• Nenhum resultado encontrado

O apóstolo da Amazônia: D. Macedo Costa e uma versão do ultramontanismo na Província do Pará entre 1861 e 1890

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O apóstolo da Amazônia: D. Macedo Costa e uma versão do ultramontanismo na Província do Pará entre 1861 e 1890"

Copied!
28
0
0

Texto

(1)

Costa e uma versão do

ultramontanismo na Província do

Pará entre 1861 e 1890

Karla Denise Martins1

Resumo: O presente texto procura discutir as bases político filosóficas da atuação de D. Macedo Costa, bispo da Província do Pará entre 1861 e 1890. D. Macedo Costa ficou conhecido no Brasil como aquele que lutou contra o regalismo e a ingerência do Estado em assuntos de foro religioso. As várias críticas desse Bispo aos mandos do Imperador lhe renderam a prisão na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, no ano de 1872, ficando nessa prisão até 1874. O próprio D. Pedro II concedeu anistia ao Bispo em 1875. Esse episódio e seus desdobramentos ficaram conhecidos como a Questão Religiosa e gerou controvérsias tanto na época quanto entre os analistas posteriormente. No entanto, além dessa Questão, analisamos o Bispo como um homem que amou, sofreu, irritou-se e se entregou ao trabalho missionário na vasta região amazônica onde viveu a maior parte de sua vida eclesiástica. Nosso intuito, portanto, é por meio da trajetória intelectual e clerical de D. Macedo, pensar a vida de um homem devoto, erudito e leitor de clássicos como Platão, Aristóteles, S. Jerônimo, Tomás de Aquino, Antonio Vieira, Fénelon, Felicitè Lamennais, Lacordaire, Rousseau, Gizot e cujas convicções foram postas em prática em projetos sociais e religiosos. Palavras-chave: Macedo Costa; Ultramontanismo; Romanização, Amazônia.

Abstract: This paper discusses the philosophical bases of political action of D. Macedo Costa, Bishop of the Province of Para between 1861 and 1890. D. Costa Macedo became known in Brazil as one who fought the regalismo and state interference in religious matters. The various criticisms of this bishop to orders of the Emperor resulted in his arrest in Snake Island, in Rio de Janeiro, in 1872, remaining in that prison until 1875. D. Pedro II gave him amnesty in 1874. This episode and its aftermath became known as the Religious Issue

1 Pós-doutora pela Universidade de Évora (2019) e doutora em História Cultural pela Unicamp (2005)

Tempo

Amazônico

(2)

and generated much controversy at the time as among analysts later. However, beyond this Religious Issue, we intend to analyze the Bishop as a man who loved, suffered, got angry and gave himself to missionary work in the vast Amazon region where he lived most of his ecclesiastical life. Our aim, therefore, is through clerical and intellectual trajectory of D. Macedo, think about the life of a devout man, scholar and reader of classics such as Plato, Aristotle, St. Jerome, Aquinas, Antonio Vieira, Fénelon, Felicite Lamennais, Lacordaire, Rousseau, and Gizot whose convictions have been implemented in social and religious projects.

Keywords: D. Macedo Costa; Ultramontanism; Romanism, Amazon.

(3)

73

INTRODUÇÃO

O presente artigo procura discutir, por meio da análise dos escritos de um Bispo, a aplicação do movimento Ultramontano na Amazônia com vistas a crítica literária das chamadas visitas pastorais a partir dos documentos produzidos pela Diocese do Grão-Pará. As palavras-conceitos ao longo do texto estão propositalmente em itálico para destacar sua importância.

O Ultramontanismo nasceu das investidas missionárias jesuítas nos monastérios e campos franceses e seu significado esteve ligado à fidelidade papal em detrimento do poder temporal. O inimigo aparente naquela época era o paganismo e o Catolicismo paulatinamente saía à conquista dos fiéis e de sua moralização e conversão. Mais tarde, no pontificado de Pio IX, que governou a Igreja entre 1846 e 1878, tal luta foi revivida durante o embate entre liberais e católicos na Europa (CHÂTELLIER, 1994: 262). Poderíamos remontar a História do Seminário de Saint Sulpice para, então, entender o início do ultramontanismo, porém, o que nos preocupa aqui é a influência desse pensamento no processo de reafirmação do Catolicismo em terras brasileiras.

Outros autores afirmam a existência de grupos que defendiam a centralização papal em épocas de litígios entre os poderes régio e episcopal, recuando aos tempos da Reforma Gregoriana, século XI, a explicação do aparecimento de tais grupos. Porém, bem posteriormente, já no século XVI, sabemos que os jesuítas queriam lutar contra a permanência de práticas pagãs das comunidades camponesas na Europa e essa tendência se espalhou por outras terras incluindo a América. No Brasil o ultramontanismo se relacionou aos problemas ligados ao padroado e à emergência das “ideias modernas” e ainda aos campos religiosos, o que tornou complexa a cortina de conflito e adequação.

A partir do século XIX, setores da Igreja que se identificavam com aqueles ideais não queriam o avanço da Maçonaria e de outras seitas e correntes de pensamento, como o Liberalismo, cujos projetos apresentavam uma ameaça ao poder eclesiástico. Por esse motivo, o Ultramontanismo, deste período, ficou conhecido também como “jesuitismo”, vale lembrar que os principais clérigos dessa última corrente também vestiam a batina de Loyola, tal como D. Antônio de Macedo Costa que veio a ser bispo do Pará entre 1861 e 1890.

D. Antonio de Macedo Costa teve projeção na esfera política e religiosa do Brasil. Seu envolvimento na chamada Questão Religiosa, ocorrida na segunda metade do século

(4)

74

XIX, tornou-o ainda mais conhecido, pois os documentos oficiais e jornais que circulavam

na Corte citaram seu nome e seus feitos. No entanto, as ideias de D. Macedo Costa ficaram circunscritas a alguns trabalhos sobre esse evento e a uma biografia escrita por Antônio de Almeida Lustosa em 1933, cujo arranjo é dado pelos principais eventos e documentos produzidos a partir das relações políticas e diocesanas durante o episcopado daquele prelado. (LUSTOSA, 1992) Analisando os documentos produzidos por D. Macedo Costa, além de outras fontes do mesmo período, percebemos que o Bispo do Pará pensava em programas sociais que divergiam dos pressupostos político-partidários de uma ala do Partido Liberal cujos programas, ligados aos interesses dos grupos tidos como progressistas, eram mais radicais em algumas propostas entre as quais a separação entre Igreja e Estado e liberdade de culto.2

Um prelado na Amazônia e seus escritos

A trajetória de Antônio Macedo Costa é intrigante e mesmo desconhecida para uma boa parte de estudiosos da Igreja. Nasceu no interior da Bahia, na vila de Maragojipe e com a idade de 15 anos já escrevia para O Noticiador Católico.3 Mais tarde, foi para os Seminários de São Celestino e depois Saint Sulpice, ambos na França. Concluiu seus estudos em Roma, onde aprendeu Direito Canônico no Liceu Apolinário. Desde que saiu da sua Vila,4 em 7 de

agosto de 1830, D. Macedo percorreu saiu do anonimato para um lugar de destaque na memória política e religiosa do Brasil, coisa importante admitindo o fato de ser um prelado de origem brasileira, dado que a maior parte dos sacerdotes dos principais recintos eclesiásticos neste país provinha da Europa. Em 2 de junho de 1855, formou-se na Catedral

2 O manifesto do Partido Liberal de 1869 já trazia em suas linhas opiniões relacionadas à hegemonia

católica no Brasil, com apelo, entre outras coisas, às liberdades de consciências e supressão de artigos constitucionais (Constituição de 1824) que diziam respeito da oficialidade do Catolicismo no Império. Cf: Senado Federal. Os programas dos Partidos Políticos e o Segundo Império. Brasília: A. Brasiliense, 1979. p. 58.

3 O Noticiador Católico era um periódico semanário fundado por D. Romualdo de Seixas e circulou

na Arquidiocese da Bahia entre 1848-1860. Alguns dados do periódico podem ser encontrados em BLAKE, Augusto Victorino. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1883 e PAIM, Antônio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. 2a. edição. São Paulo: Convívio,

1986.

4LUSTOSA, D. Antônio de Almeida de. Dom Macedo Costa (Bispo do Pará). 2ª edição. Belém:

Secretaria de Estado da Cultura, 1992. p. 18. Segundo o autor, o pai de D. Macedo Costa fazia versos e prosas e, assim como sua mãe, Joaquina de Queiroz Macedo, era profundamente religioso. Tais características podem ter influenciado a sua formação intelectual primária.

