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Walter Benjamin: Historiador do Barroco

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Academic year: 2021

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Walter Benjamin: Historiador do Barroco

Josias José Freire Júnior*

Este texto visa discutir a ideia de história do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) a partir de sua conhecida obra sobre o teatro barroco alemão: Origem do Drama Barroco Alemão (BENJAMIN, 1974; 1984). A despeito de Walter Benjamin não ser reconhecido por parte da recepção crítica de sua obra como historiador, discutiremos a possibilidade das considerações do filósofo alemão acerca do teatro alemão do século XVI promoverem um incremento da compreensão do fenômeno do barroco.

Walter Benjamin no livro sobre o barroco alemão elaborou uma ideia de história e um conceito de historiografia permeados pelos elementos estéticos-culturais relacionados aos temas do poder, da violência, da imanência histórica e da transitoriedade do mundo a partir da ação estatal, alegórica, teatral e política do teatro do barroco alemão. A partir de uma escrita filosófica marginal em sua época – o texto sobre o drama barroco alemão foi a fracassada tentativa do filósofo de ingressar na carreira acadêmica – Walter Benjamin reconfigurou a tradição interpretativa do barroco do início do século XX ao romper com os cânones de certa crítica “historicista”, produzindo uma escrita da história marcada pelas experiências dos primeiros anos do século passado; uma escrita da história que toma a tradição cultural e, especialmente a tradição literária, não apenas como fonte historiográfica, mas como teoria que altera, redimensiona e produz as próprias noções de história e conhecimento. Partindo de alguns elementos das análises presentes em “A origem do drama barroco alemão” esta comunicação visa problematizar e atualizar as ideias de história e historiografia do filósofo alemão, ao ritmo do procedimento crítico elaborado pelo filósofo em sua célebre obra.

Apresentaremos as considerações de Walter Benjamin acerca do drama barroco alemão a partir de dois temas: o da imanência e a da alegoria.

No livro sobre o drama barroco o Trauerspiel - o teatro “barroco”, do “drama trágico” da época do barroco – aparece como gênero dramático apresentado na história. O caráter histórico da tragédia da época do barroco aparece na obra de W. Benjamin como tema e cenário deste teatro. O drama barroco aparece como representação e ação históricas: “No século XVII, o termo Trauerspiel se aplicava tanto à obra como aos acontecimentos

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2 históricos, do mesmo modo que hoje, como maior justificação, ocorre com o termo trágico” (BENJAMIN, 1984: 87).

A imanência no teatro barroco se apresenta enquanto oposição aos temas míticos da tragédia. No drama barroco, ao se encenar o teor histórico – sua relação específica com a temporalidade moderna – se indiferencia da história: “a tragédia podia ser captada no processo histórico (im geschichtlichen Ablauf selbst das Trauerspiel mit Händen zu greifen)” (BENJAMIN, 1984: 87; GS I: 243).

Enquanto na tragédia clássica – e no cânone da transposição de seus elementos para a tragédia moderna – se referia ao mundo miticamente, exteriormente determinado, a tragédia do barroco alemão, o Trauerspiel, se caracteriza pela referência ao tema da história e pela produção da história daquele período. A história aparece no drama barroco alemão, para Walter Benjamin como conteúdos do teatro e caráter histórico, historicidade específica da época.

O conteúdo histórico do drama barroco apresenta sua historicidade; o teatro permeado pela historicidade moderna configura na história do drama a figura do “protagonista da ação histórica” (BENJAMIN, 1984: 88) como representante da história. A personagem típica do drama barroco produz história ao passo que está inserida nela: “O soberano representa a história. Ele segura em suas mãos o acontecimento histórico, como se fosse um cetro”. (BENJAMIN, 1984: 88; GS I: 245). Diferentemente da experiência tradicional o drama barroco alemão, a partir de sua resposta à experiência moderna do tempo, tem por conteúdo, caráter (gehalt) a história, a “vida histórica tal como aquela época a concebia (Das geschichtliche Leben wie es jene Epoche sich darstellte ist sein Gehalt, sein wahrer Gegenstand)”(BENJAMIN, 1984: 86; GS I: 242-243). O soberano enquanto figura típica do drama daquele período, na medida em que se insere no processo histórico se destaca como figura produtora da história; tal experiência de historicidade fora possível, seguindo a interpretação benjaminiana, graças à peculiar concepção de tempo presente naquela época: a temporalidade moderna refigurada como estado de imanência, de pertencimento absoluto à história mundana, profana.

