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Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es).

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Academic year: 2021

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A Temporalidade no Serviço de Residência Terapêutica Maria Aparecida Souza Rosa

Vanessa Idargo Mutchnik

Associação Saúde da Família. Pça. Mal.Cordeiro de Farias, 65. Higienópolis – SP – Brasil

Centro de Atenção Psicossocial (CAPSII) de Ermelino Matarazzo. Av Boturussú,168. Ermelino Matarazzo –SP – Brasil.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Ministro Godoy,969 . Perdizes-SP-Brasil.

RESUMO

O Serviço de Residência Terapêutica é um dos dispositivos de saúde mental idealizados na Luta Antimanicomial e hoje é uma realidade em vários locais do país. Tem como objetivo a desinstitucionalização de moradores de hospitais psiquiátricos, a emancipação e autonomia destes na sociedade. O trabalho com os moradores da residência terapêutica, as reflexões no Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia da PUCSP e a vivência profissional em saúde mental possibilitaram aprofundamento na dimensão e no significado da temporalidade na institucionalização e autonomia do idoso com transtorno mental. O presente estudo foi desenvolvido através da observação participante de um dos autores em uma Residência Terapêutica onde moram oito homens, sendo quatro deles maiores de 60 anos de idade. Através do contato com esta população foi possível perceber que o longo período de hospitalização proporcionou uma lacuna entre o Chronos e o Kairós, de modo que estes sujeitos, no momento da alta, não apresentavam qualquer idéia sobre o próprio envelhecimento dando a impressão de uma suspensão do tempo que ocorreu durante o período de internação e que está surgindo no cotidiano dos sujeitos através da apropriação do envelhecimento que ocorre atualmente fora da instituição total. Propomos discutir a relação entre os tempos Chronos, Kairós e Aion para idosos com histórico de institucionalização psiquiátrica.

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Ainda hoje no município de São Paulo, existem pessoas com transtorno mental grave que permanecem internadas por longo tempo em hospitais psiquiátricos caracterizando condição de moradia nestas instituições sejam públicas ou privadas. Muitas destas pessoas estão em condição de alta hospitalar, mas se encontram em abandono social ou com relações familiares muito frágeis, que tornam impossível a saída do hospital para voltarem para suas antigas residências. Por estes motivos este sujeitos passam a morar nos hospitais e utilizam o espaço que deveria ser de tratamento e transitório como espaço residencial definitivo. As rotinas padronizadas negam à subjetividade dos pacientes, a falta de imprevistos do cotidiano, a destituição da autonomia, a impotência para criar e improvisar soluções para seu próprio bem estar são condições fundamentais do agravamento dos transtornos mentais. Na tentativa de transformar o espaço institucional em ambiente doméstico, os pacientes que foram internados em momentos de crises agudas, passam a ter variadas crises recorrentes favorecidas pelo próprio ambiente asilar. Tais condições possibilitam a cronificação dos transtornos e agravamento dos prejuízos clínicos e sociais. Nestas condições alguns sujeitos permanecem por toda uma vida, envelhecendo em meio aos delírios e alucinações e cada vez mais distantes de tudo aquilo que nos dá a noção de envelhecimento, ou seja, o outro na sociedade.

Segundo Sartre in BOSI, (2001).: “A velhice é um irrealizável... é uma situação composta de aspectos percebidos pelo outro, e como tal, reificados, (um êtrepour-autrui), que transcendem nossa consciência.”

Com base nesta realidade, percebemos a importância de efetivar as políticas públicas de saúde mental do SUS conforme as diretrizes da Reforma Psiquiátrica com a efetivação de uma rede de atenção em saúde mental que garanta o cuidado, inclusão social e emancipação dos portadores de transtorno mental, sejam estes com vínculos familiares precários ou inexistentes, internados por longo período de tempo em hospitais psiquiátricos.