(5)

75

de Paris, onde recebeu, no ano seguinte, a tonsura eclesiástica.5 Mesmo antes de se tornar

Bispo, o prestígio de D. Macedo Costa começava a se alastrar entre clérigos e intelectuais europeus.6 No Brasil, analistas como Riolando Azzi, Nilo Pereira, entre outros, se ocuparam

das ações eclesiásticas nos eventos da Questão Religiosa. (AZZI, 1992) Vale também ressaltar que as pesquisas regionais ainda não conferiram a atenção devida às propostas dessa personagem e sua articulação política no intuito de implementar projetos que seguiam a contramão na época, especialmente a partir dos anos de 1870, quando o pensamento liberal despontou com mais vigor no Brasil.

Como afirmamos antes, D. Macedo Costa trouxe para estas terras o ideário ultramontano do Seminário de São Sulpice. Porém, antes dele, o ultramontanismo em terras brasileiras foi ampliado por D. Viçoso, Bispo da Diocese de Mariana, cujos estudos tiveram a influência da Congregação da Missão de Portugal, terra mãe do prelado.7 Há, em D. Viçoso um aspecto caritativo que não encontramos com veemência em D. Macedo Costa, mas isso ainda é pauta de reflexão. Na verdade, a vocação vicentina de D. Viçoso explica toda a sua atuação na Diocese de Mariana, dos atos assistencialistas às visitas pastorais. Por outro lado, o filho de Maragojipe focou sua crítica no Patronato Régio e na ingerência do poder espiritual em assuntos em matéria religiosa,8 além, é claro, do envolvimento intelectual demonstrado

5 O trajeto intelectual de D. Macedo Costa não era incomum a alguns jovens de sua época, porém

destacamos o fato de ter nascido num município a 133 km de Salvador e ter tido a ajuda de importantes nomes da vida eclesiástica daquele período como D. Antonio Romualdo de Seixas, Bispo Primaz da Bahia. Além disso, o jovem Antônio não pertencia a nenhuma família abastada ou de origem nobre.

6 LUSTOSA, D. Antonio de Almeida. Op. cit, p. 21. Uma das primeiras pessoas a impressionar D.

Macedo Costa foi o Pe. Lacordaire. O jovem seminarista relatou, numa carta enviada ao seu pai em 27 de agosto de 1853, o diálogo que estabeleceu com o com o padre referido, e que lhe foi de grande serventia intelectual. Lemos um artigo publicado no A Estrella do Norte em 25 de janeiro de 1863 do padre Lacordaire intitulada “História do coração humano.” Através desse artigo, foi possível verificar que os “amigos” que D. Macedo Costa tinha feito, desde que estudou na Europa, continuavam se correspondendo com ele, depois que passou a residir na Província do Pará nos anos de 1860.

7A rica história da Congregação da Missão em Portugal está atrelada aos altos e baixos da relação

Igreja e Estado naquele país, tanto na região sul quanto no norte as Casas Vicentinas, respectivamente Rilhafoles (Fundada em Lisboa,1715) e Cruz (na região de Braga, 1751) asseguraram a expansão dos missionários em terras lusitanas. No entanto, com a decisão de expulsão das ordens religiosas de Portugal, os chamados Lazaristas tiveram que migrar para outros países, especialmente para a França e seus bens confiscados pelo Estado. Só no século XX, a Congregação da Missão é retomada em Portugal.

8 O tema do regalismo no Brasil pós-independência ainda hoje é matéria de estudos entre os que se

ocupam da questão religiosa e das reformas clericais no século XIX. A Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I é favorável ao Catolicismo num primeiro momento quando o coloca como a Religião do Estado, em seu artigo 5o., mas procura retomar as rédeas das decisões quando institui o

artigo 102 sobre o beneplácito. D. Macedo Costa advertia sobre o último tópico e afirmava a crítica, embora sutil, ao regalismo.

(6)

76

nos vários livros que publicou ao longo da segunda metade do século XIX. Na tentativa de

aproximar a Igreja brasileira aos interesses da Santa Sé, este Bispo acabou empreendendo reformas, que consistiam na implementação de medidas tridentinas.9 Desse modo, no Brasil,

o Ultramontanismo foi associado à luta de alguns reformadores para manter a Igreja Católica unida a Roma, razão pela qual, termos como Ultramontanismo e romanização se confundem nessa ação.

Em uma de suas análises, Roberto Romano admite que em vários momentos a Igreja afirmou o seu papel soteriológico face às realidades que tentam afastar a transcendência. (ROMANO, 1979: 22-23) No entanto, o movimento que coloca em tensão dois significados de mundo não é puro e nem passível de contaminação, vista aqui como resultado do encontro dos diferentes sistemas culturais. Quando o Catolicismo, na figura de Paulo, trouxe ao Ocidente a ideia de uma Igreja Universal, já havia um ambiente propício preparado antes pelo helenismo (TÔRRES, 2004: 81). Sem este, as crenças locais pagãs resistiriam e a difusão do Cristianismo aqui como sistema de pensamento talvez não tivesse êxito. Numa época em que a figura do papado ainda estava sendo constituída, os imperadores romanos, após a conversão de Constantino (313), tornaram-se divindades, cercados por rituais cerimoniosos bem ao estilo oriental. (TÔRRES, p. 83) Nesse período, a Romanização estava ligada à expansão dos valores e das crenças dos imperadores romanos. Essa característica foi, de certo modo, transmitida aos imperadores carolíngios e depois ao próprio papa. Ou seja, há na história da Igreja uma ligação direta entre Romanização e Cristianização, nos resta compreender quando o binômio Romanização/Ultramontanismo passou a figurar como faces da mesma moeda.

Mesmo estando D. Macedo Costa no século XIX, a reedição do Catolicismo reformador trazia semelhanças a outras reformas empreendidas pela Igreja desde o período medieval. Os personagens da “limpeza moral” não eram mais os mesmos, mas o discurso de condenação ao diferente não parecia ter modificado.10 O estudo da vida dessas personalidades

9 Entre essas reformas estavam: a mudança do ensino religioso nos seminários e a substituição de

professores leigos por sacerdotes; a construção de igrejas; o incentivo às visitas pastorais; o fim da ingerência do Estado nos negócios eclesiásticos; a disciplina nas festas religiosas como a supressão de práticas profanas; a reorientação devocional do povo através do incentivo ao culto dos santos considerados verdadeiramente católicos etc.

10 Concordo com a posição de Gasbarro ao afirmar que o discurso de universalização da Igreja deve

ser entendido também na relação histórica das práticas conversoras, porém, faz-se necessário admitir a capacidade de manutenção de certas ideias, apesar das mudanças históricas. O grande desafio é entender os jogos desse movimento, sem perder de vista a sua complexidade em vários níveis. É possível, a meu ver, perceber a prática como discurso e o discurso como prática, então, chamar a

(7)

77

nos ajuda a compreender as várias facetas desses movimentos e pensar sua complexidade,

bem como suas especificidades também. Do ponto de vista histórico, o Ultramontanismo desses Bispos apareceria, à primeira vista, como um movimento diferenciado já que seus algozes eram agora os liberais, os protestantes e os materialistas de um modo geral. No entanto, a Igreja Católica ao longo de sua trajetória lidou de forma cinética com as situações que a cercava, ou seja, transformou-se a todo o momento e se aproximou e adaptou às novas situações, sempre resguardando o fundamento que lhe é caro: o discurso de universalidade. Porém, ao lidar com realidades diversas esse mesmo discurso universalista encontra-se em processo dialético de negação e reafirmação, ainda tão ortodoxo e heterodoxo, pois nunca deixou de ser. Todo discurso é dialógico em si mesmo desde sua constituição. A linha entre ortodoxia e heterodoxia sobrevive na mesma “grande cultural” e isso explica as várias reformas, as dissidências, as heresias medievais.

Assim, entendemos as ações e pensamentos de D. Macedo Costa neste duplo aspecto, àquilo que Nicola Gasbarro chamaria de “ortoprática”, pensando na atividade dos missionários.11 Embora o processo de Romanização não estivesse inscrito numa prática missionária ao estilo jesuíta como a do período colonial, e sua inserção entre os povos da Amazônia fosse pequena quando das viagens pastorais, ainda sim, seria possível pensar a investida romanizadora e a tensão entre essas experiências na Diocese do Pará, porém é preciso perceber as limitações metodológicas que nos cerca.