A imanência se apresenta na figura sui generis do drama barroco alemão. Em contrapartida ao ideal tradicional, da noção de estabilização da experiência da temporalidade, os elementos “imanentistas” do barroco apresenta esta época como “obcecada pela ideia de catástrofe” – pela ideia de produção de uma história humana, que não poderia ser senão catastrófica. O mundo “arrastado” “em direção à catástrofe”, o mundo governado pelo caos da

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3 história humana (BENJAMIN, 1984: 90). A historicidade radical das personagens, cuja figura mais significativa é a do soberano, as apresenta como produtoras e inseridas nos reveses da história. A história como violência representa a violência de uma história nas mãos humanas típica da época do drama barroco alemão.

A concepção da imanência presente no teatro da época do barroco reverbera no estilo alegórico do gênero dramático daquela época. A concepção de alegoria enquanto procedimento de representação da história se refere à ideia de uma história não tanto mais submetida à diacronia das estruturas tradicionais – a continuidade das concepções míticas de tempo – mas a partir do caráter sincrônico da concepção de história como representação da história:

“A secularização da história na cena do teatro exprime a mesma tendência metafísica, que levou, simultaneamente, a ciência exata a descobrir o cálculo infinitesimal. Nos dois casos, o movimento temporal é captado e analisado em uma imagem espacial. A imagem do palco, ou mais exatamente, da corte, se transforma na chave para a compreensão da história.” (1984: 115).

O caráter imagético da concepção de história, já se apresenta como resposta à experiência da imanência absoluta: “[...] Os que exploravam mais profundamente as coisas se viam na existência como num campo de ruínas, cheio de ações parciais e inautênticas” (1984: 162). Walter Benjamin apresenta o aprofundar ao mundo das coisas como desvio à história promovido pela concepção de temporalidade moderna: sem a segurança do telos mítico, as experiências encenadas pelo teatro do barroco se mostram como fundamentalmente pertencentes ao mundo – a partir do qual a própria concepção de história é produzida, mediante o recurso de representação imagética do tempo, circunscrito pela intenção alegórica que, ao contrário do símbolo romântico, oferece em imagens a ideia de exclusividade das vias mundanas ao mesmo tempo que se recusa à apresentação de uma imagem de totalidade. A alegoria aparece no drama barroco “expressão, como a linguagem, e como a escrita” (BENJAMIN, 1984: 184). A imagem histórica do barroco alemão se apresenta como escrita:

“Quando, com o drama barroco, a história penetra no palco, ela o faz enquanto escrita. A palavra história está gravada, com os caracteres da transitoriedade, no rosto da natureza. A fisionomia alegórica da natureza-história, posta no palco pelo drama, só está verdadeiramente presente na ruína. Como ruína, a história se fundiu sensorialmente com o cenário. Sob essa forma, a história não constitui um processo de

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4 vida eterna, mas de inevitável declínio. Com isso, a alegoria reconhece estar além do belo. As alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas” (BENJAMIN, 1984: 199-200).

A representação alegórica é sempre incompleta na medida em que se apresenta como trabalho constante de significação e ressignificação das coisas, ao passo que se apresenta como desvio à história humana – destituída de um sentido de unidade estável, composta por uma miríade de significações e reveses.

