A práxis pedagógica na construção das matrizes curriculares
do colégio marista de Criciúma
Resumo
O presente trabalho é um recorte feito da pesquisa de Mestrado, na qual busca compreender em que medida a proposta curricular Colégio Marista de Criciúma consolida sua formação de aluno: pesquisador, comunicador e solidário. A investigação deu‐se numa abordagem qualitativa, cujos procedimentos investigativos foram a análise de documentos e a entrevista semiaberta com professores e gestores tendo como base teórica a análise curricular em Sacristán (2000), Pacheco (2001) e Freire(1980, 1994a, 1994b, 1996, 2001, 2006, 2008). A pesquisa original ainda faz uma aproximação do aluno pesquisador, comunicador e solidário e as categorias freireanas curiosidade ingênua/epistemológica, dialogicidade e solidariedade, analisando os distanciamentos e similitudes entre essas categorias. O recorte feito baseia‐se na reflexão feita com base na pesquisa documental quanto a concepção curricular do ideal de aluno marista e problematiza a participação dos educadores na construção dos documentos da Instituição, dentre os quais, as Matrizes Curriculares. Comenta ainda a importância da práxis nos processos educacionais como forma de democratização dos saberes e salienta a autonomia docente na elaboração das propostas curriculares. Palavras‐chave: currículo, práxis, diálogo, autonomia. Ingrid Roussenq Fortunato Martins Colégio Marista ifortunato@marista.org.br
É a reflexão sobre a ação que dificulta as ideias de alienação e domesticação. É nessa práxis que o homem toma conhecimento de seu papel no mundo e pode decidir aceitá‐lo ou modificá‐lo (FREIRE [1987], 1996). A práxis, para Freire, implica a teoria como
um conjunto de ideias, indissociadas da prática, que possibilita a interpretação de
determinado fenômeno, levando à construção de um novo enunciado, podendo o sujeito dizer sua palavra sobre o mundo e para o mundo.
Assim, é ilusório buscar a identidade nos discursos. O que caracterizará um novo fazer são os elementos transformadores presentes na ação. Devemos, portanto, procurar caracterizar as referências pedagógicas nas práticas usuais da escola para melhor compreender suas propostas educacionais, e não no discurso, para só então planejar possíveis formas de intervenção. A reflexão coletiva das contradições entre o‐que‐se‐diz e o‐que‐se‐faz é a referência inicial tanto para o desvelamento da ética pressuposta nas ações educativas quanto para fundamentar qualquer mudança na prática pedagógica. (GOUVÊA DA SILVA, 2004, p. 70)
Os conteúdos escolares não têm sentido se não visarem ao bem comum, ao
acesso coletivo às necessidades básicas. A construção da cidadania pode se dar também
por meio da escola. A instituição escolar possui muitas limitações burocráticas e pedagógicas, pois lida não apenas com questões educacionais. No caso da escola particular, acrescente‐se uma clientela a ser satisfeita, no entanto, as condições de educação proposta caminham paralelas às de mercado. Não dá para limitar a proposta curricular apenas aos ideais pedagógicos.
Este estudo foi realizado no Colégio Marista de Criciúma1, analisando as Matrizes
Curriculares, Projeto Curricular em Ação e o Projeto Político Pedagógico quanto a concepção curricular do ideal de aluno marista, bem como ocorre a participação dos professores na elaboração dos conteúdos curriculares elencados nas matrizes. Foram omitidos desse artigo, os dados obtidos pelas entrevistas com os educadores. O texto
1 O Colégio Marista de Criciúma, lócus da pesquisa, junto de mais quinze outras escolas, compõe a Província Marista Brasil Centro‐Sul. As decisões pedagógicas e administrativas são assessoradas pela DERC (Diretoria Executiva da Rede de Colégios), que se localiza na PUC‐PR. O Instituto Marista está presente em 78 países e possui trabalhos voltados à educação básica e universitária e assistência social. No Brasil, esta rede possui cerca de 500 instituições, entre Colégios, Unidades Sociais, Universidades, Comunidades Apostólicas, Centros de Evangelização, Hospitais, Veículos de Comunicação, Equipamentos Culturais e Editoras.
original, no entanto, discorre sobre a concepção curricular e a formação de aluno idealizada pelo Colégio discutindo dicotomias e similitudes entre os discursos documentais e orais e fazendo aproximação com as categorias freireanas: curiosidade ingênua/epistemológica, dialogicidade e solidariedade.
