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JAMIL CHAIM ALVES. Manual de. Direito PENAL. Parte Geral e Parte Especial. 2ª edição revista, atualizada e ampliada

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Manual de

Direito

PENAL

Parte Geral e

Parte Especial

2021

2ª edição revista, atualizada e ampliada

(2)

Capítulo 2

LEI PENAL NO TEMPO

1.

TEMPO DO CRIME

É o momento em que se considera praticado o delito.

Existem três teorias sobre o assunto:

a) teoria da atividade – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. É a teoria adotada pelo Código Penal:

Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Ex. 1: adolescente, prestes a completar 18 anos, atira na vítima, que fica duas semanas internada e morre após ele atingir a maioridade. Nesse caso, o agente será considerado inimputável, submetido ao regramento do Estatuto da Criança e do Adolescente1 (Lei 8.069/90), porque, à luz do Código Penal, con-sidera-se praticado o delito no momento da ação. Ex. 2: agente, pouco antes de completar 21 anos, atira na vítima, que fica duas semanas internada e morre após ele atingir 21 anos completos. Consi-dera-se praticado o delito no momento da ação, de modo que incidirá a atenuante da menoridade relativa (“Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de 21, na data do fato...”).

b) teoria do resultado – Considera-se praticado o crime no momento da produção do resultado.

1. Aliás, estabelece a súmula 605 do STJ: “A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos”.

c) teoria mista – Considera-se praticado o crime tanto no momento da ação ou omissão, quanto no momento da produção do resultado.

2.

SUCESSÃO DE LEIS PENAIS NO

TEMPO

É o surgimento de várias leis penais entre a data do crime e o término do cumprimento da pena.

A regra é a aplicação da lei vigente à época do fato (tempus regit actum). Se a infração considera--se praticada no momento da conduta, ainda que outro seja o resultado, a lei aplicável será a vigente à época da ação ou da omissão.

Excepcionalmente, é possível que a lei seja apli-cada a fatos ocorridos antes ou depois de sua vigên-cia. Esse fenômeno recebe o nome extratividade, sendo admissível apenas para favorecer o acusado. Está prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e no artigo 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos:

CF, art. 5º, XL – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

CADH, artigo 9. Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado. A extratividade se divide em:

a) Retroatividade – aplicação da lei a momento anterior ao início de sua vigência;

b) Ultratividade – aplicação da lei já revogada a momento posterior ao término de sua vigência.

(3)

P ar te I I – L ei P en al Extravidade Retroavidade Ultravidade Aplicação da lei a momento anterior ao início de sua vigência

Aplicação da lei revogada a momento posterior ao término de sua vigência

Vejamos em que hipóteses a lei penal é ou não dotada de ultratividade.

2.1. Lei nova incriminadora (ou

neocriminalização)

É a lei que torna crime alguma conduta até então considerada irrelevante penal. Somente pode atingir fatos praticados após sua entrada em vigor, ou seja, é irretroativa.

É o que dispõe o artigo 9 da CADH (estampado acima) e o art. 1º do CP:

CP, art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Ex.: a Lei 13.641/2018 incluiu o art. 24-A na Lei Maria da Penha, tipificando a conduta de “descum-prir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei”. Antes da Lei 13.641/2018, prevalecia o entendimento de que o descumprimento de medida protetiva era fato atípico2.

Nessa ótica, o art. 24-A não pode retroagir para atingir fatos praticados antes de sua vigência.

2.2. Lei penal mais severa (novatio

legis in pejus ou lex gravior)

É aquela que, de qualquer modo, prejudica o acusado. Ex.: aumenta a pena, cria qualificadora ou

2. STJ: “De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o crime de desobediência apenas se configura quando, desrespeitada ordem judicial, não existir previsão de outra sanção em lei específica, ressalvada a previsão expressa de cumulação. (...) A Lei n. 11.340⁄2006 prevê consequências jurídicas próprias e suficientes a coibir o descumprimento das medidas protetivas, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal, situação que evidencia, na espécie, a atipicidade da conduta” (HC 338.613/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., j. 12/12/2017).

causa de aumento de pena, torna o regime prisional mais gravoso etc.

Terá aplicação somente para casos futuros, não podendo retroagir para abranger fatos já ocorridos. Sob outro ponto de vista, a lei revogada (que era benéfica) terá ultratividade para as condutas praticadas sob sua égide, ou seja, produzirá efeitos mesmo depois de cessada sua vigência. A ultrati-vidade da lei benéfica encontra previsão no art. 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos (acima estampado).

Ilustrando: sob a égide da lei “A”, o agente pra-tica um crime. Sobrevém a lei “B”, que aumenta a pena desse delito. No momento da sentença, o juiz não aplicará a lei “B” (irretroativa), mas sim a lei “A”, já revogada (que terá, portanto, ultratividade).