A imersão na ordem das “coisas” se apresenta no teatro do barroco alemão como resposta a experiência da imanência: “na via para o objeto – ou melhor, dentro do próprio objeto – essa intenção avança tão lenta e tão solenemente como as procissões dos governantes” (1984, p. 163). A compreensão do significado da alegoria barroco, no contexto de “resposta” ao símbolo romântico e às concepções de estabilidade e naturalização históricas da Antiguidade ao Renascimento são fundamentais para a compreensão da ideia de história apresentada por Walter Benjamin a partir da ideia de alegoria barroca: “O que chama a atenção no uso vulgar do termo é que esse conceito” romântico de símbolo:

que aponta imperiosamente para a indissociabilidade de forma e conteúdo, para funcionar como uma legitimação filosófica da impotência crítica, que por falta de rigor dialético perde de vista o conteúdo, na análise formal, e a forma, na estética do conteúdo. Esse abuso ocorre sempre que numa obra de arte a ‘manifestação’ de uma ideia é caracterizada como um ‘símbolo’. A unidade do elemento sensível e suprassensível, em que reside o paradoxo do símbolo teológico, é deformada numa relação entre manifestação e essência” (1984, p. 182).

Determinada corrente romântica distorcera a ideia de símbolo teológico, em favor de uma concepção acrítica de totalidade, pela reunião arbitrária de essência e manifestação. Walter Benjamin continua:

“Enquanto estrutura simbólica, supunha-se que o belo se fundia com o divino, sem solução de continuidade. A noção da imanência absoluta do mundo da ética no mundo do belo foi elaborada pela estética teosófica dos românticos”. Também no “classicismo”. “O que é tipicamente romântico é o projeto de inscrever esse indivíduo perfeito num processo sem dúvida infinito, mas em todo caso soteriológico e até sagrado. Mas uma vez eliminado no indivíduo o sujeito ético, nenhum rigorosismo,

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5 nem sequer o kantiano, poderá salvá-lo, ajudando-o a preservar seu perfil másculo. Seu coração se perde na bela alma. E o raio de ação – ou melhor, o raio cultural – desse indivíduo perfeito, desse belo indivíduo, coincide com o círculo do ‘simbólico’. Em contraste, a apoteose barroca é dialética. Ela se consuma no movimento entre os extremos. Nesse movimento excêntrico e dialético, a interioridade não-contraditória, do classicismo não desempenha nenhum papel, já pelos simples fato de que os problemas imediatos do Barroco se vinculam à sua política religiosa, e nesse sentido não afetavam tanto o indivíduo e sua ética como a sua comunidade religiosa” (1984, p. 182).

A noção de interioridade contraditória apresentada pela concepção alegórica, dialética, em desfavor da totalidade romântica corresponde à experiência histórica daquele período em sentido extenso: tanto os acontecimentos históricos catastróficos – guerras de religião, tiranias, etc. – quanto o declínio da Idade Média, bem como as aporias entre classicismo e romantismo, favorecem à concepção de história daquele período, permeada pela ideia de expressão alegórica da história humana.

“Por mais de cem anos a filosofia da arte tem sido dominada por um usurpador, que ocupou o poder durante o caos provocado pelo romantismo” (BENJAMIN, 1984: 181).

A concepção de história do período do barroco não poderia ser senão palco para a alegoria histórica. As personagens do barroco se apresentam como personagens alegóricas, históricas em pelo menos três níveis: inseridas no processo histórico, produtoras da ação histórica e representantes dos reveses da história humana. O que representaria mais significativamente os traços da história humana seria dessa forma a transitoriedade das coisas terrenas, por isso o autor alegórico do barroco alemão imerge no “mundo das coisas” de maneira até então inédita: tal “auto absorção” no mundo das coisas “levava facilmente a um abismo sem fundo” (BENJAMIN, 1984: 164), o que também aparece como consequência da concepção de história que emerge do drama barroco. A seguir, a longa, mas fundamental passagem acerca da ideia de alegoria do drama barroco bem como peculiar noção de história produzida por ela:

“Ao passo que no símbolo, com a transfiguração do declínio, o rosto metamorfoseado da natureza se revela fugazmente à luz da salvação, a alegoria, mostra ao observador a

facies hippocratica da história como protopaisagem petrificada. A história em tudo o

