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Aula de música na escola e o canto na sala de aula
Teresa Mateiro
1Tâmara Shizuka Alves Okada
2Marisleusa de Souza Egg
3Palavras-chave: canto; aula de música; formação do professor.
Resumo: Este trabalho investigou que atividades estavam sendo trabalhadas na aula de
música de uma turma do 6º ano de uma escola pública da cidade de Curitiba.
Verificou-se
que o canto foi uma prática presente em todos os momentos e auxiliou a compreensão e
aprendizagem de conceitos básicos de teoria musical, além de facilitar a assimilação das
melodias a serem tocadas na flauta doce. Constatou-se que por necessitar de
conhecimento e cuidados básicos, é imprescindível que o professor de música, durante
sua formação, seja capacitado para poder trabalhar com a voz infantil.
Introdução
Há muito tempo, o ensino de música no currículo escolar vem sendo debatido e,
após a implementação da Lei nº 11.769, de 18 agosto de 2008, que alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em que o conteúdo
de música na educação básica tornou-se obrigatório, vários profissionais tem se
interessado sobre o tema e diversos estudos tem sido realizados com a finalidade de
entender como se daria este processo na rede pública de ensino. Acompanhando este
panorama tão importante na história da Educação Musical no nosso país, o presente
trabalho buscou investigar a aula de música, observando e analisando as atividades que
são propostas e desenvolvidas em sala de aula. Outros estudos paralelos a este estão
sendo realizados, como parte de uma pesquisa mais ampla, sobre as aulas de música no
currículo escolar.
Diversos trabalhos da área de educação musical têm mostrado que o canto é um
recurso presente não só nas aulas de música, mas em várias práticas e situações presentes
na escola (SOUZA et al., 2002; FUCKS, 1993; FUCCI-AMATO, 2012). De acordo com
Fernandes (2009, p.31 e 32), documentos que registram a presença da música nas escolas
do Brasil durante o século XIX apontam que o canto era papel primordial na escola, pois
1 Orientadora, Professora do Departamento de Música do CEART – teresa.mateiro@udesc.br. 2 Acadêmica do Curso de Música – CEART-UDESC, bolsista de iniciação científica
PROBIC/UDESC.
3 Professora da Educação Básica, participante voluntária do Grupo de Pesquisa Educação Musical
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era através do canto conjunto que, na prática, a música mostrava-se importante como
disciplina. A autora aponta ainda, que neste período a prevalência da música europeia no
país era também observada nas escolas e que, com o surgimento do movimento
nacionalista ela passou, gradativamente, a ser substituída por músicas patrióticas e que o
canto foi uma forte ferramenta para tal mudança, mesmo não sendo trabalhado com os
cuidados específicos.
Cáricol (2012) traz que, em 18 de abril 1931, o então presidente Getúlio Vargas
assinou o Decreto Federal nº 19.890 que aprovava o projeto de educação musical de
Villa-Lobos. O projeto utilizava o canto coletivo como forte ferramenta educacional
devido ao fato deste trazer consigo a capacidade de integrar e socializar a comunidade,
além de ter grande papel na formação moral e cívica da infância brasileira.
Souza (1991) descreve que Villa-Lobos, ao observar a utilidade do canto coletivo
na escola com os objetivos nacionalistas, viu uma forma de resolver o problema da
identidade do povo com a pátria. Isso porque o repertório trabalhado trazia canções que
cultuavam a pátria, a figura do presidente e exaltavam à nação brasileira. Desta forma,
conforme a autora, o canto tinha um caráter funcional, pois tinha a proposta oficial de
uma educação moral e cívica clara, tanto que as canções trabalhadas neste período tinham
como principal objetivo exaltar o sentimento nacionalista e promover a aprovação das
decisões políticas do governo. Segundo Cáricol (2012, p.23), oficialmente no ensino
público brasileiro, o projeto foi adotado durante as décadas de 1930, 1940 e 1950 em todo
o território nacional e foi posteriormente substituído pela disciplina educação musical,
por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024, de 1961.
