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Migrações contemporâneas: experiências de migrantes criciumenses na Itália contemporânea (1990-2000)

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE HISTÓRIA

CLARICE EVARISTO VIEIRA

MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES CRICIUMENSES NA ITÁLIA CONTEMPORÂNEA (1990-2000)

CRICIÚMA 2015

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MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES CRICIUMENSES NA ITÁLIA CONTEMPORÂNEA (1990-2000)

Trabalho de Conclusão de curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel e Licenciada no curso de História da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC.

Orientadora: Profª Ma. Michele Gonçalves Cardoso

CRICIÚMA 2015

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CLARICE EVARISTO VIEIRA

MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: EXPERIÊNCIAS DE MIGRANTES CRICIUMENSES NA ITÁLIA CONTEMPORÂNEA (1990-2000)

Trabalho de Conclusão de curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do grau de Bacharel e Licenciada no curso de História da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, com Linha de Pesquisa em História local e regional.

Criciúma, 07 de dezembro de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Profª Ma. Michele Gonçalves Cardoso – UNESC – Orientadora

Prof. Me. Paulo Sérgio Osório – UNESC

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Dedico este TCC a todos que estiveram ao meu lado e acreditaram em mim, em especial minha tia, que não está mais presente (in memoriam), mas que enquanto esteve ao meu lado, sempre me incentivou.

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AGRADECIMENTOS

O caminho até aqui não foi fácil, teve seus percalços e por que não as indecisões? Mas se tem uma coisa que aprendi nessa vida é que se deve terminar o que se começou, assim outros ciclos se abrirão, não com as respostas que você encontrou, mas com novas perguntas que farão você continuar. Desta forma, agradeço primeiramente a Deus, que, como dizem, o curso de História nos torna pessoas mais críticas e coerentes, mas não fez eu perder a minha fé.

À toda minha família, principalmente à minha mãe, grande inspiração dos meus projetos e meu exemplo; meu pai e meus irmãos, que apesar de muitos imprevistos, sempre me apoiaram. À minha amada avó, pela sua ternura e ao meu tio, pelo seu companheirismo.

Quero agradecer aos amigos e colegas que conheci durante esta caminhada, um cotidiano repleto de aflições, debates, angústias, risos, enfim momentos acadêmicos.

Agradeço à minha amiga Gabriela, pelos vinte e poucos anos de amizades, como a gente diz, um casamento com seus altos e baixos, mas sempre juntas. Minha principal incentivadora pela História.

Agradeço à minha grande amiga Taise, não tenho palavras para expressar o quão grande é a minha admiração e afeição por ela, por todos os momentos bons ou ruins, em que estivemos sempre juntas. Que ensinou que a vida é pensar para frente, por maiores que sejam as dificuldades. Quero agradecer especialmente ao Andrei, que nessa reta final tornou-se mais que um amigo. Enfim, a todos os amigos e colegas, por compartilharem esses momentos comigo.

À minha querida orientadora Michele, pela sua doçura, paciência, competência e dedicação. São pessoas como você que me fazem acreditar que, por maiores que sejam as dificuldades, devemos continuar. À Elis, por me proporcionar um cotidiano repleto de aprendizagem e conhecimento. E a toda equipe do Museu Arqueológico Balneário Rincão.

Ao curso de história e ao seu corpo docente, que contribuíram para minha formação acadêmica. Agradeço à Zeli, secretária do curso, pela

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Tiago da Silva Coelho, Paulo Sérgio Osório e João Henrique Zanelatto. Enfim, a todos que acreditaram em mim, muito obrigada!

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“As tradições inventadas somente são aceitas quando alguns elementos já estão presentes no cotidiano do grupo. A partir deste reconhecimento se inicia a normatização da prática que ocorre através da repetição gerando continuidade em relação ao passado”.

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O presente trabalho busca analisar as migrações contemporâneas da cidade Criciúma para a Itália, destacando as experiências de migrantes criciumenses entre os anos 1990 e 2000. O objetivo é perceber como vão sendo desenvolvidos os laços entre Criciúma e Itália na contemporaneidade, analisando como se constituem as redes migratórias. Deste modo, compreendendo por que tantos criciumenses migraram para a Itália, e percebendo se no contexto migratório sua identidade “italiana” é renegociada. A pesquisa está fundamentada nos conceitos de migrações contemporâneas, identidade e etnicidade. Utilizamos como metodologia a fonte oral, realizando entrevistas com migrantes retornados.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NA CIDADE DE CRICIÚMA... 11

2.1 TRANSFORMAÇÕES URBANAS: ATIVIDADE CARBONÍFERA ... 14

2.2 COMEMORAÇÃO AO CENTENÁRIO: IDENTIDADES NEGOCIADAS ... 18

3 DUPLA CIDADANIA: LAÇOS ENTRE CRICIÚMA E ITÁLIA ... 21

3.1 DUPLA CIDADANIA À INSERÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO ... 22

CONCLUSÃO ... 31

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1 INTRODUÇÃO

Todos os dias é um vai e vem A vida se repete na estação Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar E assim, chegar e partir. Milton Nascimento

Assim como a música Encontros e Despedidas de Milton Nascimento, nas últimas décadas de século XX e início do XXI percebemos o crescimento dos fluxos migratórios na cidade de Criciúma, principalmente para os Estados Unidos e Itália. Esse movimento da população ocorreu devido às crises socioeconômicas que o Brasil estava enfrentando no período, como a crise do setor carbonífero e a da cerâmica que impactaram diretamente na cidade. Em nível nacional, o país também atravessava problemas econômicos. No Governo Collor (1990-1992) houve a estagnação da economia do país, bloqueio de contas correntes e poupanças, o congelamento de salários e um alto índice de desemprego. Nesse contexto, o Brasil deixou de ser um país que historicamente recebia mão-de-obra, para ser fornecedor dela, incentivando assim os projetos migratórios.

Meu interesse em escrever sobre as migrações ocorreu tendo em vista o crescimento da construção civil desordenado na cidade de Criciúma na década 90. Esse crescimento constante da construção civil não condizia com a real situação que a cidade e o país estavam enfrentando, sendo esse fator um dos indícios das remessas enviadas pelos fluxos migratórios.

A história da imigração no Brasil, precisamente no sul do país, inicia desde o final do século XIX, com a chegada dos primeiros imigrantes europeus no estado. Em 1828, chegaram à Santa Catarina os imigrantes alemães, destinados ao núcleo colonial de São Pedro de Alcântara. E somente em 1880 ocorreu a chegada dos primeiros imigrantes italianos, no que viria a ser a vila de São José de

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Cresciuma, hoje denominada como Criciúma1, e posteriormente, em 1890, a

chegada de 12 a 15 famílias de poloneses e algumas famílias alemãs, que se estabeleceram nas comunidades da Linha Batista, Linha Anta e Linha Cabral. Mais tarde, em 1912, os imigrantes alemães migraram para região de Forquilhinha.

Assim, o objetivo do trabalho é perceber como vão sendo desenvolvidos os laços entre Criciúma e Itália na contemporaneidade, analisando como se constituem as redes migratórias. Compreendendo por que tantos criciumenses migraram para a Itália, além de perceber se no contexto migratório sua identidade “italiana” é renegociada. Já que ao partirem para a Itália, terra de seus antepassados, encontram uma realidade diferente da Itália imaginada. Segundo Assis (2011, p. 92),

Esse imaginário é (re)construído pelos descendentes que [...] se descobrem italianos num processo que é concomitante a todo o movimento promovido pelas associações italianas e também pelo poder público e de festas que passam a revalorizar as origens étnicas.

