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CHEGA DE SAUDADE: A NOVA MPB E AS TRANSFORMAÇÕES NO CENÁRIO MUSICAL BRASILEIRO 1

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CHEGA DE SAUDADE: A “NOVA MPB” E AS TRANSFORMAÇÕES NO CENÁRIO MUSICAL BRASILEIRO1

Suzana Maria Dias Gonçalves2 Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE Resumo: Por volta dos anos 2000, uma nova produção de música brasileira começa a se formar no Brasil. A nova geração de músicos, rotulada pela crítica especializada de “Nova MPB”, a nova música popular brasileira, surge em meio a um novo modelo de negócio da música, configurado após o desencadeamento da crise da Indústria Fonográfica. Por décadas, as grandes gravadoras costumavam deter os meios de produção, atuando como filtros daquilo que viria ou não a ser gravado e colocado no mercado. Com o surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação, o artista passa a poder produzir, divulgar e circular seu disco em redes virtuais, formando um modelo segmentado de mercado. Dessa forma, o artigo visa perceber a reconfiguração da indústria da música e a conseqüente segmentação de mercado, tomando como estudo de caso a produção artística da nova geração de músicos brasileiros, rotulados como representantes da “Nova MPB”, mostrando que o surgimento dessa nova formação cultural está diretamente relacionado às transformações do negócio da música.

Palavras-chave: Música, Indústria da música, Indústria Fonográfica, Mídia, Nova MPB.

Introdução

Não é novidade que, desde a segunda metade dos anos 1990, a indústria da música vive um momento de transição. Assistimos à crise do modelo tradicional da Indústria Fonográfica e o consequente crescimento da valorização da música ao vivo, materializada tanto em shows de músicos contratados por grandes gravadoras, quanto nos festivais independentes realizados pelo país afora, importantes meios de circulação para artistas que, na maioria das vezes, se encontravam à margem das grandes companhias fonográficas.

Consequentemente, as novas transformações remodelaram as práticas de consumo. A necessidade de reestruturação do negócio da música gravada, em razão da desvalorização do disco, proporcionou o crescimento do consumo de música ao vivo. Se antes prevalecia a tradicional indústria do disco, com gravação sofisticada, comercialização em grandes lojas, divulgação e consumo através dos tradicionais meios de comunicação, como a

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Trabalho apresentado ao GT 4: Mídia, Música e Mercado, do IV Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 15 a 17 de agosto de 2012, na Escola de Comunicação e Artes da USP, São Paulo/SP.

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Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolve pesquisa

sobre o consumo musical na atual configuração do mercado da música. Lattes:

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TV e o rádio; hoje, a materialização dessa cadeia é possível a partir de novas lógicas de mercado da música, como o emprego das novas tecnologias de informação e comunicação, importante ferramenta de divulgação e circulação de conteúdos, que vão ser consumidos nos espaços urbanos por meio de shows e festivais. No entanto, vale ressaltar que antigas práticas permanecem, a exemplo da força que o rádio ainda exerce na cultura como meio de consumo imediato de música.

Assim, pode-se afirmar que há uma relação direta entre o consumo dos produtos musicais que circulam nos meios virtuais e o modo como são consumidos nessas cenas. Não à toa, festivais como Coquetel Molotov (PE), RecBeat (PE), Abril Pro Rock (PE), Se Rasgum (PA) e Bananada (GO) são alguns dos espaços onde se dão a apropriação e a circulação desses bens culturais. A maioria dos festivais independentes existentes atualmente no Brasil é filiada à Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), que conta atualmente com 40 festivais em todo o país.

Em meio a esse novo contexto histórico da indústria da música, surge uma nova formação cultural brasileira, rotulada pela crítica especializada de “Nova MPB”. O termo remete à nova geração de artistas que, submetidos às novas lógicas do mercado, encontram novas formas de produzir, comercializar e circular seus produtos midiáticos. Artistas como Rômulo Fróes (SP), Cícero (RJ), Curumim (SP), Céu (SP), Tulipa Ruiz (SP), Lucas Santtana (BA), Marcelo Jeneci (SP), Nina Becker (RJ), Karina Buhr (PE), Otto (PE), Catatau (CE), Wado (AL), Momo (RJ), Criolo (SP) e outros protagonizam a nova geração conectada a novos modelos de produção, circulação e consumo de produtos, por meio de plataformas digitais de compartilhamento de conteúdos e da materialização do consumo nos circuitos urbanos. Isso nos faz pensar que o surgimento da chamada “Nova MPB” está diretamente conectado às transformações do cenário musical brasileiro.