A pesquisa de Tourinho (1993) discute as várias funções e múltiplas
interpretações que podem ser dadas ao ensino da música na escola fundamental e aponta
que o canto é a atividade mais reconhecida e valorizada entre as demais atividades de
execução realizadas nas salas de aula. As professoras participantes do trabalho de Souza
et al.
(2002) mencionaram que o canto, a execução instrumental, a confecção de
instrumentos, a audição/apreciação e a composição poderiam ser atividades
desenvolvidas pela educação musical escolar. No entanto, mais uma vez, a ênfase foi
dada às atividades de execução vocal.
Houve um momento na história da educação musical em que “as aulas de música
deixariam, aos poucos, de ser cantadas” (FUCKS, 1993, p.146), em consequência tanto
da contestação ao canto orfeônico quanto do movimento das novas propostas pedagógicas
voltadas para a educação artística. Gradativamente a música foi perdendo o seu espaço na
sala de aula, mas, de uma forma ou de outra, continuou presente no cotidiano escolar
(SOUZA, et al., 2002), tanto que, de acordo com Fucks (1993, p.148) “apesar do
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professor de música haver silenciado a sua prática cantada, a escola continua a priorizar o
seu canto”.
Levando em conta o apanhado histórico e o destaque do canto como recurso
pedagógico nas atividades das aulas de música da turma analisada, este estudo teve como
questão de pesquisa: de que forma a atividade do canto se desenvolveu nas aulas de
música observadas?
O professor e o ensino do canto na educação básica
Barboza (2008) descreve que cantar é um desejo demonstrado espontaneamente
pelas crianças e, por conta disso, é um recurso pedagógico privilegiado para a
musicalização. Schmeling (2005) aponta que a prática do canto é vivenciada com
frequência, em diversas ocasiões, possibiltando inúmeras abordagens. O canto, conforme
Ilari (2003), está presente nas atividades de musicalização infantil no mundo todo e
afirma que o período escolar é a época em que esta prática deve ser bastante estimulada e
desenvolvida. De acordo com a pesquisadora, o ato de cantar, independentemente se é de
forma espontânea ou direcionada, pode estimular os sistemas vitais para o
desenvolvimento cognitivo infantil, sendo estes os sistemas da linguagem, da memória e
da ordenação sequencial.
Ainda relacionado aos benefícios cognitivos, Ferreira (2007) expõe sobre o
desempenho e domínio da voz na emissão sonora, no que diz respeito ao seu uso correto,
saudável, estético e musical, seja na voz falada ou cantada, envolvendo aspectos técnicos,
expressivos e cognitivos. A autora investigou os aspectos indicativos da influência da
performance vocal no desenvolvimento das funções cognitivas e comunicativas da
linguagem oral da criança, apontando a importância da escolha do repertório e sua
prática, pois existem condições de performance vocal que podem colaborar ou influenciar
no desenvolvimento da linguagem. Ao confirmar essa hipótese, Ferreira insere o canto
no mesmo patamar de significância da fala para a educação infantil.
Tourinho (2003) coloca que, apesar de ser muito utilizado no espaço escolar, o
canto na sala de aula não tem sido concebido como meio para ampla percepção e
apreensão dos conceitos musicais, e não tem sido reconhecido como uma ferramenta que
pode ser utilizada para fins variados e contrastantes, sendo pouco utilizado em cenário de
ensino e aprendizagem. Já Fucks (1993) diz que os aspectos musicais e extramusicais são
indissociáveis no canto escolar.
Conforme Tourinho (2003), a maneira como o canto é explanado em sala de aula
pode ser justificado conforme a formação oferecida aos professores. Embasando tal
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argumento, Figueiredo (2004) atenta que são indispensáveis conhecimentos mínimos para
que se desenvolvam atividades com canto em sala de aula e frisa que o acesso limitado
dos professores generalistas e a pouca importância dada ao canto nos cursos de
Licenciatura em Música, estimulam a falta de habilidade destes profissionais, por
priorizarem mais a prática de canto coral ou o estudo de algum instrumento.
