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Satélite. distância. é quando inclina o rosto ligeiramente à direita. e empurra os óculos que escorregam. pelo nariz de volta aos olhos

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Academic year: 2021

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Satélite

distância

é quando inclina o rosto ligeiramente à direita e empurra os óculos que escorregam

pelo nariz de volta aos olhos sempre com o indicador ou ainda pelos cabelos pelo modo escuro que caem

na testa que repete desde o nascimento essa outra face

ela começa a vincar nos mesmos lugares

respondendo aos anos com o rosto que a precedeu como se voltássemos sempre de onde partimos como se tivéssemos partido de mais longe

(2)

2 dias em que as laranjas estarão

ligeiramente ácidas

os olhos mais cansados antes de chegarmos em casa

noites em que pensaremos por mais tempo no que corre conosco furando a terra dentro dos vagões

em como parece a via láctea o teto mofado do banheiro

(3)

3 levo uns dias para escrever depois dos retiros

me demoro vasculhando os cantos da casa a palavra guardada em cadernos

entre a terra dos vasos os pelos dos gatos me esqueço no sono dos bichos

na lentidão das raízes dos cactos elas se espreguiçam no solo

depois dos retiros primeiro me sento tentando ouvir o ruído das plantas acordando debaixo da terra

(4)

4 a frouxidão dos elásticos das roupas

das torneiras incapazes de impedir a fuga persistente da água

uma gota por minuto desde sábado cinco baldes esta manhã

a esponja de repente envelhecida as esquadrias

subitamente envelhecidas as garrafas de café a borra esquecida no filtro

(5)

5 repara essa distância

entre a xícara que colocamos diante da palavra xícara e a palavra

xícara

sente o calor entre a mão e o líquido ainda que ela possa te queimar a palma se você segura a porcelana, percebe o intervalo

se te escrevo xícara e você se dá conta asa

(6)

6 por muito tempo olhar o que não parece

se mover nas costuras dos cadernos o que guardam as orelhas dos livros a metragem percorrida pelos olhos

também o espaço entre as lombadas nos enganam das estantes, a aparente imobilidade

da tinta na caneta prestes ao salto

(7)

7 o estalo do pão que se parte

um dos mundos dentro do mundo de muitos ruídos

pode ser a fome criando a farinha fermento que não se vê

conduzindo ao que parece preciso na massa que não existe

(8)

8 o livro deforma o sizal

da cadeira, um corpo antigo resistindo imóvel à hora

que cai sala adentro, pedra difusa atingindo em cheio a superfície leitosa do mundo da mesa emborcado num canto o copo alheio à lentidão da caneta tenta um movimento

brusco

(9)

9 anota pequenas tramas diálogos roubados

o que lê em placas de comércios postes no verso das poltronas nos ônibus às vezes são só palavras soltas, puídas sem conexão acidentes formando imagens sextavadas calcários o que delas escapa conduz a mão o fato de não reter jamais

o nome das coisas depois de desejá-las

(10)

10 abrir o livro, um oráculo

para não escolher a palavra certa que me encara, carregá-la pela casa à cozinha, fervê-la com a água de todos os dias, soprá-la retê-la no véu palatino inundando o interior da fala o que ao redor se ata recompõe o velho percurso de um cotovelo assentado na estante, o outro suspenso

(11)

11 feito alguns insetos dados à umidade

há poemas que começam a se formar em juntas de azulejos, quinas

de espelhos fios partidos, redemoinhos assim como eles o poema nascido do congestionamento de ralos aprende a contornar lentamente sua desaparição por afogamento na gota violenta que se atira dos cabelos molhados

(12)

12 nas últimas semanas comecei muitos livros

tomei ônibus pensando que não iria aos pontos finais passei tempo demais imaginando como seria

o lado de lá da avenida

as línguas a conhecer, como dizer chávena em polonês espanhol tibetano

tanto mofo nas juntas dos azulejos onde começam onde

se terminam não ser dizer

tivesse insistido nos livros talvez soubesse melhor como dar um jeito

a este verso

galopante ele resiste

ao meu impulso de abandoná-lo no meio da palavra chávena

(13)

13 lavar pela manhã os olhos com a água

nas concavidades das mãos umedecer sobrancelhas, cílios a secreção que se forma no canal lacrimal em dias secos, piscar muitas vezes ao longo das horas em que se olha os detalhes

de um objeto, a luz que ele refrata a parte da luz absorvida por ele perder para ele um pouco da vista nesse lugar impreciso, reter

o que dele se deixa traçar lavar nos olhos o rastro

antes de deitá-los nas pálpebras fechá-los como se fosse possível não sonhar com esse objeto, sua luz

(14)

