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Marcelo Fagundes 1 Lucas de Souza Lara 2 Valdiney Amaral Leite 3

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Paisagem cultural da área arqueológica de Serra Negra,

Vale do Araçuaí-MG: os sítios do complexo arqueológico

Campo das Flores, municípios de Senador Modestino

Gonçalves e Itamarandiba

Marcelo Fagundes

1

Lucas de Souza Lara

2

Valdiney Amaral Leite

3

1 Arqueólogo, coordenador do LAEP/UFVJM. marcelofagundes.arqueologia@gmail.com 2 Geógrafo, técnico do LAEP/UFVJM. lucas.lara@ufvjm.edu.br

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C am pi na G rande -P B , Ano III – Vo l.1 - N úm er o 05 – S et /O ut d e 201 2

PAISAGEM CULTURAL DA ÁREA ARQUEOLÓGICA DE SERRA

NEGRA, VALE DO ARAÇUAÍ, MINAS GERAIS: OS SÍTIOS DO

COMPLEXO

ARQUEOLÓGICO

CAMPO

DAS

FLORES,

MUNICÍPIOS DE SENADOR MODESTINO GONÇALVES E

ITAMARANDIBA.

RESUMO

O estudo da paisagem em Arqueologia presume o uso de diferenciadas categorias em diferentes áreas do conhecimento, tendo como foco a compreensão das relações existentes entre humanos e seus ambientes. Esse artigo teve como preocupação apresentar os diferentes paradigmas em que o uso do conceito de paisagem tem sido utilizado em Arqueologia, inclusive como meio de ampliação da noção de sítio arqueológico. É sabido que os humanos percorrem o ambiente em que vivem, nos quais percepções e conceitos são estabelecidos por meio dos processos cognitivos e, consequentemente, culturais. Assim, a paisagem passa a ser compreendida como uma construção social, tendo como base teórica para tal entendimento os conceitos de: Estabelecimento de Mauss; Lugar de Binford; e Lugares Persistentes de Schalanger.

PALAVRAS-CHAVE

: Paisagem, Geografia Cultural, Arqueologia, Lugares Persistentes, Estabelecimento, Alto Jequitinhonha

ABSTRACT

The landscape study in archaeology presumes the use of differentiated categories in different knowledge areas, having as focus the comprehension of the existing relations between humans and yours environments. This paper has as preoccupation presents the different paradigms in which the landscape concept has been used in archaeology, of the same way it has been enabling the enlargement of archaeological site notion. It is known that humans walking through the environments in which they live, in which perceptions and concepts are established by means of the cognitive processes and, consequently, cultural processes. In this case the landscape is comprehended as a social construction, having like theoretical base the concepts of établissement (settlement) by Mauss; Place by Binford and Persistent Places by Schalanger.

KEYWORDS

: Landscape, Cultural Geography, Archaeology, Persistent Places, Settlement, Alto Jequitinhonha River Valley

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ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM – PAISAGEM NA ARQUEOLOGIA

Pensar a paisagem é repensar o lugar, visto em sua materialidade e espiritualidade, no que Cosgrove (1998) denominou de “camadas de significado”. Uma tarefa cara para arqueólogos, mas de fundamental importância para compreensão de uma Arqueologia Regional.

Em uma visão antropológica da paisagem, não seria nenhum abuso afirmar que as pessoas percebem, classificam e moldam o ambiente circundante a partir de processos simbólicos que podem estar vinculados às tradições culturais de um dado grupo, ao apego sentimental a determinados marcos paisagísticos, à memória, aos mitos, enquanto local dos ancestrais e, não raramente, tendo como referências fronteiras sagradas e profanas (FAGUNDES, 2007; DESCOLA, 1999).

Faz algum tempo que geógrafos tem observado a paisagem sob esse viés, estruturando suas análises tanto na hermenêutica, como nas filosofias do significado (COSGROVE, 1998). Tem-se buscado uma assertiva fenomenológica em que o sujeito experimenta seu espaço, faz construções cognitivas e o idealiza conforme sua percepção do que é o mundo (KNAPP, 1999; CROSGROVE, 1998; RACZKOWSKI, 2001, DESCOLA, 1999). Somado a esse arcabouço conceitual, existem questões de cunho ecológico, adaptativo e funcional que fazem parte dessa complexa rede de significações e que não podem ser simplesmente descartados (PACHECO, 2012).

De qualquer forma, parte-se do princípio que a paisagem deve ser entendida tanto em sua faceta material (seus aspectos fisiográficos), como em sua vertente espiritual (imaterialidade), ou seja, as significações e ressignificações antrópicas ao longo de sua história.

Trata-se de uma análise holística, sistêmica e, principalmente, diacrônica, perpassando desde a implantação de sítios arqueológicos e lugares de interesse arqueológico, análise do repertório cultural até caracterização geoambiental para Arqueologia, principalmente valendo-se da assertiva de que a paisagem sempre é composta por estas muitas “camadas de significados” (CROSGROVE, 1998), relacionadas à História de Vida de diferentes populações; do universo simbólico às relações de poder ou gênero; de interesses de viés econômico, social, político ou religioso e das tensões conflitos inerentes à vida social (FAGUNDES, 2009, 2011).

Em meio a um emaranhado de significações conceituais, a paisagem pode ser considerada (ou vista como por alguns paradigmas), sob um caráter de fenômeno social, em que contextos históricos e culturais específicos definem características simbólicas ímpares. Logo,

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nada mais é do que um produto humano, da construção humana, podendo ser definida como um espaço social humanizado: no tempo, no espaço e na cultura.

Essa paisagem passa a ser lida e interpretada como símbolo e adquirindo seu papel cultural dentro das representações sociais de um dado grupo enquanto bem cultural. Pode ser compreendida como uma construção social e, portanto, um fato social total conforme postulado maussiano, como discutiremos a seguir (FAGUNDES, 2011).

Na Arqueologia o uso da paisagem também tem sido foco de estudos que buscam a compreensão da faceta simbólica que envolve a própria percepção que diferentes grupos têm de seus ambientes e, portanto, não se pode negar a forte influência do pensamento antropológico.

Compreender a paisagem como foco dos estudos da Arqueologia, amplia a noção de sítio arqueológico e, principalmente, admite o princípio que grupos humanos utilizam e interpretam diferentes espaços em uma paisagem bem mais ampla, atendendo diferentes fins, sejam eles quais forem (BINFORD, 1982, 1992).

Escrito no início do século XX, outro referencial importante para se discutir as relações entre humanos e seus ambientes são os textos do etnólogo francês, Marcel Mauss. Em Essai

sur le don (1950[1974a]), pode-se considerar que conceito de Fato Social Total foi forjado

primeira vez, tendo como aporte epistemológico a discussão sobre a dádiva, ao mesmo tempo em que apresentava a troca e a reciprocidade como fundamentos da vida social - espírito da coisa dada (MAUSS, 1974b).

