EXCELENTÍSSIMO SENHOR DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO
DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSOCIAÇÃO
PAULISTA
DE
DEFENSORES
PÚBLICOS - APADEP, associação sem fins lucrativos inscrita no
CNPJ/MF sob o nº 08.078.890/0001-66, com sede na Avenida Liberdade,
nº 65, conjunto 303, Centro, Município de São Paulo, Estado de São Paulo,
vem perante Vossa Excelência, com base no art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”,
da Constituição Federal, expor e requerer o quanto segue:
SÍNTESE DOS FATOS
Após análise detalhada nos informes anuais de
rendimentos de inúmeros associados, foi constatado enorme equívoco por
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parte do Departamento de Recursos Humanos da Defensoria Pública no que
se refere ao pagamento do décimo terceiro salário.
De acordo com o apurado, tem-se utilizado como base de
cálculo para a aferição do décimo terceiro salário apenas o salário base dos
Defensores Públicos. É dizer: em vez de a gratificação natalina ter como base
de cálculo a remuneração integral dos Defensores, tal como estabelece o
art. 7º, VIII, da Constituição Federal, tem-se considerado apenas o salário
base.
Este equívoco tem causado prejuízos vultuosos aos
associados, na medida em que, desde a implantação das gratificações
perenes, anualmente paga-se menos do que de fato é devido, lembrando-se
que referente aos anos de 2008 e 2007 já se consumou a prescrição
quinquenal para a cobrança de ditas verbas constitucionais.
DO AMPARO
Da previsão legal para a incidência do décimo terceiro salário
Por
expressa
determinação
constitucional,
todo
trabalhador tem direito ao décimo terceiro com base na remuneração
integral (CR, art. 7º, VIII), incluindo os servidores públicos (CR, art. 39, §
3º e CE, art. 124, § 3º).
Ao que se verifica, o entendimento equivocado do
Departamento de Recursos Humanos recai sobre a compreensão do que é
considerada remuneração integral.
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Pois bem, remuneração integral, nos termos
constitucionais, alberga TODAS as verbas percebidas pelo trabalhador no
decorrer do ano, com o fim de lhe garantir o recebimento de um salário a
mais, sem qualquer limitação.
Remuneração integral nada mais é do que tudo aquilo que
o servidor público aufere de modo mensal e permanente. No caso dos
Defensores Públicos, as gratificações perenes são pagas há mais de cinco
anos e continuarão sendo pagas até que venha a ser implantado o sistema
constitucional de subsídio.
A remuneração integral corresponde, portanto, aos
vencimentos dos Defensores Públicos, diga-se o vencimento acrescido das
vantagens pecuniárias recebidas de modo permanente.
Hely Lopes Meirelles descreve com precisão o que é e
qual a extensão do vocábulo vencimentos:
Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Assim, o vencimento (no singular) correspondente ao padrão do cargo público fixado em lei, e os vencimentos são representados pelo padrão (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público da Administração direta, autárquica e fundacional ( Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 33ª ed., 2007, p. 483).
Da conceituação doutrinária, conclui-se que o termo
“vencimentos” nada mais é do que um sinônimo da expressão remuneração
integral. Em verdade, a palavra “integral” é utilizada pleonasticamente,
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pois sempre que se alude a vencimentos, alude-se, em realidade, à sua
totalidade, à sua integralidade.
Embora o Texto Constitucional seja claramente amplo, a
interpretação adotada pelo Departamento de Recursos Humanos é restritiva.
O E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já
se manifestou em inúmeras oportunidades sobre a base de cálculo da
gratificação natalina, conferindo-lhe a mais ampla extensão. Eis um de seus
mais recentes julgados:
“Ocorre que o 13º salário tem fundamento constitucional (art. 7º, inciso VIII, da Constituição Federal de 19884) e deve ser integral. O legislador constitucional, ao impor que o 13º salário fosse integral, quis, de forma bastante explícita, evitar a possibilidade de exclusão de verbas percebidas durante o decorrer daquele ano, especialmente as que tinham caráter permanente, passando a ser devido com base na remuneração integral do mês de dezembro.
(...)
Ou seja, a remuneração integral do servidor deve refletir no 13º salário, nas férias e no terço constitucional, sendo contrária à Constituição Federal de 1988 a desconsideração de qualquer componente remuneratório no cálculo da gratificação natalina.” (TJSP | Apelação nº 1009554-26.2013.8.26.0053 | Desembargador Relator Oscild de Lima Júnior | julgado em 24.06.2014).
