• Nenhum resultado encontrado

A Paisagem Cultural da Zona Canavieira de Pernambuco: o Ciclo sócio cultural do açúcar e do Maracatu do Rural

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Paisagem Cultural da Zona Canavieira de Pernambuco: o Ciclo sócio cultural do açúcar e do Maracatu do Rural"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

A Paisagem Cultural da Zona Canavieira de Pernambuco: o

Ciclo sócio cultural do açúcar e do Maracatu do Rural

Rogério José de Oliveira Júnior Graduando em Geografia – UFPE

rogerjosejr@gmail.com LECgeo – Laboratório de estudos sobre Espaço, Cultura e Política

Resumo: O presente artigo propõe compreender a paisagem vernacular da Zona da Mata Canavieira – PE a partir dos maracatuzeiros da cidade Nazaré da Mata, hoje intitulada “capital do maracatu”, e caracterizando o Engenho Cumbe que hoje abriga o Maracatu Rural Cambinda Brasileira, sendo lócus de resistência desde seus primórdios. Para entender esses processos na paisagem foi importante eleger entendimentos sobre os grupos de sujeitos que estão envolvidos diretamente com o maracatu e sua territorialidade, com trabalho de campo de cunho etnogeográfico junto aos brincantes do Engenho Cumbe, Nazaré da Mata/PE. Espera-se contribuir com um novo olhar acerca desse grupo popular, revelando sensibilidades socioespaciais para o entendimento do processo histórico do Brasil através do Maracatu rural. Assim, será enfatizada a evolução da paisagem cultural e suas transformações nas dinâmicas socioespaciais.

Palavras-chaves: Paisagem vernacular, Maracatu rural, Cambinda Brasileira.

Observa-se inicialmente que os estudos da geografia cultural acerca do espaço social e do imaginário geográfico do maracatu rural e dos maracatuzeiros é tema até hoje pouco desenvolvido no âmbito desta disciplina, trazendo escasso aporte teórico para o entendimento deste fenômeno integrante da paisagem canavieira de Pernambuco. É reconhecido que a Mata Setentrional de Pernambuco consiste numa região multicultural e singular em seus símbolos culturais (MARTINS, PINHEIRO, 2012

(2)

online). Ressalta-se a existência de outros folguedos como o coco de umbigada ou de roda, o cavalo marinho e a ciranda, que são os símbolos que podemos encontrar numa paisagem quase hostil; todavia o artigo será circunscrito ao maracatu rural e suas relações com o espaço, por ser a expressão cultural mais icônica da região .

De fato, na zona da Mata Norte de Pernambuco encontram-se vários grupos de cultura popular e que ainda resistem à homogeneização dos costumes e ressignificam suas expressões de canto, dança, religiosidade e teatro, cujas raízes históricas são advindas da colonização, como no Engenho Cumbe. Tal engenho sedia o Maracatu Cambinda Brasileira, que está localizado no território de Nazaré da Mata, zona setentrional de Pernambuco, distante 62 km da capital do estado e ocupando uma exígua área de apenas 142,3m2 (sede da agremiação).

Segundo Martins e Pinheiro (2012, online), ao estudar o maracatu em Aliança, município vizinho, “para compreendermos a história de determinada sociedade, comunidade, grupo social ou cultural, é importante voltarmos nosso olhar às questões imbricadas nos processos da sua formação e maturação”. Assim, todos os municípios dessa porção do estado estão associados à história econômica da cana de açúcar. De modo similar às demais cidades da Mata, Nazaré nasceu “ao redor dos grandes engenhos e usinas de cana de açúcar”, tendo o seu desenvolvimento voltado “para fornecer produtos e serviços exigidos pelo complexo sulcroalcooleiro. As atividades são predominantemente rurais, e os polos de convergência da produção rural sempre foram as usinas e não as cidades” (PEREIRA, 2013, p.17).