A partir daí, sua obra segue uma direção muito clara: discutir (ou pelo menos refletir), acerca do Homem Total (KARSENTI, 1997; LANNA, 2000; FOURNIER, 2003). Ao tratar do Fato Social Total, ele indica a necessidade de se refletir acerca das condutas humanas em todas suas dimensões, uma vez que os fenômenos são sociais, porém ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos. A partir desse norte, Mauss apresenta o fato social total como constituído por um caráter tridimensional, onde se destacam as dimensões: i) Sociológica, em todas suas implicações sincrônicas; ii) A diacronia da dimensão histórica; iii) Dimensão fisiopsicológica, do indivíduo em si. Juntos formam um sistema indissolúvel/ inseparável, onde existe uma complementaridade entre o físico, o psíquico e o social (FAGUNDES, 2011).

Outro ponto importante a ser apresentado acerca da obra de Mauss, é o modo pelo qual o autor apresenta (ou define) como cultura em seus textos, uma vez que por meio dessa definição poder-se-á compreender os demais conceitos que aqui serão apresentados. Fica claro que para Mauss a cultura é uma expressão simbólica coletiva, ou seja, é inerente a condição humana o ato de simbolizar, ou melhor dizendo, é “natural” de qualquer sociedade

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exprimir-se de maneira simbólica em seus costumes e instituições, lembrando-se que esse ato de “simbolizar” é coletivo, isto é, todo sistema simbólico é uma construção da coletividade per se e, portanto, não se trata nunca de uma ação individual ao mesmo tempo em que esse sistema é lido e interpretado por membros do mesmo grupo e, portanto, seu caráter êmico. A cultura pode ser definida na obra de Mauss como uma rede de significação de uma dada sociedade compreendida e transmitida coletivamente.

Foi por meio dessa totalidade maussiana que a pesquisa aqui apresentada começou a refletir acerca do conceito de paisagem ‘cultural’ (FAGUNDES, 2007, 2009, 2011, 2012; FAGUNDES & PIUZANA, 2010), sobretudo tendo como aporte teórico o ‘conceito de estabelecimento’ (settlement / établissement) do mesmo Marcel Mauss (1904/1905 [1974a]). A paisagem (como parte do sistema de significação de um dado grupo) é integrante do fato social total (tanto em sua materialidade, como em sua espiritualidade), uma vez que adquire um caráter sociológico, histórico e fisiopsicológico, sendo uma ‘entidade’ perfeitamente definida por diferentes sociedades, dotada de conteúdo e significação (FAGUNDES, 2011).

A tarefa é compreender como o contexto arqueológico poderia ser compreendido por meio dessa totalidade. Não bastava apresentar a paisagem ‘arqueológica’ como fundamental para a compreensão da cultura material e modo de vida do passado (isso é o mínimo que se pode esperar), do mesmo modo a caracterização geoambiental de um dado território é inerente à pesquisa, logo o que se buscava era algo além que não apenas justificasse, mas que fundamentasse a importância de se compreender o uso e ocupação do solo ao longo do tempo. Almejaram-se as “pistas” de como se deram as relações entre cultura e ambiente, pessoas e paisagem, e como a partir daí se podem realizar inferências sobre o modo de vida e cultura de um dado grupo.

As realidades ambientais que nos são dadas e a constatação empírica da presença humana na paisagem, são vetores centrais para elegermos o corpo de indagações acerca das possibilidades e restrições da organização tecnológica, sobretudo objetivando a elaboração de inferências à compreensão de como grupos humanos estavam se movendo, apropriando-se e definindo seus espaços sociais (KNAPP & ASHMORE, 1999). A ampliação da noção de sítio arqueológico implica, sobre esses preceitos, na utilização do conceito de estabelecimento e/ou lugar e, nesse sentido, compreender a paisagem como centro das pesquisas em Arqueologia.

Não é recente a discussão acerca da ampliação espacial do sítio arqueológico (BINFORD, 1982), destacando que ampliar não significa deixar ‘nanica’ sua importância, mas compreender vários pontos, a saber: i) Por que certos locais foram preferidos e utilizados por

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determinados grupos em detrimento de outros? ii) Por que há diferenças nos conteúdos de assembleia de sítios arqueológicos contemporâneos em uma mesma ‘área’? iii) Há conexões entre diferentes sítios de uma área? O que determina a diferença entre sítios de uma área? Há diferenças? iv) Partindo do pressuposto de diferença, os diferentes sítios arqueológicos de uma área são espaço complementares de diferentes atividades sócio-culturais do grupo? Como se dá a ocupação dessas áreas?

Na abordagem maussiana (1974a), o estudo das relações sociais deve ser ampliado incluindo a própria paisagem (enquanto elemento de significação), na restituição das totalidades sociais, permitindo a compreensão dos lugares persistentes (enquanto elementos de um ambiente físico-biótico que fazem parte da morfologia social de um dado grupo. SCHALANGER, 1992). Assim, ‘conceito de estabelecimento’ de Marcel Mauss diz o seguinte:

(...) La véritable unité territoriale, c'est beaucoup plutôt l'établissement (settlement). Nous désignons ainsi un groupe de familles agglomérées qu'unissent des liens spéciaux et qui occupent un habitat sur lequel elles sont inégalement distribuées aux différents moments de l'année, comme nous le verrons, mais qui constitue leur domaine. L'établissement, c'est le massif des maisons, l'ensemble des places de tentes et des places de chasse, marine et terrestre, qui appartiennent à un nombre déterminé d'individus, en même temps que le système des chemins et sentiers, des chenaux et ports dont usent ces individus et où ils se rencontrent constamment. Tout cela forme un tout qui a son unité et qui a tous les caractères distinctifs auxquels se reconnaît un groupe social limité. (MAUSS, 1974a [1904/1905], p. 14).

A ênfase ao trabalho de Marcel Mauss (1974a) foi dada em primeiro plano ao conceito de estabelecimento (ou assentamento), enquanto unidade territorial, solidária com as demais estruturas do grupo e, portanto, integrante do fato social total para, posteriormente, a sua compreensão do homem total (KARSENTI, 1997) e de suas relações com a natureza.

A paisagem é compreendida como uma entidade dotada de significação e, nesse caso, adquirindo dimensão de ordem sociológica, histórica e fisiopsicológica, ou seja, definida e integrada à sociedade, por meio de sua materialidade física (e potencialidades), bem como de sua imaterialidade representada pelos aspectos de significação que adquire ao longo do tempo por meio dos aparatos técnicos e cognitivos. Sob esse viés, as relações homem versus meio não são compreendidas como um modo de superação das necessidades de subsistência, como dado na ecologia cultural de Julien Steward (por exemplo), mas enquanto um modo eficaz de regulação entre os fatores de ordem ambiental e as estruturas sócio-culturais.

O modo de vida é dado por questões relacionadas ao social, mas não distanciadas da natureza, o que permite a inferência de que a cultura e a natureza são fenômenos de totalidade,

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em um sistema harmônico e interconectado, de forma a garantir uma unidade coesa e de equilíbrio entre ambos, se assim podemos nos reportar.

Metodologicamente, optou-se em utilizar o conceito de lugar. Binford (1982) indica a necessidade de inferir como estão distribuídas as estruturas arqueológicas em termos regionais, conforme as feições da paisagem, ou melhor, por meio do exame do registro arqueológico, inferir sobre as interações entre grupos humanos e os paleoambientes acerca da distribuição de recursos e exploração; padrão de mobilidade, escolhas relacionadas ao estabelecimento de sítios arqueológicos diversificados (residencial; de observação; de obtenção de matéria-prima; de pesca, caça e coleta; ritualístico, etc.).