Em 2010, a Rolling Stone Brasil elegeu o disco de Tulipa Ruiz, “Efêmera”, como o melhor do ano, à frente de trabalhos como da banda Pato Fu. Ainda figuraram na mesma lista, Macelo Jeneci com “Feito pra acabar” (2º lugar), Karina Buhr com “Eu menti pra você” (3º) e Nina Becker com “Vermelho” (9º). Em 2009, Céu aparece em primeiro lugar com o álbum “Vagarosa, à frente de artistas como Erasmo Carlos. Cidadão Instigado, do músico Catatau, ficou com a 2ª colocação com o disco “Uhuuu!”, Lucas Santanna em 8º lugar com “Nostalgia”. Em 2011, o “disco inexistente” de Wado, intitulado “Samba 808”, figurou nas listas do renomado jornalista João Paulo Cuenca, como o melhor disco brasileiro do ano. Ironicamente, “Samba 808” é um disco que foi lançado apenas no formato digital:

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característica peculiar à nova geração de músicos independentes, capaz de obter o reconhecimento da crítica a partir de um modelo de produção alheio às lógicas tradicionais das grandes gravadoras. Dessa forma, os dados acabam por revelar o espaço e a relevância que a nova produção ocupa no cenário musical brasileiro contemporâneo.

Na reportagem online do jornal O Globo, o jornalista Leonardo Lichote avalia o surgimento dessa nova cena musical brasileira, fazendo uma conexão entre a circulação e consumo, tanto no ambiente virtual quanto nos espaços urbanos.

Alguma coisa acontece no coração da nova música popular brasileira quando cruza certas esquinas paulistanas neste início de século XXI. Aos poucos, nos últimos anos, uma geração de artistas baseados em São Paulo, de diferentes motivações e origens (Paraná, Recife, Ceará, Rio e mesmo a capital paulista), vem trocando ideias, e-mails, arquivos MP3, mensagens no Facebook, links do MySpace - produzindo muito e alimentando uma cena que agora, madura, se configura como a mais consistente do país, apesar do pequeno alcance comercial. Pode ser cedo para afirmar, mas talvez pela primeira vez desde a década de 60, quando foram realizados os festivais e os programas da paulista TV Record (como "Jovem Guarda" e "O fino da bossa"), São Paulo concentre os olhares de quem está interessado nos rumos da futura MPB (LICHOTE, 2010).

Na edição de julho de 2008 da Revista Bravo!, José Flávio Junior e Marcio Orsolini tentaram definir o que seria a “Nova MPB”.

Eles não têm manifesto. Não formam um movimento articulado. Por não se sentirem na obrigação de se opor a um estilo anterior, têm liberdade e abertura para qualquer influência – e, entre essas influências, valorizam principalmente a MPB tradicional. Afinados com os novos tempos, divulgam suas obras pelo MySpace. Não são artistas-solo, como os da bossa nova dos anos 60, nem formam bandas, como os roqueiros dos anos 80. Trabalham colaborativamente. Em alguns momentos, formam núcleos de criação que são verdadeiroas incubadoras de talentos; em outros, se recolhem para criar trabalhos solo. (FLÁVIO JUNIOR; ORSOLINI, 2008, p.90).

Considerado pela crítica como porta-voz da “Nova MPB”, Rômulo Fróes reconhece a existência da nova formação cultural, embora rejeite o título que lhe fora concedido.

Havia um sentimento, como ainda hoje há, embora menor, de que nada de novo estava sendo feito na música brasileira. Como se ela tivesse parado nos anos 1960. Eu me sentia angustiado em ver uma geração de artistas extremamente talentosos relegados ao anonimato, por isso passei a escrever sobre eles. [...] Mas estou longe de ser um porta voz ou mensageiro, se há uma coisa a aprender sobre esta geração é que ela não possui nem uma só voz nem um só pensamento sobre a música brasileira (FRÓES, 2011).

