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A práxis pedagógica na construção das matrizes curriculares do colégio marista de Criciúma

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Academic year: 2021

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A práxis pedagógica na construção das matrizes curriculares 

do colégio marista de Criciúma 

 

 

 

  Resumo 

O  presente  trabalho  é  um  recorte  feito  da  pesquisa  de  Mestrado,  na  qual  busca  compreender  em  que  medida  a  proposta  curricular  Colégio  Marista  de  Criciúma  consolida  sua  formação  de  aluno:  pesquisador,  comunicador  e  solidário.  A  investigação  deu‐se  numa  abordagem  qualitativa,  cujos  procedimentos  investigativos  foram  a  análise  de  documentos  e  a  entrevista  semiaberta  com  professores  e  gestores  tendo  como  base  teórica  a  análise  curricular  em  Sacristán  (2000),    Pacheco  (2001)  e  Freire(1980,  1994a,  1994b,  1996,  2001,  2006,  2008).    A  pesquisa  original  ainda  faz  uma  aproximação  do  aluno  pesquisador,  comunicador  e  solidário  e  as  categorias  freireanas curiosidade  ingênua/epistemológica, dialogicidade  e solidariedade, analisando os distanciamentos e similitudes  entre essas categorias. O recorte feito baseia‐se na reflexão  feita  com  base  na  pesquisa  documental  quanto  a  concepção  curricular  do  ideal  de  aluno  marista  e  problematiza a participação dos educadores na construção  dos documentos da Instituição, dentre os quais, as Matrizes  Curriculares.    Comenta  ainda  a  importância  da  práxis  nos  processos  educacionais  como  forma  de  democratização  dos saberes e salienta a autonomia docente na elaboração  das propostas curriculares.     Palavras‐chave: currículo, práxis, diálogo, autonomia.      Ingrid Roussenq Fortunato Martins  Colégio Marista  ifortunato@marista.org.br           

 

 

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É  a  reflexão  sobre  a  ação  que  dificulta  as  ideias  de  alienação  e  domesticação.  É  nessa  práxis  que  o  homem  toma  conhecimento  de  seu  papel  no  mundo  e  pode  decidir  aceitá‐lo ou modificá‐lo (FREIRE [1987], 1996). A práxis, para Freire, implica a teoria como 

um  conjunto  de  ideias,  indissociadas  da  prática,  que  possibilita  a  interpretação  de 

determinado fenômeno, levando à construção de um novo enunciado, podendo o sujeito  dizer sua palavra sobre o mundo e para o mundo.  

Assim,  é  ilusório  buscar  a  identidade  nos  discursos.  O  que  caracterizará  um  novo  fazer  são  os  elementos  transformadores  presentes  na  ação.  Devemos, portanto, procurar caracterizar as referências pedagógicas nas  práticas  usuais  da  escola  para  melhor  compreender  suas  propostas  educacionais, e não no discurso, para só então planejar possíveis formas  de intervenção. A reflexão coletiva das contradições entre o‐que‐se‐diz e  o‐que‐se‐faz  é  a  referência  inicial  tanto  para  o  desvelamento  da  ética  pressuposta  nas  ações  educativas  quanto  para  fundamentar  qualquer  mudança na prática pedagógica. (GOUVÊA DA SILVA, 2004, p. 70) 

 

Os  conteúdos  escolares  não  têm  sentido  se  não  visarem  ao  bem  comum,  ao 

acesso coletivo às necessidades básicas. A construção da cidadania pode se dar também 

por  meio  da  escola.  A  instituição  escolar  possui  muitas  limitações  burocráticas  e  pedagógicas,  pois  lida  não  apenas  com  questões  educacionais.  No  caso  da  escola  particular,  acrescente‐se  uma  clientela  a  ser  satisfeita,  no  entanto,  as  condições  de  educação  proposta  caminham  paralelas  às  de  mercado.  Não  dá  para  limitar  a  proposta  curricular apenas aos ideais pedagógicos. 