Lei “A” Sobrevém Lei “B”

(prejudicial ao acusado) Práca do fatoato

Ultravidade da Lei “A” ato

A Lei 14.064/2020 é um exemplo recente de novatio legis in pejus ou lex gravior. Referida lei introduziu o § 1º-A no artigo 32 da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), tornando qualificado o crime de maus tratos praticado contra cão ou gato. A pena cominada para essa conduta, que até então era de três meses a um ano de detenção, e multa (amoldando-se ao caput do dispositivo), pas-sou a ser de 2 a 5 anos de reclusão, multa e proi-bição da guarda (nos termos do § 1º-A). Tratando--se de lei nova prejudicial ao réu, somente é aplicá-vel para fatos posteriores à sua vigência.

ANTES DA LEI

14.064/2020 DEPOIS DA LEI 14.064/2020

Art. 32. Praticar ato de

abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silves-tres, domésticos ou domes-ticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experi-ência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

Art. 32. Praticar ato de

abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silves-tres, domésticos ou domes-ticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experi-ência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

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MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Geral e Parte Especial • Jamil Chaim Alves

ANTES DA LEI

14.064/2020 DEPOIS DA LEI 14.064/2020

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proi-bição da guarda.

§ 2º A pena é aumentada

de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

2.2.1. Crime permanente

Crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. É o caso do sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP), que se protrai no tempo enquanto a vítima estiver com a liberdade cerceada.

Imaginemos a seguinte hipótese: agente seques-tra a vítima sob a égide da Lei “A”. Enquanto a vítima está em cativeiro, sobrevém Lei “B”. Qual lei se aplica?

Lei “A” Sobrevém Lei “B”

Práca do sequestro Víma ainda em caveiro

Aplica-se a Lei “B”, ainda que prejudicial ao acusado, pois o crime se prolonga e se renova no tempo, até cessar a permanência.

Da mesma forma, se um adolescente, prestes a completar 18 anos, sequestra a vítima e a mantém em cativeiro, vindo ele a atingir a maioridade, será considerado imputável e punido pelo crime de acordo com o Código Penal.

2.2.2. Crime continuado

No crime continuado, o agente comete vários delitos, em condições semelhantes de tempo, lugar e modo de execução. Por ficção jurídica, conside-ram-se os vários crimes como se fossem um só, praticado em continuidade delitiva (art. 71 do CP).

Consideremos a prática de três furtos em con-tinuidade, sendo os dois primeiros na vigência da lei “A” (benéfica) e o terceiro após o advento da lei “B” (mais severa). Qual lei se aplica?

Lei “A” Sobrevém lei “B”

Furto 1 Furto 2 Furto 3

 Aplica-se a Lei “B”, ainda que prejudicial ao acusado, pois os crimes em continuidade são considerados um só delito, encerrado com a prática do último ato. Ou seja, a alteração legislativa se aplica a toda a cadeia de continuidade delitiva.

Em suma, aplica-se a lei mais grave tanto no crime permanente quanto no continuado, se a sua vigência antecede a cessação da continuidade ou da permanência.

Nesse sentido é a súmula 711 do Supremo Tri-bunal Federal:

Súmula 711 do STF

A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

Paulo Queiroz discorda desse entendimento em relação ao crime continuado, afirmando que a súmula 711 viola o princípio da irretroatividade da lei penal:

De acordo com o Código (art. 71), no delito continuado os crimes subsequentes são havidos como continuação

do primeiro, e não o contrário, e modo que o agente,

ao invés de responder por vários crimes em concurso material, deve responder por um único delito, o mais grave, se diversos, com aumento de um sexto a dois terços. (...) Por conseguinte, se o autor só responde pelo primeiro crime e não pelos subsequentes, parece evidente que a lei posterior mais severa não poderá alcançá-lo3.

2.3. Abolitio criminis (abolição do

crime)

É a revogação de figura penal criminalizadora (descriminalização). A abolitio criminis afasta a própria tipicidade da conduta, embora o Código Penal a trate como causa de extinção da punibilidade (art. 107, III).

Está prevista no art. 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos (transcrito acima) e no art. 2º do Código Penal:

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P ar te I I – L ei P en al

CP, art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, ces-sando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

A lei descriminalizadora é benéfica ao acusado e, como tal, dotada de retroatividade.

Como exemplo, pode-se citar os crimes de adul-tério (Art. 240 – “Cometer aduladul-tério”) e sedução (ar. 217 – “Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança”). Ambos foram revogados pela Lei 11.106/2005, operando-se a abolitio crimi-nis no tocante a essas vetustas figuras.

Quais são os efeitos da abolitio criminis?

