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MOTTA, Márcia Maria Menendes. Direito à terra no Brasil. A gestação do conflito São Paulo: Alameda, 2009.

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MOTTA, Márcia Maria Menendes.

Direito à terra

no Brasil. A gestação do conflito 1795-1824.

São

Paulo: Alameda, 2009.

Magda Ricci*

Sobre as razões da resenha

Antes de resenhar o livro de Márcia Motta é preciso esclarecer uma questão: a do sentido de se escrever sobre um livro que discute os usos e o direito à terra no Brasil durante o final do século XVIII e início do XIX dentro de uma revista de história social da Amazônia. Alguns podem pensar que minha motivação relaciona-se somente ao fato de que a questão dita “agrária” ou “fundiária” é um tema histórico e social no Brasil e, sobretudo, na Amazônia brasileira. Outros podem lembrar ainda que o direito social à terra na Amazônia caminha por trilhos burocráticos bem semelhantes aos traçados em outras partes do Brasil, já que convivemos, mormente, com ordenações, alvarás e normas lusitanas e imperiais brasileiras muito próximas e, no tom geral, idênticas por todo o período abordado no livro de Motta. Alguns leitores podem, além disso, ressaltar que a Amazônia brasileira simplesmente é parte geográfica e política do Brasil e que uma resenha de um livro como o de Motta também aborda esta parte do todo colonial e, depois, o nacional. Todas estas motivações, com suas devidas precauções e limites conceituais e históricos, poderiam servir para justificar uma resenha sobre o livro em questão nesta revista Amazônica, contudo, o que me motivou e escrevê-la foi, sobretudo, uma questão metodológica.

Percebo no livro resenhado mais do que um tema que inclui o antigo Grão-Pará e Maranhão (ou atual Amazônia brasileira) de forma temática, espacial ou nos ditamente do direito e das leis. Para além destes marcos, as quatro partes que compõem o livro de Motta foram articuladas de maneira a valorizar uma série de práticas fundamentais da

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história social. Neste sentido, é importante lembrar que estamos a escrever em uma revista que, embora Amazônica, também é de história social e que os usos e métodos desta prática histórica são de interesse geral, mas também particular aos historiadores “amazônicos”.

Entendendo o livro e suas motivações

Em passos largos, o presente livro pode ser entendido por, pelo menos, dois percursos: o de sua produção “real” (autoral ou mesmo na inter-relação entre a autora e seus grupos de pesquisa e trabalho) e o caminho de suas motivações teóricas e metodológicas. Estes percursos, obviamente, cruzam-se e não são, de modo algum, excludentes. Didaticamente, contudo, devo trabalhá-los em duas partes para melhor entender o que denomino das questões metodológicas de história social na obra de Motta. Para dar início a esta análise, todavia, ainda é preciso entender melhor o objeto central do livro e suas quatro partes.

O objeto principal do livro de Motta é a gestão do problema do direito à terra no Brasil entre os anos finais do período colonial e o início dos tempos imperiais. Para compreender este tema a autora volta-se para uma análivolta-se das volta-sesmarias. A pergunta aqui volta-se encerra na durabilidade dessa regulamentação, tanto no mundo português como no brasileiro já independente. Motta indaga os por quês dessa durabilidade, mesmo depois de copiosas críticas jurídicas produzidas ao longo da segunda metade do século XVIII. Na primeira parte de sua obra a autora analisa esses críticos, suas concepções de direito à terra, e como elas revelavam uma determinada leitura política e senhorial (mesmo que reformista) sobre a propriedade territorial.

A questão do direito à terra levou Motta a desenvolver uma segunda parte mais voltada para a análise de um alvará régio ditado em 1795. Ele procurou ordenar as concessões de sesmarias no Brasil e o objetivo desta parte é compreender esta norma e seus muitos percalços. Trata-se de uma regulamentação que se balizava no pressuposto iluminista e reformador da chamada “lei da boa razão”. Os normatizadores régios acreditavam que um alvará regulatório e “sábio” iria ser o bastante para bem encaminhar as inúmeras disputas e conflitos territoriais no Brasil. Como analisa Motta, o otimismo passou rápido e o alvará foi suspenso um

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ano depois. Ainda nesta parte segunda, Motta avalia o texto de D. Francisco de Souza Coutinho que se constituía em sua resposta ao Alvará de 1795. Por ele, a autora enuncia que havia diversas ordens de problemas na implementação deste marco regulatório: elas insidiam sobre questões práticas como a falta absoluta de agrimensores e astrônomos para refazer a medição das sesmarias. Para a Coroa essa medição poderia ser feita por ouvidores e juízes, mas Coutinho ousava confrontar esta opinião. Era preciso, segundo Coutinho, saber contar e medir, mais do que normatizar. Esta parte da obra procura perceber as diversas visões presentes sobre a mesma norma, seus limites e problemas diante de contextos sociais e políticos coloniais e metropolitanos nem sempre uníssonos.

