

Cambridge History of Ancient China. From the Origins of Civilization to 221 B.C. Cambridge/ Nova

York: Cambridge University Press, 1999, pp.270-272; 290-291.

2 No entanto, o caráter religioso nunca deixou de estar presente, sendo muitas práticas burocráticas derivadas

de práticas rituais, como aponta Mark Edward Lewis, ao afirmar que:

“A assim chamada organização administrativa burocrática emergiu de um estado teocrático organizado em torno do culto ancestral, na qual a escrita serviu a comunicação com os mortos. Os usos políticos da escrita que re-criaram o estado durante o período Reinos Combatentes (c. 481-221 a.C) vincularam-se a adaptação desses usos religiosos antigos.” LEWIS, Mark Edward. Writing the State. In: Writing and Authority in Early China. Albany [NY]: State University of New York press, 1999, p. 13.

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distanciamento do rei da população, uma vez que, com os Zhou, o rei teve seu poder mediado, e provavelmente, controlado, por uma burocracia real. 3

A partir do século VIII a.C inicia-se um processo de perda de legitimidade do poder da casa dinástica dos Zhou devido à instabilidade do poder de seus reis, que além de sofrerem as constantes pressões das populações “bárbaras” do norte e oeste, enfrentavam problemas de sucessão, disputas internas e até deposições, que forçaram alguns de seus reis a exilar-se, movendo a capital para regiões mais orientais.4 Além disso, havia o crescimento dos domínios mais afastados da região da Planície Central5, fundamentados no inicio da dinastia Zhou pelos filhos segundos6 dos reis e seus dependentes, que com o passar dos anos e devido a distancia, tornavam-se cada vez mais independentes da supervisão da burocracia real.

Mapa 2. Zhou Ocidentais (c. séc. XI- IX a.C)

3 SHAUGHNESSY, Edward L. Western Zhou History. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward L.

(ed). Op. Cit. p. 326.

4 GERNET, Jacques. O Mundo Chinês. Coleção Rumos do mundo. Lisboa/Rio de Janeiro: Cosmos, 1974,

v.I, p. 59.

5 A região da Planície Central, ou Zhongyuan, é a região onde os principais elementos da Civilização Chinesa

se desenvolveram. Essa região é compreendida entre os vales do Rio Amarelo, no norte da China, regiões do

Henan, sudoeste do Shanxi, e o vale do rio Wey, no Shaanxi. Segundo Su Bingqi, em termos históricos, o Vale do Rio Amarelo exerceu um importante papel, frequentemente ocupando uma posição de liderança em momentos importantes da civilização. No entanto, havia culturas em outras regiões, o que proporcionava trocas freqüentes.

SU Bingqi. Wenwu, 1981. Apud KWANG-chih Chang. China on the eve of the Historical Period. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward L. (ed). Op. Cit. pp. 55 – 58.

6 O termo utilizado pelo autor, Cho-yun Hsu, “Scion” significa, em uma tradução literal: “Jovem membro de

uma família rica e famosa” (a young member of a rich and famous family), segundo a terminologia do Cambridge Advanced Leaner’s Dictonary. Disponível em:

<http://dictionary.cambridge.org/define.asp?key=70416&dict=CALD>. Acesso em 19 abril. 2006

Aqui foi traduzido como “filhos segundos” na intenção de indicar os demais filhos do soberano, aqueles que, não assumindo a posição deste, fundavam seus próprios domínios, mas mantinham-se ligados ao reino de origem por laços familiares e pela realização dos cultos aos ancestrais.

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As invasões de povos do norte e oeste das fronteiras do mundo Zhou, além de causarem despesas com defesa e pagamento dos saques, causaram uma grande pressão demográfica sob os recursos, uma vez que muitas dessas populações acabavam por se estabelecer dentro dos domínios Zhou. Somados a isso, a presença de fenômenos e desastres naturais constantes, especialmente terremotos sucessivos, além de trazerem prejuízos à economia, afetava a legitimidade da casa dinástica no plano simbólico. Isto por que, como aponta Edward Shaughnessy, aquela sociedade concebia os eventos naturais e humanos como correlatos, cada um exercendo uma irresistível influencia sobre o outro. Assim, um terremoto, um eclipse solar, sozinhos, eram suficientes para indicar um período de dificuldades.7 É preciso ter em mente também, que na sociedade de então, a organização política não era entendida como não era uma emanação de um corpo social, mas sim como uma dádiva celeste, onde o Céu (T’ien), a entidade reguladora do mundo físico, espiritual e humano, delegava seu supremo poder àquele, entre os homens, que surgia como mais qualificado para fazer respeitar suas leis. 8 Uma sucessão de desastres naturais significava que a casa real perdeu sua condição de mandatário celeste, e, portanto, a sua base de legitimação. Este tema será melhor discutido no capitulo seguinte, onde é abordado as bases de legitimação e o exercício do poder.

Assim, como a casa dinástica dos Zhou não era mais vista como capaz de manter a união entre as diferentes linhagens, estas passaram a disputar entre si o direito de assumir a função da casa real. Para tanto, era concedido pelo rei Zhou, que ainda possuía certo poder simbólico, o titulo de Ba (senhor único, ou o único, em chinês) a um chefe de domínio, que deveria assegurar a coesão entre estes e liderá-los em campanhas militares. A principal função do Ba, era assegurar a continuidade do sistema de organização dos Zhou. 9 O sistema de Ba é uma entre as várias mudanças ocorridas no período conhecido na historiografia com o Período da Primavera e Outono ou Chun qiu10, dentro do que é denominado Zhou Orientais, período que marca de transição para o sistema de multi-reinos; de uma economia baseada na unidade da terra para uma economia mercantil; de

7 SHAUGHNESSY, Edward L. Western Zhou History…, p. 349.

8 MIRIBEL, Jean de; VANDERMEERSCH, Léon. Sabedorias Chinesas. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.

Coleção Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, pp. 92 – 93.

LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty. In: Imperial China. London: George Allen an Unwin LTD, 1966, p. 74.

