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ECLI:PT:TRC:2014: TBFIG.G.C1.90

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ECLI:PT:TRC:2014:1734.10.7TBFIG.G.C1.90

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2014:1734.10.7TBFIG.G.C1.90

Relator Nº do Documento

Luis Cravo

Apenso Data do Acordão

13/05/2014

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Figueira Da Foz - 3º Juízo

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Apelação confirmada

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

insolvência; caso julgado; exoneração do passivo restante; rendimento disponível; subsídio de natal; subsídio de férias;

(2)

Sumário:

1.- Decorrendo do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença (os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo), devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença, esta tem a autoridade do caso julgado – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo

.

2.- Daqui decorre que a extinção ou esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão restringe-se ao objecto sobre que estatuiu.

3.- No instituto da exoneração do passivo restante está em causa determinar o rendimento estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, o que deverá ser feito casuisticamente, tendo como limite mínimo o valor do salário mínimo nacional e como limite máximo o triplo do salário mínimo nacional.

4.- A situação de insolvência tem como primeira consequência a impossibilidade de manutenção do anterior nível de vida do devedor, num sentido de responsabilização do mesmo perante os

credores.

5.- Assim, tendo sido considerado excluído do rendimento disponível o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais a um casal de insolventes, o mínimo imposto na lei mostra-se respeitado, pois que, os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes não se mostram liminarmente necessários a um sustento minimamente condigno dos mesmos durante cada um dos 12 meses do ano civil.

Decisão Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] *

1 – RELATÓRIO

Nos autos de insolvência de P (…) e mulher, A (…) tendo sido deduzido pelos mesmos

oportunamente pedido de exoneração do passivo restante, que foi liminarmente admitido, veio no particular desse incidente a ser proferido despacho inicial, datado de 14.02.2011, decidindo que “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 239º, nº2, do C.I.R.E., considera-se excluído do rendimento disponível dos insolventes o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais”,

decisão esta que transitou em julgado na sua imediata sequência.

Alegando que o fiduciário nomeado para o efeito os instara a entregar (em duodécimos) o subsídio de natal e de férias, o que até aí não sucedia – por o mesmo sustentar que estes integram o rendimento disponível, donde lhe deverem ser entregues – os ditos insolventes, por requerimento entrado nos autos em 16.10.2013, solicitaram que devia “ser proferida decisão que confirme que o rendimento indisponível compreende os subsídios de férias e de natal, devendo o fiduciário acatar tal decisão”.

Após ser ouvido o fiduciário sobre tal, a Exma. Juíza de 1ª instância lavrou despacho sobre a questão suscitada, através do qual perfilhando o entendimento de que “(…) os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes não são necessários a um sustento minimamente condigno, indefere-se o requerido, deixando-se consignado que os mesmos integram o rendimento a ceder ao fiduciário.”

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Inconformados com tal decisão, recorreram os insolventes, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

«1.ª - Vem o presente recurso do despacho onde após haver decisão a conceder a exoneração do passivo restante, julgou que "os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes não são necessários a um sustento minimamente condigno e onde se deixa consignado que, por isso, os mesmos integram o rendimento a ceder ao fiduciário".

2.ª - No presente recurso coloca-se em causa a decisão ora proferida que ofende a decisão anterior, o caso julgado, que não decidiu neste sentido.

3.ª - A Mma. Juíz fixou o valor mensal global de 2,5 salários mínimos nacionais dizendo que desse despacho não se retira que tal valor deva ser multiplicado por 14 meses.

4.ª - Para que a exoneração do passivo restante seja concedida é necessário que sejam cumpridos os requisitos estatuídos no artigo 235.º, 236.º, sendo certo que será liminarmente indeferido nos termos estabelecidos no artigo 238.º todos do CIRE.

5.ª - Constitui rendimento disponível todo o rendimento que advenha ao devedor após o despacho inicial, qualquer que seja a sua fonte, que esteja excluído nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.

6.ª - Nos termos de b) i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar não deve exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo

nacional.