Os sítios distribuídos no espaço (em assembleia) geram o que ele chama de assentamentos, resultados de diferentes ocupações. Para compreendermos esses padrões devemos levar em conta: i) a frequência com que ocupações ocorreram em diferentes lugares e ii) os processos que geraram associações entre o material arqueológico nos sítios. Para tanto, deve-se compreender os processos que operaram no passado, o que o autor denomina como a habilidade do pesquisador em inferir corretamente as causas dos efeitos observados, ou seja, da formação do registro arqueológico.

O modo pelo qual um grupo usa o hábitat está diretamente condicionado pelo padrão de mobilidade e o retorno para o sítio habitação/base, tal condição vinculada às características biogeográficas do território e, portanto, sempre existindo uma geografia cultural na área de atuação dos grupos pré-históricos. Por padrão de mobilidade, o autor entende a maneira pela qual a paisagem ao redor do sítio base é diferentemente ajustada em relação à distribuição de recursos, uma vez que “é por meio da mobilidade que um dado local pode ser modificado em função do sistema humano” (BINFORD, 1982, p.08).

E, finalmente, Binford alerta do perigo em considerarmos as relações entre episódios deposicionais e episódios ocupacionais. Segundo ele, os índices e magnitudes da estratificação dos remanescentes arqueológicos são geralmente consequências de processos operando independentemente (ou quase) dos episódios ocupacionais, visto que os processos de deposição são relativos aos índices da dinâmica geológica da área. Nesse caso, várias ocupações, dependendo dessa dinâmica, podem ser estratificadas juntas, de modo que, quando evidenciadas, representem uma única ocupação.

Para Binford (1992), a garantia de uma compreensão efetiva do passado está relacionada ao entendimento das dinâmicas que envolvem a formação do registro arqueológico, sobretudo, de que forma se manifestam. Para tanto se faz necessário: i) Estudo sobre o

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processo de formação do registro arqueológico e como este reflete o papel e seus desempenhos na organização do passado, ou seja, compreensão dos níveis de sedimentação e erosão, geomorfologia, processos pós-deposicionais e ii) Por meio desse exame, inferir sobre a variabilidade em dimensões sincrônicas e diacrônicas.

Os sítios contemporâneos componentes de um sistema de assentamento, portanto, não são similares dentro dos contextos organizacionais em que fazem parte, muitas vezes contendo inventários tecnológicos distintos, ou seja, apresentando conjuntos artefatuais e distribuições, estruturas e dimensões diferenciadas; contudo sendo considerados complementares. Os artefatos de curadoria, por exemplo, podem estar mais bem representados em um sítio, enquanto em outros são mais comuns os expeditos; estruturas de combustão podem ocorrer com mais freqüência e em desiguais organizações; diferentes tipos e distribuição de restos faunísticos são esperados no sítio base e na estação de caça, assim por diante.

Consequentemente, muitos pontos importantes são indicados em seu texto (BINFORD, 1982), entre os quais: i) Que para entender o passado é inerente à compreensão dos lugares, ou seja, da paisagem; ii) Que se devem compreender os processos deposicionais de uma área e, antes de tudo, que não existe relação entre os episódios deposicionais e o sistema cultural; iii) Que há diferenças entre o sítio base e locação de atividades específicas de ordem organizacional, passíveis de reconhecimento via registro arqueológico; iv) Que as características biogeográficas influenciam o uso/ padrão do sítio base; v) Que diferentes sítios, inclusive com inventário tecnológico diversificado, podem ocorrer em uma mesma área; vi) Que a mobilidade confere diferentes usos na paisagem (geografia cultural).

Ampliando esse conceito, pode-se considerar que os lugares, entendidos como subconjuntos da paisagem, fazem parte da rede de significação cultural e, por isso, as repetições do uso destes permitem a enumeração de recorrências e variabilidade (continuidade e mudança).

Cada sociedade, por meio desse pensamento, teria “padrões culturais” próprios de percepção e uso da paisagem, de ordem moral, ideológica, econômica, política, religiosa, etc. Assim, utilizando-se do conceito de lugar, priorizou-se a “união” entre sítios, não-sítios e espaços topográficos para compreensão da paisagem (ou seja, em seus aspectos bióticos, abióticos e ‘arqueológicos’), enquanto definidora da área de atuação de um dado grupo pré-histórico.

Por conseguinte, as análises dos então chamados lugares partiriam de estudos sobre geologia, geomorfologia, do microclima, dos processos e índices de erosão e deposição, e distribuição de recursos, ou seja, inicialmente em uma dimensão geoecológica ou biogeográfica.

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Um segundo momento é marcado pelo estudo da estratificação (ou paleoníveis no solo) dos sítios escavados, ou seja, do processo de formação dos depósitos culturais de modo que indicassem hipóteses sobre períodos de ocupação, abandono e reocupação. E, finalmente, por meio dos dados obtidos, analisar, interpretar e inferir a dimensão sociocultural da paisagem em termos de perceptos e conceitos, memória sócio-histórica, apego sentimental, cognição, universos político-religioso, simbólico, etc.

Mas qual seria a base empírica dessa última análise? Qual o método de análise dos objetos supracitados?

Muitos são os caminhos, mas aqui se tem priorizado o exame da organização social, da tecnologia, da variabilidade intra e inter sítios, da mobilidade e uso espacial (sincrônico e diacrônico), tendo como aportes a distribuição espacial dos sítios (e relacional), análise das áreas de atividade, das estruturas (concentração cerâmica, combustão, bolsões de lascamento, restos faunísticos, etc.), possíveis rotas de mobilidade/ trânsito, distribuição e atributos (semelhanças e divergências) de sítios de registros gráficos, etc.

As análises e posteriores dados geográficos, biológicos e culturais constituiriam recursos capazes de elucidar as relações homem versus meio, dentro de uma concepção holística e sistêmica, compreendendo, assim, a paisagem em sua totalidade. Além disso, compreender os lugares significa ampliar nossas análises de forma a inferirmos sobre os meios pelos quais os grupos pré-históricos estruturavam suas estratégias de mobilidade, utilizavam diferentes espaços para a realização das tarefas cotidianas, enfim, apropriavam-se ativamente da paisagem em função de suas necessidades sócio-culturais, ideológicas e econômicas, que foram sendo delineadas em meio à dinâmica cultural e ao próprio processo histórico de conhecimento do local, da atribuição de valores e das já faladas inter-relações entre sociedade e ambiente.

O conceito de lugar pode ser entendido como uma reação à ortodoxia que vinculava a pesquisa arqueológica exclusivamente ao estudo de sítios arqueológicos com presença de cultura material, ou seja, trata-se de uma oposição às pesquisas que focam o estudo de sítios isolados, indicando a necessidade de uma Arqueologia de área (ou regional).