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A nova geração de músicos brasileiros caracteriza-se, entre outras coisas, pela busca de uma nova sonoridade influenciada pela MPB tradicional misturadas a outros gêneros musicais, como indie rock e samba. São músicos que participam de discos e shows uns dos outros, independente de seus trabalhos solos, circulam em casas alternativas de show, a exemplo do Studio SP, além de diversos festivais independentes realizados em todo o país.

Originalmente, a sigla MPB já era alvo de polêmica desde o seu surgimento. Na década de 1960, artistas da bossa nova e de outras sonoridades brasileiras eram definidos como representantes da MPB, questionado até hoje se tal rótulo se configura como gênero, movimento ou mesmo cena musical. Para além das questões que envolvem o rótulo “Nova MPB” para a formação cultural emergente, é necessário perceber que a nomeação parte da crítica especializada, como forma de legitimar a relevante produção e circulação da nova safra de músicos e caracterizar determinadas condições de produção, circulação e consumo musical.

É necessário nomear as “coisas” que serão consumidas para que sejam observadas determinadas semelhanças entre elas e elaborados critérios de hierarquização que irão compor um sistema simbólico. Ao nomear, definimos uma qualidade para um objeto, uma vez que elegemos elementos que o caracterizam. [...] Classificar significa realizar uma escolha, elegendo esses critérios e nomeando as categorias. Ao mesmo tempo, as classificações fazem referência à totalidade do universo classificado por meio da negação do pertencimento a outras categorias (TROTTA, 2011, p.54).

A reflexão de Trotta (2011) nos leva a concluir que agrupar determinado grupo de músicos sob determinada rotulação é afirmar que seus representantes possuem elementos estéticos e midiáticos comuns, que irão determinar não só o perfil do seu público-alvo de consumidores, como também as estratégias de divulgação e comercialização empregadas.

Assim, mesmo que a “Nova MPB” carregue traços do que se define como cena, gênero ou movimento musical, mais interessante é observar como essa nova formação cultural ocupa um lugar de mediação entre as instâncias reprodutivas e o campo da recepção. Ou seja, como a estrutura e as dinâmicas características do sistema produtivo dessa nova geração de músicos articulam-se com públicos consumidores específicos.

Reconfiguração da indústria musical: a “Nova MPB” e o mercado de nicho

A atual configuração da indústria da música possibilitou uma transformação no modo de experienciar a música social e materialmente. Além de contribuir para o aumento do

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consumo por parte de uma audiência leiga musicalmente, as transformações ocorridas no bussiness da música foram ainda responsáveis por mudar as relações de hábitos e práticas sociais, por meio das novas tecnologias de informação e comunicação.

Com isso, os custos com produção foram barateados, os estúdios caseiros viabilizaram a gravação de trabalhos independentes, os canais de comunicação na Internet facilitaram a circulação e divulgação de discos, criaram novos canais de consumo, por meio da venda de música por empresas de telefonias e videogames, constituindo uma importante forma de reorganização do mercado (HERSCHMANN, 2011).

Tais transformações ampliaram os modos de escuta musical, através do compartilhamento de músicas online nas plataformas Last.FM, You Tube, para citar alguns, bem como por meio do consumo de música ao vivo, cada vez mais crescente em tempos de Internet. Essa realidade está diretamente relacionada à necessidade de reestruturação do grande negócio da música gravada, em razão da crescente desvalorização do disco.

Se é verdade que até bem pouco tempo os músicos conseguiam dois terços de sua receita através da venda de fonogramas – o terço restante era obtido através de shows e publicidade/merchandising –, é preciso ressaltar que atualmente esta proporção se inverteu. Cientes deste fato, as gravadoras vêm buscando abocanhar este mercado: passaram a adotar, como medida compensatória às suas perdas, alterações dos contratos que impõem aos artistas, prevendo, entre outras coisas, participação nas bilheterias (HERSCHMANN, 2011, p. 30, grifo do autor).

Isso justifica o aumento do número de festivais de música independente produzidos no Brasil, iniciativa de coletivos, pequenas gravadoras e produtores que, na maioria das vezes, reúnem artistas fora do grande mercado, contribuindo para a construção e estabelecimento de um mercado segmentado. No entanto, vale lembrar que, embora tenha deixado de ser hegemônico, o modelo tradicional de negócio da Indústria Fonográfica não desapareceu. É o que Henry Jenkins (2009) definiu de “cultura da convergência”, em que há uma coexistência de novas e velhas mídias, além de uma maior interação entre produtores e consumidores. A convergência das mídias representa o fluxo de conteúdos em diversos sistemas de mídia, a busca pela ampliação do mercado, a cooperação entre múltiplas indústrias midiáticas e o comportamento migratório da audiência em busca das experiências de entretenimento que desejam.

Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas. [...] Cada vez mais, líderes da indústria midiática estão retornando à convergência como uma forma de

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encontrar sentido, num momento de confusas transformações (JENKINS, 2009, p.33).

Segundo André Lemos (2009), o novo formato de consumo, produção e circulação da informação é configurado por um sistema aberto de comunicação, em que o consumidor também passa a assumir o papel de produtor de maneira colaborativa e participativa. O autor chamou o novo formato comunicacional de pós-massivo, mídia que funcionaria como verdadeiro canal de diálogo, no qual a conversação se daria na produção e nas trocas informativas entre atores individuais ou coletivos.

É importante compreender que a nova paisagem comunicacional não aniquila o poder e a força dos meios massivos, mas faz emergir outra esfera onde a emissão não é controlada, onde a conexão planetária dá o tom a uma reconfiguração da indústria cultural, das formas sociais e da produção e da circulação de informação. [...] A nova esfera conversacional se caracteriza por instrumentos de comunicação que desempenham funções pós-massivas (liberação do pólo da emissão, conexão mundial, distribuição livre e produção de conteúdo sem ter que pedir concessão ao Estado), de ordem mais comunicacional do que informacional (mais próxima do “mundo da vida” do que do “sistema”), alicerçada na troca livre de informação, na produção e distribuição de conteúdos diversos, instituindo uma conversação que, mesmo sendo planetária, reforça dimensões locais. As tecnologias da comunicação e interação digitais, e as redes que lhe dão vida e suporte, provocam e potencializam a conversação e reconduzem a comunicação para uma dinâmica na qual indivíduos e instituições podem agir de forma descentralizada, colaborativa e participativa (LEMOS, 2009, p. 03).

Na mesma direção, Thiago Soares (2011) afirma que massivo e pós-massivo não se encontram necessariamente em polos opostos dentro da indústria musical. O autor toma como exemplo o videoclipe como produto que transita dinamicamente/livremente entre ambos os processos.

Trata-se de um produto que não se furta a deslizar pelas instâncias massivas e pós-massivas. Desde que passou a habitar tanto as emissoras de televisão musical (MTV, VH1 etc.) quanto as plataformas de compartilhamento de vídeos na internet (You Tube, Yahoo! Vídeos, entre outras), os videoclipes tornaram-se objetos amorfos, adaptáveis e moduláveis aos meios em que circulam, fonte interessante de reconhecimento de como o massivo e o pós-massivo devem ser vistos não como instâncias distintas e distantes, mas sim a partir de uma lógica de um mútuo agendamento (SOARES, 2011, p. 65).

É diante desse cenário que os artistas da “Nova MPB” se valem das novas lógicas de produção, circulação e consumo da música, observadas tanto nos meios virtuais quanto no tecido urbano. Em outras palavras, a nova safra de artistas utiliza a Internet como importante meio de divulgação e circulação de músicas, uma espécie de agendamento do consumo e da

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circulação em shows ao vivo, o que, em certa medida, também contribui para a venda de discos físicos, ainda que em proporções menores se comparada à época de ouro do disco.

Quanto ao modelo de produção, os músicos da “Nova MPB” geralmente recorrem a pequenas gravadoras e mesmo estúdios caseiros para produzir seus discos, utilizam a Internet para fazer circular suas obras, circulam em festivais independentes e outros circuitos alternativos de shows. É um momento histórico em que novos artistas se envolvem profundamente com o processo de gravação, no sentido de lidar diretamente com o aparato técnico para a elaboração do disco. Da mesma forma, muitas vezes se envolvem diretamente com o processo de divulgação do disco, colocando-o para circular nas redes virtuais.

Tais mudanças proporcionaram o surgimento de novas tendências de um mercado cada vez mais segmentado. O mercado massivo deixa de ser hegemônico, abrindo espaço para o mercado de nicho local e global, contribuindo para o surgimento e fortalecimento de públicos consumidores específicos. Por isso, a venda de produtos que não se encontram disponíveis em lojas físicas tradicionais tem crescido vertiginosamente no mercado virtual, por exemplo.