Podemos dizer que uma atitude moderna (não ortodoxa) de vários bispos era, entre outras coisas, a de adotar um perfil apostólico. Saíam de seus muros diocesanos, a fim de conhecer os territórios e seus paroquianos, com intuito de estabelecer relações com as comunidades locais e, para alguns, promover a disciplina moral entre os habitantes. Outra forma do estabelecimento dessa tensão estava ali mesmo, perto do paço da Igreja Matriz de Belém àquela época, quando D. Macedo via-se diante dos festejos dedicados aos dias santos.

atenção para a experiência não garante que estejamos em ambiente empírico na sua plenitude, aliás práticas também são representações. Cf: MONTEIRO, Paula. Deus na Aldeia. Missionários, índios e mediação cultural. GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp, p. 69 et alli. [Manteremos o termo ortoprática em aspas do modo como o autor utiliza no texto]

11 Por ortoprática Gasbarro entende o movimento dos que, ligados ao Cristianismo, se mantêm

conectados com uma “esfera tradicional” (ortodoxia) e, ao mesmo tempo, são atravessados pela ordem do seu tempo (realidades culturais históricas específicas). Cf: Ibid, p. 69. [Manteremos o termo

(8)

78

A “parte profana” da festa não parecia o cenário ideal e familiar para aquele Bispo ou talvez

o deixasse incomodado.

Os dez primeiros anos de episcopado na Diocese do Pará foram para D. Macedo Costa momento de “arrumar a casa”. Naqueles anos, as igrejas pareciam ter sido abandonas pois o bispo reclamava intensamente da falta de cuidados com os prédios, a falta de paramentos, materiais, etc. A crítica endereçava-se especialmente ao Colégio dos Jesuítas na Igreja de Santo Alexandre, onde estava também a sede do governo episcopal. Reergueu o Colégio de Santo Antônio,12 (Cf: TOCANTINS, 1963: 202-205) permitindo aos estudantes que tivessem matérias de humanidades,13 e espaços de apresentação pública e cerimonial. O Bispo investiu também nas matérias mais importantes para a Igreja: filosofia religiosa e direito canônico. Essa iniciativa denota a reativação do problema da formação intelectual não só do clero brasileiro, bem como dos estudantes em geral. Entre os feitos dessa época, está a criação de jornais católicos, como é o caso da Estrella do Norte um pouco depois o jornal A Boa Nova com vistas a não só divulgar as atividades religiosas do episcopado, mas “formar” opiniões favoráveis ao clero.14 Uma segunda investida do Bispo do Pará foi, sem dúvida, a vista pastoral empreendida entre os anos de 1861 e 1880. Tais viagens permitiram a D. Macedo Costa conhecer o território diocesano e, a partir disso, estabelecer uma política de inserção. Por meio dos jornais da Diocese e dos livros do Bispo do Pará, é possível conhecer detalhes das passagens deste nos vários povoados da região amazônica. Abaixo segue uma descrição da extensão da Diocese do Pará à época do episcopado de D. Macedo Costa.

A configuração da Diocese à época de D. Macedo Costa era, segundo seu único biógrafo, D. Antonio de Almeida Lustosa, a seguinte: além da igreja-sede chamada de Santo

12 A partir de uma antiga construção realizada pelos franciscanos em 1626, o prédio que hoje abriga o

Colégio de Santo Antônio foi reconstruído em definitivo em 1736, sua fachada sóbria traduz o espírito e característica barroca do período colonial. Com a época pombalina veio o receio de decadência dos trabalhos realizados pelos franciscanos, mas estes permaneceram no convento até que em meados do século XIX os irmãos foram morrendo e, sem reposição, houve uma diminuição dessa ordem em Belém do Pará. Com a ascensão de D. Macedo Costa ao bispado, o Seminário Menor e Colégio de órfãs foram revitalizados e o Convento de Santo Antonio retomou seus trabalhos, agora sob os cuidados das Irmãs Dorotérias.

13Relatório com que o Vice-Almirante e Conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou

a administração da Província do Grão-Pará ao Visconde de Arary, 1o. Vice-Presidente, em 6 de agosto

de 1868. Belém: Tip. do Diário do Grão-Pará, 1868. p. 16, 17.

14 A Estrella do Norte era semanal e circulou na Província do Grão-Pará entre 1863-1869. Pertencia

a Diocese do Pará, sob a direção de D. Antônio de Macedo Costa. Podemos dizer o mesmo do jornal

A Boa Nova que circulou entre 1871 e 1883. Além do Bispo, contribuía para esse último periódico os

cônegos José Lourenço da Costa Aguiar, Luiz Barroso de Bastos e Dr. José Pinheiro, entre outros.

(9)

79

Alexandre, havia três vigarias gerais, uma na sede diocesana, outra em Santarém criada por

D. Romualdo de Seixas em 1821 e outra ainda no Rio Negro, criada por D. Miguel de Bulhões, em 1755. O número de paróquias totalizava 72 e destas apenas 21 possuíam vigário. Até 1890, quando da criação da Diocese do Amazonas, o episcopado do Pará compreendia um grande território que ia dos limites do Maranhão ao alto Purus. Catequizar uma região como essa requeria investimentos e empreendimentos clericais de monta. Uma das formas utilizadas pelo episcopado foi o uso de modalidades como os vigários colados (um padre que tinha ligação com partidos políticos e era geralmente encomendado pelo poder público) e visitas pastorais. (LUSTOSA, 1992: 15)

O Bispo do Pará e suas visitas pastorais

Durante todo o episcopado de D. Macedo Costa houve as visitas pastorais, especialmente entre os anos de 1861 e 1880. Tais experiências foram relatadas em jornais da Diocese como A Estrella do Norte e a Boa Nova, além de Relatórios de Presidente de Província do Pará e Ofícios Eclesiásticos. A maior parte do financiamento para essas visitas provinha do governo provincial e de doações. No início de 1870, por exemplo, sabemos que uma visita pastoral significava um gasto de 1$800 (um conto e oitocentos réis), que para a época parecia ser uma boa quantia.15 O tesoureiro da Diocese recebia o dinheiro e repassava

ao Bispo para efetuar a visita. No entanto, a comitiva contava com a população local para abrigar-se, alimentar-se e ter os benefícios de estadia necessários, além de provisões.

15 APEP (Arquivo Público do Pará) Ofício das Autoridades Eclesiásticas. 01/1873. Caixa 310.

Mapa com as descrições de Lustosa. Adicionei a vigaria de Manaus criada com a

separação do Bispado do Pará, em 1890. Uma ideia da extensão dessa Diocese à época de D. Macedo Costa. O desenho partiu de outro mapa do livro de Antônio Porro (1992). Não há uma descrição cartográfica da localização dessas vigarias, sequer uma imagem, por isso a adaptação.

(10)

80

A primeira visita pastoral à Província do Amazonas, por D. Macedo Costa, foi

realizada no final dos anos de 1861, depois disso as viagens àquela parte da Diocese não foram poucas. A ideia do Bispo era alcançar com sua catequese os limites do rio Amazonas até fronteira com o Peru. Essa era uma região descrita como perigosa e povoada por tribos indígenas com pouco contato “com a sociedade branca”. Vejamos um trecho do relato de um escrivão da visita pastoral no Livro da Família de autoria de D. Antônio de Macedo Costa:

Ao afoitar-se agora, na sua primeira visita pastoral, até o alto Amazonas, lembrava-se indubitavelmente de Vieira o bispo-seminarista, o ex-aluno de S. Sulpice e S. Apolinário, que ao deixar a sua Bahia, rumo da terra estranha, receoso de lá esquecer o pátrio idioma, metera no seu alforje, ao lado de Jacinto Freire a do Parnaso Lusitano, as Cartas Seletas do grande orador sacro. Semeador do Evangelho deveria como ele jornadear incessante por envios e inóspitos sertões, de cujo fundo sombrio voltava quase sempre com os germens de alguma grande idéia ou o arcabouço forte de um livro. Sigamo-lo um instante ao menos em uma destas arrancadas da fé. Para visitar o Purus, consome, de uma feita, mais de dois meses, percorrendo rio abaixo, só de canoa, cerca de cento e trinta léguas. A seguir, lá se vai pelo Madeira; outros dois meses. Agora é o Solimões, desde Tabatinga até Manaus, isto é, cinco longos meses de navegação e canseiras apostólicas. 16

Bem, no trecho acima não há qualquer relato sobre as características da população local, embora em outras passagens essa descrição fosse minuciosa. Porém, o repertório eclesiástico marca não só a ligação com outros missionários em iguais condições, desprezando as diferenças no tempo e espaço, bem como imprime a vontade do Bispo em semear os evangelhos na jornada em terras inóspitas. Dos vultos passados coloniais, o missionário mais lembrado pelo Bispo do Pará era Pe. Vieira, sempre enaltecido na documentação. Há relatos geográficos e tempo de viagens, informações importantes para se pensar a saga a que os missionários se submetiam, além disso, descrevia-se nos relatos as condições climáticas, as espécimes da fauna e flora locais, alguns costumes da população, modalidades econômicas e situação educacional. Portanto, as visitas pastorais realizadas por Bispos como D. Macedo Costa no Brasil e fora dele eram importantes experiências para discutirmos ação catequética, relações interculturais, atividades e performances doutrinárias etc.