7.ª - Na sub-alínea referindo-se ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, "o legislador adoptou um critério objetivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional. ... O valor assim calculado só pode ser excedido mediante decisão do juiz, devidamente fundamentada", LUÍS CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, ob. aut. E loc. cits.

8.ª - Decretada a insolvência dos ora exponentes, considerou-se excluído do rendimento disponível o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais. O despacho ou sentença transitou em julgado e o rendimento indisponível que foi fixado foi de dois e meio salários mínimos nacionais.

9.ª - Não existe qualquer elemento nos autos que justifique ou possibilite a alteração dos valores do rendimento indisponível.

10.ª - O fiduciário enviou via correio eletrónico uma missiva aos insolventes sem ser via Tribunal na qual o fiduciário diz haver uma orientação jurisprudencial recente (sem contudo especificar,

identificar ou elencar essas decisões e quem as proferiu) que sustenta que o subsídio de natal e de férias por integrarem o rendimento disponível, devem ser entregues ao fiduciário. E em crescendo, pede que os insolventes lhe entreguem em duodécimos - modo como recebem - o subsídio de natal e de férias.

11.ª - A Mma. Juiz de Direito adere a esta tese, no despacho recorrido onde subscreve a tese enunciada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3.267/12.8 TBGMR-C.G1. Não podemos concordar com a posição sustentada pela Mma. Juiz, posição essa que é tomada sem suporte na decisão proferida nestes autos.

12.ª - Tudo tem um contexto. O que foi sentenciado como sendo rendimento indisponível dos insolventes, foi um rendimento global de 2,5 salários mínimos nacionais multiplicado por 14 meses, uma vez que esse rendimento do salário mínimo nacional obriga ao pagamento de subsídio de férias e subsídio de natal, rendimento esse que ainda não é atingido.

13.ª - E foi decidido nestes autos que o rendimento indisponível tinha como pressuposto o salário mínimo e os subsídios de natal e férias. A decisão destes autos foi tomada antes das maldades que

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se têm feito e querido fazer aos subsídios de natal e de férias, sendo certo que ainda hoje quem aufere o salário mínimo, recebe os ditos subsídios.

14.ª - E se nunca se fez até agora, durante três anos, não é agora decorridos três anos da

insolvência que se altera o decidido para agora se passar a entender de um modo diferente que o subsídio de natal e de férias passe a integrar o rendimento disponível quando sempre foi tratado como rendimento indisponível.

15.ª - Se houver direito, então será manifestamente o caso de abuso de direito!

16.ª - Os insolventes por enquanto auferem em conjunto € 1.002,00 de salário mensal, ou seja, mais € 28,00 que o salário mínimo nacional.

17.ª - O artigo 614.º prevê a hipótese, aplicável aos despachos, artigo 613.º n.º 3 do Cód. Proc. Civil, de haver na Sentença, no Acórdão ou no Despacho, de erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexatidões materiais devidas a omissão ou lapso manifesto.

18.ª - O princípio da intangibilidade da decisão judicial, formulado no artigo 614.º pressupõe que a sentença ou despacho reproduz fielmente a vontade do juiz; se houve erro material na expressão da sua vontade deve ser licito ao juiz ajustar, mediante retificação, a vontade declarada à vontade real. Este é o sentido e razão de ser do artigo 614.º do Cód. Proc. Civil.

19.ª - O erro material dá-se quando o juiz queria escrever coisa diferente do que escreveu e por lapso, inconsideração, distração escreveu o contrário. Isto sucede quando o Juiz em vez de escrever absolvo escreve condeno, sendo certo que o sentido da decisão permite sindicar a vontade do Juiz.

20.ª - O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa. Está errado o julgamento, mas o julgamento está feito. "Ainda que o juiz logo a seguir se convença que errou, não pode socorrer-se do artigo 667.º para emendar o erro", ALBERTO DOS REIS, Ob. aut. e loc. cits..

21.ª - Por não estarem em condições de pagar mais do que foi decidido, por a decisão ter de ser interpretada no tempo em que foi proferida, com todos os seus segmentos decisórios e interligados, por se dever aplicar o entendimento jurisprudencial antigo por ainda não se ter iniciado o período da cessão e sobretudo se se pretende alterar o montante ou definir um novo valor nesse caso os insolventes terão de dar conta das suas despesas a este tribunal a fim de o habilitar a proferir decisão, pelo que, deve ser de julgar improcedente por inadmissível o entendimento agora sentenciado ou decidido.