Para a realização desta pesquisa, nos fundamentamos nos conceitos de migrações contemporâneas, identidade e etnicidade. Trabalhamos com a fonte oral, realizando entrevistas com pessoas que migraram para Itália e com o responsável pela agência consular italiana em Criciúma. Utilizamos também alguns jornais. Fundamentam este trabalho as pesquisas de Michele Cardoso Gonçalves (2007), Dorval do Nascimento (2012), João Carlos Tedesco (2012) e Glaucia de Oliveira Assis (2011).

Sendo assim, no primeiro capítulo iremos fazer uma contextualização da chegada dos primeiros imigrantes europeus ao sul do Brasil formando o primeiro núcleo urbano em Criciúma. Segundo Assis (2011, p. 77) se estipula a vinda de “22 famílias, compostas de 129 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que constituíram a leva inicial daqueles colonizadores, vindos da região norte da Itália, respectivamente de Treviso, Belluno e Cremona”. Contextualizarei também a exploração do carvão no subsolo catarinense, especialmente no sul, já que este processo transformou a pequena colônia, tornando-se o principal fator econômico de

1 Localizada no sul de Santa Catarina, tem 204.667 habitantes, de acordo com a estimativa de

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Criciúma. Também falaremos das iniciativas étnicas na cidade, percebendo como a crise do carvão, juntamente com as políticas identitárias, podem ter contribuído para as migrações contemporâneas.

Já no segundo capítulo, iremos contextualizar os fatores das crises socioeconômicas e políticas decorrentes na cidade e no país, que impulsionaram o aumento pela dupla cidadania, havendo um grande salto na década de 1990, conforme dados da Agência Consular da Itália (CONSULADO, 2015). A dupla cidadania foi considerada uma possibilidade de melhorar financeiramente, ingressando no mercado de trabalho europeu. Nesse processo, também se adiciona o discurso do reencontro com a terra de seus ascendentes, com suas origens negociando um conceito de italianidade.

E para finalizar, no segundo capítulo iremos utilizar entrevistas com descendentes, ou não, que emigraram para a Itália, relatando suas experiências, convivências e principalmente dificuldades que perceberam ao refazer o “caminho inverso” nas terras de seus antepassados.

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2 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NA CIDADE DE CRICIÚMA

Para entender o início da colonização europeia no sul do país no final do século XIX, é preciso fazer um apanhado do contexto histórico e socioeconômico que a Europa estava enfrentando. Os reflexos do processo de industrialização geraram grandes mudanças tecnológicas e posteriormente problemas com a classe operária de diversos países. Dessa forma, muitos europeus tiveram que deixar sua terra de origem em busca de novas oportunidades, já que a industrialização atingiria principalmente o campo.

A região sul do Brasil tornou-se um polo receptor de imigrantes europeus. Santos (1973, p. 48) afirma que “o Brasil tentava imitar o exemplo americano de imigração, atraindo europeus para desenvolver a economia agrícola estagnada”. Pretendia, através da imigração, “resolver” os problemas de ocupação em várias regiões “desabitadas”, idealizando assim um vazio demográfico, ou seja, lugar no qual ninguém morava, desconsiderando a presença indígena da região.

A colonização começou a interessar o governo imperial, já que várias companhias europeias procuravam obter concessões de terra e outros contratos para proceder com a colonização de áreas em todo o sul. Na possibilidade de migrar para uma nova terra, criando uma nova sociedade, essa propaganda foi aproveitada pelas empresas para atrair imigrantes para a América. Segundo Carola (2010, p. 556):

Na Europa, as empresas colonizadoras difundiam uma imagem idealizada da América; a natureza a ser colonizada era um negócio que podia render lucros. Para os pobres colonos europeus que vieram para a Província de Santa Catarina, no século XIX, a ideia de um paraíso natural, pronto para ser desbravado, era vista como uma oportunidade promissora de construir uma vida melhor. Para o governo imperial brasileiro, o território catarinense era um espaço geográfico que precisa ser “desbravado” e colonizado com vistas a um progresso civilizatório que estava em marcha desde 1822. O governo da província catarinense, por sua vez, desejava elevar o desenvolvimento econômico ao nível das províncias mais desenvolvidas, tendo como horizonte maior o modelo de desenvolvimento das novas potencias europeias.

Desta forma, em 1824, no Rio Grande do Sul, o governo imperial iniciou a primeira colônia formada por imigrantes alemães, a colônia de São Leopoldo. Já em Santa Catarina, a chegada dos primeiros imigrantes ocorreu em 1828, que se instalaram em São Pedro de Alcântara. Entretanto, as grandes e principais

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concessões de terras deram-se em 1850 e 1851, em Blumenau e Joinville. E a partir de 1877, na cidade de Tubarão, o governo imperial inicia os núcleos coloniais de italianos.

A colonização dos vales litorâneos de Santa Catarina [...] sucedeu-se nos termos de frente pioneira. Tendo sua fundamentação econômica na pequena propriedade agrícola, ela se constituiu a base de massas humanas ponderáveis que migraram da Europa, particularmente da Alemanha e da Itália. [...] Essa frente quase que simultaneamente penetrou no norte do Rio Grande do Sul e também nos campos de Curitiba [...]. (CABRAL, 1973, p. 23).

Sendo assim, a fundação e ocupação da pequena vila de São José de Cresciuma, que pertencia a Araranguá, deu-se em 06 de janeiro de 1880, com a chegada dos primeiros imigrantes italianos. Com o progresso da colônia, em 02 de setembro de 1892, sancionada pela Lei Estadual de nº 42, Criciúma foi elevada à categoria de Distrito de Paz, como 6º Distrito de Araranguá.

No entanto, o desenvolvimento da colônia, juntamente com o processo da colonização da cidade de Criciúma, foi de suma relevância para os núcleos que passaram a ser projetados como futuros núcleos urbanos, junto das atividades ligadas ao comércio, às indústrias, vivendo de outras atividades. Segundo Assis (2011, p. 79), a “economia doméstica é uma característica importante para análise da história da cidade, pois o desenvolvimento socioeconômico da ‘colônia’ dependeu, nos primeiros anos, desse tipo de atividade e do empenho de toda família”. Sendo assim, as colônias de imigração iniciavam a sua primeira divisão, ou seja, entre o mundo urbano e o mundo rural.

Nos principais “núcleos urbanos” que se instalaram no sul, ditos os imigrantes bem sucedidos, foram se fixando na área central da cidade e ao mesmo tempo ampliando seus domínios econômicos. Segundo Nascimento (1993), ocorria o enriquecimento de algumas famílias em relação às outras, já que a distribuição dos lotes se dava conforme o número de membros de cada família e quantos destes estavam aptos para o trabalho. Vale ressaltar que, quando as famílias de imigrantes chegavam ao Brasil, recebiam os títulos dos lotes, equivalente a 25 hectares, do governo imperial, por meio do Serviço de Migração.

A unidade familiar como força de trabalho principal (e nesse caso única) em uma economia de subsistência torna as possibilidades de enriquecimento desiguais, pois aquelas famílias que fossem numerosas e, principalmente,

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que contassem com um bom número de pessoas que não poderiam trabalhar plenamente e deveriam ter suas condições de sobrevivência garantidas pelos outros, receberiam um número maior de lotes e teriam maiores possibilidades de acumular riquezas. (NASCIMENTO, 1993, p. 14-15).

No entanto, a colonização desses imigrantes não somente contribuía para o desenvolvimento econômico da cidade, como também a comunicação e a troca de suas culturas. Para Assis (2011, p. 80), “a importância da família, no entanto, não se deu apenas para a economia da colonização, mas também para a socialização dos primeiros imigrantes e para a transmissão de valores comuns aos mesmos”.