A abolitio criminis apaga todos os efeitos penais da condenação (elimina o dever de cumprimento de pena, não gera maus antecedentes, nem reinci-dência etc.). Porém, os efeitos civis permanecem.

De fato, não haveria sentido persistir qualquer efeito penal se o fato não é mais considerado crime. Basta imaginar a absurda hipótese de alguém cum-prindo pena por ter praticado certa conduta, quando ainda considerada infração penal, enquanto ao lado de fora do cárcere as pessoas realizam livremente o mesmo ato, agora descriminalizado. Da mesma forma, é inconcebível que alguém possa ter a pecha de reincidente (com as graves consequências jurí-dico-penais daí decorrentes) por ter praticado uma conduta que passou a ser considerada irrelevante penal.

Já no campo civil, a situação é diferente. O dever de indenizar, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, não é afastado pela ocorrên-cia de abolitio criminis. Isso porque a indenização cível é fundada na prática de ato ilícito, não neces-sariamente tipificado como crime.

2.3.1. Princípio da continuidade

normativo-típica

Consiste na revogação de figura criminalizadora, porém com a transferência de seu conteúdo para outro dispositivo, de modo que a conduta permanece tipificada em local topologicamente diverso do anterior. Não configura abolitio criminis.

Ex. 1: o artigo 214 do Código Penal, que punia o crime de atentado violento ao pudor, foi revogado pela Lei 11.106/205. Todavia, a mesma lei transferiu o seu conteúdo para o art. 213 do mesmo diploma.

A tipificação apenas mudou de lugar, sem a ocor-rência de descriminalização.

Atentado violento ao pudor (revogado pela Lei

12.105/2009) Continui-dade normativo--típica

Estupro (redação dada pela

Lei 12.105/2009) Art. 214 – Cons-tranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pra-tique ato libidinoso diverso da conjun-ção carnal

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter con-junção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pra-tique outro ato libi-dinoso

Ex. 2: a a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) introduziu onze tipos penais no Código Penal (arts. 337-E ao 337-O). Porém, a Lei 8.666/1993 já tipificava boa parte des-sas condutas. As condutas típicas antes previstas na Lei 8.666/1993, e agora trazidas para o corpo do Código Penal, não sofreram abolitio criminis. Migra-ram de um diploma normativo para outro (princí-pio da continuidade normativo-típica).

2.4. Lei nova favorável (novatio legis

in mellius ou lex mitior)

É aquela que, de qualquer modo, beneficia o acusado. Ex.: reduz a pena, suprime qualificadora, introduz causa de diminuição de pena, torna o regime prisional menos gravoso etc.

A retroatividade da lei penal benéfica está expressamente prevista no art. 5º, XL, da Consti-tuição Federal, no art. 9 da Convenção Americana de Direitos Humanos (trazidos acima), e no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal:

CP, art. 2º, parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Ex.: sob a égide da lei “A”, sujeita pratica um delito. Sobrevém a lei “B”, que reduz a pena desse crime. A lei “B” retroagirá para beneficiar o acusado.

Lei “A” Sobrevém Lei “B” (benéfica ao acusado) Práca do fato

Retroavidade da Lei “B”

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MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Geral e Parte Especial • Jamil Chaim Alves

2.5. Vacatio legis

Vacatio legis é o período de vacância da lei, ou seja, o interregno entre o dia da publicação e o dia de sua entrada em vigor. É um lapso temporal concedido pelo legislador para que a sociedade possa conhecer a lei e se adaptar às alterações nela previstas.

Lei penal benéfica em vacatio legis é aplicável?

O tema é bastante controvertido, existindo duas correntes:

Sim. O instituto foi concebido em benefício das pessoas, permitindo-lhes tomar conhecimento da norma e se ajustar a ela. Se a vacatio legis existe em favor do indivíduo, não pode ser utilizado con-tra ele. Basta-se imaginar a incoerente hipótese de um sujeito cumprindo pena pela prática de certa infração, quando o próprio Estado já manifestou não mais considerá-la relevante penal, por meio de lei descriminalizadora, ainda que em vacatio.

Entendo ser a posição mais correta, estando acompanhado de Alberto Silva Franco4, Delmanto5,

Guilherme de Souza Nucci6, Paulo José da Costa

Jr.7, Paulo Queiroz8 e René Ariel Dotti9.

Não. A lei em vacatio ainda não tem vigên-cia, sendo inadmissível aplicá-la, mesmo para favorecer o acusado. Outrossim, a lei pode nunca entrar em vigor, a exemplo do Código Penal de 1969, que teve a vacatio sucessivamente prorrogada, até ser revogado pelo governo Geisel, jamais tendo vigorado. É o entendimento seguido por Damásio de Jesus10, Frederico Marques11 e Hungria12.

4. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 67-70.

5. Código Penal Comentado, p. 59. 6. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 162-163.

7. Curso de Direito Penal, p. 80

8. Direito Penal: parte geral, p. 145.

9. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 344-345.

10. Direito penal, v. 1, p. 117, nota 5. 11. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 209.

12. Comentários ao Código Penal, v. 1, p. 119, nota 9.

2.6. Lei intermediária

É a lei surgida depois da prática do fato, mas revogada antes de ser imposta ao agente a respectiva sanção.

Nesse caso, aplicam-se integralmente as regras da extratividade (retroatividade e ultratividade) da lei benéfica.

Ex.: agente pratica um crime sob a égide da lei “A”. Surge a lei “B”, que reduz a pena dessa infração (benéfica ao acusado). Sobrevém a lei “C” (mais gravosa), vigente no momento da sentença. Aplica--se a lei “B”, retroativa em relação à data do fato e ultrativa em relação à data da sentença.

Lei “A” (mais gravosa) Lei “B” (benéfica ao acusado) Lei “C (mais gravosa)

Data do fato Data da sentença

Aplica-se a lei intermediária

Temos um exemplo recente de lei intermediária. Antes da Lei 13.654/2018, o emprego de arma branca no crime de roubo configurava uma causa de aumento de pena, de 1/3 até 1/2 (art. 157, § 2º, I). A Lei 13.654/2018 (lei intermediária benéfica) supri-miu essa majorante. Posteriormente, a Lei 13.964/2019 (“pacote anticrime”) reintroduziu o aumento de pena (art. 157, § 2º, VII).

Imaginemos que João praticou um furto com emprego de arma branca em 2017 e o juiz vá sen-tenciá-lo em 2020. O magistrado não poderá reco-nhecer a causa de aumento, pois a Lei 13.654/2018 é dotada de retroatividade em relação à data do fato e de ultratividade quanto à data da sentença.

Antes da

Lei 13.654/2018 Lei 13.654/2018 Lei 13.964/2019

(7)

P ar te I I – L ei P en al

A causa de aumento atinente ao emprego de arma branca (art. 157, § 2º, VII), convém anotar, somente pode ser reconhecida em relação a fatos praticados após a Lei 13.964/2019.

2.7. Leis intermitentes

São leis criadas para terem curta duração. Leis intermitentes é gênero, do qual são espécies as leis temporárias e as leis excepcionais:

a)Leis temporárias – o prazo de vigência vem determinado em seu próprio texto. Como exemplo, pode-se mencionar a Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), que contém figuras penais incriminadoras (arts. 30 a 33) com prazo de validade determinado, até o dia 31 de dezembro de 2014 (art. 36);

b) Leis excepcionais – editadas para serem aplicadas durante uma situação ou período de excepcionalidade, sem duração cronológica pré-es-tabelecida. Ex.: calamidade pública.

Prazo de vigência vem determinado no próprio texto Aplicáveis durante situação ou período de excepcionalidade, sem duração cronológica pré-estabelecida Leis intermitentes Leis temporárias Leis excepcionais

Tais leis são autorrevogáveis, pois deixam de produzir efeitos por si, quando decorrido o período nelas previsto (leis temporárias) ou finda a situação de anormalidade (leis excepcionais).

Estão previstas no art. 3º do CP:

Lei excepcional ou temporária

Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

Nos termos da antiga Exposição de Motivos da Parte Geral do CP, “é especialmente decidida a hipótese da lei excepcional ou temporária, reconhe-cendo-se a sua ultratividade. Esta ressalva visa impedir que, tratando-se de leis previamente limi-tadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais”.

O art. 3º do Código Penal, ao estabelecer a ultratividade das leis excepcionais ou temporárias, é constitucional?

Existem 2 correntes:

Constitucional. Segundo Luiz Flavio Gomes e Antonio Molina, a questão se resolve com a aplicação do princípio da especialidade. O fato incriminado na lei temporária ou excepcional conta com dados típicos específicos (ex.: furto ocorrido durante inundação, sequestro praticado durante a lei temporária etc.). Quando a lei excep-cional perde sua vigência, volta a prevalecer o Direito penal normal. Mas as figuras típicas (a anterior e a nova) não são as mesmas, pois falta na descrição típica precedente o requisito da temporariedade ou da excepcionalidade. A lei nova não revoga a anterior, porque não trata exatamente da mesma matéria, do mesmo fato típico. Não há, portanto, uma verdadeira sucessão de leis penais no tempo13.