É por não acreditar na neutralidade educacional que Freire afirma que educar é ato político, e não há como negar que a concepção curricular que embasa a crença do educador irá determinar suas aulas, seus objetivos e a atividade ou passividade do aluno.
Sacristán (2000) afirma que a única teoria curricular capaz de dar conta dessa
cumplicidade é a teoria crítica, pois ela coloca em evidência as realidades que condicionam os processos. A prática é real e por isso precisa ser teorizada para ser vivenciada.
De acordo com este autor, “as condições de desenvolvimento e realidade curricular não podem ser entendidas senão em conjunto”, apresentando significado cultural. O ensino é coerente com o contexto que permeia a comunidade escolar, os significados educativos se dão por meio das práticas e códigos que a traduzem “em processos de aprendizagem para os alunos”.
A prática escolar que podemos observar num momento histórico tem muito a ver com os usos, as tradições, as técnicas e as perspectivas dominantes em torno da realidade do currículo num sistema educativo determinado. Quando os sistemas escolares estão desenvolvidos e sua estrutura bem‐estabilizada, existe uma tendência a centrar no currículo as possibilidades de reformas qualitativas em educação. Em primeiro lugar, porque a qualidade do ensino está estreitamente relacionada aos seus conteúdos e formas, como é natural; em segundo lugar, porque, talvez impotentes ou descrentes diante da possibilidade de mudanças em profundidade dos sistemas educativos, descobrimos a importância de mecanismos mais sutis de ação que configuram a prática. É difícil mudar a estrutura, e é inútil fazê‐lo sem alterar profundamente seus conteúdos e ritos internos. (SACRISTÁN, 2000, p. 9) As mudanças escolares não são imediatas, muito pelo contrário, algumas podem levar muito tempo para concretizar‐se. Por isso a necessidade de objetivos claros dentro dessa instituição, pois os parâmetros de planejamento, avaliação e metodologias serão designados por esses objetivos. Na visão de Sacristán (2000), é a tradição que tem feito que a gestação curricular se dê em gabinetes e não no chão da escola. Os velhos usos
assumiram novos territórios, impossibilitando a melhoria da qualidade de ensino que está vinculada à mudança de conteúdos e procedimentos.
É por meio da conscientização que os sujeitos assumem compromisso histórico de refazerem seu mundo e a si mesmos dentro de suas possibilidades concretas. A ação reflexiva leva à conscientização que leva a mais reflexão, gerando a construção de um novo mundo conceitual em que o indivíduo é sujeito e atue sobre o mundo concreto que o rodeia. É por meio dessa conscientização que esse sujeito torna‐se senhor de sua palavra e é esse senhorio que poderá levá‐lo à transformação, tanto do mundo conceitual
quanto do concreto, superando as relações sociais de dominação.
Freire ([1964] 2008), afirma que todo aquele que se propõe a educar precisa optar pelo tipo de educação que irá assumir. A opção gira em torno da educação para domesticação ou para liberdade. “Educação para o homem‐objeto ou educação para o homem‐sujeito” (FREIRE [1964], 2008, p. 44). Segundo ele, a capacidade criadora do homem só desenvolve‐se a partir do processo de libertação para o qual ele nasceu. O poder de decisão do ser humano é alimentado na medida em que ele o exerce.