Entretanto, é importante evidenciarmos que quando essas famílias de imigrantes chegaram na região sul, já havia ocupações de habitantes nativos, pertencentes aos grupos indígenas designados por Jê, ou seja, os Xokleng e Kaingang, que habitavam entre o litoral e o planalto. Quando os imigrantes europeus tiveram seus primeiros contatos com os indígenas na região, os mesmos foram vistos como uma grande ameaça. E com isso, criam-se vários conflitos entre ambos e lentamente ocorre o extermínio dos povos indígenas.

Percebe-se que a necessidade de progresso da cidade, ou seja, o desenvolvimento e enriquecimento urbano através de um discurso demográfico para as províncias do sul, buscava justificar o extermínio da população indígena que nessas terras habitavam, os Xokleng. Em um primeiro momento, a presença indígena pelas terras localizadas entre o litoral e o planalto, não chegavam a preocupar os imigrantes e nem o governo imperial, porém, na metade do século XIX quando começou a ser cogitada a possibilidade de abrigar imigrantes europeus, devido aos interesses econômicos do país e de companhias colonizadoras, além da produção de riquezas que os imigrantes proporcionariam, juntamente com concessão de mais terras, para vendê-las aos mesmos.

Nesse quadro de expectativas, ninguém se preocupava com a presença indígena. E se alguém tivesse tido preocupações mais sérias a respeito, não faltaria quem dissesse que estava prejudicando a imagem do país na Europa. [...] Falar que os índios estavam presentes em certos territórios era aniquilar com qualquer projeto de colonização. (SANTOS, 1973, p. 57).

No entanto, até a década de 1910, o núcleo colonial até então representado pelo setor da agricultura, que contribuiu significativamente com crescimento econômico para cidade, porém, “com a descoberta do carvão e sua

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exploração, a partir de 1913, a cidade cresceu e tornou-se um importante centro urbano do sul do estado” (NASCIMENTO, 1993), ou seja, a partir do desenvolvimento da mineração em Criciúma, no início do século XX, a cidade teve sua estrutura urbana e econômica modificada.

2.1 TRANSFORMAÇÕES URBANAS: ATIVIDADE CARBONÍFERA

A existência de carvão na região sul catarinense motivou, em diferentes períodos, diversas iniciativas e estudos para a análise desse minério. E através desses estudos, aumentou o interesse da Corte Imperial pelas minas de carvão de Santa Catarina, fazendo com que, em 1832, o naturalista Friedrich Sellow2,

anunciasse a existência de minas de carvão no subsolo catarinense. Assim, no mesmo ano começou a ser organizada uma pequena empresa para a primeira tentativa de exploração das referidas jazidas do carvão catarinense.

Entretanto, os estudos realizados com o carvão pelos naturalistas Friedrich Sellow (1832), Augusto Kesting (1837), Guilherme Baulierch (1838) e Júlio Parigot (1839), apontavam a qualidade do carvão e a viabilidade comercial, porém, ressaltavam a dificuldade de transporte para os centros consumidores. Segundo Nascimento (2004, p. 22), “os relatórios, especialmente o de Parigot, afirmavam que a qualidade do carvão permitia a sua exploração, porém, destacava que a principal dificuldade se referia à falta de transporte, dada a distância entre as futuras minas de carvão e o porto de Laguna”.

Felisberto Caldeira Brant Pontes, Visconde de Barbacena, interessado pela exploração do carvão, após adquirir terras na então província de Santa Catarina, mais especificamente na região de Tubarão, “solicitou ao Conselho de Estado a aquisição de duas léguas quadradas de terras devolutas e a formação de uma companhia para explorar carvão, o que lhe foi concedido em 1861”. (NASCIMENTO, 2004. p. 356).

Percebe-se que, apesar de possuir os terrenos e a concessão, o Visconde de Barbacena não contava com os recursos necessários para dar início ao projeto para a exploração do carvão, buscando auxílio financeiro junto a investidores ingleses.

2 Membro da Academia Real de Ciências de Berlin. Em 1814, veio como convidado de D. João VI

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Com a entrada de capital inglês no negócio, foi formada em Londres a

Donna Thereza Christina Railway Company Limited, permitida a funcionar

no Império em 1876. O empreendimento era o resultado da associação do poder público com o capital estrangeiro e o capital privado nacional, visando criar as condições de transporte para a exploração do carvão. Os ingleses participavam também da exploração do carvão. A empresa The Tubarão

(Brasilian) Coal Mining Company Limited foi formada em Londres com

capital inglês para tal fim. (NASCIMENTO, 2004, p. 356).

Desta forma, a empresa mineradora e a empresa de estrada de ferro constituíam um único empreendimento. Em 1880 foi iniciada a construção da linha ferroviária, sendo a principal linha da Estrada de Ferro Donna Theresa Cristina, ligando a região das Minas (atual município de Lauro Müller) aos Portos de Laguna e Imbituba, seguindo as margens do Rio Tubarão.

Mesmo com os esforços e investimentos, a exploração do carvão na região não obteve sucesso. Os motivos são diversos para o fim da mesma, desde estrada de ferro que não atendeu às necessidades da região; a necessidade de um porto seguro para escoar o produto e principalmente a qualidade do carvão e o encarecimento do produto.

Para Zumblick (1987, p. 102), a ferrovia sobreviveu transportando mercadorias e passageiros no vale do Rio Tubarão, já muitos imigrantes foram transportados pela estrada de ferro do Porto de Laguna até as estações de Pedra Grandes e Orleans, daí alcançando os núcleos coloniais fundados na região.

Com a Primeira Guerra Mundial, a exploração de carvão tomou outro rumo, pois devido às restrições do abastecimento do carvão estrangeiro, principalmente o inglês, o carvão nacional entrou em cena, despertando assim o interesse de grupos econômicos nacionais, com uma diferença, conforme Nascimento (2004).

Uma diferença fundamental desse momento histórico em relação ao primeiro ciclo de exploração do carvão, no século XIX, é que as minas principais se localizam agora na região dos Rios Urussanga e Araranguá, tendo a cidade de Urussanga e, principalmente, a localidade de Criciúma, como os novos centros da atividade carbonífera. (NASCIMENTO, 2004, p. 357).

Com a conclusão da construção da Estrada de Ferro Dona Thereza Cristina, no início da década de 1920, que se estendia até o município de Araranguá

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e juntamente com a forte mineração em larga escala comercial, Criciúma passou a ter um papel importante na economia, não somente na região, mas nacionalmente.

O carvão foi responsável por destacar o município no cenário regional, foi também o freio no processo de crescimento econômico com serias consequências na área social. Durante meio século, tudo dependia do carvão e era dele que os empresários, os políticos, os trabalhadores esperam lucro, o poder e a subsistência. O carvão trouxe lucros e ofereceu empregos, num momento, e, noutro, desemprego e pobreza. Foi por causa do carvão que os colonos das áreas e municípios vizinhos deixaram suas terras e se estabeleceram na cidade, empregando-se como mineiros. (VOLPATO, 2001, p. 14)

Segundo Volpato (2001), o setor carbonífero teve várias mudanças, dentre elas, a criação de novos empregos e a ampliação do comércio e dos serviços, devido a uma política econômica que garantiu exploração do carvão mineral, que durante meio século fortalecia economicamente a cidade. Porém, essa mesma política econômica que identificava a cidade, trouxe também outros agravamentos, como enfraquecimento de alguns comércios e entidades prestadores de serviços em cargos públicos ou privados.

Outro ponto importante foi a urbanização e o crescimento da cidade, que em pouco tempo e espaço superou a agricultura, onde os pequenos colonos não conseguiam se manter no campo devido à nova política econômica da exploração do carvão, que estava acontecendo e privilegiando os grandes empresários. A partir desse momento, o colono deixa o campo e passa a migrar para a cidade, em função da proliferação das minas.