Em algumas descrições de visitas pastorais pelas vilas às margens do Rio Amazonas, a comitiva de D. Macedo Costa realizava inúmeras atividades entre as quais, casamentos, batismos, confissão, solicitação de doações para recuperar prédios clericais danificados etc. À primeira vista, não haveria nada de novo nessas atividades, a não ser o fato de que os

(11)

81

relatos são eivados de significação religiosa e, algumas vezes, tendenciosos. Porém, aspectos

pequenos podem ser percebidos, por exemplo, quando se afirma que a realização dos casamentos deve-se a reclamação dos próprios habitantes por moralizar às relações na vila: “Durante a visita pastoral se tem realisado um grande numero de casamentos, a maior parte

reclamados pela moral publicas [...].”17 Bem, como a descrição é realizada por um escrivão

da Igreja, resta-nos a dúvida, temos uma solicitação dos habitantes? Ou apenas a inferência do próprio prelado de que o lugar é nefasto e precisa ser moralizado? Não estamos preocupados se os habitantes eram ou não eram imorais, mas com o teor das aplicações de sentido e significado desses tipos de relatos. É possível afirmar que o outro se manifestaria sem a influência significativa do eu? Que tipo de leitura seria possível para compreendermos o terreno conceitual a fim de obter a tensão nesse tipo de fonte? Essas perguntas servem também aos descritos nas experiências missionárias.

É preciso considerar, antes de tudo, que a crônica gerada na visita, ou seja, o relato não é a visita pastoral, mas uma impressão semântico-semiológica daquela experiência. Sabemos que isso parece óbvio, mas muitos analistas as tomam como “realidade” e não como elemento discursivo. Além disso, àquele que escreve às vezes não o fazia in loco, ou seja, utilizava anotações e adicionava a isso conhecimentos externos ao local visitado, tais como textos bíblicos, experiências de visitas anteriores etc. Essa mistura textual resultava na chamada crônistória (narração de fatos com seqüência temporal) a partir da qual temos informações da visita, misturadas a um compósito literário externo à ação pastoral.18 Isso

demonstra que os acontecimentos em registros sofrem influências das mais variadas formas: desde o escrivão-padre que relatava a crônica pastoral (cronistória) até os meios de edição a partir dos quais essa narrativa chegava aos destinatários.19 Por exemplo, muitas dessas

17 Chronica religiosa. A Estrella do Norte, 02 de agost. de 1863. p. 247/248. [Grifo meu]

18 A cronistória muitas vezes é confundida com as próprias experiências pastorais as quais não temos

como reconstituir senão por meio desse relato que alguns chamam “carta pastoral” e outros “capítulos” de visita pastoral. O fato é que ao constituir os textos, os escrivões ou mesmo os Bispos imiscuíam cenários literários de várias épocas e geralmente havia um fundo moral e até poético. Estou denominando esse texto de cronistória uma modalidade de texto conhecida nos séculos XVIII e XIX. Sobre descrições de visitas pastorais nas Minas do século XVIII leia OLIVEIRA, Alcilene Cavalcante.

A difusão da doutrina católica em Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Análise das pastorais dos

Bispos. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 189-217, 2002. Editora UFPR. As visitas pastorais estavam previstas sim, como afirma a autora, nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, porém já é uma recomendação desde o século XVI do Concílio de Trento.

19 A princípio, as crônicas pastorais eram documentos narrativos enviados aos órgãos espirituais e

temporais competentes. No entanto, as comunidades eclesiástica e laica provavelmente liam essas “aventuras pastorais”, pois eram publicadas em jornais e, assim, disponíveis a quem pudesse quisesse ler.

(12)

82

experiências pastorais foram publicadas em artigos nos jornais da Diocese outras vezes

vinham descritas como fragmentos em relatórios dos Presidentes de Província. Isso significa que a forma tipográfica, o objetivo da destinação e a linguagem eram fluxos não encontrados em outros textos tais como homilias, sermões, livros de catequese, breviários etc. Todo esse universo que permeia a experiência pastoral deve ser levado em conta àquele que escolhe esse tipo de fonte.

Um exemplo da retórica na crônica pastoral é a temática escolhida, os assuntos clássicos como graça curativa da lepra, a mudança dos habitantes com a aplicação dos sacramentos da confissão, do batismo e do matrimônio. No relato percebemos o movimento no discurso entre o que seria narrativa baseada na experiência e retórica, de modo que os dois gêneros se confundem. Vejamos:

No dia 12, S. Exc. Revmª se dirigiu ao Curiman, lugar habitado por uma dessas victimas votadas ao abandono. Um pobre leproso alli habita uma casinha solitaria no meio da floresta, afastado de todo o trato com a sociedade dos homens. A medonha enfermidade tem de tal modo desfigurado o infeliz, que um filho ainda criança que único o servia, tem-lhe já medo e muitas vezes assombrado com os progressos do mal abandona o autor de seus dias e o pobre leproso, enfermo da alma e do corpo, maldiz como sob o dia que o viu nascer. [...]. Pintar a alegria deste homem por occasião da visita do Pastor fôra impossivel. Não podendo cerral-o em seus braços o infeliz lhe banhava os pés com suas lagrimas. Bemaventurado aquelle que chora, lhe repetia o Prelado que estendeu-lhe a mão cheia de esmollas, promettendo-lhe enviar no dia seguinte um Sacerdote afim de administrar-lhe os Sacramentos, consôlo de que se achava privado há cinco annos, desde que o invadiu a terrivel molestia.20

A narrativa inicial denota a experiência do encontro, uma vez que referentes como “uma casinha solitária no meio da floresta” pertence ao que seria experimentado. A região de Curiman, hoje Curima, pertencia à Vila de Cametá Tapera mas ao narrar o clima do encontro há claramente o uso da retórica quando afirma que o “infeliz” leproso banhava com suas lágrimas os pés do Bispo e do mesmo modo quando se refere às passagens evangélicas como “Bemaventurado aquelle que chora”, etc. Enfim, esse é um bom exemplo da possibilidade de ler esse tipo de documento. D. Macedo Costa assinava a maior parte das “crônicas”, mas não temos certeza se os relatos eram escritos pelo Bispo. Há uma comitiva que acompanhava a visita e havia o padre responsável por registrar os acontecimentos. No entanto, o Bispo certamente lia e intervinha no escrito, isto porque sua assinatura encerra os textos publicados em jornais católicos da Diocese.