Para que se concretize esse processo de libertação, torna‐se necessário o diálogo. Ouso dizer que a escola é o espaço propício a sua realização por comportar em si sujeitos diferentes e que permanecem dentro dela, no mínimo, quatro horas diárias. Mas o alcance desse ideal também não é tão simples, pois diálogo é via de mão dupla. O professor pode oportunizar aulas dialogadas que visem à troca de conhecimentos, sua participação pode ser por meio da mediação e não imposição. Ensinar a dialogar é essencialmente saber ouvir. Não é possível o ensino de responsabilidades para os alunos, se não se permite que ele cumpra seus compromissos. “O que importa realmente, ao ajudar‐se o homem é ajudá‐lo a ajudar‐se. (E aos povos também) É fazê‐lo agente de sua própria recuperação. É repitamos, pô‐lo numa postura conscientemente crítica diante de seus problemas”. (FREIRE [1964], 2008, p. 66).
Para um projeto educacional ser válido é preciso estar revestido de coragem, trazendo à tona reflexões sobre o nosso tempo que promovam o enfrentamento de nossos próprios problemas. Como Freire (2008) cita as sociedades de acordo com seus
níveis de consciências2, poderíamos pensar se estamos oportunizando na escola a busca da transitividade crítica, sabendo que esta só pode ser alcançada por meio de uma educação dialogal:
A transitividade crítica, por outro lado, a que chegaríamos com uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. [...] pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela não‐recusa ao velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a argüições. (FREIRE [1964], 2008, p. 69‐70).
Para atingir a transitividade crítica é necessária a prática democrática, tanto na sociedade quanto na escola e, para tanto, o posicionamento dos gestores das aulas torna‐ se importante. Não podemos ensinar a democracia se não a vivenciarmos em sua totalidade. Se as aulas continuam sendo de prática bancária é impossível formarmos alunos que se posicionem socialmente de forma crítica. A vivência é importante para a consolidação da teoria. Nossos alunos não serão mais democráticos e, consequentemente, mais solidários, vivendo numa escola de faz‐de‐conta. O gosto pelo saber anda de braços dados com a curiosidade, que levará o aluno a perguntar e a responder suas próprias questões e a de seus semelhantes.
Freire ([1987] 1996) nos propõe uma educação problematizadora e, ao mesmo tempo, libertadora. Mas para isso a escola precisa assumir seu papel humanizador, cuja lógica não passa pela educação bancária, que apenas deposita conteúdos e o extrai na hora que o professor aplica a prova.
Mas o sentido da escuta, do diálogo, segue sentido contrário, pois se coloca no lugar do outro quando se posiciona ao ouvir. Saber ouvir é uma das competências do educador que oportuniza a educação democrática. Não há como ensinar a democracia sem estar atento aos anseios “alheios”.
Na medida em que o professor e a escola aprendem a escutar, paciente e criticamente, o educando, a fala não será mais para o aluno e sim, com ele (FREIRE
2 Para Freire (2008), a educação oportuniza que os indivíduos de uma sociedade compreendam qual seu
papel. Esta captação se dá em vários graus: intransitiva, na qual há uma limitação na esfera de apreensão; transitiva ingênua, em que se interpretam os problemas de forma simplista, e transitiva crítica, em que se busca desprender dos conceitos para interpretar a realidade.
[1996], 2001). Nesse sentido, o educador deixa de ser o dono da verdade e passa a considerar outras possibilidades, pois valoriza o diferente e percebe‐o como fundamental
para o exercício da autonomia, tanto docente quanto discente.
Para Freire ([1996] 2001), a escuta é requisito para o diálogo e para a compreensão do conhecimento que o educando traz para a situação de aprendizagem, possibilitando ao educador trabalhar a partir da leitura de mundo que o aluno lhe promoveu. Saber escutar é uma prática que implica a construção do conhecimento crítico‐emancipador. Para tanto, o educador que pratica a escuta acaba por desenvolver também a humildade, a tolerância e o amor pelos próprios educandos.