É a corrente majoritária, adotada por Aníbal Bruno14, Basileu Garcia15, Damásio de Jesus16,

Maga-lhães Noronha17, Nélson Hungria18, entre outros;

Inconstitucional. O art. 5º, XL, da CF, estabelece a retroatividade da lei penal benéfica, sem exceções (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”). Portanto, verificado o termo final da lei excepcional ou temporária, haverá a descri-minalização da conduta (abolitio criminis), que retroagirá para beneficiar todos que estiverem sendo processados ou já tiverem sido condenados.

Essa corrente sempre foi minoritária, mas parece ganhar força (acertadamente, em minha opinião).

Guilherme de Souza Nucci, antes adepto da primeira corrente, passou a entender pela incons-titucionalidade do dispositivo nas últimas edições de suas obras19. É também o magistério de Paulo

Queiroz20.

2.8. Lei penal em branco

Estudamos em ponto anterior o conceito de lei penal em branco. Surge, agora, a indagação:

13. Direito penal: parte geral, v. 2, p. 80. 14. Direito Penal: parte geral. t. 1, p. 257.

15. Instituições de Direito Penal, v. 1, t. 1, p. 207-208. 16. Direito penal, v. 1, p. 144.

17. Direito Penal, v. 1, p. 77.

18. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, p. 139-144. 19. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 173.

20. Direito penal: parte geral, p. 139-140. Também questionando a constitucionalidade: Zaffaroni e Pierangeli. Manual de Direito

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MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Geral e Parte Especial • Jamil Chaim Alves

Alteração do complemento da lei penal em branco, benéfica ao acusado, retroage?

Há basicamente 3 correntes:

Retroage. Parece-me a melhor posição, diante da redação do art. 5º XL, da CF, que esta-belece a retroatividade da lei penal benéfica, sem exceções (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”).

Como leciona Basileu Garcia, “a disposição extrapenal de que se entretece a norma penal em branco (...) impregna-se do cunho penal, como parte que passa a constituir a figura delituosa. E por isso a retroatividade benéfica se impõe”21.

É também a orientação de Paulo José da Costa Jr.22, Paulo Queiroz23, entre outros;

Não retroage. A revogação do complemento não atinge fatos pretéritos. Nesse sentido: Frederico Marques24;

Depende da natureza do complemento. É a posição majoritária. Na doutrina, encontram-se primordialmente dois critérios distintivos (ambos buscam chegar ao mesmo resultado):

a) Se o complemento possuir caráter excepcio-nal ou temporário, será ultrativo, ou seja, modifi-cações posteriores não beneficiarão o acusado (nos termos do art. 3º do CP). Exemplo clássico é a mudança de tabela em crime de transgressão de tabelamento de preços (art. 2º, VI, da Lei 1.521/1951). As tabelas de preços eram constantemente atuali-zadas, tendo caráter de lei excepcional. Se o agente desrespeitasse o valor máximo estabelecido em determinada época, responderia pelo delito, pouco importando se o teto fosse modificado em tabela posterior.

Por outro lado, se o complemento não possuir caráter excepcional ou temporário, seguirá a regra geral da retroatividade da lei penal benéfica (art. 2º do CP). Como exemplo, pode-se mencionar a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). A relação das substâncias consideradas drogas, disciplinada em portaria, tem caráter permanente, ou seja, não se trata de rol criado para vigorar por um período pré-determinado ou em situação de anormalidade. Logo, se alguma das substâncias for retirada da portaria (a maconha, por exemplo), ocorrerá em relação a ela abolitio criminis, com efeito retroativo.

21. Instituições de Direito Penal, v. 1, t. 1, p. 211-212. 22. Curso de Direito Penal, p. 81.

23. Direito penal: parte geral, p. 145. 24. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 207.

Adotam esse critério, entre outros Alberto Silva Franco25, Delmanto26, Fragoso27, Mirabete28 e Luiz

Flávio Gomes29.

b) Se o complemento for meramente acessório ou secundário, será ultrativo. Voltando ao exemplo da transgressão de tabelamento de preços, a Lei n. 1.521/1951 não define como crime cobrar mais que determinado preço, mas sim “transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias ou de serviços essenciais”. A tabela é mera circunstância comple-mentar, editada conforme as necessidades do momento. Se o agente transgrediu a tabela que estava em vigor na ocasião, será punido ainda que outra seja publicada posteriormente.

Em contrapartida, se o complemento for parte essencial da norma, de modo que a sua variação desnature a própria figura incriminadora, deverá respeitar a retroatividade da lei benéfica. Ex.: o art. 33 da Lei 11.343/2006 tipifica o tráfico de drogas. O conceito de droga é fundamental à compreensão do delito, sendo tão relevante quanto os verbos descritos no tipo penal (vender, adquirir, guardar etc.). Havendo a retirada de alguma substância da portaria, fica desfigurado o próprio tipo penal, devendo tal alteração retroagir para beneficiar quem tenha sido condenado ou esteja sendo processado por tal delito.