As crônicas eram publicadas em sequência; detalhava os passos da visita de uma vila

(13)

83

a outra. Os textos embora tragam as especificidades dos locais visitados são sempre

enaltecedores e/ou depreciativos, o que dificulta perceber as formas culturais existentes em sociedades inóspitas onde o Catolicismo era praticamente nulo. Os problemas são apontados e as atitudes dos locais muitas vezes depreciadas, mas a ação do clero tende a “arrumar”, “moralizar”. Um bom exemplo da dificuldade em se tomar a “realidade das visitas” pela crônica é o fato de o redator apresentar a chegada da comitiva num cenário de recepção tranqüila e festiva dos habitantes locais. Esse tipo de relato é recorrente nas chamadas

chronicas religiosas, seção noticiosa do jornal A Estrella do Norte. Abaixo transcrevemos

um trecho que traduz essa afirmação:

No dia 24 de Julho, pelas 4 horas da manhã, chegou S. Exc. Revma. ao porto de Mocajuba, e logo depois, com os primeiros clarões do dia, a população até então adormecida, começou a agitar-se; a noticia da chegada do Prelado espalhou-se por todas as habitações, e á hora do Santo Sacrificiio o povo reunido, como para uma festa de familia, pode receber a benção do Pastor cuja chegada era ha muito tempo esperada.21

Se pensarmos na ausência dos prelados em terras como Cametá e adjacências poderíamos inferir que a presença da comitiva diocesana das duas uma ou causava espanto aos locais ou estes poderiam inquirir as ausências. No entanto, o Bispo e seus acompanhantes eram recebidos com fogos em girândolas e festas.22 Vale ressaltar que em muitas das paróquias visitadas havia grupos afeitos às ideias liberais e isso nunca é tema das crônicas. É importante salientar que o relato dessas visitas era divulgado não só na Diocese do Pará, em outros jornais do Império há publicações de trechos inteiros ou fragmentos daqueles relatos pastorais.23 Sem outra fonte que nos permita duvidar das observações do escrivão é difícil estabelecer críticas e fazer conjecturas. Para tanto, faz-se necessária uma leitura minuciosa e paciente do documento.

Nos ofícios de autoridades eclesiásticas e relatórios de presidentes de província é possível encontrar algumas informações dos lugares e paróquias visitados, mas não há detalhes das visitas pastorais e dos resultados alcançados com isto. Estas seriam fontes

21 Chronica Religiosa. A Estrella do Norte. 23/08/1863. p. 270.

22 Chronica Religiosa. A Estrella do Norte, 19/07/1863. p. 229. A visita pastoral que deu origem a essa

notícia começou pelas vilas de Cametá e Mutuacá e seguia rumo aos limites do Rio Negro. Essa viagem durava meses e era bastante atribulada uma vez que a maior parte dos locais de visita era desprovida de condições materiais. Na ausência de uma igreja ou casa paroquial, os representantes do clero e acompanhantes da comitiva ficavam em casas dos mais abastados da cidade.

23 A Estrella do Norte. 27/09/1863. p. 311. Nessa página do jornal há menção à divulgação da visita

(14)

84

importantes para confrontação com as chamadas cartas de visitas pastorais. Assim como em

outros lugares, as visitas pastorais faziam parte de uma página importante na reestruturação da Igreja Católica na Amazônia. Com esses empreendimentos o Bispo e seus pares tentariam solucionar o problema constante de vacância do clero e, ao mesmo tempo, colocar em prática as recomendações de Trento no que concernia à expansão do Catolicismo ao estilo romano, por isso romanização.

Embora as realidades encontradas por esses membros da Igreja sejam diferentes, manifestadas em práticas históricas mais ou menos duradouras, a retórica dessa Igreja reformadora não parecia tão receptiva a tais realidades. Os epíscopos obviamente lidavam com realidades distintas, porém suas convicções dogmáticas apresentadas na documentação que nos chega ofuscam as tais realidades distintas e nos confunde, impedindo-nos a observação dessas experiências históricas em movimento, dada a ausência na maior parte das vezes de relatos “não comprometidos”, “desinteressados”. Isso demonstra a dificuldade que temos em perceber a mudança nas ações clericais embora não neguemos sua existência.

Em uma de suas análises, Roberto Romano admite que em vários momentos a Igreja reafirmou o seu papel soteriológico face às realidades que tentam afastar a transcedência. (ROMANO, 1979: 22, 23) No entanto, o movimento que coloca em tensão dois significados de mundo não é puro e nem passível de contaminação, vista aqui como resultado do encontro dos diferentes sistemas culturais. Quando o Catolicismo, na figura de Paulo, trouxe ao Ocidente a ideia de uma Igreja Universal, já havia um ambiente propício preparado antes pelo helenismo. (TORRÊS, 2004: 83) Sem este, as crenças locais pagãs resistiriam e a difusão do Cristianismo, como sistema de pensamento, talvez não tivesse êxito. Numa época em que a figura do papado ainda estava sendo constituída, os imperadores romanos, após a conversão de Constantino (313), tornaram-se divindades, cercados por rituais cerimoniosos bem ao estilo oriental. (TÔRRES, p. 83) Nesse período, o tema Romanização estava ligado à expansão dos valores e das crenças dos imperadores romanos. Essa característica foi, de certo modo, transmitida aos imperadores carolíngios e depois ao próprio papa. Ou seja, há na história da Igreja uma ligação direta entre Romanização e Cristianização, nos resta compreender quando o binômio Ultramontanismo/Romanização passou a figurar como faces da mesma moeda. Segundo David Gueiros Vieira, é difícil estabelecer exatamente a data em que entrou no Brasil o tipo de pensamento que, no século XIX, chamou-se de

(15)

85

definição dizia respeito aos cristãos que buscavam em Roma/Papado a liderança

espiritual/institucional. A indicação da emergência do movimento Ultramontano no século XI não foi muito explorada a não ser por David Gueiros Vieira a quem devo algumas conversas sobre o assunto. Sobre essa questão consultar: (VIEIRA, 1980: 32). Como muitos desses cristãos eram jesuítas, que habitavam para além dos montes italianos, ou seja, na França, passaram a ser denominados de Ultramontanos, àqueles grupos além que habitavam além dos montes a partir da Itália.

O que podemos dizer no momento é que não há em D. Macedo Costa uma distinção entre Romanizar e Cristianizar. Embora se sentisse desconfortável com o termo Ultramontano, talvez pelo uso pejorativo que os adversários da Igreja faziam, é claro no Bispo procedimentos que se identificam ao ethos Ultramontano, tendo por base a definição anterior ao próprio desenvolvimento dos adeptos do Liberalismo. Nele, o binômio

Ultramontanismo/Romanização estão conectados. Numa carta pastoral de 1874, D. Macedo

Costa, falando das críticas recebidas, deixa claro o desconforto com o termo Ultramontano, porém afirmamos que se tratava da definição muito utilizada pelos Liberais em seus artigos de jornais do século XIX sobre os quais temos algum conhecimento. O Bispo do Pará escreve em terceira pessoa, como se estivesse reproduzindo no texto o discurso dos liberais para depois criticar:

Aquelles dous prelados, dizem, são dominados por um cego fanatismo; professam a doutrina ultramontana, isto é, uma doutrina exagerada, perigosa, subversiva, differente da verdadeira fé catholica Apostólica Romana que nossos pais professavam, e que foi abraçada pela nossa Constituição como a base e o fundamento do edifício social brazileiro.[...]Caros filhos e dignos cooperadores, o que é verdadeiro, o que é incontestável, em primeiro lugar, é que a nossa fé é a vossa, é a fé da Santa Egreja em que fomos batizados, é a fé de todos os Bispos orthodoxos unidos ao seu Chefe Supremo, é a fé que cimenta, felizmente, o pacto fundamental da nação a que nos ufanamos de pertencer [...]Porque nos chamam de ultramontanos? Somos catholicos e nada mais. 24

Os projetos sociais de um prelado

D. Macedo Costa pensava no progresso moral baseado na vivência comum entre os homens, na solidificação dos laços familiares e no princípio de solidariedade. Ao contrário do que propunham os liberais, o Bispo do Pará desejava uma sociedade em que o progresso técnico servisse à reafirmação da vida cristã, o que o deixa longe de um conservadorismo absoluto. Muitas das afirmações do bispo foram influenciadas por pensadores como Félicitè

24 COSTA, D. Macedo. Carta Pastoral. A razão do actual conflito. Rio de Janeiro: typ. do Apostolo,

(16)

86

Lamennais,25 que pregava a instituição de uma sociedade agrícola dirigida por sacerdotes.

Vemos, nas observações de Lamennais, uma crítica ao modelo industrial, que ele considerava injusto por ser desigual e exploratório. Observemos entre as ideias do autor uma crítica clara ao sistema capitalista que muito influenciou o Bispo do Pará:

Daí decorre que, sem uma mudança total no sistema industrial, uma sublevação geral dos pobres contra os ricos seria inevitável e que, transformada por completo, toda a sociedade pereceria entre convulsões espantosas. [...]. 26

Logo no início de sua trajetória, F. Lamennais27 escreveu contra o galicismo no livro

Palavras de um homem de fé e contra os padres que seguiam o galicismo e o jansenismo na

França, na obra Tradição da Igreja sobre o bispado, em 1813. Entre 1817 e 1823, publicou

Ensaios sobre a indiferença em matéria de religião, colocando em evidência suas idéias

sobre a moralização da Igreja e do laicato, criticando o materialismo que avançava na Europa. Além desses livros, F. Lamennais escreveu Da religião, considerada em suas

relações com a ordem política e civil, em que discutia a democracia e as relações entre o

Estado e a Igreja.28 É provável que D. Macedo Costa, que lia o francês e o latim com

maestria, trouxesse aos seus sacerdotes esse tipo de leitura para formar opiniões, ideias etc. Muitos artigos traduzidos para o português eram publicados no A Estrella do Norte, demonstrando o interesse do Bispo por essa “propaganda” de um “Catolicismo Social” (cujos interesses eram as condições materiais das populações pós-capitalismo).

Apesar da intensa propaganda em favor do Catolicismo, contraditoriamente, o livro

Palavras de um homem de fé foi duramente criticado pela Santa Sé, com a acusação de

incitar a desordem social. Em 1837, F. Lamennais se afastou do clero, experiência relatada

25 Lamennais nasceu em Saint-Malo em 1782, numa família de um armador rico que tinha um título

de nobreza, dado por Luis XIV. Seu irmão, Jean-Marie, o conduziu à vida religiosa, iniciada aos vinte dois anos. Mais tarde, foi eleito representante na Assembléia Constituinte de Paris, defendendo uma espécie de Catolicismo social. Cf: LAMENNAIS, Félicitè de. Palavras de um homem de fé. Trad. de Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. VI-X, XV. Há outras obras publicadas no início do século XIX que provavelmente influenciaram alguns bispos entre os quais o do Pará:

Tradição da Igreja sobre o bispado (1813); Ensaios sobre a indiferença em matéria de religião

escrita entre 1817 e 1823; Da religião considerada em suas relações com a ordem política e civil, entre outras.

26LAMENNAIS, Félicitè de. “Questions Politiques et Philosphiques” apud SABORIT, Ignasi Terradas.

Religiosidade na Revolução Francesa. Trad. de Sieni Maria de Campos. Rio de Janeiro: Imago Ed,

1989. p. 82.

27 LAMENNAIS, Félicitè de. Palavras de um homem de fé. Trad. de Marina Appenzeller. São Paulo:

Martins Fontes, 1998. p. VI-X, XV.

(17)

87

no livro Os negócios de Roma. Por causa de suas publicações, pagou multas ao Estado, além

de ter sido preso pela mesma acusação referida acima.29 Em sua visão, o mundo moderno

vivia em agonia e a população na miséria, daí a necessidade de falar a favor do povo.30

Algumas passagens de Palavras de um homem de fé anunciam a catástrofe do mundo, com seus governos decadentes e um futuro incerto. F. Lamennais afirmou ter sido transportado, em sonho, para um passado remoto, um lugar onde os homens viviam felizes e em comunhão. No entanto, nesse sonho, a felicidade foi abalada pelo sussurro da serpente, a partir do qual alguns homens se ergueram e disseram que eram reis.31 As críticas à desigualdade social e ao individualismo capitalista estão explícitas nos textos de F. Lamennais, quando escreveu, por exemplo: “Se, na colméia, uma abelha dissesse: todo o

mel que está aqui é meu, e assim dizendo passasse a dispor como bem entendesse dos frutos do trabalho comum, o que seria das demais abelhas? A terra é como uma grande colméia e os homens como abelhas.”32

Para Lamennais, o capitalismo exploratório e a propriedade privada potencializaram as misérias sociais. Ele propunha um modelo social universal que mais parecia utopia àquela altura, cuja base econômica estaria no princípio associativo. “Não sejais como a planta e

como a árvore solitária: uni-vos, apoiai-vos e protegei-vos mutuamente.”33 Além de pensar esse tipo de relação como a melhor forma de sobrevivência humana, Lamennais legou ao padre a liderança na condução da sociedade. Quando os governos se revelassem brutos e tirânicos, caberia aos prelados atenuar essa brutalidade. As sedições sem objetivo seriam apenas revoltas apaixonadas, fruto do espírito da ignorância humana, que não resolveriam a desigualdade social. O sistema industrial europeu teria produzido uma massa de pobres sem destino, que vivia nas principais cidades a pedir esmolas. A promessa do progresso humano nos discursos filosóficos contrastava com a “dura realidade” das cidades centrais do velho mundo. No trecho abaixo, percebemos como Lamennais pensava a pobreza e sua solução:

[...] Quero assinalar aqui a profícua carreira que em breve se abrirá ao sacerdócio, chamado a servir, com meios novos, a parcela sofredora da humanidade; uma vez que seja desenvolvido um sistema de colônias agrícolas – já experimentado com êxito – como aplicando na indústria o princípio de associação, para benefício do pobre, seja concatenado os trabalhas industriais com os

29 Ibid. p. XV. 30 Ibid. p. 2. 31 Ibid. p. 9. 32 Ibid. p. 15. 33 Ibid. p. 17.

(18)

88

serviços de cultivo, numa feliz combinação, a intervenção do sacerdote será igualmente necessária, não apenas para dotar essa associação do caráter moral do qual dependem sua utilidade política e sua prosperidade material, como também para que um terceiro desinteressado sirva de laço entre as duas partes que deverão contratar, entre o rico que proporciona a terra e o dinheiro e o pobre que só pode oferecer seu trabalho ao fundo comum.34

As ideias de Lamennais diziam respeito a utilização de um sistema de colônias agrícolas associadas aos trabalhos operários na fábrica, sem extinguir as distinções sociais entre ricos e pobres. Alguns analistas afirmam em Lamennais um socialismo católico, mas o trecho de manutenção dos “grupos sociais” distintos não corrobora com essa afirmação, uma vez que no trecho em destaque há “duas partes” a serem conciliadas: “[...] que um

terceiro desinteressado sirva de laço entre as duas partes”. O terceiro desinteressado era o

sacerdote. Essas colônias diminuíram os índices de fome na Europa, obviamente, porém o prelado não deixa claro como tais sistemas funcionariam na prática.

Tais propostas acima foram apropriadas por D. Macedo Costa na análise do devir dos povos da Amazônia, que também estariam sofrendo com a exploração da borracha e dos comerciantes locais, tidos como servos das demandas industriais européias. Influenciado pelos escritos de Lamennais, D. Macedo Costa propunha um novo direcionamento para a extração do látex naquela região. Como não podia acabar a atividade, afirmava que os recursos dessa exploração deveriam ser aplicados à formação de colônias agrícolas, capazes de fixar o caboclo, o índio e mesmo o imigrante a terra e formar as bases da família e da moral. Era preciso, constituir uma comunidade católica que dependesse não da economia extrativa, mas da agricultura, alicerce da organização, tendo no sacerdote a liderança necessária.35 Era difícil para o bispo argumentar o fim da economia extrativa, pelo simples fato que nos textos políticos ela era considerada a responsável pela alta receita provincial (WEINSTEIN, 1993: 140-141).36

34 LAMENNAIS, Félicitè de. “Questions Politiques et Philosphiques” apud SABORIT, Ignasi Terradas.

Religiosidade na Revolução Francesa. Trad. de Sieni Maria de Campos. Rio de Janeiro: Imago Ed,

1989. p. 82. [grifo meu]

35 Mesmo D. Macedo Costa, que muitas vezes criticou a economia extrativa como a responsável pela

imoralidade e degeneração da família, não pregava o fim da exploração da borracha, mas a utilização de seus recursos em benefício da moral e da educação dos trabalhadores na floresta e nas colônias agrícolas.

36 A cidade de Belém vivia o que naquela época ficou conhecido como Belle Époche, em jargão francês.

Os lucros obtidos com a exportação da borracha eram revestidos pelas elites locais em melhorias urbanas: construção de teatros, saneamentos, criação das estradas e reestruturação das praças, ruas, bonde e iluminação pública. Para uma boa parte das elites esse período era de prosperidade, mas bastava sair dos centros das cidades para encontrar-se realidades não tão prósperas.