Desta forma, percebemos que devido ao aumento da população, que deixava seus afazeres do campo, na perspectiva de crescimento na cidade, significou um dos indicativos da urbanização e do desenvolvimento da mesma, contribuindo assim para o desenvolvimento socioeconômico e o êxodo rural do município.

Nos anos de 1920 a 1960, a história socioeconômica de Criciúma vivenciou outro cenário, passou a ser contada pela história da mineração, e na década de 1940, Criciúma ficou conhecida não somente como a Capital Nacional do Carvão, mas pela sua economia diversificada.

A vida econômico-produtiva de Criciúma começou a diversificar nos anos de 1960. Outros ramos industriais, inexpressivos até então, passaram a ter um significado econômico e social junto com as duas atividades, tradicionais -

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agricultura e a mineração. Começavam a se desenvolver as indústrias cerâmicas de pisos e azulejos [...]. Além deste, o ramo de calçados e de couro; mecânica-metalúrgico; de coque; de transporte; de alimentos; da construção civil; de serviços; de plásticos. (VOLPATO, 2001, p. 20).

Entretanto, devido à crise do petróleo no período de 1973 e 1979 e o impacto do aumento dos preços, fez que em meados da década de 70 o setor carbonífero desse os primeiros sinais de uma crise, que se agravaria na década de 90 com o governo Collor, que além do bloqueio de contas correntes e poupanças, a volta do cruzeiro como moeda, deu início também às privatizações das estatais e à redução das tarifas alfandegárias. Com produtos importados a preços menores, a indústria nacional percebeu a necessidade de se modernizar e correr atrás do prejuízo. Segundo Assis (2011, p. 84),

A crise ocorreu por um conjunto de fatores, como a queda da produção, a retirada de subsídios por parte do governo e o fim do protecionismo estatal e a concorrência internacional, o que teria reduzido o mercado em mais de 30%, causando, assim, uma alta taxa de desemprego na região.

E atingindo não somente o setor carbonífero, mas também o setor cerâmico que foi de suma importância para o desenvolvimento socioeconômico ao longo do tempo na região. Segundo Teixeira (1996, p. 71), “em 1990, a recessão enfrentada pelo setor cerâmico foi tão intensa que, das 13 cerâmicas existentes na região, 9 interromperam suas atividades, ocasionando um desemprego ainda maior.” Percebe-se então, que a partir da crise do setor carbonífero e do cerâmico enfrentada na cidade, além da situação socioeconômica que o país estava vivenciando, fez com que muitos repensassem sobre outras possibilidades de mercado de trabalho, porém, em outros países. Segundo Assis (2011, p. 84), essa seria “uma das razões que tornaram a cidade ponto de partida de inúmeros emigrantes em busca de trabalho nos Estados Unidos ou na Itália”.

Entretanto, o processo de imigração para os Estados Unidos e Itália, “[...] também está associado ao imaginário presente na cidade, o qual constrói uma conexão entre os imigrantes do passado e os imigrantes do presente” (ASSIS, 2011, p. 84), ou seja, perceberam na possibilidade de emigrar, principalmente para a Itália, um caminho inverso, na perspectiva de (re)encontrar sua identidade, já que havia presente na cidade um discurso de identidade étnica que foi (re)contada com a comemoração do centenário de Criciúma.

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2.2 COMEMORAÇÃO AO CENTENÁRIO: IDENTIDADES NEGOCIADAS

O Centenário de fundação da cidade (1980) colocou em segundo plano a identidade de cidade carbonífera, que foi se construindo ao longo do tempo com a extração do carvão, responsável pelo desenvolvimento urbano da cidade e que teve seu reconhecimento difundido pelo país como a Capital Nacional do Carvão até a década de 1980.

O termo ‘identidade étnica’ remete-se ao grupo de pessoas que se identificam uma com as outras e que são identificadas por outros grupos, têm suas semelhanças culturais ou biológicas, visando sua nacionalidade, etnia, religião e língua, bem como afinidades históricas e culturais. Segundo Oliveira (1976, p. 03), a “identificação étnica refere-se ao uso que uma pessoa faz de termos raciais, nacionais ou religiosos para se identificar e, desse modo, relacionar-se aos outros”.

Desta forma, a identidade é (re)construída através de um novo discurso, porém étnico na Comemoração do Centenário da cidade e também pelos grupos étnicos presentes na urbe. Conforme Brandão (1986, p. 110-111)

[...] A identidade social, ou de uma de suas variantes, a identidade étnica, não são as coisas dadas. Não são algo peculiar a um grupo social porque ele é naturalmente assim. Ao contrário, são as construções, são realizações coletivas motivadas, impostas por alguma ou algumas razões externas ou internas ao grupo, mas sempre e inequivocamente realizadas como um trabalho simbólico dele, em sua cultura e com a sua cultura.

Portanto, as relações étnicas não estão diretamente ligadas à existência de características físicas, mas sim, de sua contribuição à memória social de determinados grupos e a sua afirmação enquanto identidade cultural.

Segundo Cardoso (2007), o poder público municipal percebeu no Centenário o momento de (re)contar a história da cidade, criando assim uma nova identidade étnica. A partir do discurso dos três grupos étnicos fundadores da cidade: italianos, poloneses e alemães, e por uma questão política e eleitoral, foram incluídos juntamente na proposta do Centenário mais dois grupos étnicos: portugueses e negros. Podemos inferir que essa inclusão se deu porque grande parte da população criciumense não se identificava com nenhum dos três grupos tidos como fundadores da cidade.

O interesse que a administração pública municipal tinha em promover a festa em Comemoração ao Centenário ocorreu em uma época em que todo estado

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de Santa Catarina estava promovendo a valorização da italianidade, principalmente na região norte. Segundo Savoldi (1998, p. 40.) “O sul do Estado redescobre sua italianidade e inicia-se um processo de seu inventário na região” com objetivo de aproximar a cultura e os costumes da etnia italiana, salientando que a cidade de Criciúma tinha como elite predominante os italianos.

Segundo Cardoso (2011), a população não tinha conhecimento do que significava da palavra “etnia” e o que ela representava. No entanto, foi necessário trabalhar junto à população, começando pelas escolas municipais a divulgar o conceito de etnicidade. A população convivia com essa cultura étnica herdada de seus ascendentes, porém, não sabia identificar a qual grupo pertencia através das danças, comidas e vestimentas típicas e o que isso significava perante aquela cultura.

As pessoas vivenciaram suas relações identitárias e étnicas em seu cotidiano, no entanto, não utilizavam esse termo para salientar as diferenças entre os grupos. Os criciumenses utilizavam em seu cotidiano marcadores identitários, com os quais estavam habituados a identificarem os diferentes grupos presentes na cidade. (CARDOSO, 2011, p. 35).

No entanto, em 06 de janeiro de 1980, teve início o ano comemorativo do Centenário, marcado por diversas festas com objetivo de conquistar e envolver toda cidade, promovendo uma nova proposta identitária e para, principalmente, difundir os interesses da administração do poder público municipal com o centenário.

Na quente noite do dia 06 de janeiro de 1980, “debaixo de um céu carregado de nuvens negras, a cada instante entrecortadas por raio fulminantes seguidos de trovões assustadores”, um grupo de homens postava-se diante de cerca de trinta mil pessoas, no Estádio Heriberto Hülse, para realizar o hasteamento das bandeiras em uma das cerimônias mais populares das comemorações do Centenário de fundação de Criciúma. Entre eles estava Salomão da Rosa, “filho de pioneira da etnia negra”, defronte da bandeira da Guiné. Ao seu lado, colocava-se o Governador Jorge Konder Bornhausen, o Cardeal-Arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, o Prefeito Municipal Altair Guidi, os cônsules da Itália, Polônia e Portugal e o Bispo Diocesano Dom Anselmo Pietrulla, que hastearam as bandeiras dos respectivos países (Brasil, Itália, Alemanha, Polônia e Portugal), do Estado de Santa Catarina e de Criciúma, ao som do hino nacional brasileiro e de hinos dos demais países representados. (NASCIMENTO, 2012, p. 137).