22.ª - Do processo consta que o insolvente varão tem quatro filhos, dois no casamento com a insolvente mulher e duas filhas de um casamento anterior. Não existe possibilidade de adotar este novo entendimento sem uma avaliação da situação dos insolventes.

23.ª - Foram violados os artigos 235.º, 236.º, 238.º, 239.º, todos do CIRE e 613.º e 614.º do Cód. Proc. Civil.

Pelo exposto e pelo muito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo procedente por provado como é de inteira JUSTIÇA!»

*

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*

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Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- ofensa do princípio da intangibilidade da decisão judicial (autoridade do caso julgado) com a decisão recorrida?

- violação do conceito de “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” à luz do disposto no art. 239º do C.I.R.E.?

* 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em conta são essencialmente os que decorrem do relatório que antecede. *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - Cumpre então entrar na primeira questão supra enunciada, a saber, a da alegada ofensa do princípio da intangibilidade da decisão judicial (autoridade do caso julgado) com a decisão

recorrida.

Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.

Pois que, salvo o devido respeito, esse argumento recursivo contempla em si uma incontornável contradição com a pretensão que os insolventes ora recorrentes suscitaram ao tribunal recorrido, quando dele impetraram uma decisão.

Então não foi precisamente com o fundamento de que a anterior decisão que fixara o conteúdo do rendimento disponível, à luz do art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas[2], era obscura ou ambígua quanto ao seu sentido e alcance, que eles insolventes ora recorrentes, alegando que o fiduciário nomeado para o efeito os instara a entregar (em

duodécimos) o subsídio de natal e de férias (o que até aí não sucedia), requereram ao tribunal que esclarecesse (“confirmasse”) que “o rendimento indisponível compreende os subsídios de férias e de natal”?

Atente-se que este pedido de decisão do tribunal foi expressamente fundamentado em que a sentença havia transitada em julgado e o rendimento indisponível havia sido fixado em “dois salários mínimos nacionais”, e bem assim que a Mma. Juíza não havia tomado decisão no sentido ora pretendido pelo fiduciário (cf. arts. 2º e 4º do requerimento em causa).

Dito de outra forma: a anterior decisão do tribunal de 1ª instância de que “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 239º, nº2, do C.I.R.E., considera-se excluído do rendimento disponível dos insolventes o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais” fora efectivamente omissa quanto a o rendimento indisponível dos insolventes ser ou não um rendimento global de 2,5 salários mínimos nacionais multiplicado por 14 meses, isto é, dessa 1ª decisão não se retira que tal valor deva ou não ser multiplicado por 14 meses.

De facto, nos termos do disposto no citado art. 239º:

“1. Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes;

2. O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.

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devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o art.º 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que razoavelmente for necessário para:

i. O sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii. O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;

iii. Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”.

Acontece que naquela primeira decisão não fora em concreto efectuada a determinação da medida do rendimento a excluir nos termos e para os efeitos do disposto na al. b-i) do nº 3 do art. 239º do C.I.R.E: tenha-se em consideração que não ficou determinada a concreta medida da dedução, desde logo por não se esclarecer se esse valor era mensal e por 12 ou 14 meses, acrescendo que nem sequer se fez referência a qualquer das alíneas do nº3 do art. 239º, isto é, omitiu-se qualquer menção quanto à medida da exclusão (ou exclusões) a considerar.

E foi porque a dúvida estava instalada e eram admissíveis interpretações díspares, que os insolventes ora recorrentes requereram ao tribunal que esclarecesse a situação!

Esclarecimento que se impunha e justifica efectivamente, na medida em que como já se deixou anteriormente dito no despacho que admitiu o recurso, se verificava uma inintelegibilidade da sentença anteriormente proferida …

Ora se assim é e foi, não é agora porque a decisão foi objectivamente desfavorável aos insolventes ora recorrentes, que se pode aceitar ou compreender que estes pugnem nesta sede recursiva pela intangibilidade da anterior decisão.