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A longevidade que está presente em todas as outras áreas humanas e sociais, também se apresenta com grande força na saúde mental. Comumente nos deparamos com a seguinte situação: as pessoas com transtornos mentais crônicos estão envelhecendo e vivendo mais tempo, pelos mesmos motivos que todo o resto da população, ou seja, avanço tecnológico e científico, porém sem ter a menor relação com o tempo que está passando e conseqüentemente com o envelhecimento, que é condição natural de qualquer ser humano. De acordo com MARÍAS (2003): “Coexiste tudo o que existe juntamente e ao mesmo tempo. As coisas coexistem e o homem com elas.”

Ao considerarmos o Chronos, ou seja, a medida de tempo cronológico como algo comum da realidade, podemos observar que nas instituições totais com rotinas massificadas é difícil validar a simultaneidade deste tempo por muito tempo. Durante anos sujeitos em condição de moradia em hospitais psiquiátricos, vivem rotinas em que acordar e dormir não precisa estar necessariamente em um dia de vinte e quatro horas, mas podem ser ações perdidas no tempo e validadas muitas vezes de maneira equivocada pelo outro, que também pode estar confuso em relação ao seu próprio tempo. O que se observa nas instituições totais é que a noção de envelhecimento e velhice não é construída pelos pacientes, e tão pouco observada ou sustentada pelos profissionais que se habituam às rotinas institucionais e se atém às questões da ordem dos transtornos de base que são de difícil controle e dificultam o olhar e o cuidado para outras questões comuns do cotidiano, como por exemplo, o envelhecimento. Este olhar para a construção do dia-a-dia no cuidado está presente na proposta do Serviço de Residência Terapêutica (SRT), que foi regulamentado em 2000 como um serviço do SUS para compor a rede de atenção em saúde mental. Podemos descrever o SRT da seguinte forma: é uma casa inserida na comunidade com espaço para oito pessoas que ficaram internadas por longo período de tempo em hospitais psiquiátricos, morar definitiva ou temporariamente, de acordo com as possibilidades e necessidades de cada sujeito. Estas casas podem ter composições masculinas, femininas ou mistas. Tem olhar para a complexidade do sujeito, dirigindo suas ações para as reais necessidades dos mesmos. O trabalho e tratamento terapêutico dos moradores são realizados nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).

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A residência conta com o apoio de uma equipe composta por coordenador e acompanhantes comunitários para auxiliar na organização dos significados reais e simbólicos na construção do dia-a-dia “Neste campo, o trabalho se dá na vertente da construção de projetos substitutivos à lógica manicomial, que buscam impedir a institucionalização das pessoas que necessitam de atenção em saúde mental...” (LEMOS 2007).

A mesma autora corrobora com SARACENO, (1999): quando aponta para o “estar” como uma relação com pouco ou nenhum significado de apropriação, diferente de “habitar” que possibilita maior grau de contratualidade em relação à organização material e simbólica de espaços e objetos e a sua divisão afetiva com os outros.

Em março de 2009 através da coordenação de um Serviço de Residência terapêutica (SRT) que é administrado pela Associação Saúde da Família (ASF) iniciamos o convívio e participação no cotidiano dos moradores do SRT Ermelino Matarazzo. Este convívio possibilitou observar um distanciamento do assunto envelhecimento e assim a desapropriação da velhice por parte dos moradores. Durante a convivência inicial na casa todo e qualquer assunto girava em torno da saúde mental e da marginalização de suas vidas e vivências institucionais, marcadas por passagens de muito sofrimento e agressões. Vale ressaltar que esta é uma residência masculina com cerca de um ano de constituição que tem atualmente oito moradores sendo quatro deles maiores de 60 anos de idade.

Com o passar do tempo a rotina mais organizada e tranqüila da residência foi conquistada pelos moradores e os tratamentos em saúde mental foram ajustados. Encaminhadas estas demandas iniciais, o convívio social em outras esferas se fez presente não apenas os locais destinados aos usuários de serviços de saúde mental. Então surgiu a possibilidade de alguns moradores freqüentarem o CRI (Centro de Referência do Idoso) e junto a esta oportunidade, surgiu o primeiro momento de estranheza, pois até o momento o assunto “envelhecimento” jamais fora aventado e os idosos integrantes da casa se mostraram surpresos ao se depararem com seu próprio envelhecimento. De acordo com tal estranheza percebemos a delicadeza do assunto e a necessidade de abordá-lo nas ações do cotidiano e relações sociais atuais. Ao considerarmos que o tempo que já se viveu é que dá sentido a existência presente e