É o que Chris Anderson (2006) chamou de “mercado de Cauda Longa”. O termo foi cunhado em virtude da cauda formada ao longo do gráfico que mostra a relação da quantidade da venda de produtos populares e não-comerciais. Segundo o autor, a soma da venda de produtos especializados, ou seja, de produtos menos populares têm se tornado um negócio lucrativo para a indústria, visto que cada vez mais são formados novos públicos consumidores. Dessa forma, conclui que “um número muitíssimo grande (os produtos que se situam na Cauda Longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os volumes de vendas de cada um) ainda é igual a um número grande.” (ANDERSON, 2006, p.23).

A música em si não caiu em desfavor – muito ao contrário. Nunca houve melhores tempos para artistas e fãs. A Internet é que se tornou o veículo favorito para se escutar música. O que caiu em desfavor foi o tradicional modelo de marketing de vender e distribuir música. O sistema de produção e distribuição de músicas, que atingiu proporções gigantescas, nas costas das máquinas de fabricar sucessos do rádio e da televisão, gerou um modelo de negócios dependente de grandes hits de platina – e hoje já não existe tanto arrasa-quarteirão. Estamos testemunhando o fim de uma era (ANDERSON, 2006, p.34-35).

Analisando as novas tendências do mercado da música, a lógica funciona da mesma maneira: se antes prevalecia a cultura dos hits, tocados massivamente nas rádios e vendidos em grandes lojas físicas de varejo, hoje há uma grande cultura de nicho caracterizada pela procura de conteúdos não-comerciais, que dificilmente são encontradas nos

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grandes meios de comunicação de massa, mas que podem ser facilmente acessados através das vendas pela Internet.

Sem precisar pagar espaço de prateleira – e, no caso de serviços puramente digitais, como a iTunes, nenhum custo de fabricação e quase nenhum custo de distribuição – a venda de um produto de nicho é apenas mais uma venda, com margens iguais ou melhores do que as dos hits. Pela primeira vez na história, os hits e os nichos estão em igualdade de condições econômicas, ambos não passam de arquivos em bancos de dados, ambos com iguais custos de carregamento e a mesma rentabilidade. De repente, a popularidade não mais detém o monopólio da lucratividade (ANDERSON, 2006, p.23).

Cada vez mais grupos de interesses são formados por afinidade e gostos em comum do que por gostos padronizados pelos meios massivos de comunicação. No mundo da música, pode-se tomar o caso das gravadoras independentes que atualmente abocanham juntas importante fatia do mercado de discos. A busca por gêneros mais marginalizados pela grande mídia tem crescido nesse mercado de nicho, a exemplo da procura pelo indie rock. Para se ter uma ideia da importância do mercado especializado, as gravadoras indies representam juntas 28,4% do mercado de fonogramas, de acordo com a última pesquisa apontada pela International Federation of the Phonographic Industry (IFPI)3, mais que a fatia de cada uma das quatro grandes gravadoras multinacionais, a saber Universal, Sony BMG, EMI e Warner, ocupando, respectivamente, 25,5%, 21,5%, 13,4% e 11,3% das vendas de discos no mercado.

O que se avalia dos dados apresentados é a confirmação de uma transição do consumo de hits para consumo de nichos. Com as facilidades trazidas pelas novas tecnologias, que permitiram a democratização dos meios de produção, as gravadoras independentes pluralizaram as possibilidades de gêneros e subgêneros responsáveis pela criação de muitos mercados de nicho, cuja soma ultrapassa o lucro de quaisquer das quatro maiores gravadoras separadamente.

Anderson (2006) enumera as razões que levaram ao surgimento e fortalecimento da cultura de nicho e que a posiciona como forte tendência para os próximos anos: a) democratização das ferramentas de produção, b) redução de custos de consumo com a democratização da distribuição e c) facilidade de acesso aos produtos (ligação entre oferta e demanda). Com o advento do computador e de softwares de gravação, milhões de pessoas puderam produzir álbuns em estúdios caseiros e distribuir sem custos na Internet. O acesso é facilitado tanto pelas ferramentas de recomendações, como resenhas de clientes nos sites de

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vendas, blogs, além das possibilidades de busca de produtos no Google, que atua como importante filtro de pesquisa diante das infinidades de discos produzidos atualmente.