De qualquer forma, em meio a um emaranhado de conceitos, preferiu-se o estabelecido por Sarah Schlanger (1992), compreendendo o uso da paisagem em termos do que a autora denominou como persistent places, ou seja, locais usados repetitivamente durante a ocupação de uma região; partindo do pressuposto de que em função de certas particularidades (tanto de ordem histórica, econômica, política, social, religiosa ou cultural), os espaços são ocupados em longa duração refletindo na distribuição e formação do registro arqueológico.

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O COMPLEXO ARQUEOLÓGICO CAMPO DAS FLORES

O Complexo Arqueológico de Campo das Flores está localizado na divisa das cidades de Senador Modestino Gonçalves e Itamarandiba, municípios pertencentes ao vale do Araçuaí (bacia do rio Jequitinhonha), na região nordeste do estado de Minas Gerais. As faces leste e sul são banhadas pelo rio Itanguá, afluente da margem direita do rio Araçuaí, daí o nome dos sítios arqueológicos. A face norte é banhada por um pequeno ribeirão sem nome. Logo, há um excelente sistema hídrico circundando o complexo arqueológico, tanto local quanto regionalmente.

As pesquisas na região tiveram início em maio de 2010, quando a equipe do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (LAEP/NUGEO/UFVJM), foi informada por moradores da existência de um sítio com pinturas. A equipe identificou o sítio arqueológico indicado pela comunidade (Itanguá 01) e, com o andamento das prospecções, foram evidenciados vinte e um sítios, a grande maioria com presença de arte rupestre, havendo possibilidade de novos sítios serem identificados.

Todos são sítios implantados em abrigos sob rocha quartzítica, com pequeno pacote sedimentar e, portanto, escavações são extremamente restritas na área. A diferença entre esses sítios diz respeito aos seus repertórios culturais.

Desse total de assentamentos, apenas um foi escavado até o momento (Itanguá 02), sendo exumadas do solo arqueológico cerca de 5000 peças líticas, dentre as quais raspadores de diferentes morfologias e matérias-primas, pontas projéteis e outros vestígios decorrentes do processo de fabricação desses utensílios.

O carvão resgatado de uma única fogueira evidenciada entre 08 e 10 cm de profundidade, resultou na datação média de 680 ± 110 anos AP (1172 CEN / CENA-USP. Ver

quadro 01). Além disto, o sedimento do perfil leste, 5 e 6 cm de profundidade, foi datado por 14C,

resultando em uma datação de 270± 30 anos AP (BETA, 310324). Com isso, temos uma sequência de datações de ocupações recentes, datadas entre os séculos XII e XIX de nossa era (Neoholoceno). A camada mais antiga não foi possível datar, mas cabe ressaltar que é a que mais apresenta densidade de cultura material lítica.

De qualquer forma, este artigo tem como objetivo discutir a abordagem teórico-conceitual que temos utilizado para a compreensão do uso e ocupação do espaço em uma área notoriamente de suma importância para o cenário arqueológico mineiro.

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CARACTERÍAS GEOAMBIENTAIS EM CAMPO DAS FLORES

O Complexo Arqueológico Campo das Flores está situado na região nordeste do Estado de Minas Gerais, nos domínios da Província da Mantiqueira, no limite entre o Cráton do São Francisco e a Faixa Araçuaí. Assim, Campo de Flores está inserido na borda leste da Serra Espinhaço. A geologia local é marcada pelos quartzitos do Supergrupo Espinhaço.

O Supergrupo Espinhaço, considerado como embasamento das unidades neoproterozóicas (Grupo Macaúbas e Grupo Bambuí) experimentou levantamento generalizado e basculamentos localizados, quando da tectônica extensional responsável pela individualização da Bacia Araçuaí.

No final do Neoproterozóico, o sistema Espinhaço e a Bacia Araçuaí experimentam forte tectônica de inversão, em regime compressional, com dobras, zonas de cisalhamento, metamorfismo regional e espessamento litosférico. Individualizam-se as unidades estruturais do Cráton do São Francisco e Faixa Araçuaí.

A unidade externa da Faixa Araçuaí é constituída pelo embasamento remobilizado pela orogênese brasiliana (Anticlinórios de Gouveia, Porteirinha e de Guanhães), o Supergrupo Espinhaço da serra homônima (setor meridional) e o Grupo Macaúbas (incluindo o Complexo ou Unidade Salinas, conforme Pedrosa Soares et al. 1992).

Nossa área de interesse encontra-se inserida no Grupo Guanhães. Este é dividido em três formações: a) Inferior, de espessura discreta e raramente exposta ou presente, constituída por xistos verdes ultramáficos e máficos, xistos pelíticos e delgadas lentes de itabirito, quartzito e formação ferrífera; b) Média, com itabirito, itabirito carbonático, rocha cálcio-silicática, xisto carbonático, quartzito ferruginoso e quartzito; c) Superior (ou Formação Serra Negra), com paragnaisse rico em intercalações de anfibólio bandado, quartzito e itabirito raros na porção sul da área de ocorrência e quartzito abundante, na porção norte. Há profunda discordância entre o Supergrupo Espinhaço e a Formação Serra Negra; por outro lado, essa discordância é reforçada pela notável diferença litológica-metamórfica entre tais unidades.

Os quartzitos da Serra Negra são parte indissolúvel do Grupo Guanhães, Formação Serra Negra, formação esta dominantemente constituída por gnaisses; o conjunto é Arqueano. O mapa geológico mostra que a Formação Serra Negra tem sua maior área de ocorrência no quadrante SE da Folha Rio Vermelho, para o nordeste da Folha Rio Vermelho, a Formação Serra Negra se faz presente, novamente, ocupando área de forma triangular, com um dos vértices do triângulo posicionado na Fazenda Gavião. Da fazenda, em direção ao vértice NE

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da folha, a Formação Serra Negra acompanha a Formação Capelinha, enquanto o outro lado do triângulo, a partir do vértice da Fazenda Gavião, tem a formação balisada por rochas do Complexo Basal.

Tanto na porção NE como na porção SE, da Serra Negra são os quartzitos que marcam as elevadas serras orientadas segundo o paralelo e que atingem seu ponto culminante no Pico Pedra Menina (1.595 m).

Um fato importante da geologia regional que, de certo modo, interfere na Arqueologia é o fato da diversidade de matéria-prima disponível ao lascamento (diferente dos sítios localizados na Formação Galho do Miguel em Diamantina – ISNARDIS, 2009). A escavação do sítio Itanguá I é notoriamente prova dessa realidade, com uma diversidade bem grande de matérias-primas, estas representadas pelo quartzo hialino (a maioria), berilo, arenitos silicificados e sílex. O quartzito, muito friável, foi utilizado sob forma de seixos rolados para percussão.

No que se refere à geomorfologia, a área faz parte do Espinhaço Meridional, borda leste. Segundo Saadi (1995), a Serra do Espinhaço pode ser definida como um de terras altas, com forme de bumerangue de direção norte-sul e convexidade orientada para oeste, resultante dos processos tectônicos pré-cambrianos. Segundo o mesmo autor, a denominada “serra” esconde a real fisiografia regional, que seria mais bem definida pela expressão planalto (SAADI, 1995, p.41).