Mas não obstante isto – e, aliás, em correspondência lógica com o vindo de dizer – nem lhes assiste razão quanto a este princípio ter sido violado.

Senão vejamos.

Nos termos do art. 619º do n.C.P.Civil, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º – valor este também atribuído aos despachos que recaiam sobre o mérito da causa.

Ora, decorre do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo, devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença[3].

Donde, ela tem autoridade – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo.

Dito de outro modo: «A extinção ou esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão restringe-se ao objecto sobre que estatuiu».[4]

Sendo certo que o esgotamento do poder jurisdicional não é absoluto, já que a própria lei lhe introduz limitações, como claramente decorre do nº 2 do art. 613º do n.C.P.Civil, e dos arts. 615º e 616º do mesmo diploma.

«O esgotamento do poder jurisdicional (…) significa que, lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela.»[5] «Para ele a decisão fica sendo intangível», mas, somente, «quanto à matéria da causa», ou seja, «quanto à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho…mas isso não

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obsta a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida (…) o juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente …»[6]

Sempre «Considerando que a força e autoridade do caso julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada(…)».[7]

Acontece que no caso vertente, atenta as já apontadas obscuridade ou ambiguidade da dita

primeira decisão do tribunal de 1ª instância, manifestamente não está em causa no caso vertente a autoridade do caso julgado.[8]

Improcede assim, sem necessidade de maiores considerações, este argumento recursivo da Ré/recorrente.

*

4.2 - questão da violação do conceito de “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” à luz do disposto no art. 239º do C.I.R.E.:

Antecipando desde já a conclusão, diremos que não assiste qualquer razão aos os insolventes ora recorrentes quanto ao que suscitam neste particular.

É certo que constitui direito fundamental do insolvente ver, no contexto da exoneração do passivo restante, salvaguardado a seu favor e a favor do seu agregado familiar os recursos que permitam uma subsistência minimamente digna.

Todavia, sendo embora a exoneração do passivo uma medida de proteção do devedor insolvente, é necessário ter presente que a exoneração não pode ser vista como uma espécie de expediente para a pessoa insolvente se eximir pura e simplesmente ao pagamento das suas dívidas.

Pelo contrário, trata-se de um meio tendente a conciliar a possibilidade do insolvente se ver liberto das dívidas remanescentes ao fim de cinco anos com o direito dos credores a serem ressarcidos dentro desse prazo à custa do rendimento do devedor.

Neste particular, já foi doutamente sublinhado que «A dedução ao rendimento disponível a ceder pelo insolvente, do necessário ao sustento (minimamente) condigno do próprio e do seu agregado familiar, alicerça-se no princípio da dignidade humana, expressamente referido no art.º 1.º da DDH e acolhido na nossa Constituição (vide art.ºs 1.º e 59.º, n.º 1, al. a). Entre o interesse legítimo, mas conflituante, do credor na satisfação do seu crédito, e o direito do devedor a manter um rendimento que lhe permita viver com ressalva da dignidade mínima que, como pessoa, lhe é reconhecida, a lei consagra o recuo do primeiro. Todavia, o critério legal dá claro acolhimento ao princípio de que ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício do insolvente, através da

compressão das suas despesas, o que resulta do apelo aos critérios da necessidade e razoabilidade na avaliação das despesas e encargos a considerar, bem como do reduto da “dignidade mínima do sustento” a salvaguardar.»[9]

Com referência a este particular, já foi sublinhado que

«Pelo que respeita às subals. i) e ii), a razão da exclusão de certos rendimentos radica na chamada função interna do património — base ou suporte de vida do seu titular — e na sua prevalência sobre a função externa — garantia geral dos credores.»[10]

No vertente recurso está em causa a primeira subalínea da alínea b): o montante necessário para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.

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Argumentam os insolventes ora recorrentes que, decretada a insolvência, considerou-se excluído do rendimento disponível o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais, pelo que, não podia a decisão recorrida, dando acolhimento à pretensão do fiduciário que se encontra nomeado, decidir que o subsídio de natal e de férias, por integrarem o rendimento disponível, devem ser entregues ao fiduciário.