A terceira e a quarta parte analisam as sesmarias durante o período Joanino no Rio de Janeiro e no da Independência do Brasil e seus inúmeros conflitos políticos e sociais. A autora parte do pressuposto que até o início do século XVIII, a Coroa portuguesa transpôs para o ultramar a normatização existente sobre as chamadas terra devolutas, utilizando neste novo território os mesmo ato regulatório antigo que se denominava de sesmaria. Contudo o seu novo uso fez mudar muitos pontos legais: a própria terminologia do que seriam os “sesmeiros” ou o termo “devoluto” ganhavam outras dimensões no novo mundo. Paulatinamente a Coroa também foi percebendo a necessidade de se pensar regras mais amplas e gerais para a questão dos usos da terra no Brasil. Até meados do século XVIII, a autora enfatiza que estas normas seguiam mais diretamente as demandas particulares. Todavia alguns conflitos graves como os ocorridos no Piauí com os colonizadores pernambucanos levaram as autoridades a ampliar as normas existentes, disciplinando a chamada “dinâmica da concessão”. Passou-se assim a se estipular regras como o número máximo de léguas a serem concedidas. A parte terceira da obra de Motta procura perceber como os colonos acionavam estas novas normas, ora enquadrando-se a elas, ora arrumando mecanismos para driblá-las. Por exemplo, em Minas Gerais o Alvará de 1731 limitou o tamanho da concessão na área mineiradora em meia légua. Um quadro das extensões solicitadas à Coroa portuguesa no período e na região demonstra que a maioria dos sesmeiros (75,52% deles) respeitou este limite. Os demais sesmeiros, embora solicitassem até três léguas de

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terra, acabavam justificando sua solicitação lembrando, que as terras a mais que foram solicitadas, eram do sertão, ou estavam fora dos registros e paragens da região. Motta também revela que em Minas os sesmeiros obrigaram-se a cumprir a norma legal de medir e demarcar as áreas ocupadas, solicitando um documento legal de sua posse. Os problemas para esta demarcação também foram analisados no livro em questão, sobretudo em capitanias que solicitaram muitas terras como o Rio de Janeiro. A sobreposição de concessões e as dificuldades no processo de demarcação criaram, por fim, um campo fértil de litígios que explodiram no final do século XVIII e no período Joanino no Brasil. Para agravar ainda mais a delicada situação ganhou notoriedade a prática de solicitar pedaços ou sobras de terras, fronteiriços a outras concessões e fazendas. As pessoas que solicitavam estes terrenos restantes podiam ser de vários extratos sociais, fazendo com que, nos anos finais do século XVIII e início do XIX não haveria mais uma relação direta entre a mercê das sesmarias e o chamado “ethos nobiliárquico”.

A última parte do livro de Motta é um apanhado detalhado das confirmações de sesmarias feitas nas várias partes do Brasil recém-independente. Numa conjuntura de muita instabilidade política e social, os sesmeiros se viam em situações delicadas e com processos que podiam ser encaminhados em Portugal ou no Rio de Janeiro. Havia ainda problemas de fronteiras como os do Rio Grande do Sul, problemas com terras indígenas e sua direção e regulamentação. As Cortes de Lisboa e depois o parlamento brasileiro buscaram dar encaminhamento a estes e outros tantos problemas e neste ponto a autora analisa muitos memorialistas e parlamentares que escreveram sobre esta questão. É interessante que alguns atrelavam os usos da terra à propriedade de escravos, outros a ter recursos para trabalhá-la. Por fim, a autora percebe que com a constituição de 1824 caia por terra o sistema de sesmaria e seu princípio básico que era a obrigatoriedade do cultivo para a confirmação da propriedade. Nascia nos oitocentos um outro conceito, agora assentado sobre a propriedade escrava e a da terra, que passou a ser defendida em sua totalidade.

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Para além do tema: algumas questões metodológicas.

O livro de Motta historiciza um tema central: a terra. Contudo o faz de modo a percebê-la para além de uma suposta materialidade inviolável. O que é a terra? Ela é mais do que um documento de propriedade estipulado ou assinado em um cartório ou livro de registro. O estudo de Motta, em suas várias partes, trata dos usos sociais da terra. Sob este ponto de vista, a terra pode ser desde um estudo de relações de parentesco, de vizinhança até problemas com profissões ou credo. A terra tem uma função econômica, produtiva e social, mas seus usos não se resumem aos números de sua produção. Indo para bem mais além deste quesito, a terra é percebida e sentida por que a conhece e vivencia. Sobre ela há uma mentalidade em comum, um ar que a circunda.

O que percebo de mais interessante no estudo de Motta é o seu constante trânsito por terrenos históricos e metodológicos bastante distintos. Há momentos no livro onde a questão central é o universo mental. É o caso das duas primeiras partes, quando a autora analisa o universo mental dos juristas portugueses. Ela ainda percebe o que estava no bojo de escritos políticos como os de um homem de Estado como Souza Coutinho, então governador do Pará no século XVIII. Por outro lado, há outras partes do livro de Motta onde o envolvimento social e os litígios sobressaem. Lá estão os homens concretos fazendo a história, mesmo que às vezes, sem o saber plenamente. Eis que se sobressai uma história mais marxista, mesmo que sem os excessos de ortodoxia.

A obra de Márcia vem de uma salutar tradição de história social, onde para além de modismos teóricos, o historiador se baseia em seus pilares mestres de construção: os documentos e seus problemas do passado e do presente. A história social aqui proposta transpõe o percurso comum de ver na questão da terra uma questão agrária e fundiária. A percepção dos usos sociais da terra levou a autora a outros rumos. A terra aqui não é apenas propriedade econômica, é também local de moradia, é paisagem, status e segurança física. A autora conclui sua obra lembrando-nos que não se pode separar a terra do homem, pensando em exigências de um mercado imobiliário. Ressalta ainda que a constituição de 1824, ao contrário das normas das antigas sesmarias,

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deixou de normatizar os limites máximos para a concessão de terras, bem como de atrelar sua posse com o cultivo. Estes “esquecimentos” acabaram por construir uma sociedade brasileira marcada por conflitos pela posse da terra. São estes conflitos, que vão além de lutas reais, alcançando também litígios por interpretações dos usos da terra, é que são objetos centrais do trabalho do historiador dedicado à história social. Acrescento apenas que é deste tipo de historiador que estamos atualmente carentes, sobretudo na Amazônia, onde os estudos sobre os usos sociais da terra ainda têm um grande terreno a ser percorrido.

Referências

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