Assim, o mercado especializado possibilitou o surgimento de diversos produtos de nicho, que, por sua vez, atraíram diversos públicos consumidores que não se conformavam com a padronização de gosto proposta pelas mídias e lojas físicas tradicionais. São milhões de ouvintes que buscam diariamente na Internet por discos que dificilmente seriam acessados na era de ouro da indústria do disco. Em outras palavras, observa-se hoje não só um surgimento de uma nova cena de música brasileira representada pela “Nova MPB”, como também a consolidação da produção artística plural de seus personagens, numa era em que obter o reconhecimento da crítica e do público não implica, necessariamente, em vendas exorbitantes de discos, mas em produção musical consistente, muitas vezes experimental e independente, a ponto de terem seus talentos reconhecidos, inclusive, pela velha guarda da MPB. É o caso de Caetano Veloso, que constantemente tem firmado parcerias com os jovens artistas, ou de Chico Buarque, que não se esconde a admiração pelo rapper paulistano Criolo. Com isso, a nova geração da música popular brasileira conquista seus espaços, colocando em xeque o velho saudosismo descrente na atual produção musical brasileira contemporânea.

Considerações finais

A partir da análise da nova conformação da indústria da música, é possível compreender as forças que atuam no mercado musical brasileiro hoje e afirmar que existe uma linha tênue entre ser alternativo e ser mainstream, podendo um músico oscilar entre uma esfera ou outra, uma vez que, com o surgimento das novas tecnologias digitais, essas fronteiras se misturaram. No entanto, não se pretende aqui afirmar que a rede virtual é um processo democrático absoluto. Da mesma forma que ela facilitou o processo de produção e divulgação do trabalho de um músico, é também por causa dela que os ouvintes de hoje não querem mais pagar para consumir disco. O que não significa, entretanto, que todos os músicos da época de ouro das grandes gravadoras viviam as melhores condições da profissão. Vale lembrar que muitos músicos ficavam à margem das companhias fonográficas se não se submetessem às lógicas comerciais ditadas por elas.

Mais que isso, pretende-se destacar no presente trabalho que os personagens da chamada “Nova MPB” fazem parte de uma geração que assimilou a linguagem da Internet, dos movimentos urbanos, das lógicas de mercado e de formas não convencionais de

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expressão. Muitas vezes alheios às formas tradicionais de grande produção e nem sempre incentivados pelo poder público, eles se organizaram em coletivos e em circuitos culturais alternativos da cidade. Isso não quer dizer, no entanto, que a nova geração não dê conta de uma produção musical de qualidade diante da ausência da força midiática que o modelo hegemônico das grandes gravadoras exerce no mercado. Pelo contrário, os músicos da cena contemporânea dão conta de uma produção musical consistente e ainda carregam a habilidade de assimilar referências da tradicional MPB, somando-as a sonoridades contemporâneas sem perder sua autonomia criativa.

O resultado é um novo cenário em que não é mais necessário ser um artista de grandes vendagens para ter seu trabalho reconhecido pela crítica e ouvintes ou para que se possa, ao menos, almejar sobreviver com a renda da própria produção musical, visto que muitas vezes o caminho é árduo. Vale notar também que, diante da atual configuração do bussiness da música, não se pode afirmar que os músicos são resumidos a empresários do ramo, uma vez que, na concepção de um produto musical, está em jogo uma série de lógicas comerciais e também processos criativos. Assim, ao assumir essas tensões como parte de seu trabalho, músicos independentes da nova geração reconhecem a lógica do jogo do qual participam e as estratégias e/ou necessidades para a sobrevivência nesse cenário.

Portanto, percebe-se que as práticas musicais contemporâneas estão diretamente relacionadas às transformações culturais ocorridas no Brasil nos últimos anos. Da mesma forma, como nunca visto antes, há certa conscientização da importância de aliar os aspectos mercadológicos dos produtos culturais, sem esquecer de valorizar seu valor estético. Conclui-se ainda que, talvez pelo Conclui-seu caráter de transição e incertezas quanto ao futuro da indústria do disco, formas residuais de produção, circulação e consumo da música sobrevivem ao lado das formas emergentes.

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Referências

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