Para Specht (2007), o fato do professor cantar menos na escola está diretamente
relacionado ao seu despreparo vocal, que além de não ter experiência com canto na escola
também não teve acesso a informações e não adquiriu conhecimento sobre esta prática
durante sua formação pedagógica. Para a autora, o professor necessita dispor de
informações técnicas fundamentais para entender como a voz funciona. Ao compreender
seu aparelho fonador e a fisiologia da voz, ele irá adquirir novas possibilidades em sua
emissão vocal pelo simples fato de que conhecendo a voz e sabendo como trabalhar com
ela, o professor poderá explorar as mais diversas atividades com a voz cantada durante
suas aulas. É essencial ter conhecimento para estimular um cantar saudável, seguro,
criativo e com qualidade.
Afirmando que o professor age como modelo vocal em diversos momentos no
espaço escolar, Egg (2011) expõe a necessidade de formação do professor no que diz
respeito à utilização do canto e seu desenvolvimento na sala de aula. Ressalta a
importância de o professor conhecer os princípios sobre a formação da voz infantil,
principalmente pelo fato deste ser um modelo vocal a ser seguido e de que a criança,
naturalmente, tem a característica de imitar o que ouve. A autora coloca que o canto é a
forma mais ampla para o alcance do desenvolvimento musical, devido ao fato de ser uma
expressão musical acessível, que trabalha habilidades vocais gerais na criança, auxilia no
desenvolvimento da voz falada e contribui para o treinamento da memória, concentração
e autocontrole, além de contribuir para na formação musical e a fixação de conteúdos.
Metodologia
Este estudo procurou observar e analisar como o cantar foi abordado nas aulas de
música curriculares de uma escola pública. A instituição escolhida foi selecionada através
da Secretaria Municipal de Educação, de acordo com os critérios expostos no projeto de
pesquisa enviado: escola que ofereça aulas de música, como disciplina curricular, para
séries do ensino fundamental ministradas por um(a) professor(a) especialista.
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Eram requisitos do estudo em questão
4que fossem preferencialmente turmas
entre o 4º e o 6º ano, bem como levar em conta a disponibilidade de horário das
pesquisadoras, exigência atendida tanto pelas duas turmas selecionadas, como pelas
outras sugeridas pela professora de música da escola. Para o presente trabalho, foram
analisadas as aulas de uma das turmas: um 6º ano, com 29 alunos, com idade média entre
11 e 13 anos.
A coleta de dados ocorreu após os contatos estabelecidos com a escola e a professora
via telefone e correio eletrônico e foi executada em duas fases: visita à escola e
observação das aulas. Consideramos importante a visita à escola para conhecermos tanto
o ambiente e a infraestrutura como o corpo docente, discente, a direção e os funcionários.
A postura assumida pelo pesquisador durante as observações foi o de observador
participante (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), pois registrou os eventos sem influenciar o meio,
não interagindo nem com os alunos e nem com a professora. FLICK, (2004) e
TRIVIÑOS, (1994) denominam tal técnica como observação não participante, pelo fato
de o observador ser um agente passivo que não intervém nos acontecimentos, o que torna
esta uma observação natural. A utilização das técnicas de observação foi muito
importante para o trabalho, pois foi possível captar a realidade da sala de aula.
As aulas foram observadas e gravadas em vídeo continuamente por cinco
semanas, sendo que cada uma delas tinha duração de 45 minutos. As gravações em vídeo
foram transcritas seguindo o sistema de minutagem, organizando a sequência dos
acontecimentos em ordem cronológica. As transcrições, feitas de forma não-literal e de
forma extremamente imparcial e cuidadosa, não receberam comentários particulares e
trazem, exclusivamente, os acontecimentos ocorridos nas aulas. Após isto, os arquivos
foram revisados por duas pessoas diferentes, pertencentes ao grupo de pesquisa
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etapas de transcrição e revisão foram fundamentadas, sobretudo, em Loizos (2004) e
Rose (2004).