É o entendimento de Magalhães Noronha30 e

Nucci31.

Há julgados do STF adotando a terceira corrente:

STF: “O paciente foi preso no dia 01.03.84, por ter

ven-dido lança-perfume, configurando o fato o delito de tráfico de substância entorpecente, já que o cloreto de etila estava incluído na lista do DIMED, pela Portaria de 27.01.1983. Sua exclusão, entretanto, da lista, com a Portaria de 04.04.84, configurando-se a hipótese do ‘abolitio criminis’. A Portaria 02/85, de 13.03.85, nova-mente inclui o cloreto de etila na lista. Impossibilidade, todavia, da retroatividade desta. II. Adoção de posição mais favorável ao réu. (HC 68904/SP, Rel. Min. Carlos

Velloso, 2ª T., j. 17/12/1991).

STF: “Em princípio, o artigo 3º do Código Penal se aplica a norma penal em branco, na hipótese de o ato nor-mativo que a integra ser revogado ou substituído por outro mais benéfico ao infrator, não se dando, portanto, a retroatividade. Essa aplicação só não se faz quando

25. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 79. 26. Código penal comentado, p. 64.

27. Lições de direito penal, v. 1, p. 105. 28. Código penal interpretado, p. 10-11. 29. Direito penal: parte geral, v. 2, p. 81. 30. Direito penal, v. 1, p. 78.

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a norma, que complementa o preceito penal em branco, importa real modificação da figura abstrata nele pre-vista ou se assenta em motivo permanente, insuscep-tível de modificar-se por circunstâncias temporárias ou excepcionais, como sucede quando do elenco de doenças contagiosas se retira uma por se haver demonstrado que não tem ela tal característica” (HC

73168/SP, Min. Moreira Alves, 1ª T., j. 21/11/1995).

2.9. Combinação de leis penais

É a conjugação de trechos de leis penais que se sucederam no tempo, feita pelo juiz, para formar uma terceira lei (lex tertia), benéfica ao acusado.

Ex.: agente praticou tráfico de drogas sob a égide da Lei 6.376/1976. Porém, no momento da sentença, já estava em vigor a Lei 11.343/2006. Se admitida a combinação de leis, o magistrado poderia aplicar a pena cominada na Lei 6.376/1976 (mais branda) com a novel causa de diminuição prevista no § 4º da Lei 11.343/2006. Figura privilegiada (art. 33, § 4º) Possibilidade de redução da pena de 1/6 a 2/3 (Lei 11.343/06) Lei 6.368/1976, art. 12 Pena – 3 a 15 anos de reclusão Não exis„a a figura privilegiada Lei 11.343/006, art. 33 Pena – 5 a 15 anos de reclusão (mais gravosa que a anterior) Figura privilegiada (§ 4º) Possibilidade de redução da pena de 1/6 a 2/3 (benéfica em relação à anterior)

Combinação de leis (lei terciária ou lex tera)

Pena – 3 a 15 anos de reclusão (Lei

6.368/1976)

É admissível a combinação de leis penais?

Há duas posições:

Sim. Trata-se apenas de um processo de integração da lei penal, em obediência ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal bené-fica. Na doutrina, é o entendimento de Alberto Silva Franco32, Cezar Roberto Bitencourt33, Damásio de Jesus34, Delmanto35, Magalhães Noronha36, Mira-bete37, José Frederico Marques38, Paulo Queiroz39, René Ariel Dotti40 e Luiz Flávio Gomes41;

32. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 66. 33. Tratado de direito penal, v. 1, p.230.

34. Direito penal, v. 1, p. 135. 35. Código penal comentado, p. 59. 36. Direito Penal, v. 1, p. 76. 37. Código penal interpretado, p. 14. 38. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 191-192. 39. Direito penal: parte geral, p. 139. 40. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 349. 41. Direito penal, v. 2, p. 75.

 Não. O juiz, ao criar uma terceira lei para o caso concreto, está legislando. Portanto, trata-se de usurpação da competência do Poder Legislativo, ofendendo a separação de poderes e o princípio da legalidade. Há, ainda, grave comprometimento da segurança jurídica, pois essa “colcha de retalhos” resultante da conjugação de trechos de leis diversos pode gerar consequências jamais imaginadas ou pretendidas quando da edição de cada uma das leis isoladamente. É a posição que me parece mais acertada, filiando-me a Aníbal Bruno42, Guilherme

de Souza Nucci43, Heleno Cláudio Fragoso44 e

Nél-son Hungria45, Pierangeli e Zaffaroni46.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal rejeita a combinação de leis penais:

STF: “É inadmissível a aplicação da causa de diminuição

prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 à pena relativa à condenação por crime cometido na vigência da Lei 6.368/1976. (...) Não é possível a conjugação de partes mais benéficas das referidas normas, para criar-se uma terceira lei, sob pena de violação aos princípios da lega-lidade e da separação de Poderes. O juiz, contudo, deverá,

no caso concreto, avaliar qual das mencionadas leis é mais favorável ao réu e aplicá-la em sua integralidade” (RE 600817/ MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. 07/11/2013).