9 CHO-yun Hsu. The Spring and Autunn period…pp. 550 – 555.

10 Nome derivado dos títulos das crônicas do reino de Lu, pátria de Confúcio, uma das mais importantes

fontes sobre o período, juntamente com o Zuo zhuan (Tradição de Zuo).

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uma sociedade baseada nas famílias tradicionais para uma sociedade de grande mobilidade social, e é delimitado entre os anos de 770 a 481 a.C.

Outro importante aspecto do período é a expansão territorial, com a emergência de domínios além da área da planície central chinesa. O zhuo zhuan menciona a existência de 148 domínios, que acabaram por tornarem-se reinos independentes de Zhou; mas a grande maioria, de tamanho ínfimo, acabou por ser anexado pelos vizinhos maiores, essencialmente 15: Qi; Jin; Qin; Chu; Lu; Zheng; Song; Xu; Chen; Wey; Yan; Cai; Wu e

Yue, que disputavam ente si por domínios e pelo exercício do Ba, que oficialmente foi exercido pelos soberanos dos reinos de Qi, Jin e Chu. 11

Mapa 3. Maiores reinos período Primavera e Outono (c. 770 a 481 a.C)

No entanto, se o sistema de Ba visava proteger e manter a organização existente sob os Zhou, que já não possuíam o poder efetivo para fazê-lo, foi justamente esse sistema que favoreceu o surgimento de poderes regionais em um constante realinhamento de domínios, que acabaram por se tornar reinos independentes.12 São estes os reinos que vão disputar constantemente o poder hegemônico entre si, no período conhecido como Reinos Combatentes (c. 481a.C - 221 a. C).

11 CHO-yun Hsu. The Spring and Autunn period…pp. 547 – 548. 12 Ibid. pp. 555, 562 - 565.

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Mapa 4. Maiores reinos período Reinos combatentes (c. 481a.C - 221 a. C)

O período dos Reinos Combatentes foi o de surgimento da maior parte das instituições políticas que definem o inicio da China Imperial. A antiga liga de domínios governada pela nobreza Zhou foi substituída por um sistema de domínios territoriais construídos em torno de um soberano praticamente inquestionável, que comandava um grande número de oficiais dependentes. O poder era agora centrado unicamente na figura do soberano. 13

Assim, na definição de Mark Edward Lewis:

“A história política dos Estados Combatentes consistiu não apenas no desenvolvimento de uma nova forma de estado, mas também na emergência de um novo padrão de interação. Enquanto o mundo inicial Zhou era composto por uma multidão de cidades e postos avançados, ligados por laços familiares, ritos religiosos, e continua beligerância, o período dos Estados Combatentes foi caracterizado por um pequeno número de estados territoriais envolvidos em constantes manobras diplomáticas e intermitentes, porém freqüentes, conflagrações militares de larga escala. O século e meio entre 481 e a metade do século IV foi o período formativo para este padrão de relações inter-estados, um padrão forjado na beligerância. Isto teve duas grandes conseqüências: absorção de pequenos estados e populações não-Hua na expansão dos poderes territoriais, e a formação de um equilíbrio do poder, em que cada estado agia independentemente para favorecer seus próprios interesses completados pela seletiva aplicação do combate e da diplomacia.” 14

13 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward

L. (ed). Op. Cit. pp. 597.

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A mudança da concepção de um ‘Senhor de domínio’, ligado a Zhou e aos demais por laços hereditários, para a de um ‘Soberano de um reino independente’ é marcada pela mudança de denominação daquele que exerce o poder. Em meados do século quarto, a maior parte dos governantes acrescentou a frente de seu nome, o termo Wang (rei), em substituição a Gong (geralmente traduzido como ‘duque’). 15 Esta mudança tem grande importância se entendermos, como aponta Marcel Granet, que a linguagem chinesa busca representar e sugerir condutas. Possuir um nome ou dar o nome a um objeto não significa apenas nomear, mas sim, ser dotado ou dotar o objeto com as características da nomeação.

16 Como já descrito anteriormente, o exercício do poder era entendido como uma delegação

do Céu. Assim, ao adotarem o título antes exclusivo de uso do Filho do Céu (T’ien zi), ou seja, os reis Zhou, esses soberanos legitimavam o exercício de seu poder igualando-se a estes. Além disso, esses soberanos buscaram apoios em elementos externos e das baixas camadas da sociedade, uma vez que este tipo de apoio era decisivo para assegurar vitórias sob linhagens nobres rivais em um período de constante usurpação do poder. Para Mark Edward Lewis, a aquisição no serviço burocrático de novos elementos sociais, em detrimento aos elementos das aristocracias de linhagem, juntamente com novos métodos para garantir a lealdade destes, definem a política dos Reinos Combatentes.

Entre as práticas para assegurar a lealdade e o poder destes soberanos, encontram-se a transformação dos pequenos domínios da aristocracia de linhagem em distritos administrativos sob o controle direto da burocracia administrativa destes soberanos; a centralização da administração; a criação de novos códigos legais e sua “promulgação” nos vasos de bronze cerimoniais; taxação da propriedade privada, e, no plano simbólico, a realização de juramentos, quase que públicos e até coletivos, em que os participantes juravam lealdade a linhagem dominante e chamavam uma maldição sob aqueles que o violassem. 17

O período Reinos Combatentes foi marcado por uma maior burocratização da administração dos reinos. O crescimento do poder real mudou o caráter das ocupações Apesar de Mark Edward Lewis e outros autores denominarem “Estados”, a opção aqui por se utilizar o termo “Reinos” ou “Domínios” se deve ao fato de o termo Estado poder remeter o leitor à idéia de estados nacionais modernos, o que não caberia aqui. O termo reinos aparece também na historiografia pertinente, em substituição ao termo Estado. Nesta tradução, o termo Estado foi mantido apenas em respeito ao texto original, em inglês, onde aparece o termo “states”. O termo “não-Hua” designa populações não pertencentes a linhagens Zhou, ou a sua esfera de influencia.

15 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History…,pp. 602 - 603. 16 A concepção de xing ming (ou shing-ming), “forma e nome”.

GRANET, Marcel. O pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, pp. 29; 36; 41 – 42.