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6 numa caveira. E porque não existe, nela, nenhuma liberdade simbólica de expressão, nenhuma harmonia clássica da forma, em suma, nada de humano, essa figura, de todas a mais sujeita à natureza, exprime, não somente a existência humana geral, mas, de modo altamente expressivo, e sob a forma de um enigma, a história biográfica de um indivíduo. Nisso consiste o cerne da visão alegórica: a exposição barroca, mundana, da história como história mundial do sofrimento, significativa apenas nos episódios do declínio. Quando maior a significação, tanto maior a sujeição à morte, porque é a morte que grava mais profundamente a tortuosa linha de demarcação entre a physis e a significação. Mas se a natureza desde sempre esteve sujeita à morte, desde sempre ela foi alegórica. A significação e a morte amadurecem juntas no curso do desenvolvimento histórico, da mesma forma que interagiam, como sementes, na condição pecaminosa da criatura, anterior à Graça.” (BENJAMIN, 1984: 188).

A relação entre natureza e história se apresenta como altamente significativa: “A expressão alegórica nasceu de uma curiosa combinação de natureza e história” (BENJAMIN, 1984: 189). A produção histórica deve passar pela sua configuração enquanto história natural. O projeto historiográfico tardio de Walter Benjamin – as Passagens – se desdobrará enquanto apresentação desta história naturalizada enquanto momento crítico, dialético.

A ideia de alegoria do drama barroco alemão determinará de forma substancial o conceito benjaminiano de história. As noções de imanência e alegoria como “respostas”, contrapartidas à experiência moderna de tempo se apresentará como via de elaboração e uma história não mítica, não naturalizada – isto é, aberta e passível de permanente reelaboração. Tal concepção de história será fundamental para a concepção de história tardia de Walter Benjamin, como assinala Susan Buck-Morss:

Construir “uma filosofia extraída da história [...] reconstruir o material histórico como filosofia. [...] Uma representação concreta e gráfica da verdade, em que as imagens históricas tornam visíveis as ideias filosóficas. Nelas, a história atravessava o coração da verdade sem proporcionar um marco totalizador. Benjamin entendeu estas ideias como ‘descontínuas’. Como resultado, os mesmos elementos conceituais aparecem em várias imagens, em configurações tão variadas que seu significado não pode ser fixado em abstrato. [...]. uma construção histórica da filosofia que seja simultaneamente [...] uma reconstrução filosófica da história, onde os elementos ideacionais de filosofia se expressem como significados cambiantes dentro de imagens históricas que, em si mesmas, são descontínuas [...]” (BUCK-MORSS, 2002: 84).

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7 As reflexões de Walter Benjamin acerca da concepção de história do barroco alemão se apresentam dessa forma não apenas como esforço de revisão da tradição historiográfica alemã, nem mesmo apenas como releitura crítica da teoria da tragédia influenciada pelos cânones historicistas da academia em sua época. Imanência e alegoria aparecem como chaves para a compreensão da obra tardia de Walter Benjamin – cuja principal característica é se apresentar como obra crítico-historiográfica. O significado da apresentação das especificidades históricas do drama barroco alemão na obra benjaminiana cumpre pelo menos a dupla função de contribuir com as reflexões acerca da história deste período bem como de promover aportes teórico-filosóficos para compreensão do pensamento do autor alemão que, ao propor uma peculiar concepção de história, critica, revisa e amplia a noção de história de maneira fundamentalmente atual.

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Referências

BUCK-MORSS, Susan. Dialética do Olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Tradução de Ana Luiza de Andrade, revisão de David Lopes da Silva. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó/SC: Editora Universitária Argos, 2002.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Tradução, apresentação e notas de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.

_________________.Gesammelte Schriften. R. Tiedemann e H. Schweppenhäuser (ed.). Tomo I: Abhandlungen. Frankfurt am Main : Suhrkamp, 1974.

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