A particularidade diz respeito ao contra-forte representado pelo complexo de serras (Ambrósio, Pedra Menina, Gavião, Dois Irmãos, entre outras), que formam o divisor das bacias dos rios Jequitinhonha e Doce. Assim, á área apresenta dois compartimentos bem definidos topograficamente: a oeste apresenta topografia mais branda, enquanto a leste há uma ruptura mais brusca. Tal fato também contribui em na constituição da cobertura vegetal regional, sendo na bacia do rio Doce representada pela Mata Atlântica do leste mineiro, e no Jequitinhonha o cerrado com diferentes fisionomias.

Essa realidade permitiu a formação de uma área de ecótono. Neste sentido, eles têm uma grande diversidade biológica caracterizada por organismos pertencentes ao contato domínios próprios ou espécies endêmicas do ecótono (PACHECO, 2012).

O solo de todo o Complexo Campo Flores foi classificado como sendo Neossolo Litólico

Órtico típico (Embrapa, 2006), textura arenosa cascalhenta. Apresenta cor branca, formado por

grânulos grandes que lembram “sal grosso”, formados pela decorrência da decomposição da rocha quartzítica local. São solos muito rasos, fato que, na maioria dos abrigos evidenciados, não há pacotes sedimentares favoráveis à escavação.

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O clima segundo a classificação de Köppen, comum a Serra do Espinhaço como um todo - é caracteristicamente mesotérmico ameno, tipo Cwb (ou intertropical). Devido a grandes altitudes, as temperaturas nos meses de verão são quentes (22-28 ° C) e inverno com temperaturas mais baixas (10-15 ° C). A precipitação máxima é registrada em novembro, dezembro e janeiro (estação das águas), com menor índice pluviométrico em outros períodos.

METODOLOGIA APLICADA

O Projeto Arqueológico Alto Jequitinhonha (PAAJ), tem caráter acadêmico e, portanto, é marcado pela longa duração. São quase três anos de pesquisas que tem gerado dados importantes para nosso objetivo central que é a compreensão das relações homem e ambiente ao longo do tempo. Busca-se o estudo sistemático dos remanescentes culturais e paisagem, suas interconexões no tempo, espaço e cultura.

O método básico estabelecido é o empírico-indutivo, entretanto muitas vezes se faz uso do dedutivo (sobretudo no estabelecimento de modelos preditivos), como forma de inferências para a compreensão do passado. No último caso, faz algum tempo que a equipe do LAEP/NUGEO/UFVJM tem investido no geoprocessamento, fazendo uso de diferentes tecnologias para inventário dos bens culturais regionais.

Como já temos destacado em outros trabalhos (FAGUNDES, 2007), o objetivo do PAAJ calca-se na elaboração de estruturas referenciais à reflexão, interpretação e, quiçá, explanação acerca do registro arqueológico e sua inserção na paisagem, proveniente de diferentes campanhas de campo em diferentes complexos arqueológicos que constituem a Área Arqueológica de Serra Negra.

Além disso, buscaram-se na literatura sistemas contextuais e unidades interpretativas que pudessem solidificar/ garantir um elo entre nossas concepções e ideias, os procedimentos assumidos em campo e os princípios técnicos, teórico-metodológicos e conceituais que temos utilizado para interpretação dos remanescentes culturais (FAGUNDES, 2007). Para tanto, a intenção é interagir os dados empíricos (campo e laboratório), com o arcabouço teórico construído em meio às diferentes posições e paradigmas disponíveis no pensamento arqueológico ‘passado e atual’ de modo a garantir a unidade entre estas concepções e as e constituídas pela pesquisa empírica de campo, de forma a corresponder a um contexto (estrutura) sistêmico.

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Diferentes métodos e técnicas foram (e estão sendo) utilizados para a obtenção desses dados, representados por: i) Campanhas de prospecção e identificação de sítios arqueológicos: ii) Coletas sistemáticas de vestígios culturais em superfície. iii) Campanhas específicas para composição de arquivo imagético para tratamento de imagens em laboratório: decalques em plástico, fotografias e filmagens de sítios de arte rupestre. iv) Campanhas de topografia. v) Campanhas para caracterização ambiental, contando com profissionais habilitados para tal intento (geologia, geomorfologia, hidrografia, sedimentologia/pedologia, cobertura vegetal e fauna). vi) Campanhas de escavação sistemática. vii) Análises laboratoriais para tratamentos de dados (sobretudo, cultura material lítica e registros rupestres, uma vez que há quase total ausência de material cerâmico em nossa área de pesquisa).

A identificação de sítios arqueológicos regionalmente é algo extremamente difícil por vários motivos, dentre eles: i) Topografia regional (Serra do Espinhaço), com áreas em serra e com estradas ruins ou inexistentes. ii) Falta de estudos anteriores que fornecessem dados que pudessem ser utilizados como referência (com exceção dos trabalhos de LINKE, 2008; e ISNARDIS, 2009 na região de Diamantina).

Essas dificuldades, por sua vez, estão sendo solvidas na medida em que a equipe foi estabelecendo quadros conceituais para cada Complexo Arqueológico identificado. Entre as ações de campo assumidas, podemos citar:

Produção de base cartográfica em Laboratório com uso de softwares especializados,

bem como análise de imagens de satélite, facilitando sobremaneira as atividades de campo.

 Produção de cartografia para a Arqueologia com base em imagens de satélite de alta

resolução, que tem facilitado o processo de prospecção e o estabelecimento de forma que hipóteses válidas acerca do sistema de implantação dos sítios arqueológicos na paisagem, bem como o uso e ocupação do solo.

 Caminhamento intensivo nos diferentes Complexos Arqueológicos, demarcando com

auxílio de GPS (UTM Datum Córrego Alegre), as áreas de interesse arqueológico, sítios, não-sítios, áreas de passagem, etc.

 Entrevistas com moradores locais para obtenção de dados sobre a presença de material

arqueológico. Muitos dos sítios identificados pelo PAAJ/LAEP/NUGEO/UFVJM deve-se ao valioso auxílio de moradores de Diamantina e região que, gentilmente, tem levado ao conhecimento da equipe muitos sítios arqueológicos.

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Com esses dados, a intenção da equipe foi gerar dados primários necessários para criar um panorama geral da pré-história regional estabelecendo modelos preditivos que pudessem cooperar sensivelmente para trabalhos futuros.

IMPLANTAÇÃO DOS SÍTIOS EM CAMPO DAS FLORES – ANÁLISE

MACROESPACIAL

Uma das preocupações da equipe foi compreender o sistema de implantação de sítios arqueológicos na Área Arqueológica de Serra Negra. A referida está subdivida em cinco Complexos Arqueológicos.

A título de esclarecimento, temos utilizados dois conceitos em nossa área de pesquisa:

Complexo Arqueológico e Área Arqueológica. Por Complexo entendemos uma assembleia de

sítios arqueológicos implantados em uma determinaria área com características geoambientais semelhantes (geomorfologia, hidrografia, cobertura vegetal, etc.), somados aos seus repertórios culturais, sistema de implantação dos assentamentos e outras características arqueológicas, sobretudo vinculadas ao que se denominou de lugares persistentes (SCHALANGER, 1992). A somatória de Complexos forma uma Área Arqueológica que não apresenta, necessariamente, características semelhantes, mas cooperam para compreensão de um quadro regional de uso e ocupação do espaço em escalas espacial, temporal e cultural. O Complexo Campo das Flores está inserido na Área de Serra Negra que, como dito, compreende cinco grandes complexos.