O município de Nazaré da Mata possui uma população de 30.647 habitantes (IBGE, 2010), e além do engenho Cumbe Nazaré também perfaz outros engenhos que estabelecem um panorama característico em meio dos canaviais, com uma igreja completando a paisagem cultural. Nazaré da Mata tem reconhecimento internacional por ser a “capital do maracatu rural”, possuindo 19 grupos classificados como tal. Aí existe o mais antigo maracatu rural de Pernambuco, qual seja o Maracatu Cambinda Brasileira, fundado em 1918, situando-se no mesmo lugar de sua fundação. Alguns dos

(3)

mais antigos maracatuzeiros em atuação pertencem a esta agremiação. Folguedos como este conformariam um espaço social e seriam produtos de sincretismos afro-indígenas, caracterizando-se como uma manifestação de camponeses e cortadores de cana-de-açúcar (SILVA, 2005; VICENTE, 2005; SENA, 2009), ao contrário dos maracatus de baque virado, mais urbanos1. No dizer de José Roberto Sena:

Conceitos e definições à parte, esse termo acabou sendo aplicada a essa “exótica” dança camponesa por possuir semelhanças evidentes ao Maracatu urbano. Já a denominação “Maracatu Rural” só foi dada na década de 60 pela antropóloga norte-americana Katarina Real, quando tentavam distinguir os dois tipos de Maracatus, principalmente pelos instrumentos de sopro (trompete, trombone e clarinete), inexistentes no Maracatu de Baque Virado (SENA, 2009, p.2).

Podemos afirmar que a região é um espaço constituído de identidades e tessituras socioculturais com grande destaque nas formas de representação do maracatu rural, que consiste num desfile de uma corte real, baianas e arreia-más ou tuxaus (caboclo com um cocar de pena de pavão), rodeados de caboclo de lança e completados por personagens como o mateus, catirina e a burra (VICENTE, 2005), além de uma música típica (“som do baque do maracatu rural e dos surrões dos maracatuzeiros constituindo-se a paisagem sonora da região”) e a religiosidade sincrética citado por SENA (2009, p.60).

Paisagem vernacular do Maracatu e Maracatuzeiros

Antes de tudo a paisagem vernacular, segundo Corrêa (2012), “são lugares populares marcadas por uma conexão idenitária”. Aqui sugere-se como exemplo os canavieiros inseridos numa dinâmica sazonal do corte da cana de açúcar junto com o maracatu, formando um espaço de simbologias e identidades que se repetem ao término de cada ciclo canavieiro e grande união com a religião Afro-brasileira, constituindo sua resistência na paisagem regional.

1 Para Sena et al. (2012, p.60) o “universo do Maracatu é marcado por atividades de dança, música e canto de origens

profanas e religiosas afrobrasileiras e os grupos que as desenvolvem são de dois tipos: Maracatu Rural ou do Baque Solto e Maracatu Nação ou do Baque Virado. A diferença entre ambos está no tipo de percussão e de instrumentos que são específicos para cada um deles, além de outras tantas diferenças histórico-culturais”.

(4)

Segundo SENA (2009) “o maracatu rural é manifestado por meios dos rituais e símbolos afro-indígenas e do catolicismo popular”. A partir da reflexão do autor o maracatu rural tem forte ligação com as religiões, sendo esta um aporte de proteção. Como característica marcante daquela região, o “samba de matuto” fixa-se ao imaginário geográfico pernambucano, sendo passível de interpretação pela Geografia Cultural, cuja potência, para Roberto Lobato Corrêa (1999, p.51) “vem da consciência de que a cultura reflete e condiciona a diversidade da organização espacial e sua dinâmica. A dimensão cultural torna-se necessária para a compreensão do mundo”.

De fato, constitui-se a partir de tal manifestação uma paisagem vernácula correspondente, compondo um espaço de afirmação cultural e conflitos sociais que adentra a atualidade, uma vez que se trata, na maior parte dos casos, de grupos marginalizados pela predominância da exploração canavieira, onde a maior parte de seus “brincantes” ganha a vida. A utilização da categoria de Paisagem Cultural, com atenção especial à classe dos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar, apoia-se ainda no uso das ideias de Denis Cosgrove sobre a relação entre classe social e representação do espaço (COSGROVE, 1998), enquanto que o suporte numa visão espacial dos próprios artífices do maracatu remete às noções de sujeito e lugar na Geografia Humana contemporânea (BERDOULAY, 2012). Sobre o conceito de paisagem especificamente, Corrêa acrescenta, com base nas obras de Denis Cosgrove e Ernst Cassirer:

A paisagem, contudo, não é apenas forma material resultante da ação humana transformando a natureza. É também forma simbólica impregnada de valores. Além de sua gênese, estrutura e organização, focos correntes dos geógrafos, é necessário para a sua compreensão que se apreendam os seus significados, pois são estes que lhe dão sentido (CORRÊA, 2011, p.10-11).