A humanização, no sentido freireano, é o comprometimento que podemos assumir contra as diferentes formas de não escuta: econômica, política, social e cognitiva. Na escola, por exemplo, podemos humanizar ou desumanizar, mas a linha que separa as duas formas de lidar com o outro é muito tênue. Para Freire (1994a), temos a vocação para a humanização, já que a marca da natureza humana é “ser mais”, por meio da qual os homens estão em constante procura.
É por estarmos sendo assim que vimos nos vocacionando para a humanização e que temos na desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação. Jamais, porém, outra vocação humana. Nem uma nem outra (humanização, ou desumanização), são destinos certos, dado dado, sina ou fato. (FREIRE, 1994b, p. 99). A própria natureza histórica do homem que o faz querer “ser mais” e a educação sistematizada pode servir de auxílio nesta humanização. É necessário um posicionamento da escola diante das possibilidades enfrentadas, pois é uma das instituições mais privilegiadas, sendo que promove a convivência, pacífica ou não, de diferentes culturas, cujos saberes são heterogêneos e ilimitados. As possibilidades de trabalho num contexto assim são infinitas, visto que a complexidade escolar oportuniza diferentes conflitos que precisam ser resolvidos enquanto a própria aprendizagem acontece.
Uma educação bancária (FREIRE [1987], 1996) vista ainda no cotidiano escolar, não se dá por desconhecimento de outras concepções ou descrédito de uma proposta dialógica. Resta‐nos compreender quais fatores levam à perpetuação dessa prática e se há movimentos de mudança no sentido de problematizar o que já está posto como
verdadeiro.
Distanciando‐se do seu mundo vivido, problematizando‐o, “descodificando‐o” criticamente, no mesmo movimento da consciência o homem se re‐descobre como sujeito instaurador desse mundo de sua experiência. Testemunhando objetivamente sua história, mesmo a consciência ingênua acaba por despertar criticamente, para identificar‐se como personagem que se ignorava e é chamada a assumir seu papel. (FIORI [1987], 1996, p. 15)
Para Fiori ([1987] 1996), a consciência do mundo e de si crescem juntas. É impossível a hominização sem a modificação do olhar que temos de nosso semelhante e de nós mesmos. Não há consciência de si sem a consciência de mundo, nem a consciência do mundo sem nos percebermos nele e as consequências geradas por isso. O importante é que a escola pode, ou não, contribuir para o processo de conscientização e que este não se dá individualmente, mas é construído socialmente. A condução dada nas aulas reflete a maneira como percebemos o homem no mundo e o mundo do homem.
Para compreendermos o currículo escolar é necessário analisarmos os conteúdos trabalhados, as relações de aprendizagem e o papel assumido pelo educador e o educando diante do conhecimento e como a instituição escolar apropria‐se desse
conhecimento para promover a modificabilidade social. Freire ([1987] 1996) afirma que as
relações entre educador e educando tem a marca dissertadora, pois os papéis são bem distintos, um assume‐se narrador, depositante, enquanto o outro é o depositário, ouvinte. “Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é encher os educandos dos conteúdos de sua narração” (FREIRE [1987], 1996, p. 57). As palavras desta narração são vazias, cujo resultado é o “alienado” e o “alienante”. As propostas da escola geralmente esbarram na dissertação, cuja característica principal é a “sonoridade”.
Em contrapartida, a principal característica da educação libertadora é a de ser ouvinte, no sentido de ouvir e enxergar o outro. Os alunos são alienados por participarem de uma educação que não lhes mostra a pobre realidade em que se encontram muitos brasileiros. O que ouvem são apenas discursos, não são conquistados por meio do diálogo, enfatizando ainda mais a “alienação”. Ser alienado independe de classe social, depende da consciência que o sujeito tem de seu papel na sociedade. “Espero que muitos
de nós estejamos aprendendo como é difícil fazer história, e como é importante apreender que nós estamos sendo feitos pela história que fazemos no processo social dentro da história”. (FREIRE; HORTON, 2003, p. 204)
A prática controladora do professor não permite aos alunos o desenvolvimento da autonomia discente. É via de mão dupla, a autonomia só é desenvolvida se alicerçada por momento de reflexão sobre a prática, por meio do diálogo.