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oficiais, que se tornaram uma extensão do poder régio. Houve uma redefinição dos laços políticos, com oficiais recrutados nas diversas camadas da sociedade, deixando de ser exclusivo aos membros das altas camadas das aristocracias de linhagem, já surgindo o esboço dos exames oficiais, que se tornam norma na burocracia imperial posterior. O termo shi, antes empregado para designar indivíduos de posição baixa na hierarquia das aristocracias de linhagem, passa a ser empregado para indicar “letrados”, indivíduos aptos ao exercício de funções administrativas dos reinos.18 Esses funcionários eram pagos com salários em cereais, mas recebiam pagamentos especiais em ouro e prata como reconhecimento de serviços que alcançaram méritos. Esses salários em cereais podiam ser trocados por moedas, uma vez que cada um desses reinos buscou cunhar suas moedas, em uma economia em que o comércio ganhava espaço. A maior parte dos cargos e terras recebidas pelos oficiais no serviço ao soberano não eram hereditários, como nos períodos anteriores, o que garantia ao soberano um maior controle, por dificultar o acúmulo de poder por parte de um indivíduo e sua família.19 Outras medidas do período foram: o serviço militar, que era essencial para a defesa dos reinos em continuas guerras de defesa e expansão de seus territórios; o registro sistemático da população; a divisão das famílias em pequenas unidades, para servirem de unidades autônomas de produção, especialmente agrícola, o que aumentava a produção, e os tributos não eram mais pagos aos senhores locais, mas revertidos a administração do reino; codificação das leis e uso rigoroso de punições para assegurar a obediência.20

Todas estas medidas, associadas à habilidade de apontar oficiais, mandá-los para cidades distantes, manter o controle sobre eles, mesmo com a distancia, e removê-los quando necessário, era essencial. Assim, a história institucional do período constitui-se do desenvolvimento de práticas e valores que garantissem esse poder. Leis e procedimentos legais são mencionados nos trabalhos de “escolares” (mestres), empregados na burocracia destes reinos, que nas fontes do período - “livros” que surgiram e foram preservados como legados de grupos - acabaram por caracterizar as instituições políticas do período como obra de um único oficial, um sábio, como por exemplo, “O Livro de Shang Yang”21,

18 GERNET, Jacques. Op. Cit. p. 69.

19 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History…pp. 606 - 608 20 Ibid. p. 611.

21 Gongsun Yang, ou Shang Yang (? – 338 a.C), reformador do reino de Qin durante o governo do duque Xiao (r. 361 – 338 a.C). Teria estudado com Li Kui, sendo assistente de Gongshu Cuo, em seu reino de origem Wei, mas não sendo empregado na administração após a morte deste, dirigiu-se a Qin, segundo sua biografia presente no Shi Ji 68. Sua obra, Shangjun shu, contem 29 capítulos, enfatizando a lei como mecanismo máximo para a obtenção do fortalecimento do reino.

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ministro do reino de Qin.22 Nesse sentido, os textos do período definem um tipo de idealização que constituiria a política dos “Reinos Combatentes”: O Monarca (soberano); Ministro Reformador; o Comandante Militar; o Diplomata (persuasivo) e o “Escolar”. 23

A figura do “Erudito” ou “Mestre”, “Sábio”, apesar de não ser um elemento indispensável na nova estrutura e também não ser, necessariamente, um participante ativo no mundo político, parece ser de fundamental importância devido à necessidade da construção de todo um novo arcabouço teórico que legitimasse as novas práticas e o novo caráter da sociedade. 24 De fato, o pensamento filosófico alcançou grandes níveis durante os períodos Primavera e Outono e Reinos Combatentes, uma vez que buscava-se até mesmo entre as ditas populações “bárbaras” técnicas, idéias e símbolos. As profundas mudanças na organização da sociedade fizeram surgir novas demandas, novas situações, que levaram a busca de uma tentativa de racionalização e de soluções.25

São os “mestres” que formam os ministros reformadores, os comandantes e outros altos oficiais da burocracia administrativa destes reinos, e, obviamente, os próprios soberanos. Um dos primeiros mestres que aparecem nos textos é Confúcio (Kong Fuzi – mestre Kong), cujos discípulos alcançaram altos postos em pequenos reinos ou encontraram patronos que os sustentaram em suas atividades culturais como professores e mestres de rituais, atraindo estudantes, que com o prosseguimento dos ensinamentos e transmissão dos ideais, criaram a tradição das “Escolas”. 26

É neste contexto que se insere a figura de Han Fei, nobre do reino de Han, noroeste da China e sua obra, o Han Fei zi, que influenciou a política do primeiro imperador, bem como as políticas das dinastias subseqüentes. 27

ZHENGYAN Fu. China’s Legalists: The Earliest Totalitarians and their art of Ruling. Armonk [NY]: M. E. Sharpe, 1996,, pp. 16 – 18.

22 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History…pp. 587; 603.

LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty. Op. Cit. p. 79.

23 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History… p. 587. 24 GRANET, Marcel. Op. Cit. p. 261.

25 Ibid. p. 257.

26 LEWIS, Mark Edward. Warring States: Political History…p. 641.

27 GRAZIA, Sebastian de. Masters of Chinese political thought. From the beginnings to the Han dynasty.

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2 ASPECTOS DA LEGITIMAÇÃO E DO EXERCÍCIO DO PODER REAL

“O soberano é um sábio que, possuindo uma virtude mais humana e mais abstrata que a virtude própria dos heróis, civiliza o mundo pelo efeito direto de sua eficácia e reina de

acordo com o Céu, para a felicidade do povo. Ele reina sem pensar em governar.” 1

O Soberano Chinês, seja ele entendido como Rei (Wang), como com os Shang e

Zhou; ou como Imperador (Di), após a primeira dinastia imperial dos Qin (221 a.C – 209 a.C), não é apenas aquele escolhido entre seus pares e dentro de uma linha sucessória hereditária, que governa, mas sim, alguém que possui características singulares que o tornam o escolhido para ordenar “Tudo abaixo do Céu”.2