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Na historiografia da cidade, os imigrantes pioneiros são enaltecidos e celebrados como aqueles que trouxeram a marca da civilização europeia para a região. As suas trajetórias, quando relatadas, enfatizam trabalho, a família e a religião, valorizando também a origem étnica de cada grupo imigrante. Tais significados foram construídos ao longo das trajetórias de vida dos imigrantes e de seus descendentes. (ASSIS, 2011, p. 85).

Desta forma, a imagem do imigrante é constituída de superação, coragem, conquistas, entre outros adjetivos, que enfrentou diversos obstáculos até chegar ao seu destino migratório, sendo que “a determinação para vencê-las seria a principal característica desses imigrantes” (CARDOSO, 2007, p. 37). No entanto, nesse discurso não foi mencionado como era “conquistado” e que “obstáculos” seriam esses e de que forma tudo isso foi almejado por eles, os imigrantes.

Podemos inferir então, que a partir da década de 1980 até 1990, houve a (re)construção da identidade étnica na cidade, valorizando um discurso de sucesso migratório.

Assim, com o discurso étnico foi construída uma nova etnicidade em Criciúma, através do seu contexto histórico e a cultura deixada por seus antepassados.

Conforme Tedesco (2012, p. 137).

A etnicidade algo mediado, confrontado, adequado, seletivizado, diferenciado, circunstancializado, comparado e mudado em decorrência das necessidades, das mudanças culturais produzidas e das vantagens obtidas pelos sujeitos e grupos envolvidos em períodos específicos.

Podemos salientar que a comemoração do Centenário foi uma referência à migração colonial, com a formação de uma nova identidade que se construiu através do discurso do Centenário valorizando a identidade étnica dos grupos ditos fundadores de Criciúma, (re)construindo assim, um novo imaginário étnico na cidade. Desta forma, na década 1990, fez com que muitos descendentes migrassem para terra de seus antepassados na perspectiva de (re)encontrar suas origens, histórias, se (re)descobrir enquanto descendente.

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3 DUPLA CIDADANIA: LAÇOS ENTRE CRICIÚMA E ITÁLIA

A crise econômica aliada a um contexto de valorização das características étnicas presentes em Criciúma podem ser considerados elementos motivadores para as migrações internacionais. Muitos criciumenses saíram de sua cidade em busca de melhores condições de vida, a fim de construir meios que possibilitassem aos mesmos terem oportunidades de trabalho, além disso, também visavam conhecer a terra de seus antepassados, principalmente os descendentes da etnia, italiana.

Nesta perspectiva, a busca pela dupla cidadania3 vem ao encontro da

possibilidade de ter acesso a outro país. A necessidade de uma vida estabilizada financeiramente e a valorização da cultura italiana fez com que a procura pela dupla cidadania aumentasse consideravelmente. Para Assis (2011, p. 90), as mudanças na legislação “passaram a reconhecer a cidadania italiana dos descentes espalhados pelo mundo e expandiu a concessão para além das fronteiras do território, já que esses novos cidadãos têm, inclusive, direito ao voto”. Além disso, conseguir a cidadania italiana significava “abraçar” os seus antepassados, conhecer e valorizar a sua trajetória e principalmente (re)descobrir sua italianidade.

Vale ressaltar também que muitos desses descendentes foram estimulados por programas de intercâmbio com a Itália, como os gemellagios, que são acordos selados entre as cidades consideradas “irmãs” de nações diferentes, que facilitam o acesso a informações e cooperação econômica e cultural. Desta forma, o gemellagio entre a cidade de Criciúma e Vittorio Venetto foi assinado em 2000, pelo prefeito Paulo Meller e Giancarlo Scotto, chefe do executivo daquela cidade.

Sendo assim, a dupla cidadania possibilitou a esses brasileiros uma expansão no mercado de trabalho na Europa. “[...] Esses emigrantes sentem-se numa certa vantagem étnica em relação a imigrantes de outras nacionalidades e mesmo aos demais brasileiros, pois a documentação, ou seja, o passaporte europeu, em princípio, lhes daria essa vantagem.” (ASSIS; BENEDUZI; ZANINI, 2013, p. 149).

3Cidadania italiana é atualmente regulada pela Lei de 05 de fevereiro de 1992 n. 91 (e seus

regulamentos de execução: Em especial, o Decreto Presidencial 12 de outubro de 1993, n 572 e Decreto Presidencial 18 de abril de 1994, n 362), que, ao contrário da lei anterior, avalia a importância do desejo individual em perda cidadania e reconhece o direito de realizar mais cidadanias.

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Segundo Guilherme Bortuluzzi4, Agente Consular da Itália em Criciúma, a

década de 1990 foi o apogeu nos processos de cidadania italiana no estado de Santa Catarina. Ele explica que o Consulado Geral da Itália em Curitiba, nos meses de setembro e outubro de 2014, tinha na sua lista de espera 43.174 processos para reconhecimento da cidadania italiana, e que dessa lista já foram chamados até o número 27.000 para Santa Catarina e Paraná, vale mencionar que esses números não foram atualizados pelo consulado até a data da entrevista (Novembro de 2014). Em Criciúma, houve aproximadamente 5.300 processos de dupla cidadania reconhecidos, ele acredita que muitos solicitaram a dupla cidadania na própria Itália, sendo que o processo lá é mais rápido e aqui o processo de reconhecimento da cidadania italiana demoraria de cinco até dez anos para que pudesse concluir com êxito5.

Outro ponto importante a ser destacado para o pedido do reconhecimento da cidadania italiana é a opção: Cidadania de nascimento no território italiano (“ius

soli”) e Cidadania por descendência (“jus sanguinis”). Segundo Bortuluzzi, a

cidadania italiana jus sanguinis é a mais solicitada, pois é a transmitida a partir do(a) ascendente italiano(a) aos filhos, como uma corrente, sem limite de gerações.

O reconhecimento da cidadania italiana ou a dupla cidadania garantem aos descendentes os mesmos direitos daqueles nascidos na Itália, como direito ao voto, licença para carteira de motorista e identidade, inclusive a emissão de uma nova certidão de nascimento, participação dos concursos públicos, ou seja, não existe cidadão de primeira e segunda categoria, todos os cidadãos (descendentes e italianos) são iguais perante a Lei.

3.1 DUPLA CIDADANIA À INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Uma característica que podemos perceber é o crescente número de pessoas migrando, não somente para viagens de turismo, mas para residir fixamente nos países do exterior, como a Itália e os Estados Unidos. E como a cidade de Criciúma foi um propulsor nessa busca de possibilidades de empregos, já que a cidadania italiana daria passe livre tanto na Europa, quanto nos Estados

4Informação oral de Guilherme Bortuluzzi, obtida em entrevista a esta pesquisadora em 07 de

novembro de 2014.

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Unidos. É o que mostra este anúncio publicado no Jornal da Manhã, com título “Passaporte”:

Maior demanda da Polícia Federal em Florianópolis, em termos de passaporte, é do Sul do Estado. Tem muita gente tirando o passaporte para viagens de turismo e mesmo para morar no exterior. A região de Criciúma continua enviando enormes contingentes populacionais para a Itália e os Estados Unidos. O Departamento da Polícia Federal na capital libera, em média, 20 passaportes por dia.6

A cidadania europeia garantiria oportunidades de trabalho, principalmente aos descendentes. Ao observarmos o anúncio “Chances de trabalho para descendentes na Europa”, podemos evidenciar essas possibilidades.