Em Campo das Flores todos os vinte e um sítios foram denominados de Itanguá (rio que corta a área), sendo identificados por meio de intensivas campanhas de campo com objetivos bem traçados, a saber: i) prospecções extensivas; ii) análise dos painéis rupestres; iii) topografia; iv) caracterização geoambiental, faunística e florística, etc. Para tanto, fez-se uso do geoprocessamento como técnica fundamental para destacarmos certas escolhas (ou tipo de sítios), como meio de mapear semelhanças e diferenças existentes entre os vinte e um assentamentos.

Todos são abrigos sob rocha quartzítica (matacões) localizados em uma grande área de campo rupestre. Entretanto, há particularidades que precisam ser destacadas. Desse total, oito apresentam repertório cultural complexo, sendo que nos demais aparece de maneira sutil, ora representado por figurações rupestres muito discretas, ora por escassos vestígios líticos em superfície. São sítios que sofreram baixa interferência antrópica, sendo que os maiores impactos

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são naturais: desbotamento das figurações rupestres, desplacamento do quartzito, ação de insetos, etc.

Após análise ambiental e topográfica, juntamente com exame dos repertórios cultural (presença e ausência de cultura material em superfície ou subsuperfície; categorias dos painéis rupestres, etc.), pode-se subdividir os sítios de Campo das Flores nas seguintes categorias: i) Áreas abrigadas com pequeno pacote sedimentar, de fácil acesso, em áreas planas (02, 03, 04, 06, 10, 15, 21); ii) Áreas abrigadas, mas de acesso moderado sem pacote sedimentar (07, 14, 09, 11, 12, 13, 05, 08); iii) Paredões alto, sem área abrigada, mas de fácil acesso (sítio 01); iv) Sítios em área de difícil acesso, com topografia inclinada, com ou sem pacote sedimentar (17, 18, 19 e 20); v) 15 abrigos onde não foi detectado nenhum tipo de vestígio cultural (até então).

A distribuição espacial dos sítios, juntamente como repertório cultural evidenciado, aponta para uma área utilizada ao longo do tempo como acampamento temporário, de ocupações esporádicas, provavelmente ligadas às práticas cotidianas do grupo.

Dois sítios tiveram intervenções mais agressivas: o Itanguá 02 que passou por escavação sistemática em amplas superfícies; e o Itanguá 06, onde o trabalho de Leite (2012), estabeleceu uma estratigrafia cultural para o painel rupestre desse assentamento. Esse último passará por escavação em junho de 2013.

Os dados cronológicos ainda são insuficientes para o complexo. Como dito, apenas uma escavação fora realizada e, mesmo assim, obtivemos material para datação exclusivamente da camada superior do abrigo, datada entre 150 e 800 anos A.P. (ver quadro 01).

Quadro 01 – Cronologia do sítio Itanguá 02. LAEP/2011.

Outra dificuldade é o fato da maioria dos abrigos não ter pacote sedimentar propício para escavação, como é o caso do sítio Itanguá 14. Mesmo apresentando painéis rupestres extremamente relevantes para o contexto regional, não há pacote sedimentar. Para 2013 três campanhas de campo serão realizadas, duas destinadas às escavações dos sítios Itanguá 01 e 06 e outra prospectiva em subsuperfície na área de entorno de Campo das Flores, às margens do rio Itanguá, a fim de averiguar a presença de aldeias semipermanentes.

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Assim, o principal parâmetro, pelo menos até o momento, é o sítio Itanguá 02. A análise estratigráfica deste assentamento demostrou um uso continuado do sítio por pelo menos 800 anos. Assim, foram observadas duas camadas antrópicas distintas:

 A primeira marcada pela presença de um antropossolo. Trata-se de uma camada

escura, arenosa e pouco compactada (variando entre 02 a 10 cm de espessura), com baixa frequência artefatual. Acredita-se que houve ocupação em período mais recente nessa camada (onde, inclusive, foi evidenciado um pequeno artefato em madeira fossilizada, identificado como um pincel de pintura corporal). Os resultados do carvão da única estrutura de combustão evidenciada nessa camada foi enviada para datação tendo como resultado a cronologia de 680 ± 110 anos A.P (CENA/USP).

 Camada cultural mais antiga, mas sem presença de material orgânico/ antrópico

decomposto. Com tonalidade mais clara (cinza), resultante do acúmulo de sedimento decorrente do intemperismo do quartzito, sendo aquela que mais apresentou quantidade de material arqueológico (produtos de lascamento) e, portanto, com grande frequência artefatual.

Os marcadores químicos evidenciados nas análises do sedimento, também apontam para um uso continuado do sítio Itanguá 02 (BAGGIO FILHO, 2012; SILVA, 2012).

Fato importante a ser abordado são os dados apontados os estudos de Horak et al (2011). Estudando mudanças ambientais Quaternárias em uma turfeira da Serra do Espinhaço Meridional, por meio de isótopos estáveis de carbono, datações radiocarbônicas e palinologia, obteve evidencias de um clima mais seco que o atual foi verificado em ± 2.500 anos AP e após 430 anos AP, quando a mata regrediu, predominando a vegetação de campo. Após o período mais seco, a umidade aumentou até as condições atuais. Estas evidências de mudanças climáticas podem estar relacionadas com a ocupação humana no sitio arqueológico em pauta. A ocupação mais antiga identificada no Campo das Flores pode ter ocorrido em um período mais úmido e a transição para um período mais seco pode ter forcado os ocupantes a migrarem. A volta de um período mais úmido pode ter contribuído para a reocupação do local, em torno de 680 anos AP (Quadro 01). O retorno a condições mais secas em torno de 430 anos AP (Horak et

al, 2011) pode ter provocado nova migração. A ocupação teria sido retomada em torno de 270

anos AP (Quadro 01), quando terminou a pequena idade do gelo europeia (Martinez-Cortizas et

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ANÁLISE PRELIMINAR DA INDÚSTRIA LÍTICA DO SÍTIO ITANGUÁ 02

Em Campo das Flores, mais precisamente na escavação do sítio Itanguá 02 foram evidenciados cerca de 8.000 vestígios líticos, em sua grande maioria em quartzo hialino, mas há presença do leitoso, berilo (goshenita), arenito silicificado e sílex (esses dois últimos representados por pouquíssimas lascas de tipologia trapezoidal e sem retoques, algumas lascas de façonagem e estilhas).

Além do material lítico, foram exumados pela escavação: uma fogueira com presença de muito carvão; um artefato polido em madeira fossilizada (nas camadas superfícies da área de escavação, associado à pintura corporal); poucas sementes carbonizadas; e coletado mais de 05 kg de sedimento.

O estudo do conjunto lítico resgatado da escavação do sítio Itanguá 02, está em andamento, sendo que, para esse artigo, apresentaremos apenas dados preliminares, advindo de estudos pautados para apresentações em congressos e seminários nacionais.