Como apontado no primeiro capitulo, os reis Shang (c. 1570-1045 a.C), eram chefes de uma teocracia patrimonial. A linhagem real estava à frente de uma organização de tipo clãnica, em que os chefes de linhagens eram ao mesmo tempo chefes do culto familiar.3 Como bem definiu Michael Loewe, no estudo da História Chinesa é impossível separar o estabelecimento de um rei por razões que podem ser entendidas hoje - devido a existência da separação entre as funções de Estado e as funções Religiosas na maior parte das sociedades que seguem um modelo proposto na Europa em meados do século XVIII - como “práticas”, da sua função de mantenedor das observações religiosas.4 Neste sentido, o exercício do poder era suportado pelo privilegiado acesso aos poderes espirituais dos ancestrais, como demonstrado pelos usos da escrita encontradas nas carapaças de tartarugas e ossos oraculares, que, juntamente com os sacrifícios, buscavam determinar os desejos e pedir benesses aos ancestrais, tornados espíritos. As atividades religiosas dos soberanos, sua ligação com os espíritos, serviam como emblema do poder real 5, e a adivinhação pelo fogo constituía um dos aspectos mais importantes da atividade real, servindo ao culto aos antepassados e as divindades; as expedições militares; nomeações para cargos; convocações para a corte6; construção de cidades; assuntos agrícolas e

1 GRANET, Marcel. A Civilização Chinesa. Rio de Janeiro: Otto pierre editores, 1979, p. 33. 2 GRANET, Marcel. O Pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 253.

3 GERNET, Jacques. O Mundo Chinês. Coleção Rumos do mundo. Lisboa/Rio de Janeiro: Cosmos, 1974, v.

I, p.54.

4 LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty. In: Imperial China. London: George

Allen an Unwin LTD, 1966, p. 72.

5 LEWIS, Mark Edward. Writing and Authority in Early China. Albany [NY]: State University of New

York press, 1999. The suny series in Chinese philosophy and culture, pp. 14 -15.

6 Local da habitação real, a capital Shang, Shang-yin, no noroeste do Henan, próxima a atual cidade de Anyang.

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meteorológicos (chuvas, secas, ventos) ligados ao estabelecimento do calendário.7 A autoridade estava baseada no poder genealogicamente garantido pelos espíritos ancestrais, que davam a organização política uma graduação hierárquica na qual a posição tomava prioridade sobre o caráter pessoal, definida através do estabelecimento de práticas rituais em torno dos cultos a estes Ancestrais.8

Figura. 1. Osso oracular (escapula) com inscrição de completo registro de adivinhação, do reinado de Wu

Ding (? - 1189 a.C) dos Shang. 9

7 GERNET, Jacques. Op. Cit, pp. 54-55.

Acerca da importância do estabelecimento do calendário, consultar:

ELIADE, Mircea. As religiões da China Antiga. In: História das crenças e das idéias religiosas. Das religiões da China antiga à síntese Hinduísta. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, Tomo II, v. 1, p. 29; GRANET, Marcel. O tempo e o Espaço. In: O pensamento Chinês... pp. 65 – 81.

8 LEWIS, Mark Edward. Op. Cit, p. 49

9 A frente e a parte de trás registram diversas adivinhações que foram realizadas sobre um período de pelo

menos trinta dias, na quinta e sexta luas. Em cada caso, o registro dos resultados confirma o inicial prognostico do rei de desastre. Assim, a inscrição na esquerda (que começa no topo da coluna a esquerda da linha vertical, e é lida de baixo e para a esquerda) registra: [Prefacio:] Fendendo no guisi (dia 40), Que adivinhou: “Nos próximos dez dias não haverá desastres.”[Prognostico:] “Haverá calamidades; pode haver alguém trazendo as noticias alarmantes.” [Verificações:] Quando chegou para o quinto dia, dingyou [dia 34], houve realmente alguém trazendo noticias alarmantes do oeste. Guo of Zhi [um general Shang] reportou e

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Com a conquista Zhou, o culto aos Ancestrais se mantém como importante emblema de geração de poder e autoridade, com substituição das inscrições em ossos ou carapaças, pela inscrição e a realização de sacrifícios nos vasos de bronze cerimoniais. 10 Estes vasos eram de suma importância como um símbolo e uma garantia de poderes e privilégios na organização sócio-política Zhou. Esta organização se baseava em uma hierarquia de domínios e cultos familiares, tendo no topo o domínio real e o culto aos antepassados Zhou. Essa hierarquia de domínios advém de concessões territoriais dadas pelos reis Zhou em reconhecimento a serviços prestados a casa dinástica e/ou necessidades logísticas. Devido às dificuldades para manter o controle por uma área extensa, com geografias contrastantes e com a presença de diferentes grupos, muitos considerados “bárbaros” hostis, os primeiros reis Zhou delegaram limitado poder aos seus seguidores para o exercício do controle e da autoridade, submetidos as suas ordens. Estes eram seus parentes e outros que se associaram na conquista, bem como aqueles que já exerciam controle sobre determinadas regiões, especialmente quando da expansão Zhou nos primeiros séculos após a conquista por sobre os Shang, quando estes colocaram sob sua influencia territórios e suas populações, das regiões da atual Beijing, extremidade nordeste do Shandong e as planícies do baixo Yangzi.11 Até o filho do soberano Shang derrotado recebeu um domínio do rei Wu, o finalizador da conquista Zhou, para possibilitar a continuidade dos sacrifícios aos soberanos ancestrais Shang, sob a supervisão, obviamente, de elementos Zhou, apontados como “inspetores”, em uma estratégia para evitar a possível ira dos ancestrais sobre a nova dinastia, já que estes ancestrais assistem seus descendentes se satisfeitos, e os punem severamente se aborrecidos, sendo os sacrifícios necessários para a manutenção da ordem. 12

Em cada um destes domínios, o poder era exercido por uma família que devia o seu prestigio ao seu poder militar; aos seus privilégios religiosos (direito a certos sacrifícios e a execução de certas danças e hinos); a antiguidade de suas tradições e a ligação com a casa real, “comprovada” pela pose de emblemas e tesouros (vasos de bronze, peças de jade, disse: “Os Tufang [um reino inimigo] atacaram em nossa fronteira oriental e capturaram duas colônias.” Os

Gongfang (outro reino inimigo) igualmente invadiram os campos de nossas fronteiras ocidentais.