Mulheres com idade acima de 18 e até 28 anos, que possuem passaporte italiano legalizado, estarão aptas a candidatar-se a um emprego em uma soverteria italiana, na Alemanha [...] as candidatas que se enquadrarem no perfil exigido terão que embarcar imediatamente para a Europa. O trabalho será numa soverteria, de propriedade de um empresário italiano, cujo contrato vai até o mês de outubro. Não é exigido das interessadas o domínio das línguas italianas e alemã. Inicialmente o salário pago é de R$ 1,8 mil, mas pode aumentar dependendo do desempenho da candidata. Além do salário, o empregador italiano também oferece estadia e alimentação.7

A busca de trabalho foi um dos fatores determinantes para que muitos descendentes migrassem, “[...] a dupla cidadania abre para esses brasileiros o mercado de trabalho na comunidade europeia, uma vez que, a partir de convênios com algumas cidades na Itália, os ítalo-brasileiros conseguem contratos de trabalho temporário durante o verão europeu na Itália e na Alemanha” (ASSIS, 2011, p. 90).

Para citar um exemplo envolvendo a perspectiva pela possibilidade de um emprego, podemos destacar o caso de Jussara Felisberto da Silva Dáros, de 36 anos, que em 2007 casou com Roberto Cunha Dáros, de 34 anos, decidindo ir para a Itália acompanhando seu então marido, que já havia migrado para a cidade de

Pacengo (Itália), em 2006, em busca de oportunidade de emprego e estabilidade

financeira, sendo que o mesmo é descendente de italianos.

Ele foi pelo lado financeiro. Nossa, antes de ele ir, fazia os cálculos: “Oh, eu vou ganhar tanto, o euro tá não sei quantos e vai dar quantos reais por mês

6PASSAPORTE. Jornal da Manhã, Criciúma, 06/04/2000.

7CHANCES de trabalho para descendentes na Europa. Jornal da Manhã, Criciúma, 20/04/2000,

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e tal”. Foi por conta disso, ele foi pelo lado financeiro. Eu fui pra acompanhar ele, até porque quando a gente quer estar junto com uma pessoa, tu quer construir junto. Então eu acho que não fazia sentido ele ficar lá e eu aqui, eu acho que é uma construção em conjunto. Então, assim, foi pelo lado financeiro mesmo, claro, aí depois vem a consequência, tem a experiência de conhecer outra cultura, outra língua, outros lugares que você não imaginava.8

Após sua chegada em Pacengo, Jussara relata as possibilidades e dificuldades de emprego, pois quando ela foi, não tinha um emprego garantido, não falava italiano e, principalmente, era inverno, e a procura de emprego nessa época diminui. Desde a sua chegada até a contratação levou aproximadamente dois meses, depois desse período ela conseguiu emprego na mesma empresa que seu marido, uma rede de restaurante, porém, em ambientes diferentes. Outra característica apontada por Jussara são as pessoas com quem você vai se deparar para auxiliar esses primeiros contatos entre a cidade receptora e o imigrante, pois muitos saem da sua terra de origem já com várias propostas de emprego garantidas, moradia, enfim, com uma série de promessas, e quando chegam na respectiva cidade, não encontram nada disso.

A princípio, ela não teve problemas em relação a isso, pois foi juntamente com o seu marido, que já tinha contatos com pessoas, possíveis empregos e moradia, isso facilitou a sua ida, ao contrário dele, que quando foi a primeira vez, em 2006, encontrou algumas dificuldades. Além de não ter conseguido a dupla cidadania, apenas uma permiso de soggiorno, que nada mais é que a permissão de residência, um documento emitido pelo órgão de imigração da Polizia di

Stato (Polícia Federal) para a permanência legal do descendente na Itália, por um

período superior a 90 dias, até o reconhecimento da cidadania italiana. Isso se deu porque ele optou por fazer a dupla cidadania na própria Itália e a agência se localizava em outra cidade (Torino), dificultando a sua ida devido à distância.

Ele tinha toda a documentação, ele fez toda a documentação, ele pegou as certidões, traduziu toda aquela documentação. Porque ele entrou em contato com uma pessoa lá na Itália que ia fazer essa dupla cidadania para ele lá, né. Então, quando ele foi pra lá, a primeira coisa que ele fez foi ir atrás dessa pessoa e tal. Aí ele começou o processo, mas quando nós voltamos, ele, que deu um intervalo de três anos, não conseguiu a dupla cidadania. Ele conseguiu aquilo que eles chamam de “permiso de

soggiorno”, que é uma permissão para trabalhar, então é um passo, ele fez

a identidade italiana, ele conseguiu fazer a identidade italiana, ele

8Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

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conseguiu tirar a carteira de motorista, ele conseguiu, com essa permissão, trabalho. Mas como ele não conseguiu a dupla cidadania, eu não consegui fazer a minha documentação, eu também só dei a entrada, eu não consegui finalizar. A entrada dos documentos da documentação para eu permanecer lá, mas aí a gente não deu continuidade, porque a dupla cidadania dele nunca veio.9

Jussara relata que quando seu marido chegou na cidade de Pacengo, em 2006, daquilo que haviam lhe prometido, nada se concretizou, fazendo com que seu esposo fosse em busca de suas próprias condições para sobreviver em meio a tantos desafios em uma terra estranha e sozinho, causando ainda mais preocupação à sua família no Brasil.

Então ele ia ter casa, ter lugar para trabalhar e tal. E chegou lá e não deu nada certo, não tinha nada daquilo prometido. Eu ficava desesperada, ele mandava as fotos, assim, ele emagreceu dez quilos, assim, dava para ver o pescocinho, os ossinhos assim. Então, aí tá tudo bem! Mas tu via que não estava, porque não pode uma pessoa emagrecer tanto, num espaço de tempo tão curto. Aí, depois que ele falou, depois no final que estava tudo encaminhado, aí que tudo deu certo. Mas aí ele falou que eles foram expulsos da casa onde eles disseram que tinha lugar e que não tinha nada arrumado. Eles não tinham onde ficar, eles não tinham trabalho; ele trabalhou com uma pessoa que não pagou ele, foi assim bem complicado. Ele diz que a comida dele era pão com salsicha, era o que ele podia comprar, ele ia ao mercado. Porque tu leva um dinheiro, claro, pra ti se manter um certo período, mas como tu já tinha promessa que ia dar tudo certo, que tu tinha casa, porque ele não ia pagar casa, ia trabalhar em cima do tal lugar lá do trabalho que não existia então... Então, quando as coisas se estabilizaram, quando ele conseguiu um lugar pra ele trabalhar, um lugar pra ele morar. Aí que eu fui, então pra mim foi tranquilo, quando eu fui, tinha uma casa, quando eu fui tinha um emprego, então estava tudo beleza. Mas quando ele foi não tinha nada disso, não tinha nada daquelas promessas que teriam, depois que ele passou um tempo, que ele conseguiu um emprego nesse restaurante que a gente ficou trabalhando esses três anos, aí em cima desse restaurante tinha uma casa de brasileiros que também moravam lá, ai ele conseguiu um quarto para gente, mas aí já estava tudo esquematizado né, mas quando eu fui. Mas agora, quando ele foi, ele passou muito trabalho.10

Outro exemplo semelhante ao da Jussara, é o caso do João Almir Benedet, 37 anos, que imigrou no ano de 2000 para região de Vêneto. No seu depoimento, uns dos motivos para a sua ida foi também a questão financeira. Ele alega que o país (Brasil) estava enfrentando uma crise socioeconômica e percebeu através da dupla cidadania a perspectiva de uma condição financeiramente melhor, e uma maneira de conhecer suas origens, já que seus ascendentes eram dessa

9 Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

16 de outubro de 2015.