Servidora Pública Estadual. Prêmio de Incentivo. Integração aos vencimentos para fins de décimo terceiro salário e do acréscimo de 1/3 de férias. Admissibilidade. O artigo 7o, VIII, da Constituição da República, no que tange ao valor da remuneração do décimo terceiro, não outorga poderes discricionários ao Legislador, pois o conceito teorético 'integral' impõe o pagamento da remuneração
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havida no mês de dezembro de cada ano. A norma constitucional, portanto, não dá liberdade ao Legislador para tal redução. Reduzir o valor da remuneração (vencimentos no plural), mesmo por lei, ofende a referida garantia constitucional. E o mesmo raciocínio aplica-se ao acréscimo de 1/3 de férias. Sentença de improcedência. Recurso provido."(TJ-SP - APL: 5291459820108260000 SP 0529145-98.2010.8.26.0000, Relator: Guerrieri Rezende, Data de Julgamento: 31/01/2011, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 03/02/2011)
Por pertinente, vale a transcrição de julgado proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Mas antes é
necessário alertar que o caso versa sobre determinadas gratificações que,
embora transitórias, foram auferidas pelo servidor público durante um
período e, no ano em que foi auferida, entrou na base de cálculo do décimo
terceiro salário:
PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE PROCESSUAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.
HEMOMINAS. GRATIFICAÇÃO NATALINA. VALOR.
REMUNERAÇÃO INTEGRAL. GRATIFICAÇÃO DE
INCENTIVO À EFICIENTIZAÇÃO DO SERVIÇO (GIEFS). VANTAGEM PECUNIÁRIA QUE INTEGRA O CONCEITO DE REMUNERAÇÃO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DA
GRATIFICAÇÃO NATALINA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO INTERPOSTO PELA HEMOMINAS (2º) NÃO PROVIDO. RECURSO INTERPOSTO POR ELIANE ALVES DE MENDONCA AGUIAR (1º) PROVIDO, EM PARTE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. 1. A análise das condições da ação é realizada abstratamente (teoria da asserção), de forma que a constatação da
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existência da pretensão resistida, da utilidade do provimento jurisdicional, aliada à adequação da via processual eleita se apresenta suficiente para caracterizar o interesse processual. 2. A norma inserta no art. 7º, inciso VIII, da Constituição da República confere aos trabalhadores o direito social à percepção do décimo terceiro salário - gratificação natalina - pago com base na remuneração integral, ao passo que a norma inserta no § 3º, do art. 39, estende tal direito aos servidores públicos. 3. No âmbito do Estado de Minas Gerais, a gratificação natalina é paga em valor equivalente à remuneração do mês de dezembro, excluída apenas a vantagem pecuniária paga a título de abono-família. 4. A gratificação de incentivo à eficientização dos serviços - GIEFS -, embora possua natureza transitória, integra o conceito de vencimentos ou remuneração, razão pela qual deve ser computada na base de cálculo da gratificação natalina, caso tenha sido percebida pelo servidor no mês de dezembro. 5. Em se tratando de condenação ao pagamento de verbas remuneratórias a servidor, aplica-se: correção monetária pelos índices da tabela da Corregedoria Geral de Justiça desde o inadimplemento e juros moratórios a partir da citação no índice de 0,5% ao mês, nos termos da red ação original do art. 1º-F da Lei 9.494/97, apenas até 29/06/2009, quando então deverá incidir correção monetária pelo IPCA, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.270.439/PR (Rel. Min. Castro Meira, submetido à sistemática dos recursos repetitivos), e juros moratórios aplicáveis à caderneta de poupança, a teor do disposto no art. 1º -F da Lei 9.494/97 com redação dada pela Lei 11.960/2009. 6. Não há que se falar em majoração dos honorários advocatícios fixados pelo magistrado singular, quando se apresentam razoáveis (TJ-MG - AC: 10024130234578001 MG , Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 05/06/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/06/2014).O aresto converge com o presente requerimento, pois
algumas gratificações foram auferidas pelos Defensores Públicos paulistas
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por apenas algum período, mas enquanto exercidas, foram pagas pelo
Departamento de Recursos Humanos de modo perene e independentemente
de requerimento episódico.
Vê-se, portanto, que a melhor interpretação do art. 7º,
inciso VIII, da Constituição da República, é aquela que inclui na base de
cálculo do 13º salário toda a remuneração percebida pelo servidor no
decorrer do ano e não apenas o seu salário base.
Do reconhecimento da ilegalidade e do pagamento retroativo
É consenso unânime em Direito Administrativo que a
Administração Pública tem o poder da autotutela, que significa o
poder-dever de anular, com efeitos retroativos e respeitando o direito adquirido, os
atos ilícitos praticados em seu âmbito.