KEIGHTLEY, David N. The Shang. In: LOEWE, Michael; SHAUGHNESSY, Edward L. (ed.) The

Cambridge History of Ancient China. From the Origins of Civilization to 221 B.C. Cambridge/ Nova

York: Cambridge University Press, 1999, p. 242.

10 LEWIS, Mark Edward. Op. Cit. pp. 15-16. 11 GERNET, Jacques. Op. Cit. p. 59.

12 CREEL, Herrlee G.The Origins of Statecraft in China. The Western Chou Empire. Chicago/London:

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carrilhões de pedras sonoras, sinos, entre outros), especialmente a partir do reinado do rei

Mu (c. 956 – 918 a.C), quando se impôs o hábito de gravar nos vasos de bronze cerimoniais uma espécie de “Ata” das cerimônias de investidura ou doação, o que corroborava a posição e o exercício da autoridade local, perpetuando a lembrança dos direitos adquiridos pela concessão real.13

Figura 2. Ding (trípode) de Fu Ding – Fase inicial da Dinastia Zhou ocidentais (c. século XI a.C) Aos membros da aristocracia de linhagem eram reservados cargos na administração

Zhou, sendo os senhores de domínio, em nível local, em teoria pelo menos, entendidos como uma espécie de governante em nome do rei. Apesar dos usos de escritas de documentos, e a existência de uma rede de cargos e funções hierarquizadas, Herrlee G. Creel afirma que durante os Zhou Ocidentais (c. 1045 – 770 a.C) , não havia uma burocracia de fato, uma vez que os oficiais não eram profissionais, especialmente os de

13 LEWIS, Mark Edward. Op. Cit, p. 16.

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postos mais importantes, ocupados por altos membros da aristocracia, que não dependiam única e exclusivamente dos rendimentos pelo exercício de suas atividades.14 Este autor define burocracia dentro dos termos propostos por Max Weber, onde uma organização burocrática compreende a existência de uma divisão de trabalho; hierarquia da autoridade; normas extensivas, incluída a separação entre a administração e propriedade; o pagamento de salários e promoção baseados na competência técnica, o que não ocorre neste contexto.15 No entanto, há de se ressaltar que o fato de a organização Zhou não contemplar todas as características apontadas por Weber na constituição do tipo ideal de burocracia, não descarta a possibilidade de compreender certos aspectos da organização dos Zhou Ocidentais como burocratizada, como entende Mark E. Lewis, por esta conter princípios burocráticos derivados dos usos da escrita nas praticas rituais, tanto no campo religioso como no campo organizacional.16 Essa interpretação de Lewis é coerente dentro do que afirma Alvin Gouldner, “O tipo ideal de Burocracia pode ser usado como uma medida que

nos possibilita determinar em que aspecto particular uma organização é burocratizada.”17

Para Creel, entre outros especialistas, a organização Zhou, com a concessão de domínios feita pelos reis a seus apoiadores, revelaria uma organização de tipo feudal, entendendo-se feudalismo como um sistema em que um governante de forma pessoal delega soberania limitada por sobre porções de seu território. Contrariando os especialistas que afirmam que o feudalismo é um fenômeno exclusivamente europeu, derivado das especificidades das organizações européias, Creel defende que haveria poucas mudanças para o caso Chinês, oriundas da especificidade Chinesa em relação à Europa, da mesma forma como havia distinções dentro da própria “Europa Feudal”. Estas características seriam semelhantes às apontadas por Marc Bloch, em a “Sociedade Feudal”:

“A presença de um campesinato subjugado; difundido uso do serviço de habitações comunitárias (i.e feudo), ao invés de um salário, o qual estava fora de questão; a supremacia de uma classe especializada de guerreiros; laços de obediência que unem homem a homem, dentro da classe guerreira, assumindo a forma distintiva chamada

vassalagem; fragmentação da autoridade - conduzindo inevitavelmente a desordem; (...).”18

14 CREEL, Herrlee G. Op. Cit. pp. 114 – 115. 15 Ibid, p. 32, nota 10;

WEBER, Max. The theory of social and economic organization. New York: Oxford University Press, 1974. Apud HALL, Richard H. O conceito de burocracia: uma contribuição empírica. In: CAMPOS, Edmundo. (Org.) trad. Sociologia da Burocracia. Biblioteca de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, pp. 30 – 31.

16 LEWIS, Mark Edward. Op. Cit. pp. 42 – 51.

17 GOULDNER, Alvin. Studies in leadership. New York: Haper e Bros, 1950, p. 53 – 54. Apud HALL,

Richard H. Op. Cit, p. 32.

18 BLOCH, Marc. Feudal Society. Trad. L.A. Manyon. Chicago, 1961, p. 446. Apud CREEL, Herrlee G. Op.

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Segundo Creel, não apenas o fenômeno seria semelhante, mas o conceito de feudalismo e algumas terminologias seriam análogas, como o termo enfeudar, que em chinês é feng-chien. Este termo aparece nas aparece nas inscrições em bronze como feng na forma pictográfica de uma planta (ou talvez semear), juntamente com mais dois pictogramas que mostram uma ou duas mãos, segurando a planta, evidentemente “plantando”. Deste, desenvolve o senso de estabelecer um novo domínio, “enfeudar” e o de “feudo”. Chien significa estabelecer. No “Livro dos Documentos”, é descrito que o que o Céu “enfeudou”, chien, os soberanos Shang, e assim, para Creel, até mesmo a idéia de Mandato Celeste, discutido a seguir, seguiria esta lógica, como o soberano sendo alguém que recebe uma concessão Celeste para exercer autoridade, submetida a sua vontade. 19

Jacques Gernet também entende o termo feng como enfeudar, e traduz várias terminologias com os análogos utilizados para o caso europeu, mas afirma que:

“abusou-se tanto do termo feudal que este perdeu toda a significação. Melhor será que o esqueçamos e nos limitemos a caracterizar pelas suas instituições especificas ao sistema político e social, que na longa história do mundo chinês, se aproximaria mais daquilo a que os historiadores do Ocidente atribuíram pela primeira vez este qualificativo.” 20

Para Gernet, o sistema de concessão de um domínio, que permite atribuir a uma família um poder simultaneamente religioso e militar em um território definido e delimitado, nada mais é que uma replica da realeza no seio de uma vasta hierarquia de família e domínios, sendo a ordem dos cultos familiares que asseguraria a coesão do conjunto. 21

Ao contrario do que afirma Creel, Léon Vandermeersch não entende que se possa fazer transposição direta do conceito de feudalismo para o caso chinês, por que esta organização deriva das características próprias das relações e rituais chineses, e não são conseqüência de fenômenos análogos aos que ocorreram Europa. Enquanto nesta, o sistema feudal adveio da desestruturação da soberania real, no caso chinês é justamente esta desestruturação, que ocorre progressivamente do final do período Zhou Ocidentais, iniciando o período Primavera e Outono, que culmina na formação de reinos independentes durante o período Reinos Combatentes, e, portanto, na desestruturação da organização formada por senhores de domínios.22 Neste sentido, a organização durante os Zhou Ocidentais poderia ser interpretada, retirando-se a carga o termo Feudalismo, dentro do

19 CREEL, Herrlee G. Op. Cit, p. 322- 323. Parenteses e aspas no original. 20 GERNET, Jacques. Op. Cit. pp. 60 – 61.

21 Ibid, p. 67.

22 VANDERMEERSCH, Leon. La Formation du Legisme. Recherche sur la constituition D’une

Philosophie Politique caractéristique de la Chine Ancienne. Paris : École Française D’extrême Oriente, 1965, pp. 138 – 139.

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conceito proposto por Weber de Dominação Tradicional, onde a organização possui um “senhor” que ordena, no caso chinês, o Rei; e, em nível local os Senhores de Domínio/Chefes de Linhagem; o quadro administrativo é composto por membros ligados por laços hereditários a aquele que exerce o poder, ou por um vinculo de fidelidade. O exercício do poder é vinculado à tradição e desvios dela podem colocar em perigo a legitimidade do exercício do poder. 23

Por este motivo, a concepção de Rito ou Ritual (Li), era de sua importância. Com uso de diversas práticas rituais, desde o culto ao Céu; viagens pelos territórios; visitas cerimoniais, onde os senhores dos domínios prestavam contas ao rei e recebiam vestimentas e ornamentos cerimoniais, entre outras práticas, o rei mantinha o controle por sobre as regiões distantes, por meio da manutenção e estabelecimento de laços. 24 Dentro concepção de Rito, a tradição política seria entendida como um modelo de concepção de vida que atribuía aos indivíduos funções, direito e deveres nesta sociedade relativamente estratificada, cujo bom desempenho dependia da administração eficaz destas relações, pautadas na instituição de um direito baseado no costume e nas práticas culturais. 25

Assim, além da autoridade concedida pela exclusividade ao culto aos antepassados reais Zhou, a autoridade do soberano derivava, como aponta John C. Wua, pela análise dos documentos presentes no “Livro da História” (Shujing)26 - concebido tanto por Lao zi, a

quem se atribui o Dao De Jing, um dos primeiros textos do pensamento Daoísta; como por Confúcio e seus seguidores, como uma fonte comum de sabedoria política - de três fontes principais: o Mandato Celeste; o Bem-Estar do Povo, e a Virtude do Governante. 27

23 WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (org). Sociologia: Max

Weber. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1986, pp. 131 – 134.

24 LEWIS, Mark Edward. Op. Cit, pp. 48-49

25 GRANET, Marcel. O pensamento Chinês…, pp. 20, 239 e 253.

26 Segundo Herrlee G. Creel, o Shujing é geralmente traduzido como livro da História, mas não é uma obra

de história, e sim uma coleção de documentos que permitem algumas deduções concernentes a instituições políticas, atribuídos a um período anterior a dinastia Shang, conhecida tradicionalmente como dinastia Hsia (2205-1766 a.C). A maior parte dos críticos atribui esses documentos há no máximo um pouco antes do inicio da dinastia Zhou (c.1045 a.C – 221.a.C). No entanto, a veracidade ou não dos documentos não é a questão central, e sim a importância dada a eles como um “manual” de conduta para quem exerce poder político.

CREEL, Herrlee G.Op. Cit, p. 30 e nota 3.

Acerca da dinastia Hsia consultar: KWANG-chih Chang. China on the eve of the historical period. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward L. (ed). Op. Cit, pp. 37-73.

27 WUA, John C. Chinese Legal and Political Philosophy. In: MOORE, Charles A. Philosophy and Culture

– East and West: East – West Philosophy in practical perspective. Honolulu (Hawaii): University of Hawaii

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A concepção de Mandato Celeste parece ser uma inovação Zhou, ou como afirma Creel, um mecanismo de legitimação do exercício do poder a principio da conquista dos

Zhou por sobre os Shang.28 Deriva da crença de que o rei possui uma “sacralidade” conferida pela mais alta divindade, T’ien (Céu), o que lhe permite governar por um longo tempo para garantir o bem estar do povo, mas sujeito a parecer caso ele caia da confiança, quando então o Céu irá apontar outro para rebelar-se e substituí-lo.29 Os Zhou, identificando a divindade Shang, Ti ou Shang Ti, a quem os soberanos Shang atribuíam descender seu primeiro antepassado, como idêntica a sua suprema divindade T’ien, e crendo que destino de “tudo sob o céu” era controlado desde a dinastia Hsia pelo T’ien - o que a tornava uma deidade universal, conhecida desde os tempos antigos - atribuíram sua vitória ao Céu, que tornando-se desgostoso com as práticas Shang, retirou destes o seu mandato.30