Dentre as principais características do conjunto podemos destacar:

 Diversidade do uso de matéria-prima, com uso do quartzo hialino, quartzo leitoso,

goshenita, sílex, quartzito e madeira fossilizada.

 Versatilidade do conjunto artefatual, com presença de pontas de projétil, raspadores de

diferentes morfologias e lascas retocadas.

 Presença de todos os estigmas do processo de lascamento, o que permitiu a inferência

que o sítio Itanguá 02 foi utilizado como oficina lítica. No tocante a esse fato, o sítio, além do repertório cultural, apresentou características de implantação que cooperam com a hipótese de ter sido utilizado como oficina lítica.

 A disposição dos blocos na frente do abrigo, demostra que foram colocados

propositalmente, no estudo da distribuição estratigráfica dos vestígios foi possível realizar a inferência do local de lascamento, destruição dos estigmas, etc.; conforme teoria de arremesso (BINFORD, 1980).

 Três etapas claras no processo de lascamento foram efetuadas: a) debitagem; b)

façonagem; c) retoques. Para tanto os estigmas de lascamento indicam o uso de lascamento direto com uso de percutor duro para o preparo do núcleo o obtenção de suportes (percutores, núcleos e lascas iniciais fazem parte do repertório cultural). Em muitas lascas pequenas, sobretudo em quarto e berilo, é possível observar o uso de percutor macio (não identificado), estando esses produtos associados ao processo

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de façonagem. Em raras peças há estigmas de lascamento por pressão, mas os exemplares são raros e maiores informações serão dadas em futuro próximo.

ARTE RUPESTRE EM CAMPO DAS FLORES

Os cenários de ocupação humana na Serra do Espinhaço datam por volta de 12.000 anos AP, na transição do Pleistoceno para o Holoceno (LINKE, 2008). Na cidade de Diamantina, ao sul de nossa área de pesquisa, as pesquisas do Setor de Arqueologia da UFMG, por meio dos resultados da escavação do sítio Lapa do Caboclo, apresentaram datação por volta de 10 mil anos A.P. (ISNARDIS, 2009). Na região dos Mendes, a camada inicial do sítio Mendes II foi datada em 330±85 anos AP (CENA-USP), já o sítio Lapa da Onça obteve datação de 8530 ± 120 anos AP (CENA-USP).

A Tradição Planalto, especificamente, foi definida a partir dos sítios de pinturas rupestres do Planalto Cárstico de Lagoa Santa (PROUS, 1992). Seus elementos definidores são os grafismos de zoomorfos, sobretudo cervídeos e peixes, de composição monocrômica, que são acompanhados de outros zoomorfos (quadrúpedes, geralmente menores que os cervídeos) e de antropomorfos muito esquematizados (PROUS & BAETA, 1992/93). Um dos traços marcantes da Tradição é a prática de realizar intensas sobreposições nos painéis, dando uma aparência

caótica, com associações homotemáticas diacrônicas, especialmente entre cervídeos

(ISNARDIS, 2009, p.97).

No tocante aos grafismos zoomorfos da Área Arqueológica de Lagoa Santa, bem como da Serra do Cipó, apresentam tratamentos gráficos variados, ora com preenchimento completo do corpo (figuras chapadas), ora com preenchimentos em linhas ou pontos. Variam também o tamanho das figuras e a atenção aos detalhes anatômicos, sendo frequentes as representações de cascos e galhadas. São abundantes, também, figuras geométricas em geral bem simples e sempre monocrômicas: bastonetes e pontos (PROUS & BAETA, 1992/93).

Segundo Baeta (1998), a as representações zoomorfas, em especial dos quadrúpedes (tetrápodes), são mais toscas, e as representações antropomorfas apresentam uma tendência filiforme estilizada mais estática, pode haver a representação do órgão sexual masculino. Ainda segunda a autora, se comparada com a da Serra do Cipó, as figuras zoomorfas dessa última (quadrúpedes e, sobretudo cervídeos) apresentam maior variedade de tipos, de tratamento gráfico, de dimensão e da elaboração gráfica.

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Baeta (1998) nos diz que as figuras antropomorfas apresentam muitas representações filiformes estáticas, entretanto, pode-se perceber uma tendência tênue em representar formas humanas de maneira mais figurativa, indicando, inclusive, o gênero das representações, por meio da indicação dos órgãos sexuais masculinos e femininos, além de detalhes anatômicos tais como o cabelo, penteado, demarcação dos joelhos, cotovelos e dedos. Em consequência disto, Baeta (1998) afirma que as cenas apresentam maior dinamismo corporal.

Para a região de Diamantina, coube à arqueóloga Vanessa Linke (2008), a análise detalhada dessa Tradição em Diamantina, sendo proposta pela autora a subdivisão em cinco conjuntos estilísticos distintos, possibilitando inferências sobre a cronologia de ocupações dos painéis rupestres (LINKE, 2008). Tal intento foi alcançado com base na sua distribuição estratigráfica nos diferentes sítios arqueológicos e, assim, obtendo-se uma cronologia relativa para esses sítios. Com isso, pode-se indicar quem foram os primeiros a “colonizar” a face sul Serra do Espinhaço, chegando-se às ocupações mais recentes.

Tal categorização, segundo Isnardis (2009) se deu pela abordagem de diferentes categorias estilísticas entre os conjuntos, os quais apresentam características em comum, entretanto, há diferenças estilísticas e cronológicas que fazem que a Tradição apresente dessemelhanças entre si.

Além da tradição Planalto, para a face sul do Espinhaço, sobretudo o território de Diamantina, as pesquisas têm identificados painéis que podem ser filiados às tradições Agreste e Nordeste (LINKE, 2008; ISNARDIS, 2009; LEITE, 2012; FERREIRA, 2011).

Na região de Diamantina, tal como descreve Linke (2008) e Isnardis (2009), as figurações atribuídas à tradição Agreste tem como característica a produção de figuras antropomorfas, de braços e pernas em simetria, isolados ou em pequenos conjuntos de figuras semelhantes, que, como tal temática e atributos gráficos podem ser atribuídos à Tradição Agreste definida no Nordeste do Brasil. Segundo Isnardis (2009), as figuras da tradição Agreste, quando se relacionam com a Tradição Planalto em sobreposições, lhe são sempre posteriores.

Pesquisas mais atuais realizados pelo LAEP/UFVJM evidenciaram sítios filiados à Tradição Agreste nos Complexos Arqueológicos Campo das Flores, Serra do Ambrósio, Três Fronteiras e Felício dos Santos (FAGUNDES, 2012). Talvez o sítio mais importante seja o Amaros 01, onde foram identificados antropomorfos muito semelhantes aqueles evidenciados no nordeste brasileiro, pintados em vermelho, ultrapassando 1,5m de comprimento. Característica importante é o fato dessas figurações sempre estarem isoladas no painel, não interferindo ou sofrendo interferência das demais. Ou seja, não há associações ou sobreposições aparentes.

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Figura 02 – Figurações filiadas à Tradição Agreste, sítio Amaros 01, Itamarandiba, MG. LAEP/2011.