Em douto aresto desta mesma Relação de Coimbra[11], foram enunciadas as ideias chave que enformam este normativo, a saber:

«Extrai-se daqui que:

a) Não existe qualquer correspondência directa entre o valor a retirar do rendimento disponível para garantir o sustento do devedor e o montante global das despesas por aquele indicadas – a não ser assim, o legislador diria que o valor a fixar deveria corresponder ao montante global das despesas apresentadas e não fixaria um valor máximo;

b) O montante a definir tem natureza aberta, cabendo ao julgador fixá-lo;

c) O legislador considerou dever impor um “tecto” a este montante, de dimensão claramente baixa e apontando para uma necessária compressão do estilo de vida e redução de dispêndios;

d) Tal limite máximo pode ser ultrapassado pelo juiz mas sempre sob a obrigação de fundamentar essa opção;

e) O critério a usar pelo julgador é o da dignidade da pessoa humana o que, numa abordagem liminar ou de enquadramento, se pode associar à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias (e não assente em referências grupais ou padrões de

consumo próprios da classe social antes integrada, nível de vida correspondente a uma específica formação profissional ou actividade ou hábitos de vida pretéritos);

f) Nessa fixação, o juiz atenderá não só às necessidades básicas do devedor mas também do seu agregado familiar.»

Bem se compreende assim que a densificação do enunciado legal – “o razoavelmente necessário ao sustento minimamente digno do devedor e seu agregado” – apela, por um lado, a um critério objectivo fornecido pela lei quando estabelece um limite máximo (não pode, salvo excepção especialmente fundamentada, exceder o equivalente a três SMN) e à análise casuística por outro, impondo-se ao Tribunal que atenda às circunstâncias concretas e peculiares de cada devedor e respectivo agregado.

Já quanto ao limite mínimo, entendemos que não pode deixar de ter como referência o salário mínimo nacional.

De facto, tendo em conta o disposto no art. 824º, nº 2 do C.P.Civil e o decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 177/2002 e 96/2004, o limite mínimo necessário para o sustento minimamente digno do devedor não deverá ser inferior ao valor correspondente a uma remuneração mínima garantida (€ 485,00).[12]

Temos então que o direito a um mínimo de sobrevivência radica no princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito consagrado nos artigos 1º, 59º, nº 2, e 63º, nºs 1 e 3, da C.R.Portuguesa.

É evidente que a noção de dignidade é eminentemente pessoal e que o que é razoável para um adulto pode revelar-se indigno para um agregado de dois adultos e filhos.

Em todo o caso, importa naturalmente fazer intervir a justa medida de bom senso e razoabilidade na fixação do quantum necessário ao concreto agregado familiar.

E, na situação vertente, na ponderação oportunamente feita pela e na primeira decisão do tribunal recorrido, teve-se seguramente em conta a salvaguarda de um rendimento condigno para os

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insolventes ora recorrentes durante os meses de cada ano civil – que consabidamente são em número de 12 – por que perdurasse o período de cessão.

Na verdade, e decorrentemente do antes exposto, não pode deixar de se entender que um insolvente tem de adequar o seu modus vivendi ao estado de insolvência a que está sujeito e não o inverso.

«I - No instituto da exoneração do passivo restante está em causa determinar o estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, e não necessariamente manter o nível de vida que tinham antes da declaração de insolvência. A situação de insolvência tem como primeira consequência a impossibilidade de manutenção do anterior nível de vida.

II - A exoneração do passivo restante não assenta na desresponsabilização do devedor. Implica empenho e sacrifício do devedor no sentido de que deve comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário, em contrapartida do sacrifício imposto aos credores na satisfação dos seus créditos, por forma a se encontrar um equilíbrio entre dois interesses

contrapostos.»[13]

Ora se assim é, o insolvente está inapelavelmente adstrito a limitar as suas despesas e encargos àquilo que lhe proporcione um sustento (aqui considerado, bem entendido, em sentido lato, de modo a abranger também a habitação, despesas de saúde e outras necessidades essenciais) apenas minimamente digno, na medida em que só pode legitimamente contar que seja excluído do seu rendimento disponível para os fins da insolvência, o que, precisamente, for razoavelmente necessário a um sustento minimamente digno.