O questionamento da falta de autonomia afeta todos aqueles que participam nas práticas curriculares, especialmente os professores e os alunos. É pouco crível que os professores possam contribuir para estabelecer metodologias criadoras que emancipem os alunos quando estes estão sob um tipo de prática altamente controladora. É preciso partir de um isomorfismo, necessário entre condições de desenvolvimento dos alunos nas situações escolares, em certa medida, pelos professores. (SACRISTÁN, 2000, p. 48)
Sacristán (2000) cita que o currículo pode contribuir para o interesse emancipatório e nesse sentido deve ser entendido como uma práxis. O currículo nessa perspectiva instrumentaliza a teoria e a prática dos professores, fazendo‐os desempenhar um papel ativo, os quais intervêm na renovação pedagógica, tornando‐se interrogadores reflexivos em sua prática.
O currículo, portanto, não se forma a partir de um olhar apenas, mas das diversas perspectivas encontradas no universo escolar, manifestadas explicitamente ou não. Mesmo havendo um direcionamento pedagógico o qual o Colégio assume, a instituição abrange diferentes concepções que compõem seu currículo objetivo, efetivado‐se na prática e retroalimentando os discursos proferidos. O conhecimento escolar constitui‐se por verdades estabelecidas social e historicamente e a institucionalização da cultura letrada que possui posição política e econômica, reportando‐as às opções da escola na definição de conteúdos e métodos.
Ao analisar os documentos do Colégio Marista de Criciúma ‐ Projeto Político Pedagógico e Matrizes Curriculares ‐ foi possível perceber momentos de escuta pedagógica evidenciados pela forma como se constituíram. Por ser um Colégio que faz parte de uma rede, organiza seus documentos em conjunto com outros colégios por meio de leituras e discussões sobre as possibilidades e limitações da aplicabilidade dos
conteúdos. As Matrizes Curriculares respaldam o trabalho pedagógico por área de conhecimento foram elaboradas após muitos encontros dos professores de cada área. Esta análise, portanto, pauta‐se muito mais no processo de escrita das matrizes no que a instituição diz de si mesma.
É necessário destacar a importância desta elaboração em conjunto porque são os documentos que legitimam a ação docente e seu conhecimento, apropriação e problematização é um trabalho feito no decorrer de todo o período em que este profissional se encontra na instituição. Ações de parceria, diálogo constante, escuta pedagógica ampliam a visão dos gestores na configuração da prática que se efetiva dentro e fora de sala de aula. Encontrar possibilidades dentro das limitações reais de uma instituição evidencia a necessidade que os docentes possuem de ver o projeto dar certo. Afinal, esperar as condições ideais para a concretização do que se considera ser o melhor é adiar para um futuro incerto o que precisa ser feito.
Ao analisar o processo de escrita das matrizes, por meio da reflexão do professorado assumindo‐se corresponsável pela formação do perfil de aluno é possível
perceber a autonomia profissional do educador como agente problematizador da prática.
Essa perspectiva contribui para a melhoria da compreensão dos fenômenos que produzem na prática e a superação da prática pedagógica implica optar por um quadro curricular que sirva de instrumento emancipatório para o estabelecimento da autonomia discente.
A práxis é definida por esta reflexão constante sobre o que se pretende e o que se faz. É por meio dela que se vai, além disso, buscar uma reorganização do que se tem feito. Por ser um ser de relações, o homem também é um ser do trabalho e da transformação do mundo. E são nas reflexões que ele faz sobre sua ação que se percebe marcado por sua própria ação. Tanto o Colégio, em seus documentos escritos, quanto os educadores que são marcados por suas concepções e práticas, nem sempre coincidentes, formam um conjunto que atua, criando uma realidade, que pode ser problematizada ou não, dependendo das escolhas feitas. As opções relacionadas à prática educativa, problematizadas por meio da práxis, descortinarão a proposta de aluno que o Colégio
anuncia, nem sempre percebidas num primeiro olhar, fazendo‐se necessária uma observação mais meticulosa.