10 Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

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mesma região. No entanto, já havia alguém da família esperando por ele, que o recebeu e instruiu, tanto na questão de moradia e emprego, quanto na emissão da dupla cidadania que também optou por fazer na Itália.

Foi um pouco a situação financeira, o país estava em crise e também descobri a origem em Vêneto [...]. Tinha uma prima minha que morava em Milano. Quando cheguei lá, a primeira coisa fui pra Milano. E lá dei a entrada na nacionalidade e depois de um ano veio passaporte (dupla cidadania) [...]. Eu arranjei emprego lá com uns colegas e comecei a trabalhar de servente, aí depois foi aperfeiçoando o italiano e veio o passaporte e as coisas foram bem mais fácil.11

Podemos perceber que há sempre uma pessoa do outro lado esperando, muitas vezes familiares e amigos. É o que salienta Assis (2011, p. 120): “um migrante puxa o outro”, um migrante que “deu certo” ao longo da sua estadia na Itália, que conseguiu na cidade de origem montar seu negócio, comprar sua casa e carro, incentivando assim outras pessoas da mesma família, amigos a migrarem. Segundo Tedesco (2012), sempre com a idealização continuada do sonho de “fazer dinheiro” para obter melhores condições de vida.

Tanto no caso do esposo de Jussara, como o caso de João, ambos optaram por tirar a dupla cidadania na Itália, sendo uma alternativa para quem deseja ter a dupla cidadania em um tempo menor, já que os Consulados estimam cerca de dez anos para ter a cidadania italiana reconhecida, enquanto que na Itália o processo leva em torno de noventa dias.

No entanto, quando esses migrantes são atraídos pela possibilidade de empregos, muitas vezes a inserção no mercado de trabalho não é no mesmo ramo de atividades exercidas na cidade de origem. Muitas vezes abandonando cargos públicos, empregos de anos em uma mesma empresa, deixando seus próprios negócios na administração de familiares ou de terceiros, enfim, deixando tudo para trás. Como mostra o anúncio no Jornal da Manhã, que relata que o desemprego em Criciúma é o principal motivo da emigração, neste caso o jornal aponta para os Estados Unidos, mas que também é uma realidade dos países europeus, principalmente Itália.

As principais razões que fazem as pessoas trocarem de país e, invariavelmente, de profissão, são os problemas financeiros (falta de

11Informação oral de João Almir Benedet, obtida em entrevista a esta pesquisadora em 06 de

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dinheiro e dívidas) e o desemprego. Nos Estados Unidos, as opções de trabalho são muitas, mas sempre numa faixa onde não é preenchida pelos norte-americanos. As vagas existentes são trabalhos como limpezas em geral (casas, empresas, indústrias, escritórios), jardinagem, serviços em restaurantes e lanchonetes (lavar pratos, atender telefone e balcão, fazer comida, garçom, entrega), pintor, entrega de jornais, padaria, construção civil, cuidar de crianças e pessoas idosas, entre outros.12

Podemos destacar o caso de Jussara, que é formada em licenciatura em Geografia e possuía pós-graduação, mas na sua fala comenta que não podia exercer sua formação acadêmica devido à falta de documentação, porque estava a espera do reconhecimento da cidadania italiana de seu marido. Mas acredita que, caso a documentação fosse reconhecida, poderia obter informação para regularizar sua profissão e exercê-la, já que o país possui grande quantidade de filhos de brasileiros nas escolas italianas. Como no caso de Jussara, existem milhares de pessoas na mesma situação, com o ensino superior, sem poder atuar em suas áreas de formação acadêmicas, sendo graduados em seu país de origem. Conforme Savoldi, “existem muitos descendentes de imigrantes com formação acadêmica que emigram temporariamente pra conseguir dinheiro, e se sujeitam a todo tipo de trabalho” (1998, p. 120).

E como seu objetivo unicamente era o financeiro, não teve muita alternativa sem trabalhar nessas funções. Um fator que marcou Jussara foi a diferença de seu trabalho no Brasil e Itália, pois, no Brasil com o seu emprego de professora o cansaço era apenas mental, sendo que como professora ela estudava e trabalhava com a educação, já no país Europeu era o cansaço físico, devidos as longas horas de trabalhos exaustivos na rede de restaurante no qual trabalhava juntamente com seu marido, no período da manhã era na limpeza e a noite ajudava no bar, conforme seu depoimento:

Barista que faz as bebidas, assim, do bar. Prepara o café, prepara o chope, tudo o que vem de bebida. Ela saiu e aí como esse patrão, já era o patrão do Roberto e é da mesma rede e tal, aí ele me convidou pra eu ir ali, para ajudar primeiro no bar. Aí, eu fui num sábado à noite ajudar a moça, quebra-galho, que também estava ali, era garçonete. Só que como a outra tinha saído, ela ficou no lugar dela, como quebra-galho, aí eu ajudei ela. Tá, ajudei ela num sábado e tal, que é o dia que tem mais movimento, aí na outra semana eles disseram pra eu ir de novo. Só que quando eu fui de novo não tinha a outra moça, eu não ia ajudar a outra moça, eu já ia ficar ali. Ai eu disse: Tá, né! Vamos né! Aí fui, fui ficando, aí eu só nos sábados assim, porque era o dia de mais movimento, aí as vezes ele me chamava

12DESEMPREGO em Criciúma é o principal motivo da emigração. Jornal da Manhã, Criciúma,

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pra ir domingo e aí deu certo que a moça que fazia a limpeza do restaurante pela manhã, ela voltou pro Brasil, era uma brasileira também. Aí ele perguntou se eu queria ficar com a limpeza também, aí eu disse que sim né, aí eu fiquei com a limpeza, e quando chegou o verão, isso era no inverno, quando chegou o verão, eu fazia a limpeza de manhã e todas as noites eu ia trabalhar no bar. Deu certo assim, tipo que uns foram saindo e eu fui ficando no lugar dessas pessoas.13

Percebe-se, desta forma, que esses tipos de empregos e ou atividades são consideradas pelos países europeus e norte-americanos como subempregos, empregos, esses que são quase que exclusividade de imigrantes, não apenas de brasileiros, mas de outras nacionalidades. Segundo Jussara.

Certamente, eles lá jamais fariam o que eu faria, por exemplo, trabalhar na limpeza de manhã e à noite no bar, não né! Esse tipo de trabalho é pra imigrante. As mulheres que eu conhecia lá, não eram muitas assim, mas que a gente tinha contato, era tudo na limpeza. Então esse trabalho de limpeza é sempre imigrante que faz, não só imigrante brasileiro, tem muito romeno lá muito romeno, muito albanês, e quem faz esses tipos de trabalho somos nós, o italiano não faz esse tipo de trabalho. O italiano era o chefe da cozinha, não tem italiano lava pratos, o lava prato era o imigrante, era o romeno. O pizzaiolo não era o imigrante, era o italiano, o auxiliar do pizzaiolo era o imigrante, mas o pizzaiolo não! Então, sim tem distinção sim! Quem fazia o trabalho, o subemprego é o imigrante, eles não!14

João Almir, que não teve tanto impacto no seu emprego, pois o mesmo era pintor no Brasil e continuou a exercer essa mesma função na Europa, após passar por outros trabalhos até chegar a sua profissão. No entanto, João afirma também a diferenciação nos trabalhos exercidos pelos nativos e pelos imigrantes, que apesar de ter continuado na sua função, presenciou vários fatos semelhantes aos de Jussara, onde traz a questão do subemprego com a forte relação com a imigração. Conforme seu relato:

Nós (descendentes) não temos o mesmo trabalho deles. Eles não querem trabalhar como faxineiro, empregada, esses serviços aí pesados. Mas tem bastante procura [...] Aqui (Itália) tem mais trabalho pra mulher, porque as mulheres têm as lojas, mercados, é bem mais fácil de arrumar trabalho. O homem é mais a construção civil [...], tive várias profissões lá, servente, rabalhei carregando magazine no depósito de galinha, trabalhei no depósito de frios e depois trabalhei de pintor15

13Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

16 de outubro de 2015.

14Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

16 de outubro de 2015.

15Informação oral de João Almir Benedet, obtida em entrevista a esta pesquisadora em 06 de

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Quando os descendentes de imigrantes italianos chegam à terra de seus antepassados, o imaginário que eles (re)construíram ao longo de um discurso étnico é de (re)descobrir sua italianidade, mas, ao migrar, acabam percebendo que são tratados de uma forma diferente, tendo muita dificuldade no convívio social e principalmente em seus empregos, não tendo perspectiva de crescimento profissional. Desta maneira, “adquirem consciência de sua brasilidade e que essa é a sua identidade, pois a italianidade que imaginavam possuir ao emigrar, pouco serve no mundo do trabalho e da cidadania social, ou melhor, na prática da vida cotidiana.” (TEDESCO, 2012 p. 147). Segundo Savoldi (1998), no Brasil, a identidade italiana e a referência à Europa são geralmente enaltecidas, proporcionando certo status a esta população. Na Itália, os papéis se invertem, embora tenha regularizado a sua cidadania, geralmente são identificados como imigrantes brasileiros.

Jussara fala de brasileiros que se consideram italianos, mas apenas por

status e fala de sua não pertença no país:

Porque eles não são italianos! Eles acham que são, mas eles não são! Eles são brasileiros! Eles são brasileiros na Itália, lá eles não são vistos como italianos, eles não são vistos como italianos! Não tem nada disso! Nossa, aqui é um orgulho de tal e tal, mas eu não vejo dessa forma. Bom, eu não tenho nenhum vínculo assim, porque eu sou “da Silva”, então não tem nada assim. Mas eu, por exemplo, não me sentia parte daquele lugar, não me sentia parte daquele lugar e eu que o meu marido também não!16

Percebe-se, assim, que aquele imaginário étnico italiano construído, pelas ditas “colônias italianas”, não representa a realidade vivenciada pela brasileira Jussara, mostrando que, enquanto os brasileiros enalteciam sua descendência, na realidade, não eram reconhecidos como tal e muitas vezes acabavam sendo até excluídos.

Porém, João Almir ainda se sente parte do país Europeu, porque trabalhava como pintor, sua profissão no Brasil, e acredita ser bem tratado por ser descente e ter família naquele país, apesar de ter vivenciado fatos com outros imigrantes, vivendo em condições difíceis, mas, como para ele foi mais acessível, ele leva mais em consideração a sua própria experiência de vida, como relatado por ele:

16 Informação oral de Jussara Felisberto da Silva Dáros, obtida em entrevista a esta pesquisadora em

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Eu fui recebido bem! Até quando eu fui à prefeitura pegar a minha carta de identidade italiana. A moça da comune disse assim: agora tu é italiano, igual a nós. Quer dizer que não há divisa entre nós. A mesma lei que é pra eles é pra mim [...]. O italiano não vai fazer amizade rápido assim contigo, sem te conhecer antes. Primeiro ele vai te conhecendo, recebendo aos poucos. Quando ele vir que você é uma pessoa trabalhadora, uma pessoa honesta, uma pessoa de bem. Ele te recebe, mas isso demora um pouquinho [...], as pessoas criticam que eles (italianos) são grossos, mas é porque eles não te conhecem.17

Alguns descendentes acabam vivenciando um duplo pertencimento, ou uma identidade dupla, são culturas, línguas, tradições que se tem, que se chocam e muitas vezes, entram em contradição devido até mesmo à cultura do país.

O pertencimento e a identidade não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. Em outras palavras, a ideia de “ter uma identidade” não vai acorrer às pessoas enquanto o “pertencimento” continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativas. (BAUMAN, 2005, p. 17).

A experiência migratória desses criciumenses demonstra diferentes posturas e expectativas com relação às migrações. A identidade italiana pode ser acionada para melhorar as condições financeiras quando é uma forma de ingresso ao mercado de trabalho europeu; para outros, a italianidade pode ser um distintivo na sociedade de origem. São essas negociações e possibilidades que fazem da cidade de Criciúma um ponto importante nas rotas de migrações internacionais.

17Informação oral de João Almir Benedet, obtida em entrevista a esta pesquisadora em 06 de

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CONCLUSÃO

Este estudo tem como objetivo analisar os processos migratórios na região sul do Brasil, principalmente os fluxos contemporâneos para a Itália. A partir deste estudo, percebemos alguns fatores que fizeram os criciumenses migrarem de sua terra de origem. Analisando os contextos históricos, percebemos que os fluxos migratórios se deram devido às crises socioeconômicas e políticas.

Percebemos que os laços criados entre Itália e Brasil, também constituíram conceitos acerca da identidade e seus significados que foram se formando em Criciúma através de discursos étnicos, promovidos principalmente pelo poder público nas comemorações do centenário da cidade, com intuito de (re)construir a identidade da urbe e com isso enaltecendo a etnia italiana. A partir disso o cenário da cidade passou a ser representado especialmente pela identidade italiana, e não pelas outras etnias também colonizadoras e tampouco a menção dos povos indígenas, e não mencionando a identidade de cidade carbonífera que até então era considerada a Capital Nacional do Carvão, em meados da década de 1980 e 1990. E através desses discursos étnicos inseridos na cidade, criou-se um imaginário de uma Itália, no qual foi deixada por seus ascendentes que tiveram que se adaptar a outros costumes e culturas.

E com isso entendemos que o constante número de descendentes migrando para o país europeu, não foi somente pela questão financeira e a possibilidade de uma vida melhor, mas também para conhecer a terra de seus antepassados. Através das pesquisas e principalmente das entrevistas, percebemos que esse imaginário (re)construído na cidade está distante da Itália que os descendentes imaginaram, principalmente quando se deparam com o mercado de trabalho, ou no cotidiano e convívio social, percebendo deste modo que há uma certa diferenciação dos italianos nativos e dos descendentes, que são vistos como meros imigrantes de qualquer outro país.

Compreendendo assim que aquele discurso étnico inserido na cidade apresentava interesses políticos por parte do poder público municipal já que na urbe a etnia italiana era a elite predominante. E deste modo, muitos acabam se (re)descobrindo como brasileiros através da experiência migratória, a partir das experiências adquiridas na Itália.

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REFERÊNCIAS

ASSIS, Gláucia de Oliveira. De Criciúma para o mundo: rearranjos familiares dos novos migrantes brasileiros. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2011. 377 p.

______; BENEDUZI, Luís Fernando; ZANINI, Maria Catarina C. Ítalo-Brasileiros na Itália no século XXI: “Retorno” à terra dos antepassados, impasses e expectativas. REMHU Ver. Interdiscipl. Mobil. Hum., Brasília, Ano XXI, n.41, p. 139-162, jul./dez. 2013.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 110 p.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e etnia construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986. 173 p.

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. Laudes, 2ª edição. Rio de Janeiro, 1970. 458 p.

CARDOSO, Michele Gonçalves. Alá na cidade das etnias: A consolidação do grupo étnico árabe em Criciúma. Trabalho de conclusão de curso (Graduação), Universidade do Extremo Sul Catarinense, 2007. 57 p.

______. Allah na cidade das etnias: A inserção do grupo étnico Árabe na identidade urbana de Criciúma/SC. 2008. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/Opsis/article/viewFile/9299/6392> Acesso em: 14 de nov. 14.

______. De volta para a casa: A inserção dos retornados à cidade de Criciúma/SC (1994-2009). Trabalho de conclusão de curso (Pós Graduação), Universidade do Estado de Santa Catarina, 2011.133 p.

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Referências

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