Daqui deflui que os insolventes ora recorrentes não podem querer ter a mesma disponibilidade de recursos – entenda-se, ter os mesmos gastos, os mesmos encargos, os mesmos desfrutes – que teriam se acaso o seu rendimento não estivesse a ser direccionado para os fins da insolvência. Esse foi precisamente o entendimento constante do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.02.2013[14], perfilhado expressamente pela decisão recorrida, e a que também damos o nosso acolhimento!

Entendemos, assim, que o mínimo imposto na lei se mostra respeitado, pois que, os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes não se mostram liminarmente necessários a um sustento minimamente condigno dos mesmos durante cada um dos 12 meses do ano civil.

Donde, a decisão no sentido de que os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes integram o rendimento a ceder ao fiduciário não merece qualquer censura.

Improcede, assim, o presente recurso. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Decorrendo do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença (os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo), devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença, esta tem a autoridade do caso julgado – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo.

II – Daqui decorre que a extinção ou esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão restringe-se ao objecto sobre que estatuiu.

III – No instituto da exoneração do passivo restante está em causa determinar o rendimento estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, o que deverá ser feito casuisticamente, tendo como limite mínimo o valor do salário mínimo nacional e como limite máximo o triplo do salário mínimo nacional.

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IV – A situação de insolvência tem como primeira consequência a impossibilidade de manutenção do anterior nível de vida do devedor, num sentido de responsabilização do mesmo perante os credores.

V – Assim, tendo sido considerado excluído do rendimento disponível o montante global de 2,5 salários mínimos nacionais a um casal de insolventes, o mínimo imposto na lei mostra-se respeitado, pois que, os subsídios de férias e de natal devidos aos insolventes não se mostram liminarmente necessários a um sustento minimamente condigno dos mesmos durante cada um dos 12 meses do ano civil.

* 6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pelos Recorrentes. *

Coimbra, 13 de Maio de 2014

Luís Filipe Cravo ( Relator ) Maria José Guerra

António Carvalho Martins [1] Relator: Des. Luís Cravo

1º Adjunto: Desª Maria José Guerra 2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Doravante designado abreviadamente como “C.I.R.E.” (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, e alterado pelo DL nº 200/2004, de 18 de Agosto, que o republicou).

[3] Cf., mais aprofundadamente sobre a questão, o Ac. do T. R. Coimbra de 5.07.2011, no proc. nº393/09.4 TBSEI.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.

[4] Citámos o Ac. do T.R.Coimbra de 17-04-2012, no proc. nº 116/11.8T2VGS.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.

[5] Assim ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, a págs. 684.

[6] Cf. ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1987, a págs. 126-127.

[7] Como sublinhado no Ac. do T.R.Coimbra de 15-05-2007, no proc. nº 80/1995.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.

[8] Como refere TEIXEIRA DE SOUSA, in “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ nº 325, a págs.171 e segs., “[A] excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de

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omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente”. [9] Citámos o Ac. do T.R.Coimbra de 05-02-2013, no proc. nº 2046/10.1TBVIS.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.

[10] Assim CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, in “Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência”, Quid Juris, a págs. 295.

[11] É o acórdão de 31.01.2012, no proc. nº 1255/11.0TBVNO, acessível em www.dgsi.pt/jtrc. [12] Neste sentido, inter alia, os Acórdãos do T.R.Porto de 15.09.2011 no proc. nº 692/11.5TBVCD-C.P1 e de 24.01.2012, no proc. nº 1122/11.8TBGDM-B.C1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp. [13] Citámos agora o Ac. do T.R.Porto de 25.09.2012, no proc. nº 3057/11.5TBGDM-E.P1,

acessível em www.dgsi.pt/jtrp.

[14] Relativo ao proc nº 3267/12.8TBGMR-C.G1, acessível em www.dgsi.pt/jtrg.

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