Os documentos analisados apresentam uma visão crítica de currículo e estão embasados teoricamente de forma a propiciar a formação do aluno ideal do Colégio Marista. Os eixos das matrizes propõem investigação e o desenvolvimento da linguagem de acordo com as disciplinas específicas. A valorização à investigação e à linguagem (aqui aproximado com comunicação) como meio de apropriação dos conhecimentos possibilita o desenvolvimento da necessidade da pergunta como prática metodológica. A solidariedade nas matrizes passa pela questão social, pois identifica a pesquisa científica atrelada ao contexto sociocultural e tem como função a melhoria da vida em sociedade.
Considerações finais...
A ingenuidade de dicotomizar prática e teoria se dilui a partir do momento em que se percebe que elas estão indissociadas. Teorizar sobre educação é em si mesmo olhar e conceber de outra maneira as próprias ações educativas que se encontram na escola, manifestadas por todos os envolvidos. Ainda mais, é a prática que alimenta e subsidia a abertura de novas formas de refletir sobre ela. A prática não é apenas o lugar da aplicação da teoria, é muito mais ampla, a de auxiliar na compreensão dos fenômenos educativos.Mesmo apresentando um trabalho organizado em rede, o Colégio Marista de Criciúma conseguiu oportunizar momentos reflexivos nos quais os professores reuniam‐ se com todos os representantes de outros colégios para problematizarem os conteúdos propostos para sua área de conhecimento e organizarem as matrizes curriculares determinando quais objetivos e indicadores comporiam os segmentos.
A organização do trabalho pedagógico, a formação do educador, o estabelecimento democrático de tomada de decisões entre os profissionais da educação possibilitam um avanço nas questões que angustiam os professores. Problematizar a prática, enfatizar os discursos documentais pode ser um caminho a percorrer com os profissionais do Colégio Marista de Criciúma. A questão escolar primordial no que
concerne à aprendizagem é assegurar‐lhe sentido, portanto, é preciso promover práticas educativas que garantam a apropriação do conhecimento para que possa ser utilizado no alcance do ideal proposto.
O aluno aprende para a vida, para o hoje, e não para ser alguém algum dia. A simples discussão do que deve conter o currículo não é suficiente para mudarmos as práticas educacionais vigentes, mas a forma de refletirmos sobre isso expressará quem somos e o que consideramos ser verdadeiro, mesmo que seja por um tempo. Não há espaços para a exclusão do diálogo, pois é por meio dele que a escola manifestará seus problemas e possibilidades. Uma prática curricular que preze a vida, as diferentes realidades e busque dar espaço a todos abrirá horizontes para seus educandos por meio do diálogo, das indagações e do prazer de aprender.
Perguntar e buscar respostas, mesmo que sejam momentâneas faz parte do fazer educativo. E é nesse viés que o educador comprometido com o outro se constitui, percebendo‐se inacabado e construtor de sua história. Entretanto, ele não se faz isoladamente, mas em comunhão com outros educadores que se encontram na mesma condição. Juntos, buscam humanizar e humanizar‐se por meio do diálogo, repensando a vida em sociedade e praticando sua vocação ontológica de ser mais.
Referências
FIORI, Ernani Maria. [1987] Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.FREIRE, Paulo. [1979] Conscientização: teoria e prática da libertação. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980.
___. Cartas à Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994a. ___ . Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994b.
___ . [1996] Pedagogia da autonomia. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. ___. [1964] Educação como prática da liberdade. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. ___. [1969]. Extensão ou comunicação? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo; HORTON, Myles; BELL, Brenda; GAVENTA, John; PETERS, John Marshall. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. GOUVÊA DA SILVA, Antônio Fernando. A construção do currículo na perspectiva popular
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2004. PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto, 2001. ___. Escritos Curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo. Porto Alegre: ArtMed, 2000.