Este estudo foi realizado no Colégio Marista de Criciúma1, analisando as Matrizes 

Curriculares,  Projeto  Curricular  em  Ação  e  o  Projeto  Político  Pedagógico  quanto  a  concepção  curricular  do  ideal  de  aluno  marista,  bem  como  ocorre  a  participação  dos  professores  na  elaboração  dos  conteúdos  curriculares  elencados  nas  matrizes.  Foram  omitidos  desse  artigo,  os  dados  obtidos  pelas  entrevistas  com  os  educadores.  O  texto 

       1 O Colégio Marista de Criciúma, lócus da pesquisa, junto de mais quinze outras escolas, compõe a Província  Marista Brasil Centro‐Sul. As decisões pedagógicas e administrativas são assessoradas pela DERC (Diretoria  Executiva da Rede de Colégios), que se localiza na PUC‐PR.  O Instituto Marista está presente em 78 países e possui trabalhos voltados à educação básica e universitária  e assistência social. No Brasil, esta rede possui cerca de 500 instituições, entre Colégios, Unidades Sociais,  Universidades, Comunidades Apostólicas, Centros de Evangelização, Hospitais, Veículos de Comunicação,  Equipamentos Culturais e Editoras. 

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original,  no  entanto,  discorre  sobre  a  concepção  curricular  e  a  formação  de  aluno  idealizada  pelo  Colégio  discutindo  dicotomias  e  similitudes  entre  os  discursos  documentais  e  orais  e  fazendo  aproximação  com  as  categorias  freireanas:  curiosidade  ingênua/epistemológica, dialogicidade e solidariedade. 

É por não acreditar na neutralidade educacional que Freire afirma que educar é ato  político,  e  não  há  como  negar  que  a  concepção  curricular  que  embasa  a  crença  do  educador irá determinar suas aulas, seus objetivos e a atividade ou passividade do aluno. 

Sacristán  (2000)  afirma  que  a  única  teoria  curricular  capaz  de  dar  conta  dessa 

cumplicidade  é  a  teoria  crítica,  pois  ela  coloca  em  evidência  as  realidades  que  condicionam  os  processos.  A  prática  é  real  e  por  isso  precisa  ser  teorizada  para  ser  vivenciada.  

De  acordo  com  este  autor,    “as  condições  de  desenvolvimento  e  realidade  curricular  não  podem  ser  entendidas  senão  em  conjunto”,  apresentando  significado  cultural.  O  ensino  é  coerente  com  o  contexto  que  permeia  a  comunidade  escolar,  os  significados  educativos  se  dão  por  meio  das  práticas  e  códigos  que  a  traduzem  “em  processos de aprendizagem para os alunos”. 

A  prática  escolar  que  podemos  observar  num  momento  histórico  tem  muito  a  ver  com  os  usos,  as  tradições,  as  técnicas  e  as  perspectivas  dominantes  em  torno  da  realidade  do  currículo  num  sistema  educativo  determinado.  Quando  os  sistemas  escolares  estão  desenvolvidos  e  sua  estrutura  bem‐estabilizada,  existe  uma  tendência  a  centrar  no  currículo  as  possibilidades  de  reformas  qualitativas  em  educação.  Em  primeiro  lugar, porque a qualidade do ensino está estreitamente relacionada aos  seus  conteúdos  e  formas,  como  é  natural;  em  segundo  lugar,  porque,  talvez  impotentes  ou  descrentes  diante  da  possibilidade  de  mudanças  em profundidade dos sistemas educativos, descobrimos a importância de  mecanismos mais sutis de ação que configuram a prática. É difícil mudar a  estrutura, e é inútil fazê‐lo sem alterar profundamente seus conteúdos e  ritos internos. (SACRISTÁN, 2000, p. 9)    As mudanças escolares não são imediatas, muito pelo contrário, algumas podem  levar muito tempo para concretizar‐se. Por isso a necessidade de objetivos claros dentro  dessa  instituição,  pois  os  parâmetros  de  planejamento,  avaliação  e  metodologias  serão  designados por esses objetivos. Na visão de Sacristán (2000), é a tradição que tem feito  que  a  gestação  curricular  se  dê  em  gabinetes  e  não  no  chão  da  escola.  Os  velhos  usos 

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assumiram novos territórios, impossibilitando a melhoria da qualidade de ensino que está  vinculada à mudança de conteúdos e procedimentos. 