Os reis Zhou, assim como os seus antecessores em relação à Shang Ti, eram os únicos que podiam prestar culto ao Céu, e sendo o Céu o poder supremo, a exclusividade do culto tornava a posição do soberano a do líder legitimado, sendo ele o representante entre os homens do ser supremo, o intermediário nas negociações com este. Dentro do ideal Confucionista, seguindo a idéia de Mandato Celeste, o soberano era caracterizado, como um governante que foi providenciado pelo Céu, para surgir em um momento apropriado na Terra, por isso ele era chamado de “Filho do Céu” (T’ien zi), sendo o mandato concedido a um individuo e não a sua família. Como já descrito, o soberano é dotado de qualidades singulares, e na prática delas, ele seria capaz de influenciar os comportamentos de seus súditos. 31

A concepção de Mandato Celeste pode ser entendida como um forte mecanismo legitimador da figura do soberano, mas justamente por ser entendido como representante do Céu, sua posição é fragilizada em calamidades e, tradicionalmente, a história chinesa conta as sucessões dinásticas como falhas dos últimos soberanos destas. Ao falhar no esforço de suas qualidades diferenciais, o soberano é alertado de suas imperfeições pelo Céu, que irá infestar seu governo com desastres naturais e irá desprover seu povo da prosperidade que eles deveriam esperar. Assim, dentro do ideal Confucionista, o dever do

28 CREEL, Herrlee G. Op. Cit. pp. 44; 82; 103-105.

29 LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty…, pp. 72, 74, 78;

GRANET, Marcel. O pensamento Chinês…, p. 254-255; 261

30 CRELL Herrlee G. Op. Cit, p. 494.

ELIADE, Mircea. Op. Cit. p. 20 – 22.

31 LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty…, pp. 72, 74, 78;

GRANET, Marcel. Op. Cit. p. 254-255; 261

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soberano era ordenar seu governo para o benefício de seus súditos e não para a realização de seus objetivos pessoais 32, como demonstra “Os conselhos do grande Yu”, presente no

Shujing:

“Conservai cuidadosamente o trono, que devais ocupar, cultivando as virtudes que são para desejar-se em vós. Se houver miséria e pobreza na terra compreendida nos quatro mares, terão fim perpetuo as vossas rendas concedidas pelo Céu. É a boca que origina o que é bom e desperta das guerras. 33

Por este motivo, Confúcio considerava difícil ser um soberano, pois não era um privilégio, mas uma grave responsabilidade34, que consistiria em tomar conta do povo. Todas as medidas governamentais e políticas adotadas deveriam ser julgadas a luz de seus efeitos para o bem-estar da população. E a falha nessa garantia do bem-estar, poderia representar o fim de uma dinastia.35 Neste sentido, observa-se que existia uma relação de interdependência entre os ideais de Mandato Celeste, Virtude do Soberano e o Bem-estar do Povo. O Mandato se explicitava na forma de agir do povo, pelo aceitamento tácito por parte destes da autoridade real, em um reinado de boa ordem e prosperidade, que parece emanar da figura real, que possui a virtude ordenadora. 36

Ao longo do período Primavera e Outono (770 a 481 a.C), inicia-se uma progressiva modificação das estruturas de organização, com a crescente perda do poder efetivo e a legitimação da figura dos soberanos Zhou. Como tratado no primeiro capitulo, isto se deveu a uma série de fatores, desde conseqüências de conflitos e invasões de povos não pertencentes à esfera de domínio Zhou, disputas de sucessão, até fenômenos naturais, devido seu impacto direto, como no caso de secas, terremotos, ou enchentes, bem como seu impacto no plano simbólico, incluídos a estes, os eclipses e outros fenômenos naturais, entendidos como sinal da perda do mandato celeste. Durante Reinos Combatentes, essa modificação de estruturas leva a gradativa substituição da estrutura hereditária tradicional de postos mantidos pelas casas aristocráticas, substituídas por uma burocracia de oficiais apontados por suas habilidades, remunerados e revogáveis, dentro de uma reorganização dos domínios, que tornam-se reinos independentes. Neste sentido, houve uma maior

32 LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty…, p. 76.

WUA, John C. Op. Cit., p. 610

33 Os conselhos do grande Yu, segunda parte. Shujing. In: YUTANG, Lin. Sabedoria da Índia e da China. Rio

de Janeiro: Ponguetti, 1945.

34 Analects (Lun Yu) XX. 2. Apud WUA, John C. Op. Cit, p. 614. 35 WUA, John C. Op. Cit, p. 614.

Os conselhos do grande Yu, segunda parte. Shujing. In: YUTANG, Lin. Op. Cit.

36 NIVISON, David Shepherd. The Classical Philosophical Writings. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY,

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mobilidade social, e David Nivson aponta que para os eruditos que desejavam ser empregados esta nova organização, a questão básica era discernir que políticas deviam informar um bom governo. 37

Dentro deste contexto, as diversas obras das diferentes correntes de pensamento da china clássica - Confucionismo, Moísmo, Daoísmo, Legismo – refletiam , apontando causa e possíveis soluções acerca destas mudanças. Em relação a outras correntes, o Legismo se destaca pela ênfase nos aspectos concernentes ao exercício do poder, a organização administrativa, e o papel do soberano, sendo as práticas propostas pelos autores legistas consideradas por Michael Loewe como elementos acrescidos às praticas que legitimavam e permitiam o exercício do poder pelos soberanos dos reinos combatentes. 38

37 GERNET, Jacques. Op. Cit. p. 69.

NIVISON, David Shepherd. The Classical Philosophical Writings…, pp. 747 – 748.