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possibilita projetar-se para vida, para o tempo futuro refletimos juntamente com PELBART,2004:

“Maso que fazer com os acontecimentos, que não têm seu próprio lugar no tempo, os acontecimentos que chegaram tarde demais, quando todo o tempo já foi distribuído, dividido, desmontado, e que agora ficaram numa fria, não alinhados, suspensos no ar, sem lar, errantes? [...].” Compreendemos que o tempo não é algo externo a nós, mas imbricado que nos atravessa. De acordo com MARTINS (1998) “O homem não está no tempo é o tempo que está no homem”. Porém durante a internação em uma instituição total a qualidade do tempo vivido pelos sujeitos, ou podemos dizer o Kairós, fica muito aquém da velocidade do tempo cronológico, pois a relação do tempo vivido pode não estar na mesma proporção do tempo percebido. Esta percepção do tempo trazida para o agora, muitas vezes não encontra espaço no passado nem tampouco no futuro e neste momento faltam referências ao sujeito para sentir o próprio tempo, o que muitas vezes teve como alternativa normativa a cisão com a realidade, ou seja, a psicose, hoje pode encontrar outro espaço:

“Coextensivo ao tempo de Cronos, o tempo de Aion é infinito e expressa a eternidade, a duração, o líquido vital. Assim como o vazio (que é infinito) constitui a condição do lugar (que é finito), e tem necessidade deste para atualizar-se em função de um corpo. Do mesmo modo, o tempo total, Aion (que é infinito), se atualiza num presente (que é finito), em função de um agente” (PELBART,

2004).

O tempo só existe na relação construída através do sujeito da sua própria história e na relação com o outro.

De acordo com GOLDFARB (1998)

“a psicanálise mostra que todo processo de subjetivação só é possível na alteridade histórica, e histórica não no sentido biográfico ou universal. Aqui falamos da história dos vínculos, de alteridade, de afetos, de singularidade, de

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negação de tempo cronológico. Não há história sem o outro, não há história no isolamento”.

Tornar-se um “não-ser”, a morte social que muitos já vivenciaram e o local simbólico em que se perderam, traz o desafio de propiciar meios para que nos SRTs, o tempo vivido, não seja um tempo vazio, mas uma experiência, um produto de um labor psíquico estruturante de identidade. Envelhecer, então, não será seguir um caminho traçado, mas construí-lo. Eis o trabalho do tempo: a construção da subjetividade.

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Eclea.(2001).Memória e Sociedade Lembranças de velhos. 9ª. Edição. São Paulo: Companhia das Letras.

GOLDFARB, Délia Catullo. (1998). Corpo, Tempo e Envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo.

MARTINS. Joel. (1998). Não somos cronos, somos Kairós. Revista Kairós, v.1, n. 1. MARÍAS, Julian. (2003).Tratado sobre a Convivência: Concórdia sem acordo.São Paulo, Martins Fontes.

LEMOS, Maria Eugênia.(2007).Plano de Trabalho: Serviço Residencial Terapêutico. Associação Saúde da Família.

PELBART, P.P. (2004). O tempo não reconciliado. São Paulo, Perspectiva.

SARACENO,Benedetto. (1999).Libertando Identidade:, da reabilitação psicossocialà cidadania possível. Instituto Franco Baságlia Rio de Janeiro.

MARIA APARECIDA SOUZA ROSA, Assistente Social, Especialização em Saúde Pública, há 11 anos atua no Centro de Referência do Idoso de São Bernardo do Campo. Mestranda em Gerontologia pela (PUCSP). E-mail: c0807@terra.com.br

VANESSA IDARGO MUTCHNIK - Terapeuta Ocupacional. (Centro Universitário São Camilo); Especialista em Administração Hospitalar (Centro Universitário São Camilo); mestranda em Gerontologia (PUCSP). E-mail: vidamut@uol.com.br

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Referências

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