14 no papel que escorrega de um bolso

na volta que se desfaz na trança de alguém no transporte público

ou nos óculos do cobrador a última vez em que cai um papel sem alarde

em que essa volta que se desata dentro do ônibus se multiplica se tivermos sorte podemos ainda ver o instante preciso

em que isso tudo desaparece

(15)

15 mais um dia como os outros não fosse

esse modo em que às vezes a tarde arrasta janela adentro qualquer coisa marítima se a sala fosse um navio afundando devagar a noite avançaria

fôssemos peixes e a casa um aquário nenhum movimento seria

sem resistência, nos moveríamos mesmo assim em direção a lustres

interruptores, mas antes que as lâmpadas se acendessem douradas

(16)

16 fuga

de susto perderão alguns poemas o próprio rabo, feito lagartixas

se encarados antes da hora alguns deles poderão ainda, como polvos

contaminar com tinta o espaço até perdermos seu rastro

assustando-os assim há o risco de ficarmos apenas com o que pode abandonar o poema na fuga, digitais documentos, fios de cabelo repletos de DNA e nada disso nos levará de volta ao seu encalço

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17 às seis a marcha do sol se projeta

na parede do apartamento seu desaparecimento acontece senão pelo prisma hexagonal pontual na superfície plana

feito um relógio asteca ela ampara a fuga da última meia hora

do dia

alfinetes perdidos não serão achados depois das seis e até que amanheça muito depois das cinco

(18)

18 eu lia seus diários, ela me disse

mesmo antes de aprender a ler eu os lia ou eram eles que se escreviam

diante de mim, os metros de linha eles dariam três vezes a volta no planeta, não sei calcular gostaria de voltar àqueles metros percorrer mais uma vez esse caminho esférico, capaz de me levar

de volta a ela, às suas linhas sempre retas fazendo

essa curva

de todos os diários, no entanto restou um único dia, ela me disse descrito senão

por uma palavra

e é porque é uma e solta no centro da página

sem tempo, sem função sintática

que é possível seguir qualquer direção ao lugar onde ela ainda parece

escrever seus diários hoje

é por isso também que me recuso a partir, fico ao redor

(19)

19 dessa palavra, não é preciso

tendo ela, ir a lugar algum para encontrá-la

(20)

20 é preciso sorrir ao que se parte

ao que não se cola

aos pedaços que se rompem irremediáveis

ao verso do mundo, solas de sapatos nucas, espaços miúdos

atrás de orelhas, dobras de dedos é preciso, você me diz

com as costas de sua camisa rir de nós mesmos escapando das polaroides

(21)

21 entre o sol e o corpo ao sol

entre a marca que ele projeta na pedra e o que não é pedra, nem corpo

ou meus olhos nomeando tudo acontece no espaço em que a palavra não pisou mas que é sonhado por ela

(22)

22 feito alguns insetos que podem se desmanchar

numa lufada de vento imprevista

estudar a direção das correntes, a temperatura do espaço, escolher duas ou três

palavras que sirvam à aerodinâmica do corpo

(23)

23 invejo que você possa sonhar numa língua

em que não aprendeu a dizer o mundo e ao topar o pé num objeto

de metal, por exemplo

hesitar no espaço entre duas ou mais palavras

(24)

24 não cai, flutua no espaço

suspenso pelo ar quente o poema longe das mãos um satélite

fragmento em pleno voo içada a estrutura no nada navega em câmera lenta corpo indolente incendiado pelo hálito furioso

febricitante

de quem tenha soprado em seu interior

(25)

25 febre

a matéria é uma crença profunda você me diz

enquanto sentimos pela porta do armário o calor de um vestido inflamado

(26)

26 a luz passou a atravessar a janela

revelando a antinomia das esquadrias

qualquer coisa metálica na ligeireza dos insetos em suas frestas

e na poeira ancestral compassada

ora dourada ora azul

(27)

27 não arrematar, que estanque sozinho

que proliferem fibroblastos no tecido ferido do poema, ali

onde desejamos atar as beiras ainda abertas com um ponto final, deixar que escorra ensope dedos

(28)

28 quando se deixa abrir

para além da lombada a hora

quando no caco de vidro avistamos rochas celestes

quando topamos o pé numa forma silenciosa

(29)

29 cartográfico

o que você me diz começa a acontecer na disposição dos selos ao redor do endereço, na letra

desobedecendo a linha imaginária sob o destinatário

ela parece querer se jogar para fora desse prefácio o que você me conta começa muito antes, por isso me perco olhando tudo isso, tento

decifrar o que você me escreve do lugar em que tudo aqui rua cep cidade

(30)

30 por isso olhar o que parece parado

o céu, quando há céu

nos vidros refletida a cercadura do mar as ourelas de um tecido

há sempre o que se perde ao movimento um pensamento vago, o instante

que se atira dos objetos

por isso olhar o que não se move para agarrar antes que caia a veia estática

Referências

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