Seguindo as fases do processo de análise propostas por Maroy (1997),
inicialmente se fez a redução de todo o material bruto para, em seguida, ser feita a
organização e sua interpretação para assim, fazer a verificação. Utilizando as palavras de
Gaskell (2004, p.85): “o objetivo amplo da análise é procurar sentidos e compreensão. O
que é realmente falado constitui os dados, mas a análise deve ir além da aceitação deste
valor aparente. A procura é por temas com conteúdo comum e pelas funções destes
temas”. Confirmou-se claramente esta afirmação ao verificar a necessidade de ler e reler
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Aulas de música de outras escolas em cidades diferentes fazem parte da pesquisa mencionada anteriormente e, por isso, as turmas participantes são entre 4º e 6º anos.
5 Educação Musical e Formação Docente: o grupo integra o Diretório dos Grupos de Pesquisa no
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os dados, o que possibilitou amplo conhecimento acerca do material coletado e permitiu
não só a reflexão, mas também o retorno aos objetivos principais e iniciais da pesquisa
quando necessário.
Sendo a aula de música o principal tema do trabalho, os dados foram dispostos
nas seguintes categorias: repertório, conteúdo, flauta doce, canto, aspectos técnicos e
musicais, professora e alunos. Neste trabalho, especificamente, apresentaremos e iremos
discutir os resultados relacionados à categoria canto, sendo incluídos nesta categoria
todos os trechos transcritos das cinco aulas observadas em que os relatos descrevem o
momento em que a execução vocal está sendo desenvolvida, ou seja, quando professora
ensina alguma canção ou quando está dando algum exemplo musical por meio da voz
cantada ou ainda, quando os alunos cantam.
Apresentação e discussão dos dados
Analisando as gravações em vídeo, despertou nossa atenção o modo como a
professora desenvolvia o trabalho na sala de aula baseando-se no livro Canto e flauta
doce
, de autoria de Walmir Marcelino Teixeira (TEIXEIRA, 2008)
6. Mesmo não sendo a
principal atividade a ser desenvolvida na aula, que tinha o foco no ensino de flauta doce,
o canto estava presente em todas as aulas observadas. A professora sempre cantava
quando ia exemplificar algum conceito musical ou destacar a melodia praticada na flauta.
Tourinho (1993) ressalta que ensinar música por meio da voz é um artifício pouco
utilizado pelos professores. Durante as cinco aulas observadas, algumas vezes a
professora utilizou o canto explorando aspectos musicais. Em uma das aulas, cantou a
escala de Dó Maior, explicando este assunto para os alunos. A professora buscou diversas
maneiras de expor o conteúdo para os alunos, visando sempre um melhor aprendizado.
Isto pode ser comprovado num dos trechos da entrevista, onde ela cita que “tem coisas
que a gente trabalha, por exemplo, os elementos da música que eu falo o ano inteirinho,
altura, duração, intensidade, timbre e vou fazendo atividades que se relacionam com isto.
A própria flauta, às vezes quando eu ensino uma música daí eu mostro a intensidade, né?
Um só toca, todos tocam. Volume, então vou usando o que eles estão fazendo na aula e
isto eles gostam muito. Na mesma aula ela deu exemplos de sons graves e agudos
cantando uma escala ascendente e descendente, iniciando na nota Sol 2 e terminando no
Sol 3, completando uma oitava. A tonalidade de Sol Maior pareceu ser a adotada pela
professora para os exemplos vocais.
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Esse livro se deve a uma iniciativa do governo do estado do Paranáem estabelecer um programa de aula de música em torno do instrumento e do canto.