Em Campo das Flores a característica marcante nos painéis é a diversidade estilística, variando de sítio a sítio. A Tradição Planalto, ou pelo menos as características identificadoras, estão presentes na maioria dos sítios, contudo diferente do que ocorre nos sítios identificados por Linke (2008) em Diamantina ou na Serra do Cipó, por Prous (1992).

Assim, os grafismos regionais são caracterizados, sobretudo, pela diversidade estilística quando comparados ao entorno. Nosso primeiro questionamento foi: “Os conjuntos gráficos apresentem elementos clássicos/ identificadores da Tradição Planalto?” De imediato pode-se responder que sim, entretanto há particularidades nos atributos gráficos e temáticas que precisam ser mais bem explorados.

Obviamente não se está propondo a criação de uma nova Tradição, mas expondo a problemática das particularidades regionais dos grafismos, onde, claramente Planalto, os painéis não apresentam os chamados indicadores clássicos.

Por exemplo, a associação clássica entre cervídeos e peixes não existe em Campo das Flores, exceto ao painel o Itanguá 06, entretanto não há relações sincrônicas entre os cervídeos grafados e os peixes. Há uma clara interação diacrônica na composição do painel, sendo os cervídeos representados anteriormente.

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Das representações, os zoomorfos estilizados (geralmente com corpo estilizado/ geometrizado) são os mais comuns, geralmente tetrápodes pintados em vermelhos, com preenchimento geométrico. Os cervídeos ocorrem em grande parte dos sítios, entretanto na maioria das vezes isolados, como é caso dos sítios Itanguá 01, 02, 03 e 14. Os peixes são raros ocorrendo nos Itanguá 06 e 07 apenas.

Há poucas sobreposições (exceto pelo painel do sítio Itanguá 06), apresentando figuras geralmente isoladas, com pouca ou nenhuma associação. Há figurações associadas à Tradição Nordeste, porém sempre isoladas, sem formar cenas ou qualquer associação com outras figurações. Na região de entorno imediato ao Complexo Arqueológico Campo das Flores, as figurações associadas à Tradição Agreste são muito comuns.

A monocromia é presente, sendo o vermelho a tinta majoritária regionalmente. O amarelo ocorre apenas no segundo momento de ocupação do painel do sítio Itanguá 06.

O sítio de arte rupestre mais bem estudado até o momento foi o Itanguá 06 (Leite, 2012). Além de seu painel ser o que apresentou o maior número de figurações (94 no total), elas se encontram em sobreposição, sendo que foi possível a realização de uma estratigrafia cultural, indicando três momentos distintos de ocupação para o painel: um primeiro associado à Tradição Nordeste e outros dois à Planalto, sendo que o segundo momento marcado pela presença de diversidade de cervídeos, enquanto o terceiro pela sincronia dos peixes representados.

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Segundo Leite (2012) foi possível obter a conclusão que cada painel foi confeccionado em momento distintos, usando técnicas diferentes, diferentes tintas e estilos, diferenciando-se do grupo cultural do sítio arqueológico Serra dos Índios, no limite norte de Campo das Flores (FERREIRA, 2011) e dos conjuntos estilísticos definidos por Linke (2008), no limite sul.

Outro indicativo importante vem da análise dos sítios de arte rupestre, onde claramente há painéis feitos para serem vistos e àqueles confeccionados de tal maneira que sua evidenciação pela equipe de Arqueologia (em primeiro momento), se deu “por acaso”.

Como é o caso do sítio Itanguá 01, onde as figurações foram realizadas a mais de 5m de altura, em um grande paredão sem abrigo (esse era o sítio conhecido pelas pessoas da comunidade), a longas distâncias é possível observar os cervídeos pintados. Há sítios, no entanto, onde as figurações são feitas no teto de pequenas locas (utilizaremos esse termo par diferenciar de abrigos, uma vez que se tratam de aberturas no quartzito, algumas com menos de 60 cm de altura). Há também aqueles onde são marcados por apenas sinais geométricos, as formas em “x” e traços paralelos verticais são mais comuns (Itanguá 03 e 15). Ou seja, existem temáticas e escolhas diversificadas na assembleia de sítios local.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Notoriamente o Complexo Arqueológico Campo das Flores se apresenta como uma área de grande importância no contexto arqueológico do nordeste mineiro. A diversidade em seu repertório cultural talvez seja seu maior diferencial das áreas de entorno.

Não só a diversidade de uso na matéria-prima, mas como a versatilidade dos instrumentos líticos tem se mostrado um indicador importante, análise feita a partir da oficina lítica exumado do sítio Itanguá 02. A existência de uso de técnicas distintas, bem como diversidade no conjunto artefatual devem ser mais bem explorada, sendo meta da equipe para os próximos anos, bem como a escavação de novos assentamentos para que possamos realizar inferências mais assertivas.

A arte rupestre, filiada à Tradição Planalto a priori, também apresenta elementos temáticos e gráficos diferentes do entorno imediato de Campo das Flores, onde, apesar de manter características marcantes da Tradição, também exibe atributos gráficos muito particulares, como, por exemplo:

 Representação de zoomorfos estilizados, geralmente de forma isolada, em grande parte

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 Quase ausência da associação clássica “cervídeos e peixes” e, quando ocorre no painel

do sítio do Itanguá 06, essa associação ocorre diacronicamente.

 A escolha do local de pintar parece estar mais associada ao tipo de sítio do que a

qualidade do suporte. Há 15 abrigos com suportes com qualidade para abrigar painéis rupestres, entretanto não há qualquer indício de uso. Por outro lado, sítios como o Itanguá 02, 03, 04 e 14, com suportes de qualidade regular, foram grafados.

 A monocromia é uma característica em Campo das Flores, sempre que a grande maioria

dos sítios apresentam grafismos em vermelho, o amarelo só ocorre no segundo momento de ocupação do painel do sítio Itanguá 06.

 As cenas e associações são muito raras, geralmente as figurações ocorrem isoladas nos

painéis, exceto, novamente, pelo painel do Itanguá 06, único com presença de sobreposições e associações.

A preocupação nesse momento é a compreensão das relações homem e ambiente, tendo como estudo de caso a assembleia de sítios do Complexo Campo das Flores. Vários indicadores (ambientais e culturais em associação) apresentam que houve intensa ocupação regional, principalmente com uso dos abrigos de maneira temporária, entretanto sequencialmente, fato que pode estar associado às particularidades expressas ambientalmente. Novas campanhas voltadas para caracterização do paleoambiente possam cooperar sensivelmente para nosso elenco de problemas e hipóteses.

Assim, apesar de não se ter condições empíricas reais para inferir acerca do sistema de assentamento regional, observa-se ‘arqueologicamente’ intenso “trânsito” das populações pré-históricas entre os biomas do cerrado e mata atlântica, fato constatado por meio da existência dos chamados “sítios de passagem” (sítios implantados em quebras de topografia) e de lugares persistentes, notoriamente “trilhas” que são até hoje utilizadas pelas comunidades locais.

A continuidade da pesquisa cooperará para compreensão efetiva sobre modo de vida e cultura no passado pré-histórico dessa região.

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