Este poder-dever de agir se aplica inteiramente ao
requerimento desta associação, na medida em que, por força de uma
inconstitucionalidade cometida pelo Departamento de Recursos Humanos
da Defensoria Pública, os associados recebem anualmente o décimo terceiro
salário inferior ao que foi estabelecido na Carta Constitucional.
Hely Lopes Meirelles, ao lecionar sobre a anulação dos
atos administrativos pela própria Administração Pública, dispõe que:
A anulação dos atos administrativos pela própria administração constitui forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta-se no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos.
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(...)Pacífica é, hoje, a tese de que, se a Administração praticou ato ilegal, pode anulá-lo por seus próprios meios (STF, Súmula 473). Para a anulação do ato ilegal (não confundir com ato inconveniente ou inoportuno, que rende ensejo a revogação, e não a anulação) não se exigem formalidades especiais, nem há prazo determinado para a invalidação, salvo quando norma legal o fixar expressamente.
(...)
A faculdade de anular os atos ilegais é ampla para a Administração, podendo ser exercida de ofício, pelo mesmo agente que os praticou, como por autoridade superior que venha a ter conhecimento da ilegalidade através de recurso interno, ou mesmo por avocação, nos casos regulamentares (MEIRELLES, Hely Lopes,
Direito Administrativo Brasileiro, 39ª ed., Malheiros, São Paulo:
2012, p. 218/219).
Com outras palavras, mas na mesma direção, ensina José
dos Santos Carvalho Filho que:
(...) é possível que a Administração reveja seus próprios atos, podendo a revisão ser ampla, para alcançar aspectos de legalidade e de mérito. Trata-se, com efeito, de princípio administrativo, inerente ao poder-dever geral de vigilância que a Administração deve exercer sobre os atos que pratica e sobre os bens confiados à sua guarda. Decorre daí que falha a Administração quando, compelida a exercer a autotutela, deixa de exercê-la.
A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua autoexecutoriedade, sem que dependa necessariamente de alguém que o solicite (CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 24ª ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2011, p. 147/148).
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Em esclarecedor julgado, manifestou-se o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal:
DIREITO ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - ERRO DA ADMINISTRAÇÃO - PROMOÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO À CLASSE SUPERIOR - PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DEVER DE AUTOTUTELA - RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS AO ERÁRIO PÚBLICO - DESCABIMENTO - EFEITOS PATRIMONIAIS PRETÉRITOS EM MANDADO DE SEGURANÇA - POSSIBILIDADE. 1) COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, É DE SE RESSALTAR O DEVER DE AUTOTUTELA, PELO QUAL A ADMINISTRAÇÃO AGE, DE OFICIO, PARA REVER OS SEUS PRÓPRIOS ATOS, A FIM DE ADEQUÁ-LOS AOS PRECEITOS LEGAIS. 2) O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA "FIRMOU-SE NO ENTENDIMENTO, A P ARTIR DO JULGAMENTO DO RESP 488.905/RS, NO SENTIDO DA INVIABILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS ERRONEAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO EM VIRTUDE DE DESACERTO NA INTERPRETAÇÃO OU MÁ APLICAÇÃO DA LEI, QUANDO VERIFICADA A BOA-FÉ DOS BENEFICIADOS" FELIX FISCHER, DJ DE 29/11/2004.) 3) O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ADMITE SER INDEVIDA A RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE AO SERVIDOR NOS CASOS DE ERRÔNEA INTERPRETAÇÃO OU MÁ APLICAÇÃO DA LEI PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 4) "NA HIPÓTESE EM QUE SERVIDOR PÚBLICO DEIXA DE
AUFERIR SEUS VENCIMENTOS, PARCIAL OU
INTEGRALMENTE, POR ATO ILEGAL OU ABUSIVO DA AUTORIDADE IMPETRADA, OS EFEITOS PATRIMONIAIS DA CONCESSÃO DA ORDEM EM MANDADO DE SEGURANÇA DEVEM RETROAGIR À DATA DA PRÁTICA DO ATO IMPUGNADO, VIOLADOR DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INAPLICABILIDADE DOS ENUNCIADOS DAS SÚMULAS 269/STF E 271/STF." (MS 12397/DF, REL. MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA). (TJ-DF - APL: 693797820088070001 DF
0069379-10
78.2008.807.0001, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 23/06/2010, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 12/07/2010, DJ-e Pág. 145).Por derradeiro, o poder-dever da autotutela está previsto
na súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.