(19)

89

Os estudos sobre a economia gomífera no século XIX, mesmo com algumas críticas,

são unânimes em dizer que a Amazônia sofreu grandes transformações, principalmente com a chegada de imigrantes nordestinos, a partir de 1870.37 Muitos trabalhadores vinham sem

família e, ao serem levados para o Alto Amazonas, se embrenhavam nas florestas para extrair a goma elástica. Os mestiços e caboclos locais constituíam família com as índias e mestiças sem o sacramento da Igreja. Estas mulheres, em geral, eram responsáveis pelo cultivo e pelos afazeres domésticos. Os nordestinos que exploravam a floresta eram solitários e desprovidos de recursos. “Os seringueiros, no seu infortúnio, encomendavam aos “patrões” e estes às

“casas aviadoras”, mulheres, como encomendavam gêneros alimentícios, utensílios, roupas.” (REIS, 1953: 122-123) Nesse cenário, D. Macedo Costa propunha maneiras de

reverter os produtos da “miséria” da borracha, que segundo ele, era a responsável pela decadência material e moral dos povos da Amazônia. Como Lamennais, o Bispo do Pará acreditava nas colônias agrícolas com métodos disciplinares e dirigidas por prelados para sanar os problemas de anafalbetismo, carência material, abandono. Mesmo com a Questão Religiosa e com todos os problemas enfrentados no Império, D. Macedo Costa conseguiu realizar inúmeros feitos como criar asilos, colégios e reestruturar conventos e igrejas, ativando a “vida católica” na região, digo “vida católica” e não vida religiosa. Um dos caminhos mais claros apontados pelos Bispos era intervir na educação dos povos da Amazônia aos seus moldes, é claro.

Para muitos prelados do século XIX entre regulares e seculares a salvação da alma humana estaria não só na prática do evangelho, mas na formação intelectual, na expiação cotidiana dos atos, nas boas relações com a sociedade etc. A iniciativa de revitalizar os programas de catequese, a reabertura das aulas dominicais no Colégio de Santo Alexandre, o incentivo de enviar jovens para estudar em seminários europeus, a criação de escolas para crianças desvalidas são pontos-chave na política episcopal de desenvolvimento de uma “cidadania católica” no Brasil. Apenas com três anos de episcopado, D. Macedo Costa foi

37 Destacamos: REIS, Arthur C. F. O seringal e o seringueiro. Rio de Janeiro: Ministério da

Agricultura. Serviço de Informação Agrícola, 1953 CRUZ, Ernesto. História do Pará. vol. 2º. Belém: Governo do Estado do Pará, 1973; WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). Trad. de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec, 1993; BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará, (1850-1870). Rio de Janeiro, 2004 (Dissertação de Mestrado, UFRJ); SALLES, Vicente. Épocas do Teatro

(20)

90

elogiado pela Assembléia Provincial por suas iniciativas com a educação no Pará.38 Outra

forma de revitalização do ensino em Belém, sede da Província, foi a reabertura do Seminário na Igreja de Santo Alexandre. Com as seguintes palavras o Bispo, permite-nos entrever seus objetivos:

Eis porque o primeiro empenho meu desde que cheguei á esta diocese, meus caros meninos, tem sido fazer reflorescer os bons estudos no Seminário; eis, porque tenho envidado todos os meus esforços para reanimar nos corações de todos vós a sua emulação das letras, o ardor do trabalho, o desejo de vôos.39

Os autores que os alunos dos seminários deveriam ler e que seriam, segundo o bispo, importantes para a formação filosófica dos mesmos, eram: Bossuet, Fénelon, Mallebranche, Cartesio, Leibniz, Lacordaire, Montalembert, Rabignan, entre outros. A sugestão dessas leituras para os alunos do seminário combinava com os mandamentos do bispo para a formação do futuro prelado, que eram, entre outras coisas, a sua intelectualização e o exercício da retórica. As visitas pastorais e a catequese dos povos no interior da Amazônia também dependiam disso, uma vez que a formação de novos padres solucionaria o problema de vacância.

Restabelecer, pois, uma disciplina mais perfeita no Seminário, foi o mesmo que aplainar o caminho para os mais rápidos progressos nos estudos, pois assim se pode economizar e aplicar com proveito o tempo que se perdia inutilmente nos ócios e palestras dos quartos. Costumes mais regulares, silêncio mais observado, o estudo em comum, as notas no livro das aulas não cooperaram pouco para a obtenção do resultado que nos tem tanto satisfeito.40

Os alunos de tenra idade deveriam ter formação em estudos clássicos cujas matérias eram História Sagrada, Filosofia, Retórica e Geografia, além disso, deveriam aprender latim, Francês e Português. Tomando a educação laica e atual, a disciplina nos seminários parecia ser rigorosa, tendo os estudantes que distribuir seu tempo entre o conhecimento e as obrigações religiosas. As faltas dos alunos nas aulas eram um critério de reprovação.41 Esses

métodos não eram incomuns nos seminários e mesmo àqueles que não seguiriam carreira eclesiástica deveriam cumprir as regras.

As escolas de catecismo também eram incentivadas pela Diocese do Pará. Em alguns

38 FELICITAÇÃO dirigida pela Assembléia Legislativa da Província do Amazonas ao Exm. e Revm. Sr.

Bispo Diocesano. A Estrella do Norte. 19/07/1863. Belém, p. 231, 232.

39 CRÔNICA Religiosa. A Estrella do Norte, 15/11/1863. Belém, p. 365 a 368. 40 Ibid. Loc. Cit.

(21)

91

artigos do jornal A Estrella do Norte, percebemos uma campanha para evangelizar as

crianças e os jovens, com o objetivo de formar neles o “verdadeiro sentimento religioso.”42

Os jovens deveriam comungar entre os dezesseis e vinte anos, quando suas paixões, segundo o bispo, eram mais evidentes. “O calor da juventude coloca um jovem entre dois extremos:

entre o amor fatal de sua carne revoltada, que o desonra e perde; e o amor do Santíssimo e adorável corpo do Salvador, que santifica-o, salva-o.”43 Para D. Macedo Costa, nas escolas laicas reinava a imoralidade e a estupidez. Na verdade, essa era uma maneira de dizer que o governo precisava investir mais no ensino religioso e ampliá-lo, neutralizando os projetos liberais para o ensino secularizado.

Artigos discutindo os projetos do ensino laico não eram muito comuns no jornal católico na década de 1860, mas de 1877 em diante percebemos um aumentou de referências ao tema. Talvez a causa disso fosse a movimentação eleitoral e os riscos oferecidos pelos liberais aos católicos se viessem a ocupar as cadeiras no Parlamento do Império e colocar em prática seus programas. Num artigo publicado pelo jornal A Boa Nova, a Diocese do Grão-Pará discutiu os projetos dos liberais sobre a secularização do ensino, argumentando como a instrução sem religião provocaria a decadência humana. Segundo o articulista, a formação religiosa do homem diminuiria as mazelas sociais no mundo, tais como a embriaguez, o concubinato, os divórcios e a miséria social.44

As iniciativas de D. Macedo Costa para o desenvolvimento da educação religiosa no Pará não cessavam. O bispo idealizava, por exemplo, a construção de escolas para artes e ofícios, a partir do modelo de S. João Bosco, na Itália.45 Além disso, à margem da estrada

de ferro de Bragança, o bispo levantou um edifício com salões para dormitórios e salas para as oficinas, com o nome de Instituto de Artes e Ofícios Agrícolas da Providência, onde muitos índios e “desamparados” foram acolhidos e educados. (LUSTOSA, 1992: 493-494) De acordo com I. Rizzini, a criação de escolas, tanto na cidade como no interior, e qualquer outra forma de ensino interessava a um projeto “civilizador”, que servia aos interesses das elites regionais. (RIZZINI, 2004: 13) Em 1832, um Ato adicional instituiu a autonomia para

42 UM exame de catecismo. A Estrella do Norte, 03/01/1864. Belém, p. 7, 8.

43 A COMUNHÃO freqüente para os jovens. A Estrella do Norte, 01/11/1863. Belém, p. 348, 349. 44 [Instrução liberal]. A Boa Nova. 01/09/1877. Belém, n. 68. p. 1.

45 João Bosco nasceu de uma família camponesa na Itália em 1815. Sua trajetória no sacerdócio iniciou

em 1841. Costumava contar histórias religiosas para crianças, visitar presídios e criar oratórios em oficinas operárias. Pedia esmolas às famílias abastadas a fim de ampliar os cômodos de sua casa para servirem de abrigo aos pobres.

(22)

92

que as províncias pudessem investir na Instrução Pública.46 Nesse período, os debates

políticos sobre a questão já se ensaiavam. No entanto, é a partir da década de 1870 que jornais como O Liberal do Pará e A Província do Pará publicavam, com freqüência, artigos sobre a educação na província, que eram refutados pelo jornal A Boa Nova.