No mesmo sentido a súmula 501 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 501 do STJ

É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combina-ção de leis.

Inadmitida a combinação de leis penais (2ª corrente), o que fazer se houver dúvida a respeito de qual lei seria a mais benéfica ao acusado?

É possível que, diante da sucessão de leis penais, cada qual seja benéfica em um ponto e prejudicial em outro. Em tais casos, o próprio acusado, por seu defensor, deve indicar qual das leis aplicáveis lhe parece a mais favorável47.

42. Direito Penal: parte geral. t. 1, p. 256. 43. Curso de Direito Penal, v. 1, p. 164.

44. In: HUNGRIA. Comentários ao Código Penal, v. 1, p. 236. 45. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, p. 121. 46. Manual de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 205.

47. É a posição de Basileu Garcia (Instituições de Direito Penal, t. 1, v. 1, p. 206), Delmanto (Código Penal Comentado, p. 58-59) e Hungria (Comentários ao Código Penal, v. 1., t.1, p. 134).

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MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Geral e Parte Especial • Jamil Chaim Alves

2.10. Jurisprudência

De acordo com o entendimento tradicional, alterações de entendimento jurisprudencial, mesmo benéficas ao acusado, não retroagem para atingir casos já julgados.

Nessa linha, há diversos precedentes do STJ negando revisões criminais ajuizadas com funda-mento em modificação jurisprudencial benéfica:

STJ: “A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é

no sentido de que a mudança de entendimento juris-prudencial posterior ao trânsito em julgado da conde-nação não autoriza o ajuizamento de revisão criminal visando a sua aplicação retroativa, o que afasta as

alegações de constrangimento ilegal e teratologia trazi-dos pelo agravante” (AgRg no REsp 1816088/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 06/08/2019).

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a revisão criminal baseada em modificação de juris-prudência somente é possível em situações excep-cionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (em controle abstrato ou concentrado):

STF: “A inadmissão da Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (inclusive

incidenter tantum), é historicamente assentada por esta Corte” (STF, HC 153805 AgR/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 11/09/2018).

Destoando dessa orientação, há interessante precedente da 3ª Seção do STJ admitindo a retroa-tividade de mudança jurisprudencial. Um sujeito foi condenado por estelionato previdenciário, pra-ticado para que terceira pessoa recebesse o benefí-cio ilicitamente. O tribunal havia afastado a tese defensiva de prescrição, sob o argumento de que esse seria um crime permanente. E, como o termo inicial da prescrição dos crimes permanentes somente é deflagrado com a cessação da permanência (art. 111, III, do CP), não havia se operado a causa extintiva da punibilidade.

Em sede de revisão criminal, o STJ afirmou que a sua atual jurisprudência, seguindo o entendimento do STF, reconhece a natureza binária do crime de estelionato previdenciário, a depender de quem pratica a conduta: o próprio beneficiário da vanta-gem indevida (crime permanente, cessando apenas com o recebimento indevido da última parcela do benefício) ou um intermediário para que terceira pessoa receba o benefício previdenciário ilicitamente

(crime instantâneo com efeitos permanentes, devendo ser contado o prazo prescricional a partir do rece-bimento da primeira prestação do benefício indevido). Como a conduta se enquadrava no segundo caso, havia ocorrido a prescrição. Confira:

STJ: “Cabível o manejo da revisão criminal fundada no

art. 621, I, do CPP em situações nas quais se pleiteia a adoção de novo entendimento jurisprudencial mais benigno, desde que a mudança jurisprudencial corres-ponda a um novo entendimento pacífico e relevante. A jurisprudência desta Corte tem entendido que o crime de estelionato previdenciário praticado para que terceira pessoa possa se beneficiar indevidamente da fraude tem natureza de crime instantâneo com efeitos permanentes, devendo ser contado o prazo prescricional a partir do recebimento da primeira prestação do benefício indevido. A orientação se alinha com o entendimento exarado pela Corte Suprema, ao examinar o Agravo Regimental no ARE n. 663.735/ES, quando reconheceu a natureza biná-ria do crime de estelionato previdenciário, a depender de quem pratica a conduta, o próprio beneficiário da vantagem indevida ou um intermediário para que terceira pessoa receba o benefício previdenciário ilicitamente. No caso concreto, reconhecida a natureza jurídica do delito como crime instantâneo de efeitos permanentes, o termo inicial do prazo prescricional é a data do paga-mento da prestação do primeiro benefício indevido que ocorreu em março/1985. (...) Revisão criminal que se julga procedente, para reconhecer a prescrição da pre-tensão punitiva do requerente (...)” (RvCr 3900/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª Seção, j. 13/12/2017). Já a doutrina mais recente tem entendido, de modo mais abrangente, que a modificação de juris-prudência deve retroagir para beneficiar o réu, desde que represente um entendimento consolidado. Confira o magistério de Luiz Flávio Gomes e Anto-nio Molina:

Isolada e momentânea alteração jurisprudencial não autoriza sua aplicação retroativa em favor do agente do fato. As mutações jurisprudenciais acontecem quase que diariamente. Mas muitas não se consolidam. Distinta é a situação quando a mudança jurispruden-cial é definitiva (consolidada, firme). Se a lei nova favorável é retroativa, por analogia (in bonam partem) a jurisprudência nova (consolidada) também o é. Por exemplo, quando o Tribunal cancela uma súmula. Isso se deu, v.g., com o cancelamento da Súmula 174 do STJ, que autorizava aumento de pena no roubo mesmo que a arma fosse de brinquedo. Pode-se afirmar a mesma coisa em relação à decisão do STF, proferida no HC 82.959, que julgou inconstitucional a Lei dos Crimes Hediondos no ponto em que proibia a pro-gressão de regime. Não há dúvida que essa decisão do STF tem eficácia retroativa48.

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2.11. Competência para aplicação da lei

nova mais favorável

O tema não enseja dificuldade: a competência para aplicar a lei nova mais favorável é do Juízo perante o qual tramite o feito.

Se o processo estiver tramitando em 1º grau de jurisdição (fase de conhecimento), a competência para aplicação da lei nova mais favorável é do juiz do conhecimento.

Se o processo estiver em grau de recurso, a competência é do Tribunal respectivo.

Por fim, se o processo estiver em fase de exe-cução, é competente o juiz da execução. Nesse sentido, dispõe a súmula 611 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 611 do STF

Transitada em julgado a sentença con-denatória, compete ao Juízo das exe-cuções a aplicação de lei mais benigna.

TABELAS RESUMO – LEI PENAL NO TEMPO TEMPO DO CRIME

TEORIA DA ATIVIDADE TEORIA DO RESULTADO TEORIA MISTA Considera-se praticado o crime

no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do

resultado. É a teoria adotada pelo Código Penal.

Considera-se praticado o crime no

momento da produção do resultado. Considera-se praticado o crime tanto no momento da ação ou omissão, quanto no momento da produção do resultado.

SUCESSÃO DE LEIS PENAIS NO TEMPO

HIPÓTESE DEFINIÇÃO CARACTERÍSTICA Lei nova

incriminadora (neocriminalização)

Torna crime conduta até então

consi-derada irrelevante penal. Somente atinge fatos praticados após sua entrada em vigor, ou seja, é irretroativa.

Lei penal mais severa (novatio legis in pejus ou lex

gravior)

Aquela que, de qualquer modo,

pre-judica o acusado. Somente atinge fatos praticados após sua entrada em vigor, ou seja, é irretroativa. Obs.: a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à ces-sação da continuidade ou da permanência (súmula 711, STF).

Abolitio criminis

Revogação de figura penal

criminali-zadora (descriminalização) Benéfica ao acusado e, como tal, dotada de retroatividade. Apaga todos os efeitos penais da condenação. Porém, os efeitos civis permanecem.

Obs.: havendo revogação de figura criminalizadora, porém com a transferência de seu conteúdo para outro disposi-tivo, não há abolitio criminis (princípio da continuidade nor-mativo-típica).

Lei nova favorável (novatio legis in

mellius ou lex mitior)

Aquela que, de qualquer modo,

bene-ficia o acusado. Retroage para atingir fatos praticados antes de sua vigência.

Vacatio legis

Interregno entre o dia da publicação

e o dia em que a lei entra em vigor. Lei benéfica em vacatio é aplicável? Há controvérsia:Sim. O intuito da vacatio é beneficiar o indivíduo, não podendo ser utilizado em seu desfavor (Costa Jr., Delmanto, Dotti, Nucci, Paulo Queiroz, Silva Franco);

Não. Lei em vacatio ainda não está em vigor (Damásio, Frederico Marques e Hungria).

Lei intermediária Aquela surgida depois da prática do fato, mas revogada antes de ser imposta a sanção ao agente.

Aplicam-se integralmente as regras da extratividade (retro-atividade e ultr(retro-atividade) da lei benéfica.

Referências

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