É por meio da conscientização que os sujeitos assumem compromisso histórico de  refazerem  seu  mundo  e  a  si  mesmos  dentro  de  suas  possibilidades  concretas.  A  ação  reflexiva  leva  à  conscientização  que  leva  a  mais  reflexão,  gerando  a  construção  de  um  novo mundo conceitual em que o indivíduo é sujeito e atue sobre o mundo concreto que  o  rodeia.  É  por  meio  dessa  conscientização  que  esse  sujeito  torna‐se  senhor  de  sua  palavra e é esse senhorio que poderá levá‐lo à transformação, tanto do mundo conceitual 

quanto do concreto, superando as relações sociais de dominação. 

Freire ([1964] 2008), afirma que todo aquele que se propõe a educar precisa optar  pelo  tipo  de  educação  que  irá  assumir.  A  opção  gira  em  torno  da  educação  para  domesticação  ou  para  liberdade.  “Educação  para  o  homem‐objeto  ou  educação  para  o  homem‐sujeito”  (FREIRE  [1964],  2008,  p.  44).  Segundo  ele,  a  capacidade  criadora  do  homem  só  desenvolve‐se  a  partir  do  processo  de  libertação  para  o  qual  ele  nasceu.  O  poder de decisão do ser humano é alimentado na medida em que ele o exerce. 

Para que se concretize esse processo de libertação, torna‐se necessário o diálogo.  Ouso dizer que a escola é o espaço propício a sua realização por comportar em si sujeitos  diferentes  e  que  permanecem  dentro  dela,  no  mínimo,  quatro  horas  diárias.  Mas  o  alcance  desse  ideal  também  não  é  tão  simples,  pois  diálogo  é  via  de  mão  dupla.  O  professor  pode  oportunizar  aulas  dialogadas  que  visem  à  troca  de  conhecimentos,  sua  participação  pode  ser  por  meio  da  mediação  e  não  imposição.  Ensinar  a  dialogar  é  essencialmente saber ouvir. Não é possível o ensino de responsabilidades para os alunos,  se  não  se  permite  que  ele  cumpra  seus  compromissos.  “O  que  importa  realmente,  ao  ajudar‐se o homem é ajudá‐lo a ajudar‐se. (E aos povos também) É fazê‐lo agente de sua  própria recuperação. É repitamos, pô‐lo numa postura conscientemente crítica diante de  seus problemas”. (FREIRE [1964], 2008, p. 66). 

Para  um  projeto  educacional  ser  válido  é  preciso  estar  revestido  de  coragem,  trazendo  à  tona  reflexões  sobre  o  nosso  tempo  que  promovam  o  enfrentamento  de  nossos  próprios  problemas.  Como  Freire  (2008)  cita  as  sociedades  de  acordo  com  seus 

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níveis de consciências2, poderíamos pensar se estamos oportunizando na escola a busca  da  transitividade  crítica,  sabendo  que  esta  só  pode  ser  alcançada  por  meio  de  uma  educação dialogal: 

A  transitividade  crítica,  por  outro  lado,  a  que  chegaríamos  com  uma  educação  dialogal  e  ativa,  voltada  para  a  responsabilidade  social  e  política,  se  caracteriza  pela  profundidade  na  interpretação  dos  problemas.  [...]  pela  prática  do  diálogo  e  não  da  polêmica.  Pela  receptividade  ao  novo,  não  apenas  porque  novo  e  pela  não‐recusa  ao  velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos.  Por se inclinar sempre a argüições. (FREIRE [1964], 2008, p. 69‐70).   

Para  atingir  a  transitividade  crítica  é  necessária  a  prática  democrática,  tanto  na  sociedade quanto na escola e, para tanto, o posicionamento dos gestores das aulas torna‐ se  importante.  Não  podemos  ensinar  a  democracia  se  não  a  vivenciarmos  em  sua  totalidade.  Se  as  aulas  continuam  sendo  de  prática  bancária  é  impossível  formarmos  alunos  que  se  posicionem  socialmente  de  forma  crítica.  A  vivência  é  importante  para  a  consolidação  da  teoria.  Nossos  alunos  não  serão  mais  democráticos  e,  consequentemente, mais solidários, vivendo numa escola de faz‐de‐conta. O gosto pelo  saber  anda  de  braços  dados  com  a  curiosidade,  que  levará  o  aluno  a  perguntar  e  a  responder suas próprias questões e a de seus semelhantes. 