Assim, pensava-se na educação e instrução para as famílias. Nesse caso, a idéia era enquadrar a mulher como aquela que carrega mais do que qualquer um, o dever da educação do homem. Ela seria responsável pelo fracasso ou êxito humano, já que em suas mãos está a educação das crianças. Ao lado disso, tanto ultramontanos quanto liberais formularam propostas de instrução para os “desvalidos”, que na maioria eram índios ou miscigenados. Embora houvesse diferenças nas propostas, os discursos tinham em comum a ideia de “civilizar” a população amazônica. Há pontos de tangência entre as propostas liberais e ultramontanas sobre o processo educacional, por exemplo, mas uma coisa deve ficar clara: o ensino das disciplinas de humanidades tais como Filosofia, História, Retórica, Latim, Grego etc era um dos argumentos dos liberais para afirmar a elitização do clero e a pouca inserção dos prelados de altos cargos nas realidades brasileiras. (MARIZA, 2000)47 Com isso, diziam que as populações ignorantes não alcançariam os níveis complexos de tais conhecimentos e que estes se tornariam estéreis aos problemas sociais enfrentados.

CIVILIZAÇÃO E EDUCAÇÃO EM D. MACEDO COSTA

Há que se pensar na educação e seus problemas no Brasil Império como modo de entender embates entre os grupos sobre o que vinha a ser civilização. Por civilização, a despeito das várias conceituações que lhe foram agregadas, entendemos um processo a ser atingido. Etapas a serem percorridas para um fim tranqüilizador. Grosso modo, a ideia de civilização, por definição, está ligada ao convencimento positivo e otimista de uma parte da sociedade cortesã (ancien régime) de uma camada intelligentsia na autodefinição de valores e moral, colocando em evidência obviamente o seu contrário. Na Alemanha o termo kultur aproxima-se em alguns aspectos da idéia de zivilisacion, o parâmetro de distinção se referia à camada letrada e não letrada. Assim, na Alemanha a ideia ligava-se ao universo letrado e intelectual. (ELIAS, 1994: 27, 51) Civilização é um termo que ganhou fôlego na

46 Ibid. p. 15.

47 Sobre as matérias de ensino, por humanidades entende-se a aplicação da retórica, história, filosofia,

(23)

93

constituição de nações como Inglaterra e França e divulgado como parâmetro a ser

seguido.48 No século XIX, os intelectuais, políticos e letrados de modo geral discutiam, com

afinco, o “progresso econômico e industrial na modernidade”. A Igreja Católica não estava fora desse meio, exemplo disso são os projetos educacionais e culturais divulgados por padres tanto de tendência Ultramontana, quanto Liberais. No entanto o fator de distinção moral aqui não era a sociedade cortesã ou os intelectuais e artistas alemãs, mas àqueles que divulgavam em palavras e ação a Boa Nova.

Em 22 de abril de 1863, D. Pedro II lançou o decreto 3073, de 22 de abril de 1863, que uniformizaria os estudos nos seminários.49 Ao que parece, este documento relançava uma das pedras de discórdia entre os poderes temporal e espiritual no Brasil, antes mesmo da chamada Questão Religiosa. Na verdade, os conflitos entre esses poderes já existiam há muito e foram constantes na vida brasileira. Dois meses após o lançamento do decreto imperial, D. Macedo Costa publicou no jornal da diocese um artigo-documento intitulado

Memória, no qual discutia o decreto 3073 do Império sobre as cadeiras dos seminários.50

Nossa preocupação aqui é perceber a crítica de um ultramontano à política imperial relacionada a instituições caras ao Catolicismo.

Este decreto, que remontava a um alvará de 1805, uniformizava o estudo nos seminários subsidiados pelo Estado. No primeiro momento o intuito do Imperador, segundo o bispo, era apoiar-se numa legislação para os seminários, elaborada pelo Concílio Tridentino. Segundo D. Macedo Costa, alguns relatórios ministeriais que geriam os assuntos eclesiásticos traziam em seu conteúdo a mesma pretensão de D. Pedro II, que era de “regenerar o clero” e dar-lhe um “uma instrução mais larga e mais de acordo com a

necessidade do tempo”. Na visão do Bispo, o objetivo do governo era fazer com que o ensino

eclesiástico tivesse um papel mais social, além de melhorar as bases do ensino secundário, como forma de ampliar os estudos dos aspirantes aos seminários, dando-lhes uma maior preparação. Essas eram as supostas intenções manifestadas pelo Imperador ao bispo D. Romualdo de Seixas, em 1851, e que, segundo o D. Macedo Costa, não foram colocadas em

48 Havia quem considerasse a civilização uma falácia e sua propagando uma ilusão. Para um

contraponto podemos citar Oswald Spengle Der Untergang des Abendlandes (A decadência do Ocidente) de 1918; Fredrich Nietszche Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik (O nascimento da tragédia e o espírito da música) de 1872; Goethe Faust (Fausto) de 1806, entre outros. Esses autores pertenciam à heterodoxia moderna e ao underground do conhecimento àquela época e, para alguns, até hoje.

49 ADESÕES ao clero. A Estrella do Norte, 08/11/1863. Belém, p. 355, 356. 50 Ibid, p. 26 a 28.

(24)

94

prática.51

Antes da crítica, D. Macedo Costa acreditava nas reformas e sugeria, numa carta enviada ao Imperador, em 21 de janeiro de 1863, que tais reestruturações chegassem aos seminários de Belém. O Bispo pedia que fossem criadas as cadeiras do ensino de matemática, trigonometria, geometria, aritmética e álgebra, que, tal como na Europa, seriam importantes ao desenvolvimento do raciocínio e da lógica nos alunos, servindo de fundamento para outras disciplinas. Os seminários brasileiros deveriam que se inspirar no modelo de Saint Sulpice, onde, segundo D. Macedo Costa, os candidatos ao sacerdócio aprendiam física e química, antes mesmo de teologia. Além disso, havia a necessidade de se criar, no Brasil, faculdades de teologia com o objetivo de tornar o clero brasileiro mais intelectualizado. Isso significava a introdução de disciplinas como etnografia, geografia, corografia, botânica, medicina, história profana, gramática, exegese bíblica e o estudo da língua.52

Ao contrário do que esperava D. Macedo Costa, o Imperador retirou do ensino nos seminários as cadeiras mais importantes para o Bispo, ou seja, o ensino de língua grega, exegese bíblica, direito natural e eloqüência sagrada. Apenas manteve algumas matérias de latim, francês, retórica e filosofia. A insistência de D. Macedo Costa para que fossem conservadas as áreas acima levou o Imperador a afirmar que se os bispos quisessem continuar com essas matérias, que pagasse os professores com seus próprios rendimentos. Diante disso, D. Macedo Costa afirmou que os prelados ganhavam mal, apenas 300$ reis de côngrua por mês, e que seus rendimentos mal cobriam as necessidades pessoais e as atividades religiosas. Lembrou, ainda, que D. Maria I, junto com a Santa Sé, havia repassado por decreto para o Seminário do Pará as fazendas dos extintos mercedários, mas esses bens não teriam chegado a formar o patrimônio da Igreja nessa região. Além disso, a Diocese não recebera os bens que as congregações religiosas deveriam repassar. Argumentava D. Macedo Costa que o clero do Pará não possuía recursos para manter funcionando as aulas das disciplinas que considerava importantes para a formação do seminarista e dos estudantes em geral.53 Grande parte do ensino naquela Diocese como em muitas outras no Brasil era dirigido pela Igreja e havia os que considerassem esse monopólio um mal e atraso para o

51 MEMÓRIA. A Estrella do Norte, 18/10/1863. Belém, p. 331 a 334. 52 Ibid. Loc. cit.

Referências

Documentos relacionados

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

ambiente e na repressão de atitudes conturbadas e turbulentas (normalmente classificadas pela escola de indisciplina). No entanto, as atitudes impositivas da escola

Ao longo deste trabalho, analisamos como os profissionais da Escola Estadual Normandia, localizada na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, promovem seus processos

A Educação Especial, desde a Educação Infantil até os anos finais de escolaridade do Ensino Fundamental, deve assegurar ao educando a formação indispensável e

Por fim, na terceira parte, o artigo se propõe a apresentar uma perspectiva para o ensino de agroecologia, com aporte no marco teórico e epistemológico da abordagem

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

The DCF model using the Free Cash Flow to the Firm (FCFF) method, estimates in the first place the Enterprise Value of the company, that represents the value of all future cash

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on