Por conseguinte, a manifestação cultural em tela tanto é um signo da região canavieira de Pernambuco quanto uma fonte de novos significados que contribuem para a modificação ou reprodução de um imaginário geográfico ao longo dos anos. Torna-se possível, assim, admitir ainda as contribuições teóricas de Augustin Berque (2012) acerca da mútua interação entre as potências de marca e matriz presentes na paisagem cultural do maracatu rural de Nazaré da Mata.

(5)

Continuando as reflexões sobre a paisagem, Marcus Carvalho (2007), afirma que a Mata é uma fonte para a história social, seja pelos resquícios arqueológicos sobre as aventuras humanas que ali aconteceram desde tempos mais remotos, como também pelas narrativas produzidas sobre a mesma. Podemos perceber na contemporaneidade que a cultura verbal e a forma física do espaço são essenciais para construção da identidade social, como aconteceu e acontece com o maracatu rural na zona da mata norte de Pernambuco.

No âmbito do turismo cultural, seu uso vem sendo abrangido comercialmente e trazendo a concepção de espetacularização do maracatu, tirando sua essencial de origem, nos levando a pensar qual é o verdadeiro papel do cortejo e do sujeito que compõe o maracatu rural, como afirmar Thiago Laranjeira na reportagem da revista Canavial:

É uma tarefa difícil definir o verdadeiro valor de uma expressão artística tradicional, dona de singularíssimas estéticas, como o maracatu rural. Os empreendedores que estão à frente dos maracatus, estão a cada dia mais assumindo o papel de empresários, por tratarem os grupos como bandas ou artistas. Entretanto, com certa propriedade, podemos afirmar que a máquina burocrática poderia ser menos excludente, facilitando os trâmites para que os maracatus possam pensar melhor em sua própria arte, garantindo também uma melhor distribuição de renda para os municípios, possibilitando que essa cultura seja igualitária. (LARANJEIRA, 2013 p. 17)

Em decorrência da crítica levantada pelo repórter, percebe-se o descaso e desvalorização por parte de políticas institucionais públicas e privadas que “não compreendem” os esforços da montagem ou organização do maracatu rural no decorrer de um ano. Não se valoriza o esforço dos maracatuzeiros para visibilizar o maracatu rural com todas suas peculiaridades de adereços e componentes expressando seu processo histórico e de resistência, com isso, levando às ruas pernambucanas uma alegoria regional. Isto é, o maracatu representa o estado e a região, contudo não obtém o reconhecimento proporcional a sua força e expressão.

Sabe-se que o maracatu rural já sofreu e vem sofrendo com algumas ideias preconceituosas e deturpadas relacionada à sua origem e constituição característica, que até hoje está consolidada na sociedade, como por exemplo, definindo o cortejo como

(6)

parte de uma religião dos demônios, devido à sua estreita relação com o Candomblé. Mas por outro lado, consistem em uma gama de fazedores da cultura que resiste e ressignificam os moradores dos canaviais de forma tradicional e contemporânea, adentrando o religioso.

CONCLUSÃO

Desde o levantamento bibliográfico inicial para este estudo observou-se o

quanto é difícil encontrar materiais acerca do maracatu nesta disciplina para construir uma argumentação geográfica, pois o mesmo é mais estudado no âmbito da História, da Sociologia ou do Folclore. Contudo, os escassos trabalhos encontrados e analizados, possibilitou-nos a compreensão de que o sujeito “maracatuzeiro” e o espaço canavieiro de Pernambuco constituem uma relação intrínseca, expressando uma identidade socioespacial através da paisagem, como no caso dos próprios canaviais, seus moradores e brincantes que constroem o maracatu rural. Assim, compreende-se o quanto o maracatu nos possibilita compreender o processo histórico e geográfico nessa região do Brasil.

Por fim, depreende-se que a geografia cultural tem aporte teórico que nos permite avançar nos estudos de compreensão da espacialidade do maracatu e suas dimensões, tanto através de formas concretas, quanto pelo imaginário socioespacial. A paisagem vernácula de Nazaré da Mata encontra-se ligada a este folguedo de forma duradoura. Por conseguinte, se faz necessário entender todos os processos simbólicos e identidades contidos numa paisagem constituída pelos sujeitos do espaço canavieiro, que é também habitado e transformado por suas ações sobrevindas de sua expressão cultural.