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3 O GOVERNANTE NO PENSAMENTO DE HAN FEI

3.1 FA JIA E HAN FEI

Os termos Legismo e Legistas (também designados como Juristas, Realistas ou Teoria Autoritária, por alguns autores.)1, são uma tradução e adaptação do termo chinês Fa

Jia. Esta expressão designa um grupo de autores particularizados devido à importância que atribuíam a Lei, Fa. O termo Fa Jia designando a “Escola da Lei” apareceu, pelo menos nos textos que restaram da antiguidade, pela primeira vez dentro do Shi Ji de Sima Qian. 2

Apesar deste autor a chamar de “escola”, o Legismo não teve um fundador comum reconhecido, e seus conceitos não foram transmitidos de um mestre para um discípulo. 3 De fato, apenas Confucionistas e Moístas foram conhecidos como “escolas” do período Reinos Combatentes. A despeito do indiscutível florescimento cultural dos períodos Primavera e Outono e Reinos Combatentes 4, as tradições contemporâneas ao segundo período – reformas institucionais, arte militar ou adeptos da persuasão e alianças – foram transformados em categorias, tais como o Legismo, aqui tratado; Escola dos Nomes; e a Escola Militar, apenas pelos cronistas da dinastia imperial Han (206 a.C – 220 d.C). 5

1 Na tradução brasileira de O pensamento Chinês, de Marcel Granet, o termo utilizado é Juristas.

Na obra de Arthur Waley, Three Ways of Thought in Ancient China, o autor dedica um capitulo a Fa Jia, chamando os eruditos nela inseridos de Realistas. (Realists no original)

Michael Loewe utiliza a expressão “teoria Autoritária”, no Imperial China. (Authoritarian Theory no original)

2 VANDERMEERSCH, Léon. La Formation du Legisme. Recherche sur la constituition d’une Philosophie

Politique caractéristique de la Chine Ancienne. Paris: École Française D’ Extrême-Oriente, 1965, p. 5.

Shi Ji, de Sima Qian ou Ssuma Ch’ien (c. 145 a.C – 90 a.C), oficial na corte do rei Wu dos Han (c. 140- 87 a.C). Sucedendo seu pai, Sima Tan, como escriba, historiador imperial, continuou o trabalho deste na escrita de uma história que contempla desde as origens da civilização chinesa até os primeiros reis Han, A obra é composta por 130 capítulos, divididos em 5 sessões: Anais básicos de reinos e reis; Tabelas Cronológicas; Ritos, Música, Astronomia, Assuntos religiosos e Econômicos; Casas Hereditárias; e Biografias.

WATSON, Burton. General Introduction. In: SIMA Qian. Records of the Grand Historian: Han Dynasty I. trad. Burton Watson. Hong Kong/ New York: Columbia University Press, 1993, edição revista. pp. xv – xvii.

3 ZHENGYAN Fu. China’s Legalists: The Earliest Totalitarians and their art of Ruling. Armonk [NY]:

M. E. Sharpe, 1996, p. 11.

4 CHO-yun Hsu. The Spring and Autunn period. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward L. (ed).

The Cambridge History of Ancient China. From the Origins of Civilization to 221 B.C. Cambridge/ Nova

York: Cambridge University Press, 1999, p. 545; 584 -585;

LEWIS, Mark Edward. Warring States Political History. In: LOEWE, Michael; SHAUGNESSY, Edward L. (ed). Op. Cit. pp. 641 – 645;

ZHENGYAN Fu. Op. Cit. p. 3.

5 LEWIS, Mark Edward. Warring States Political History..., pp. 641 – 642.

Acerca das escolas e tradições de mestres no período Reinos Combatentes consultar o capitulo “Writing the Masters” inserido em LEWIS, Mark Edward. Writing and Authority in Early China. Albany [NY]: State University of New York press, 1999, pp. 53 – 97.

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Neste sentido, o Han shu (História dos primeiros Han), de Ban Gu (32 – 92 d.C), lista, como Legistas, dez autores, que incluem Guan Zhong (?- 645 a.C.), Li Kui (c. 445 - 396 a.C), Wu Qi (? - 381 a.C.) Shen Dao (c. 350 a.C), Shen Buhai (c. 395 -337 a.C), Shang

Yang (?-338 a.C.), Li Si (280-208 a.C), e Han Fei ( c.280 - 233 a.C.) 6 A maior parte destes autores iniciaram seus estudos nas tradições Confucionistas ou Daoístas, complementando com estudo das Leis, Artes Militares, entre outras. O que particulariza estes autores, e que possibilitou seu entendimento posterior dentro da categoria chamada Legista, são os temas de suas obras ou atribuídas a eles. Estes temas perfazem o interesse pelas “receitas”, como chama Marcel Granet, das quais os reinos poderiam extrair sua força interna. Estes autores preocupavam-se com a organização do território e do exército, fundamental no contexto de conflitos intermitentes que marca o período Reinos Combatentes; economia e finanças; prosperidade, e disciplina social. O tema central era a soberania do governante, bem como a da Lei, a qual todos estão sujeitos dentro dos preceitos Legistas, e que tem um caráter essencialmente penal, na intenção de conformar um comportamento adequado dentro da organização que propunham. 7

A ênfase a estes temas nos escritos Legistas deve-se ao contexto do período Reinos Combatentes, onde os governantes dos vários reinos tiveram a necessidade de oficiais competentes e conselheiros, que poderiam auxiliá-los no fortalecimento da administração, e, consequentemente, do poderio de seu reino. Os teóricos Legistas, em sua maioria, estavam incumbidos de proeminentes posições nos cargos da administração destes reinos, exercendo funções de chanceleres, ministros-chefes, altos conselheiros. Motivo este da importância dada nos escritos destes autores à consolidação da autoridade do governante e a centralização em sua figura; o fortalecimento do reino, com a correta organização e administração, bem como o emprego de oficiais escolhidos por suas habilidades para o exercício das funções administrativas dos reinos e não por sua posição na hierarquia da aristocracia de linhagem, a qual estes novos governantes buscavam diminuir a presença. 8

Deste fato decorre que os escritos destes autores geralmente eram dirigidos a exposição dos aspectos particulares e problemas da arte de governar, e não com o objetivo de tratar das diversas atividades e qualidades humanas, como no caso confucionista. 9

6 ZHENGYAN Fu. Op. Cit. pp. 9; 13 – 21.

7 GRANET, Marcel. O pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, pp. 254-255; 277 – 278. 8 WALEY, Arthur. The Realists. In: The Three Ways of Thought in Ancient China. London: George Allen

an Unwin LTD, 1974, pp. 232 – 233; ZHENGYAN Fu. Op. Cit. p. 12.

9 LOEWE, Michael. The Basis and Practice of Imperial Sovereignty. In: Imperial China. London: George

Referências

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