Freire  ([1987]  1996)  nos  propõe  uma  educação  problematizadora  e,  ao  mesmo  tempo,  libertadora.  Mas  para  isso a  escola  precisa  assumir  seu  papel  humanizador,  cuja  lógica  não  passa  pela  educação  bancária,  que  apenas  deposita  conteúdos  e  o  extrai  na  hora que o professor aplica a prova. 

Mas  o  sentido  da  escuta,  do  diálogo,  segue  sentido  contrário,  pois  se  coloca  no  lugar  do  outro  quando  se  posiciona  ao  ouvir.  Saber  ouvir  é  uma  das  competências  do  educador  que  oportuniza  a  educação  democrática.  Não  há  como  ensinar  a  democracia  sem estar atento aos anseios “alheios”. 

Na  medida  em  que  o  professor  e  a  escola  aprendem  a  escutar,  paciente  e  criticamente,  o  educando,  a  fala  não  será  mais  para  o  aluno  e  sim,  com  ele  (FREIRE 

      

2 Para Freire (2008), a educação oportuniza que os indivíduos de uma sociedade compreendam qual seu 

papel. Esta captação se dá em vários graus: intransitiva, na qual há uma limitação na esfera de apreensão;  transitiva ingênua, em que se interpretam os problemas de forma simplista, e transitiva crítica, em que se  busca desprender dos conceitos para interpretar a realidade. 

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[1996],  2001).  Nesse  sentido,  o  educador  deixa  de  ser  o  dono  da  verdade  e  passa  a  considerar outras possibilidades, pois valoriza o diferente e percebe‐o como fundamental 

para o exercício da autonomia, tanto docente quanto discente. 

Para Freire ([1996] 2001), a escuta é requisito para o diálogo e para a compreensão  do conhecimento que o educando traz para a situação de aprendizagem, possibilitando  ao  educador  trabalhar  a  partir  da  leitura  de  mundo  que  o  aluno  lhe  promoveu.  Saber  escutar  é  uma  prática  que  implica  a  construção  do  conhecimento  crítico‐emancipador.  Para tanto, o educador que pratica a escuta acaba por desenvolver também a humildade,  a tolerância e o amor pelos próprios educandos. 

A  humanização,  no  sentido  freireano,  é  o  comprometimento  que  podemos  assumir contra as diferentes formas de não escuta: econômica, política, social e cognitiva.  Na escola, por exemplo, podemos humanizar ou desumanizar, mas a linha que separa as  duas  formas  de  lidar  com  o  outro  é  muito  tênue.  Para  Freire  (1994a),  temos  a  vocação  para a humanização, já que a marca da natureza humana é “ser mais”, por meio da qual  os homens estão em constante procura. 

É  por  estarmos  sendo  assim  que  vimos  nos  vocacionando  para  a  humanização e que temos na desumanização, fato concreto na história, a  distorção da vocação. Jamais, porém, outra vocação humana. Nem uma  nem outra (humanização, ou desumanização), são destinos certos, dado  dado, sina ou fato. (FREIRE, 1994b, p. 99).    A própria natureza histórica do homem que o faz querer “ser mais” e a educação  sistematizada pode servir de auxílio nesta humanização. É necessário um posicionamento  da  escola  diante  das  possibilidades  enfrentadas,  pois  é  uma  das  instituições  mais  privilegiadas, sendo que promove a convivência, pacífica ou não, de diferentes culturas,  cujos saberes são heterogêneos e ilimitados. As possibilidades de trabalho num contexto  assim são infinitas, visto que a complexidade escolar oportuniza diferentes conflitos que  precisam ser resolvidos enquanto a própria aprendizagem acontece. 

Uma educação bancária (FREIRE [1987], 1996) vista ainda no cotidiano escolar, não  se  dá  por  desconhecimento  de  outras  concepções  ou  descrédito  de  uma  proposta  dialógica.  Resta‐nos  compreender quais  fatores  levam  à perpetuação  dessa  prática  e  se  há  movimentos  de  mudança  no  sentido  de  problematizar  o  que  já  está  posto  como 

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verdadeiro. 

Distanciando‐se  do  seu  mundo  vivido,  problematizando‐o,  “descodificando‐o” criticamente, no mesmo movimento da consciência o  homem  se  re‐descobre  como  sujeito  instaurador  desse  mundo  de  sua  experiência.  Testemunhando  objetivamente  sua  história,  mesmo  a  consciência ingênua acaba por despertar criticamente, para identificar‐se  como  personagem  que  se  ignorava  e  é  chamada  a  assumir  seu  papel.  (FIORI [1987], 1996, p. 15) 

 

Para  Fiori  ([1987]  1996),  a  consciência  do  mundo  e  de  si  crescem  juntas.  É  impossível a hominização sem a modificação do olhar que temos de nosso semelhante e  de nós mesmos. Não há consciência de si sem a consciência de mundo, nem a consciência  do mundo sem nos percebermos nele e as consequências geradas por isso. O importante  é  que  a  escola  pode,  ou  não,  contribuir  para  o  processo  de  conscientização  e  que  este  não  se  dá  individualmente,  mas  é  construído  socialmente.  A  condução  dada  nas  aulas  reflete a maneira como percebemos o homem no mundo e o mundo do homem. 

Para compreendermos o currículo escolar é necessário analisarmos os conteúdos  trabalhados,  as  relações  de  aprendizagem  e  o  papel  assumido  pelo  educador  e  o  educando  diante  do  conhecimento  e  como  a  instituição  escolar  apropria‐se  desse 

conhecimento para promover a modificabilidade social. Freire ([1987] 1996) afirma que as 

relações entre educador e educando tem a  marca dissertadora, pois os papéis são bem  distintos,  um  assume‐se  narrador,  depositante,  enquanto  o  outro  é  o  depositário,  ouvinte. “Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito,  cuja tarefa indeclinável é encher os educandos dos conteúdos de sua narração” (FREIRE  [1987], 1996, p. 57). As palavras desta narração são vazias, cujo resultado é o “alienado” e  o  “alienante”.  As  propostas  da  escola  geralmente  esbarram  na  dissertação,  cuja  característica principal é a “sonoridade”. 

Em  contrapartida,  a  principal  característica  da  educação  libertadora  é  a  de  ser  ouvinte, no sentido de ouvir e enxergar o outro. Os alunos são alienados por participarem  de  uma  educação  que  não  lhes  mostra  a  pobre  realidade  em  que  se  encontram  muitos  brasileiros.  O  que  ouvem  são  apenas  discursos,  não  são  conquistados  por  meio  do  diálogo,  enfatizando  ainda  mais  a  “alienação”.  Ser  alienado  independe  de  classe  social,  depende da consciência que o sujeito tem de seu papel na sociedade. “Espero que muitos 

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de  nós  estejamos  aprendendo  como  é  difícil  fazer  história,  e  como  é  importante  apreender  que  nós  estamos  sendo  feitos  pela  história  que  fazemos  no  processo  social  dentro da história”. (FREIRE; HORTON, 2003, p. 204) 

A prática controladora do professor não permite aos alunos o desenvolvimento  da  autonomia  discente.  É  via  de  mão  dupla,  a  autonomia  só  é  desenvolvida  se  alicerçada por momento de reflexão sobre a prática, por meio do diálogo.  

O  questionamento  da  falta  de  autonomia  afeta  todos  aqueles  que  participam  nas  práticas  curriculares,  especialmente  os  professores  e  os  alunos.  É  pouco  crível  que  os  professores  possam  contribuir  para  estabelecer  metodologias  criadoras  que  emancipem  os  alunos  quando  estes  estão  sob  um  tipo  de  prática  altamente  controladora.  É  preciso  partir  de  um  isomorfismo,  necessário  entre  condições  de  desenvolvimento  dos  alunos  nas  situações  escolares,  em  certa  medida,  pelos professores. (SACRISTÁN, 2000, p. 48) 

 

Sacristán  (2000)  cita  que  o  currículo  pode  contribuir  para  o  interesse  emancipatório  e  nesse  sentido  deve  ser  entendido  como  uma  práxis.  O  currículo  nessa  perspectiva  instrumentaliza  a  teoria  e  a  prática  dos  professores,  fazendo‐os  desempenhar um papel ativo, os quais intervêm na renovação pedagógica, tornando‐se  interrogadores reflexivos em sua prática. 

O currículo, portanto, não se forma a partir de um olhar apenas, mas das diversas  perspectivas  encontradas  no  universo  escolar,  manifestadas  explicitamente  ou  não.  Mesmo  havendo  um  direcionamento  pedagógico  o  qual  o  Colégio  assume,  a  instituição  abrange  diferentes  concepções  que  compõem  seu  currículo  objetivo,  efetivado‐se  na  prática e retroalimentando os discursos proferidos. O conhecimento escolar constitui‐se  por  verdades  estabelecidas  social  e  historicamente  e  a  institucionalização  da  cultura  letrada  que  possui  posição  política  e  econômica,  reportando‐as  às  opções  da  escola  na  definição de conteúdos e métodos. 

Ao  analisar  os  documentos  do  Colégio  Marista  de  Criciúma  ‐  Projeto  Político  Pedagógico  e  Matrizes  Curriculares  ‐    foi  possível  perceber  momentos  de  escuta  pedagógica  evidenciados  pela  forma  como  se  constituíram.  Por  ser  um  Colégio  que  faz  parte  de  uma  rede,  organiza  seus  documentos  em  conjunto  com  outros  colégios  por  meio  de  leituras  e  discussões  sobre  as  possibilidades  e  limitações  da  aplicabilidade  dos 

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conteúdos.  As  Matrizes  Curriculares  respaldam  o  trabalho  pedagógico  por  área  de  conhecimento  foram  elaboradas  após  muitos  encontros  dos  professores  de  cada  área.  Esta análise, portanto, pauta‐se muito mais no processo de escrita das matrizes no que a  instituição diz de si mesma. 

É necessário destacar a importância desta elaboração em conjunto porque são os  documentos  que  legitimam  a  ação  docente  e  seu  conhecimento,  apropriação  e  problematização  é  um  trabalho  feito  no  decorrer  de  todo  o  período  em  que  este  profissional  se  encontra  na  instituição.  Ações  de  parceria,  diálogo  constante,  escuta  pedagógica  ampliam  a  visão  dos  gestores  na  configuração  da  prática  que  se  efetiva  dentro e fora de sala de aula. Encontrar possibilidades dentro das limitações reais de uma  instituição evidencia a necessidade que os docentes possuem de ver o projeto dar certo.  Afinal, esperar as condições ideais para a concretização do que se considera ser o melhor  é adiar para um futuro incerto o que precisa ser feito.  

Ao  analisar  o  processo  de  escrita  das  matrizes,  por  meio  da  reflexão  do  professorado  assumindo‐se  corresponsável  pela  formação  do  perfil  de  aluno  é  possível 

perceber a autonomia profissional do educador como agente problematizador da prática. 

Essa  perspectiva  contribui  para  a  melhoria  da  compreensão  dos  fenômenos  que  produzem na prática e a superação da prática pedagógica implica optar por um quadro  curricular que sirva de instrumento emancipatório para o estabelecimento da autonomia  discente. 

A práxis é definida por esta reflexão constante sobre o que se pretende e o que se  faz.  É  por  meio  dela  que  se  vai,  além  disso,  buscar  uma  reorganização  do  que  se  tem  feito.  Por  ser  um  ser  de  relações,  o  homem  também  é  um  ser  do  trabalho  e  da  transformação do mundo. E são nas reflexões que ele faz sobre sua ação que se percebe  marcado por sua própria ação. Tanto o Colégio, em seus documentos escritos, quanto os  educadores que são marcados por suas concepções e práticas, nem sempre coincidentes,  formam um conjunto que atua, criando uma realidade, que pode ser problematizada ou  não,  dependendo  das  escolhas  feitas.  As  opções  relacionadas  à  prática  educativa,  problematizadas  por  meio  da  práxis,  descortinarão  a  proposta  de  aluno  que  o  Colégio 

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anuncia,  nem  sempre  percebidas  num  primeiro  olhar,  fazendo‐se  necessária  uma  observação mais meticulosa. 

Os  documentos  analisados  apresentam  uma  visão  crítica  de  currículo  e  estão  embasados  teoricamente  de  forma  a  propiciar  a  formação  do  aluno  ideal  do  Colégio  Marista. Os eixos das matrizes propõem investigação e o desenvolvimento da linguagem  de acordo com as disciplinas específicas. A valorização à investigação e à linguagem (aqui  aproximado com comunicação) como meio de apropriação dos conhecimentos possibilita  o  desenvolvimento  da  necessidade  da  pergunta  como  prática  metodológica.  A  solidariedade nas matrizes passa pela questão social, pois identifica a pesquisa científica  atrelada ao contexto sociocultural e tem como função a melhoria da vida em sociedade.   

Considerações finais... 

A ingenuidade de dicotomizar prática e teoria se dilui a partir do momento em que  se percebe que elas estão indissociadas. Teorizar sobre educação é em si mesmo olhar e  conceber  de  outra  maneira  as  próprias  ações  educativas  que  se  encontram  na  escola,  manifestadas por todos os envolvidos. Ainda mais, é a prática que alimenta e subsidia a  abertura  de  novas  formas  de  refletir  sobre  ela.  A  prática  não  é  apenas  o  lugar  da  aplicação  da  teoria,  é  muito  mais  ampla,  a  de  auxiliar  na  compreensão  dos  fenômenos  educativos. 

Mesmo  apresentando  um  trabalho  organizado  em  rede,  o  Colégio  Marista  de  Criciúma conseguiu oportunizar momentos reflexivos nos quais os professores reuniam‐ se com todos os representantes de outros colégios para problematizarem os conteúdos  propostos  para  sua  área  de  conhecimento  e  organizarem  as  matrizes  curriculares  determinando quais objetivos e indicadores comporiam os segmentos. 

A  organização  do  trabalho  pedagógico,  a  formação  do  educador,  o  estabelecimento democrático de tomada de decisões entre os profissionais da educação  possibilitam  um  avanço  nas  questões  que  angustiam  os  professores.  Problematizar  a  prática,  enfatizar  os  discursos  documentais  pode  ser  um  caminho  a  percorrer  com  os  profissionais  do  Colégio  Marista  de  Criciúma.  A  questão  escolar  primordial  no  que 

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concerne à aprendizagem é assegurar‐lhe sentido, portanto, é preciso promover práticas  educativas que garantam a apropriação do conhecimento para que possa ser utilizado no  alcance do ideal proposto. 

O  aluno  aprende  para  a  vida,  para  o  hoje,  e  não  para  ser  alguém  algum  dia.  A  simples  discussão  do  que  deve  conter  o  currículo  não  é  suficiente  para  mudarmos  as  práticas educacionais vigentes, mas a forma de refletirmos sobre isso  expressará quem  somos  e  o  que  consideramos  ser  verdadeiro,  mesmo  que  seja  por  um  tempo.  Não  há  espaços para a exclusão do diálogo, pois é por meio dele que a escola manifestará seus  problemas  e  possibilidades.  Uma  prática  curricular  que  preze  a  vida,  as  diferentes  realidades e busque dar espaço a todos abrirá horizontes para seus educandos por meio  do diálogo, das indagações e do prazer de aprender. 

Perguntar e buscar respostas, mesmo que sejam momentâneas faz parte do fazer  educativo.  E  é  nesse  viés  que  o  educador  comprometido  com  o  outro  se  constitui,  percebendo‐se  inacabado  e  construtor  de  sua  história.  Entretanto,  ele  não  se  faz  isoladamente, mas em comunhão com outros educadores que se encontram na mesma  condição. Juntos, buscam humanizar e humanizar‐se por meio do diálogo, repensando a  vida em sociedade e praticando sua vocação ontológica de ser mais.     

Referências 

FIORI, Ernani Maria. [1987] Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia  do oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 

FREIRE,  Paulo.  [1979]  Conscientização:  teoria  e  prática  da  libertação.  3.  ed.  São  Paulo:  Moraes, 1980. 

___. Cartas à Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994a.  ___ . Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994b. 

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___ . [1996] Pedagogia da autonomia. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.  ___. [1964] Educação como prática da liberdade. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.  ___. [1969]. Extensão ou comunicação? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.  FREIRE, Paulo; HORTON, Myles; BELL, Brenda; GAVENTA, John; PETERS, John Marshall. O  caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis, RJ:  Vozes, 2003.  GOUVÊA DA SILVA, Antônio Fernando. A construção do currículo na perspectiva popular 

crítica:  das  falas  significativas  às  práticas  contextualizadas.  Tese  de  Doutorado,  PUCSP, 

2004.  PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto, 2001.  ___. Escritos Curriculares. São Paulo: Cortez, 2005.  SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo. Porto Alegre: ArtMed, 2000.         

Referências

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