REFERÊNCIAS

BERDOULAY, Vincent. El Sujeto, el Lugar y la Mediación del Imaginario. In: LINDÓN, Alicia e HIERNAUX, Daniel (dir.) Geografías de lo imaginário.

(7)

Barcelon/Iztapalapa México: 1ª ed. Antrophos Editorial/ Universidad Autonóma Metropolitana Iztapalapa. 2012, p.49-65.

BERQUE, Augustin. Paisagem-Marca, Paisagem-Matriz: elementos da problemática para uma geografia cultural. In: Geografia Cultural: uma antologia (1) (org.) Roberto Lobato Corrêa, ZenyRosendhal – Rio de Janeiro: Eduerj, 2012. 344p.

CARVALHO, Marcus, J, M. A mata Atlântica: sertões de Pernambuco e Alagoas, Sécus. XVII-XIX. Recife, Ed. Clio - Série Revista de Pesquisa Histórica. Nº 25-2, 2007

CORRÊA, R. L. Geografia cultural: passado e Futuro: uma introdução. In: CORRÊA, R.L. et al. Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.

CORRÊA, R. L. Espaço e Simbolismo. In Olhares Geográficos – Modos de Ver e

Viver o Espaço. Org. I. E. Castro, P.C.C. Gomes e R.L. Corrêa. Rio de Janeiro,

Bertrand Brasil, 2012 – AUTOR

______. Denis Cosgrove – a paisagem e as imagens. In: Espaço e Cultura, UERJ, RJ, nº29, p.7-21, jan./jun. de 2011

COSGROVE, Denis. “A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas”. In: ROZENDAHL, Zenyet al. (orgs.). Paisagem, tempo e

cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.

CUNHA, Mariana. João, Manoel, Marciel Salustiano: Três gerações de artistas

populares recriando os folguedos de Pernambuco. Segunda coleção maracatus

maracatuzeiros. Recife Ed. associação Reviva, 2005, Pag. 41.

IBGE - Cidades. Pernambuco - Nazaré da Mata - infográficos: dados gerais do

município, 2010. Disponível em:

http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=260950, acessado em 8 de abril de 2016.

MARTINS, Júnia; PINHEIRO, Júnior. Maracatu Rural Estrela de Ouro de Aliança-PE: da roça à França. Revista Temática, Ano VIII, nº 09, Setembro/2012. Disponível em:

http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica/article/view/23498/12928, acessado em 8 de abril de 2016.

(8)

PEREIRA, Sandra Aparecida da Silva. Cenários do turismo rural da Zona da Mata Norte de Pernambuco: concepção a partir de indicadores de sustentabilidade ambiental dos equipamentos. Recife, UFRPE, PADR (dissertação de mestrado), 2013.

SENA, José Roberto Feitosa de.Interpretando o ethos sagrado do maracatu rural Cruzeiro do Forte- Recife. In: XI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de

História das Religiões. “Sociabilidades religiosas: mitos, ritos e identidades”. UFG,

Goiânia, 2009. Disponível em: http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2013/01/art_SENA_maracatu_recife.pdf, acessado em 04 de abril de 2016.

______ et al. Festa e transcendência: olhar etnográfico e um breve passeio de MirceaEliade pelo Maracatu Rural do Recife. Religare Nº 9 (1), p.59 - 71, março de 2012.

SILVA, Severino Vicente. Festa de caboclo. Recife: Ed. Associação Reviva, 2005.

VICENTE, Valéria. Maracatu Rural. Terceira Coleção Maracatus Maracatuzeiros. Recife, Ed. Associação Reviva, 2005.

Referências

Documentos relacionados

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

MATRÍCULA nº 4.540 do 1º CRI de Piracicaba/SP: 01 (UMA) GLEBA DE TERRAS, situada no imóvel denominado “Algodoal”, contendo a área de 53.982,00m², desta cidade, que assim

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Com base no trabalho desenvolvido, o Laboratório Antidoping do Jockey Club Brasileiro (LAD/JCB) passou a ter acesso a um método validado para detecção da substância cafeína, à

Tendo em consideração que os valores de temperatura mensal média têm vindo a diminuir entre o ano 2005 e o ano 2016 (conforme visível no gráfico anterior), será razoável e

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença