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Raquel Quirino Piñas Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano de São Paulo (1908-1963)

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Academic year: 2018

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Raquel Quirino Piñas

Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano

de São Paulo (1908-1963)

Mestrado em Educação

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Raquel Quirino Piñas

Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano de

São Paulo (1908-1963)

Mestrado em Educação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Educação: História, Política,

Sociedade, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Katya

Mitsuko Zuquim Braghini.

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Banca Examinadora

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_____________________________

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AGRADECIMENTOS

_______________________________________________________________ Para que as intenções de pesquisa se convertessem nesta narrativa, o apoio de muitas pessoas foi fundamental, por isso agradeço:

À Prof.ª Dr.ª Katya Braghini, por sua orientação clara e constante, e insistência amiga que me aproximaram do âmbito acadêmico. Ao Prof.º Dr.º Kazumi Munakata que acolheu o projeto e ofereceu excelentes indicações, e à Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Martins pelas contribuições valiosas.

À CAPES pela bolsa de estudos que garantiu a realização do trabalho. Aos professores do EHPS pelas aulas enriquecedoras, e à Elisabeth Adania por todo o auxílio. Aos queridos José Mauricio, Luna Bocchi, Maria Rita de Castro, Raquel D´Alexandre, Regina Maria da Silva e Talita Amâncio pelas boas conversas e indicações. Ao amigo Ricardo Pedro com quem compartilhei todas as alegrias e angústias que um mestrado propicia, e fez essa etapa mais leve e feliz.

Ao Prof. Dr. Norberto Dallabrida, Ir. Arno Lunkes e às bibliotecárias Maria de Fátima Santos (Colégio La Salle) e Gladis Schmidt (Colégio São Luís), que gentilmente disponibilizaram livros e materiais.

Ao Prof. Ascânio Sedrez, diretor do Colégio Marista Arquidiocesano, pelo apoio e entusiasmo com os acervos. A Leonir Dario Buzanello que zelou pela memória do Arqui e possibilitou que outras histórias fossem escritas. A equipe da biblioteca pelo incentivo. Aos professores da EMEF Emiliano di Cavalcanti e gestoras Priscila Kodama e Priscilla Pillegi pela compreensão. Às amigas educadoras Andressa de Castro Ancetti, Dóris Dias, Nice Beraldo e Anna Luisa de Araújo que leram e ouviram muitos trechos do texto.

Aos amigos de sempre Silvia Soldi, Ellen Pereira, João Fábio Porto, Mauricio Rodrigues, Juliana Luizetto, Natalia Ribeiro, Christian Vinci, Erico Oliveira, Tatiana Duarte, Okan Della Torre, Marilia Soares, Sidnei Souza, Elaine Beloto e Tamara Pompeu.

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RESUMO

_______________________________________________________________

O objetivo deste estudo centra-se no entendimento das práticas de premiação e punição no Colégio Arquidiocesano de São Paulo entre 1908 e 1963. A intenção da pesquisa foi compreender qual a relação entre prêmios e castigos na escola como práticas pedagógicas historicamente dadas, ações escolarizadas que estimulam um tipo de formação que é de interesse particular desta cultura escolar, além de conduta disciplinadora. A hipótese é de que os significados das premiações e punições estão relacionados, são interdependes e estimulados pela própria cultura escolar, a despeito da circulação de mitos

fundadores que apontam para a abolição do castigo dentro da “pedagogia marista”. O recorte temporal está fixado entre 1908, ano de entrada dos Irmãos Maristas na instituição e 1963, quando a principal fonte para o estudo, a Revista Echos do Collegio Archidiocesano, deixa de ser publicada, evidenciando a crise no sistema de internato e um refreamento na divulgação das recompensas no colégio. O estudo constitui-se a partir da história da educação e centra sua análise nas práticas escolares acessadas a partir dos documentos que compõem o acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, e no cotejamento de informações levantadas nos registros de outras instituições escolares. Como resultado, percebeu-se que as premiações incentivaram a competitividade tratada como qualidade da virtuosidade masculina do varão político a ser formado.

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ABSTRACT

_______________________________________________________________

This study aims to focus on the understanding of reward and punishment practices in the Archdiocesan School of São Paulo from 1908 to 1963. The intention of this research has been to understand the relation between rewards and punishments in the school as historically given teaching practices, educational actions that stimulate a type of training that is of particular interest

of this school’s culture, as well as its disciplinarian management. The

hypothesis is that the meaning of the rewards and punishments are related,

interdependent and promoted by the school’s culture itself, in spite of the circulation of origin myths that aim to abolish the punishment within the “Marist pedagogy”. The time frame is established between 1908, year in which the Marist Brothers entered the institution, and 1963, when the study’s main source,

the journal Echo by Collegio Archidiocesano, stopped being published, highlighting the crisis in the boarding school system and a containment in the

disclosure of the school’s rewards. The study starts from the history of

education and focus its analysis on the educational practices accessed through

the documents that are part of the Memorial’s collection of the Marist

Archdiocesan School of São Paulo, and by the collation of data gathered from

other schools’ archives. As a result, it was noticed that rewarding encouraged the competitiveness considered as a quality of masculine virtuosity of the political man to be formed.

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SUMÁRIO

_______________________________________________________________

INTRODUÇÃO ...pg.01

Breve histórico – Colégio Arquidiocesano de São Paulo...pg.09 Procedimentos de pesquisa...pg.15 Procedimentos de análise...pg.21

CAPÍTULO 1 – AS PREMIAÇÕES ESCOLARES NA

PEDAGOGIA MARISTA...pg.23

O Padre Marcelino Champagnat e a fundação do Instituto dos

Irmãos Maristas...pg.25 A expansão da Congregação Marista...pg.27 Chegadas dos Irmãos Maristas ao Brasil...pg.28 O Guia das Escolas Maristas...pg.32 A disciplina no Guia das Escolas Maristas...pg.36 Emulação e recompensas no Guia de Escolas Maristas...pg.38

CAPÍTULO 2 – PRÊMIOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO ...pg.46

O debate pedagógico em torno das premiações...pg.46 Os alunos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo...pg.49 As categorias de prêmios do Colégio Arquidiocesano

de São Paulo...pg.53 Prêmios de honra...pg.53 Prêmios nas disciplinas e Prêmios diversos...pg.67 As pequenas recompensas...pg.71 As premiações de honra na educação das camadas

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Declínio na divulgação dos prêmios...pg.82

CAPÍTULO 3 – CASTIGOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO...pg.84

O silêncio sobre os castigos...pg.84 O que é castigar?...pg.85 Castigos corporais e aflitivos...pg.87 Castigos morais e vexatórios...pg.92 As punições na pedagogia Marista...pg.96 Os castigos do Colégio Arquidiocesano...pg.102 O castigo dos não premiados...pg.111 Quando as revistas tornam-se instrumentos de castigar:

“molengões, palhaços, papagaios e lanterninhas”...pg.115

CONSIDERAÇÕES FINAIS...pg.120

FONTES...pg.125

REFERÊNCIAS...pg.127

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LISTA DE IMAGENS

_______________________________________________________________

Figura 1. Edifício do Colégio Arquidiocesano no bairro de Vila Mariana, 1938.

Figura 2. Edifício do Collegio Diocesano, na Av. Tiradentes, 1906.

Figura 1. Primeira comunhão dos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1916.

Figura 2. Cartão de boas notas do Grupo Escolar de Rio Claro, valendo 10 méritos de comportamento, aplicação e louvor, 1901.

Figura 3. Catalogo da empresa Les Fils D’ Émile Deyrolle, anos 20 ou 30.

Figura 4. Recordações de formatura do Dr. Carlos Ferraz Araújo e Dr. Durval Soares, antigos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1924.

Figura 5. Doutor Wenceslau Braz Pereira Gomes, 1919.

Figura 6. Monsenhor Dr. Camillo Passalacqua, 1919.

Figura 7. Snr. Paulo C. da Silveira, 1919.

Figura 8. Páginas da Revista Echos de 1910.

Figura 9. Quadro de honra de 1916. Revista Echos de 1916.

Figura 10. Sala de visitas do Colégio Arquidiocesano no bairro da Luz em 1933.

Figura 11. Hall de entrada do edifício do Colégio Arquidiocesano na Vila Mariana, 1939.

Figura 12. Cartão de Quadro de Honra mensal do aluno Adolfo Guilherme Lamberti, junho de 1941.

Figura 13. Revista Echos de 1941 homenagem ao aluno Bernardo Miéle.

Figura 14. Páginas dedicadas ao Prêmio Champagnat e Prêmio de Religião, 1947.

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Figura 16. Cartão de Posto de honra, 1o lugar em Caligrafia conquistado pelo aluno João Francisco Jardim em setembro de 1925.

Figura 17. Regulamento para as férias de 1924.

Figura 18. “Tableau d´élocution: la distribuition des prix” (Quadro de elocução:

a distribuição de prêmios), 1908.

Figura 19. Detalhe da página dedicada ao Externato Nossa Senhora do Rosário, Revista Ecos, 1953.

Figura 20. Detalhe da página dedicada ao 2a serie ginasial A, Revista Ecos de 1957.

Figura 21. Medalhas de Notas Semanais, Prêmio de Catequese, Posto de Honra, Prêmio de Religião e Prêmio de Excelência. Décadas de 1940 e 1950.

Figura 22. Palmatória utilizada para aplicar castigo na palma da mão.

Figura 23. “Tout cela est pour ton bien” (Tudo isto é para o seu bem) Paris,

1830.

Figura 24. “Scène de Classe” (Cena de aula) Chibourg, 1842.

Figura 25. Ecole Chrétienne à Versailles” (Escola Cristã de Versalhes), 1839.

Figura 26. “Um futur savant” (Um futuro cientista), 1880.

Figura 27. Placa Deus me vê.

Figura 28. Página sobre Vida em Internato, Revista Ecos de 1947.

Figura 29. Página de Quadro de honra, Revista Ecos de 1947.

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1 INTRODUÇÃO

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“Aquele que tem consciência, sofre reconhecendo o seu erro. É o castigo – independentemente das galés”

Fiodor Dostoievski, Crime e Castigo, p.168.

A consciência atormentada pelos próprios atos é para o estudante Raskólnikof seu terrível castigo. Sentimento inverso à recompensa que esperava encontrar quando subiu as escadas do edifício onde morava uma velha usuária, para matá-la a machadadas. Desejava mais do que o dinheiro e objetos penhorados para aliviar sua miséria, esperava provar sua superioridade perante os homens comuns. Ródia1 fracassa e o sofrimento pela culpa o consome. Na prisão ampara-se na compaixão de Sônia e, arrependido alcança a redenção.

Nosso imaginário esbarra nas representações sobre prêmios e castigos, constituídas num emaranhado complexo no qual se fundem narrativas de livros, os relatos de antepassados, obras do cinema e nossas recordações. Não há quem tenha passado pela experiência de escolarização sem nunca ter recebido uma punição ou uma recompensa de seus professores.

Atuando desde 2006 como historiadora no Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo foi possível tomar contato com muitas temáticas e representações do cotidiano escolar. Inicialmente, os questionamentos eram voltados para a preservação das coleções, migraram aos poucos para a necessidade de entender uma escola de outros tempos. Desejava entender como era o ensino, os materiais didáticos, os espaços e a vida dessas pessoas que aqui estiveram.

Conforme o trabalho avançava foi possível traçar um breve panorama da trajetória institucional, identificando o que tinha permanecido e se transformado. Entre esses fragmentos, despertou inquietação a expressiva

1 Ródia é o apelido carinhoso pelo qual o personagem Rodion Românovitch Raskólnikov é

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quantidade de prêmios oferecidos aos alunos, registrados em publicações e fotografias. Assim surgiram os questionamentos: Por que essa escola premiava tanto? Qual o significado das premiações escolares para a educação Marista?

Ao iniciar um estudo sobre as recompensas escolares, surgiu o seu oposto, o castigo. As sanções e os prêmios são práticas diretamente relacionadas. Pelo levantamento bibliográfico foi possível identificar os estudos sobre premiações e castigos escolares, e entender como a temática foi investigada pela historiografia da educação brasileira.

A seleção de textos priorizou estudos, contemplando o final do século XIX e início do XX, onde se mencionam prêmios e castigos escolares como traço constituidor da cultura escolar nas seguintes situações: como objeto das prescrições legais, que tratam da paulatina substituição da violência corporal a favor de estratégias de cunho moral, enquanto questão de disputa entre o campo pedagógico, a legislação da instrução e o exercício da profissão docente. As recompensas e punições escolares são definidas como dispositivos disciplinares, que deriva de uma tradição normativa, e como ritual escolar manejado no interior de uma determinada instituição de ensino.

Castanha (2009) e Lemos (2012) afirmam a falta de consenso no século XIX sobre os castigos físicos, seja entre educadores ou na legislação da instrução. A lei geral de ensino do Brasil, de 15 de outubro de 1827, estipulava as punições de acordo com o método de Lancaster, favoráveis a sanções morais, enquanto o regulamento da Província de São Paulo, de 25 de setembro de 1846, aponta a legalidade do uso da palmatória, como descreve Lemos:

(...)sempre dar preferência aos castigos morais, como os mais próprios da educação dos homens livres. Sendo necessário empregar os castigos físicos usarão os professores somente da palmatória, aplicada até uma dúzia de palmatoadas conforme a gravidade da culpa (LEMOS, 2012, p.248).

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(2005) e Fin (2008) descrevem como essa orientação foi introduzida na legislação das províncias do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso2, que previa a manutenção da disciplina com base em um sistema de prêmios e punições morais. As ações disciplinares dessa prescrição, segundo Fin (2008) atingiam mais a alma do que o corpo dos alunos.

Para Dalcin (2005) a própria separação entre punição física e moral é tênue, a violência simbólica das penas vexatórias era tão efetiva quanto a dos golpes da tradicional palmatória, e manteve o caráter doutrinário e disciplinador. Além disso, a transformação do discurso sobre as formas de penalizar, não se reverteu rapidamente em uma mudança sobre as práticas. Segundo Dalcin (2005) e Veiga (2009) o abandono dos castigos corporais ocorreu no Brasil apenas no final do século XIX, com a promoção de hábitos civilizados entre educadores e alunos.

O uso das recompensas se apresentava como alternativa disciplinar mais positiva, uma vez que incentivaria bons desempenhos e louvaria os esforços do aluno. Todavia essa estratégia também carregava certas punições. Fin (2008) e Hoeller (2011) apontam que o sistema de premiações promoveu uma cultura do exemplo e a categorização dos alunos, no qual: “(...) prêmios e castigos imprimiam à infância adjetivações e distintivos que iam de péssimo a ótimo. As premiações de alguns – que representavam o insucesso de outros – poderiam ser feitas perante toda classe” (HOELLER, 2011, p. 5).

As questões disciplinares foram alvo de disputas envolvendo as ideias pedagógicas, a legislação da instrução e os fazeres operados no interior das escolas. É o que se percebe com os trabalhos de Lima (1999) e Souza (2006) sobre a imprensa educacional paulista e mineira entre 1920 e 1960, que desestimulava o uso de castigos e recompensas, mesmo as mais simbólicas, mas esbarravam em contradições, como no seguinte trecho:

A questão das premiações é bastante sugestiva por evidenciar as apropriações contraditórias em relação à Escola Nova e à heterogeneidade de concepções que

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4 buscavam dar sustentação à modernidade escolar. Se os artigos da Revista do Ensino, órgão oficial do Estado, criticavam o uso das premiações, as legislações escolares, por sua vez, defendiam e recomendavam a utilização dos prêmios (SOUZA, 2006, 248).

Lorenset (2011) aponta o mesmo problema ao analisar o Grupo Escolar Bom Pastor (1947)3. O regulamento pregava a favor da disciplina fundada na afeição recíproca e na propagação de sentimentos de honra e dever, o que significou um redimensionamento das formas de punir e recompensar:

As provas eram medidas com notas de 0 (zero) a 100 (cem), graduadas de cinco em cinco, consta em livros de atas. Os

testes serviam para classificar os alunos em “fortes”, “médios” e “fracos”. Conforme as prescrições do Decreto nº

3.735: Art. 142. Eram considerados “fortes” os alunos que obtiverem nota de 75 a 100; “médios” os que obtiverem nota de 50 a 70; e “fracos” aqueles com nota inferior a 50 [...].

Seguia o decreto a seguinte menção em negrito: “A

classificação é para o uso exclusivo da direção e docência”

[...]. Contudo, o que se pode verificar em entrevistas com ex-alunas é que esta classificação ficava visível quando as

professoras dividiam a turma em filas “que sabiam mais” e “que sabiam menos”. Por vezes, ainda, conta Zélia

Zandavalli, esta classificação era usada pelas Irmãs e Professoras para pressionar os pais para que os filhos estudassem e se comportassem melhor (LORENSET, 2011, p.91).

A utilização da classificação dos alunos por desempenho, como critério para a organização da sala de aula e formação das turmas, demonstra a existência de outros rituais escolares que punem e recompensam, e interferiram inclusive na constituição do espaço escolar.

Parte das dificuldades em abandonar as premiações, relacionava-se também à necessidade de garantir amparo material na educação da infância pobre, conforme esclarece Souza (2006 e 2002) e Bahiense (2011). A criação das caixas escolares, nas primeiras décadas do século XX, era destinada a estimular a frequência dos alunos à escola, oferecendo prêmios

3 Estabelecimento de ensino primário misto, que atendeu os filhos das camadas médias e

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ou o mínimo de assistência para garantir a permanência das crianças desfavorecidas economicamente.

O artigo 361 do decreto nº 3.191 relaciona as atribuições e deveres da caixa escolar relativas ao fornecimento de alimento, vestuário, calçados, assistência médica, fornecimento de livro, papel e pena aos indigentes e aos mais assíduos deveria ser atribuído como forma de premiação: aquisição de livros, estojos, medalhas, brinquedos, e etc. (BAHIENSE, 2011, p.3).

A necessidade de escolarizar a infância pobre, abria exceções quanto às recompensas e também em relação às punições. Souza (2002) afirma que, apesar das críticas dos teóricos da educação, a reforma educacional mineira, entre 1920 e 1930, priorizou mais a ação disciplinadora, do que a formação intelectual na educação das camadas pobres.

Apesar de inovações no campo jurídico e intelectual, as transformações no cotidiano escolar foram sutis. A experiência do professor e a dinamicidade do trabalho em sala de aula exercem uma forte influência na definição das práticas que se mantêm ou se renovam. O discurso contrário a prêmios e castigos não se materializou no interior das escolas, e as práticas se mantiveram de forma explícita ou implícita.

A cultura escolar de estabelecimentos confessionais católicos, investigada nos estudos de Isaú (1999), Dallabrida (2001 e 2002),Tridapalli (2006) e Borges (2008) indicou a utilização de prêmios e castigos enquanto estratégias disciplinares.

Os textos de Dallabrida (2001 e 2002) apresentam as culturas escolares do Ginásio Catarinense4, fundado em 1906, e do Grupo Escolar Arquidiocesano São José, entre 1910-1930. Ambos foram dirigidos pela Companhia de Jesus, e definiram seus dispositivos disciplinares a partir da tradição expressa na Ratio Studiorum5. Contudo se o público e a missão de cada estabelecimento variava, um dedicado às elites e o outro às classes populares, o uso das recompensas e punições apresentavam objetivos

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Uma cópia do livro A Fabricação das Elites, publicação da tese, foi gentilmente cedida pelo professor Norberto Dallabrida.

5 Ratio Studiorum, regulamento para funcionamento das escolas jesuíticas foi publicado em

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similares. Desejava-se moldar a alma da juventude, produzindo subjetividades, pelo “controle do espaço, a escanção do tempo, a separação de alunos em classes e grupos, a emulação e a individualização das carreiras escolares” (DALLABRIDA, 2001, p.146). Sendo assim:

A classificação dos melhores alunos era realizada por meio de provas mensais e dos exames de final de ano, constituídos de provas escritas formuladas pela direção da escola para todas as séries. Aqueles alunos que fugissem da normalização eram punidos por meio de castigos morais tais como ficar após as aulas ou nos intervalos das aulas fazendo cópias, ficar de pé por alguns momentos durante as aulas ficar de joelhos fazendo orações (DALLABRIDA, 2002, p.3).

Seguindo a mesma linha estão os textos de Isau (1999) e Borges (2008) sobre os internatos Salesianos implantados no Brasil no início do século XX, que descrevem suas bases disciplinares a partir do “Sistema Preventivo” elaborado por Dom Bosco. A prevenção das faltas é considerada mais adequada do que o uso dos castigos, dirigidas pelo princípio de “Amorevolezza” expresso:

(...) no amor sobrenatural, misto de racionalidade e de compreensão humana, paterna e fraterna e que transforma o ambiente de educação em uma família. É a alma do sistema preventivo e reveste todo ato educativo (disciplina, correção e, até mesmo, o ato de exclusão o aluno) (ISAU, 1999, p.148).

Por esse princípio o uso das premiações era considerado legítimo para “fortificar a vontade e incentivar a prática da virtude” (ISAU, 1999, p.397). Na tradição salesiana era recomendado premiar em vez de castigar, “os prêmios eram um dos meios para incentivar os estudos, garantir um bom comportamento e promover a emulação” (BORGES, 2008, p.77). A mesma preferência pelas recompensas escolares é identificada por Tridapalli (2006) ao analisar a cultura escolar Marista no Ginásio Aurora, entre 1938-1945, constituída a partir do Guia das Escolas Maristas.

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para o projeto civilizador republicano, na qual se realizou a “invenção” do aluno e, posteriormente, a formação das camadas dirigentes.

As solenidades de encerramento do ano letivo, com a distribuição de prêmios são descritas por Souza (1998), Cabral (2002) e Cândido (2007), como ápice no qual todos os mecanismos de motivação pedagógica eram coroados. Momento de afirmação da relevância da escola:

Por isso, nada melhor para divulgar o seu trabalho e o seu prestígio do que o ar solene, grave, formal dessas festas, juntamente com o espetáculo, a encenação realizada pelos próprios alunos – sentido primeiro da existência da escola. A escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes caprichosamente ornamentado, onde os alunos-atores encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das letras da ordem, das lições morais e cívicas (...) As apresentações artísticas e musicais, os discursos, a presença de autoridades de destaque, os prêmios, como

forma de “impressionar, emocionar e convencer” (SOUZA, 1999, p.253-255).

Causar uma forte impressão, despertar sentimentos e convencer a audiência era necessário à escola, instituição recém-criada pela república, e que seria baluarte de seu ideário. Premiar colaborou na constituição de rituais escolares, que como ressalta Cândido (2007) propiciavam o aprendizado de conteúdos, normas e comportamentos, um movimento duplo no qual os valores da escola são reconhecidos pela sociedade e legitimados por esta.

A realização, ano após ano, do prêmio escolar revela a utilização de um mecanismo de emulação que enaltecia o prestígio individual, a seletividade e a distinção, aspectos percebidos por Silva (2008) com a pesquisa sobre o Ginásio Diocesano de Lages, entre 1931- 19426. A instituição que naturalizava as ideias de dons, mérito, disposições e posições sociais permeadas pelo discurso católico e nacionalista, instituía uma “cultura da recompensa e do exemplo” (SILVA, 2008, p.125).

Com base nessas leituras percebe-se que prêmios e castigos são práticas reincidentes na história das escolas, que não usufruíram de um consenso, entre os séculos XIX e XX. Percebem-se oscilações históricas,

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quanto às maneiras de aplicá-los e aos objetivos que simbolizavam. Castigos não foram sempre a mesma coisa, se no início do século XIX, as punições era centradas na violência física, no decorrer do XX converteram-se em sanções morais. As percepções em torno das premiações também variaram, sendo consideradas alternativas civilizadas aos castigos físicos, incentivadoras do bom desempenho e disciplinamento, e criticadas por promover rivalidades e interesses.

As escolas recompensaram ou castigaram seus alunos, independente do modelo pedagógico adotado, do grupo social ao qual se destinavam e da natureza do estabelecimento, público laico ou particular confessional. Apresentam diferenças de acordo com a filosofia da escola, mas têm um eixo em comum, fazem parte da cultura da escola, ora buscando a disciplina e o controle corporal, ora o desenvolvimento intelectual.

Os trabalhos citados concebem as recompensas e punições escolares principalmente como estratégias disciplinares, para moldar condutas, corpos e mentalidades. Sem dúvida essa dimensão existe e foi amplamente abordada a partir das formulações de Foucault (1983). A discussão do aspecto disciplinador das recompensas e punições mostra-se importante, uma vez que envolvem as relações de poder, o controle do tempo e espaço, a vigilância dos indivíduos, a autoregulação de condutas, a educação da vontade, a docilização dos corpos e o aumento de sua produtividade. A investigação também considerou que prêmios e castigos foram acionados no interior das escolas para a realização de seus propósitos pedagógicos, na maneira como estimularam determinados comportamentos, promoveram habilidades e saberes, formaram personalidades em valores morais, coerentes com os anseios sociais e destinos que são atribuídos a indivíduos de determinadas camadas.

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para o uso moderado das punições. Como essas orientações se concretizaram dentro de uma de suas escolas?

A dissertação apresenta um estudo sobre os fazeres rituais do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, um estabelecimento católico que atendia exclusivamente o público masculino em regime de internato. O objetivo é identificar permanências, rupturas e transformações das formas de punir e recompensar, promovidas ao longo de seis décadas, e a relação destas com a cultura de seu período. Orientada pelas seguintes perguntas: Qual a importância das práticas de premiar e castigar no entendimento da cultura escolar? De que forma prêmios e castigos foram manejados no Colégio Arquidiocesano de São Paulo? Quais os seus objetivos disciplinares e pedagógicos perante o conjunto das práticas e saberes que a instituição promovia? Que significado estas tinham para os alunos, educadores e familiares?

A memória construída sobre a educação Marista apresenta um mito de aversão aos castigos e preferência pelas premiações, interpretação que decorre da leitura de obras que dentro da comunidade apresentam-se como documentos-monumentos. O estudo da documentação escolar do Colégio Arquidiocesano e do Guia Marista das Escolas apontou uma dinâmica mais complexa na qual, mesmo diante da fundamentação pedagógica, os prêmios não eliminaram as punições, e estas se mostraram muito bem estabelecidas nas práticas cotidianas da comunidade escolar.

Breve histórico – Colégio Arquidiocesano de São Paulo

A origem do Colégio Arquidiocesano de São Paulo7 relaciona-se à fundação em 1856 do Seminário Episcopal da Capital8, primeira instituição dedicada à formação de quadros religiosos para a Igreja Católica na cidade,

7 Fundado em 1858 o Collegio Diocesano de São Paulo, em anexo ao Seminário Episcopal

da cidade, foi administrado por freis capuchinhos de Savóia e padres diocesanos durante 50 anos. Em 1908 com a elevação da diocese de São Paulo à arquidiocese, passa a ser chamado Collegio Archidiocesano de São Paulo, sendo nesse ano assumido pelo Instituto dos Irmãos Maristas, de origem francesa. O nome Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo foi adotado a partir de 1994 demonstrando a estratégia de integração das escolas da Rede Marista de Ensino. O colégio é carinhosamente chamado Arqui pela sua comunidade.

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por iniciativa do bispo D. Joaquim Antônio de Melo, responsável pela reforma clerical paulista no século XIX.

Segundo Martins (2006) a criação do Seminário contemplaria duas necessidades destacada pelo bispo, imprimir na conduta clerical concepções moralizadoras e éticas, e garantir a formação educacional das classes dominantes em um modelo tradicional católico conforme os interesses da monarquia (MARTINS, 2006, p. 128 e 138-139). O sistema de internato foi adotado por ser considerado o mais eficaz para a propagação de uma disciplina moral e ética, regime adotado desde os conventos medievais.

A construção do Seminário no bairro da Luz, mais precisamente na Av. Tiradentes, foi estratégica. Ao longo do século XIX o bairro se destacou como centro de negócios e circulação, no qual instituições públicas e religiosas estavam instaladas, por isso:

A presença da instituição educativa no trajeto comercial dos fazendeiros e comerciantes poderia atrai-los no que tange à educação dos seus filhos, considerando-se que a educação apresentava-se cada vez mais eficaz às garantias de atuação política, simbolizando para os pais a posição privilegiada do filho na sociedade em expansão (MARTINS, 2006, pg. 163-164).

Inaugurado em 9 de novembro de 1856, o Seminário Episcopal de São Paulo, dividia-se em duas categorias, o Seminário Maior dedicado à formação sacerdotal, e o Seminário Menor destinado à instrução de leigos, oferecendo o ensino secundário. Para Martins (2006) a ausência de escolas públicas e particulares, valorização do ensino para ascensão social e a obrigatoriedade de preparatórios para ingresso em curso superior, contribuíram para o desenvolvimento do Seminário Menor (MARTINS, p.190-191), dando origem ao Collegio Diocesano.

A Polyanthea (1906), publicação comemorativa do 1º quinquagenário da fundação do Seminário Episcopal, atribui outra questão à criação do Collegio Diocesano em 1858:

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11 educação do clero resolvera dividi-lo em duas secções: uma de preparatórios para todas as classes sociaes e outra somente para os alumnos do sanctuario que estivessem no curso superior (POLYANTHEA, 1906, p.130).

A procura pelos cursos parcelados do Collegio Diocesano garantia os recursos necessários à manutenção do Seminário Maior e a formação básica necessária aos aspirantes à carreira eclesiástica.

Os Capuchinhos de Savóia, congregação de origem francesa, chegaram à Província de São Paulo para atuar no Seminário por ordem do Sumo Pontífice (MARTINS, 2006, p.173). Entre os religiosos que compunham o primeiro grupo destacavam-se Frei Eugênio de Rumilly (reitor), Frei Firmino de Centelhas (vice-reitor) e Frei Germano D’Annecy (professor de álgebra, geometria e física), personalidade reconhecida no meio cientifico da época, como proeminente matemático e astrônomo.

A congregação atuou no Seminário e Collegio Diocesano de 1856 a 1878, ano da transferência desses religiosos para a cidade de Franca no interior do estado de São Paulo. Com a saída dos capuchinhos, Seminário e Colégio foram administrados pelos padres diocesanos de 1879 a 1907. O cargo de reitor foi ocupado pelo Cônego João Alves de 1879 a 1890, período em que atuaram como professores alguns dos primeiros religiosos formados pelo Seminário, como o arcediago Dr. Francisco de Paula Rodrigues e o Cônego Ezequias Galvão Fontoura. O novo corpo docente, diferente dos antecessores, não vivia em comunidade como internos na instituição, e acumulava as atividades de ensino com as funções religiosas.

No ano de 1904 o bispo D. José de Camargo Barros dividiu o Seminário em três instituições independentes: Collegio Diocesano, Seminário Menor, transferido para a cidade de Pirapora, no interior paulista, e Seminário Maior, que permaneceu na capital (POLYANTHEA, 1906, p.136). No mesmo ano o Instituto dos Irmãos Maristas recebeu o primeiro convite do bispo para administrar o Collegio Diocesano, proposta recusada pelo Ir. Adorátor em razão do reduzido número de religiosos atuando no país.

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São Paulo, assumindo a administração do Collegio Nossa Senhora do Carmo, instituição pertencente à Ordem Terceira do Carmo, e fundaram em 1902 o Collegio Nossa Senhora da Glória.

D. Duarte Leopoldo e Silva, nomeado bispo de São Paulo em 1907, renova o pedido à congregação Marista sobre o Diocesano. No dia 21 de janeiro de 1908 é assinado o contrato entre a diocese de São Paulo e o vice provincial Marista, Ir. Adorátor (anexo 1). O Instituto dos Irmãos assumiu o Collegio Archidiocesano de São Paulo9, tendo em sua direção o Ir. Isidoro Dumont.

Em carta endereçada ao arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva, o primeiro reitor Marista, saúda a elevação da diocese de São Paulo à arquidiocese e descreve a entrada dos primeiros irmãos professores na instituição, como lemos no seguinte trecho:

(...) Ao mesmo tempo venho dar-lhes uma breves notícias do Collegio Diocesano, cuja direção teve a bondade de nos confiar.

Entramos no dia 17 de fevereiro; uns sessenta meninos dormiram no Collegio na 1ª noite; o número deles subiu pouco a pouco até 160; o máximo deste ano será provavelmente de 170 a 180 presentes. Logo no 1º dia notamos muito respeito, uma grande submissão por parte de todos, grandes e pequenos, para com os professores. Passamos um mez interno sem dar nem uma reprehensão. Seja qual for a causa de tao bom procedimento, auxiliou-nos muito para ganharmos a afeição dos alumnos, dando-nos os meios de prodigalizar-lhes louvores merecidos, tratal-os com benevolência e mostrarmo-nos paes, mães, antes do que mestres (CARTA DE ISIDORO DUMONT, 23 de março de 1908, p.1 - 2) (Anexo 2)

A carta de Ir. Isidoro cita uma boa acolhida dos alunos, todavia Azzi (1997) relata problemas no início da atuação dos Irmãos, uma vez que:

A mudança foi bastante sentida pelos antigos alunos do colégio, habituados a um regime escolar de maior liberdade. Com a vinda dos maristas, foi implantada uma disciplina bastante rígida, e os alunos obrigados a um ritmo mais intenso de estudos. Por isso não faltam reações de inconformismo nos primeiros anos por parte dos veteranos. Mas a firmeza dos religiosos franceses tornou-os

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13 rapidamente senhores da situação, e os jovens acabaram amoldando-se ao novo padrão educacional, sobretudo após a expulsão de alguns mais rebeldes (AZZI, 1997, p.151).

Nos dois primeiros anos os Irmãos Maristas dirigiram o estabelecimento de ensino pertencente à diocese, que em 1910 foi definitivamente transferido para a congregação. De acordo com Azzi (1997) entre 1908 e 1917 o colégio recebeu cerca de 250 alunos internos.

No ano de 1929 teve início a construção de uma nova sede em terreno adquirido no bairro de Vila Mariana, pela União Brasileira de Educação e Ensino, grupo pertencente à Província Marista do Brasil Central. O projeto elaborado pelo escritório de Álvaro Salles de Oliveira, baseava-se nas prescrições legais e o que se concebia como mais sofisticado em arquitetura escolar. O imponente edifício, com 12 mil m2 de área construída, foi inaugurado no dia 25 de janeiro de 1935, na presença de autoridades civis e religiosas, sendo abençoado pelo arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva.

Pelas plantas arquitetônicas, fotografias e o atual edifício em pleno funcionamento, percebe-se a magnitude do conjunto. Com capacidade para até 500 alunos internos a edificação é constituída em quatro pavimentos, com amplas salas de aula, laboratórios bem equipados, museu escolar, quatro campos de futebol e aparelhos esportivos, biblioteca, salão nobre, enfermaria, dormitórios, e uma capela ricamente decorada com mármore colorido e 13 vitrais vindos da França. Interligado por galerias duplas apresenta-se um segundo edifício que completava as dependências com cozinha, seis refeitórios e as instalações para os empregados.

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Figura 1. Edifício do Colégio Arquidiocesano no bairro de Vila Mariana, 1938. Fonte: Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

Nos seus registros os Irmãos Maristas destacavam o Colégio Arquidiocesano em relação aos demais estabelecimentos mantidos pela congregação. A estrutura monumental do edifício e o público seleto que este internato masculino recebia eram considerados modelo para a execução perfeita de sua missão educacional. Os Irmãos professores dedicaram especial atenção na educação destes alunos, empregando premiações e castigos como parte de suas práticas pedagógicas. Desejava-se formar indivíduos distintos socialmente e caracterizar o ensino ofertado como excelente.

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leitura revelou a existência de um sistema de premiações coerente com o Guia de Escolas Maristas e a legislação em voga10.

O ano de fechamento do trabalho recai em 1963 e, com o fim da revista Echos, a divulgação das premiações foi refreada. Esse fato não significa que os prêmios escolares deixaram de ser ofertados, na memória dos antigos alunos e em outros registros da instituição, percebe-se a permanência dessa prática até meados da década de 80. Entretanto, o encerramento do periódico, principal meio divulgador do cotidiano escolar, é indício de transformações de ordem pedagógica e social que levaram ao fim regime de internato, em 1968.

Procedimentos de pesquisa

A escola enquanto construção histórica foi moldada por conflitos, negociações, relações de poder e dominação. Ao longo do tempo suas práticas sofreram alterações o que torna necessário compreender sua gênese e desenvolvimento, determinados por circunstâncias e fenômenos sociais (VIÑAO FRAGO, 2008, p.33-37). Por isso esse estudo tem por referências os seguintes autores, interessantes ao entendimento de como a premiação e o castigo podem ser entendidos dentro do universo de negociações históricas que lhes deram significados: Pineau (2008), Viñao Frago (2008), Hamilton (2001) e Vincent, Lahire e Thin (2001).

A existência do castigo, emulação e premiação mostra-se tão antiga quanto a origem da escolarização, e dessa maneira como parte da cultura escolar, é fenômeno histórico de longa duração, interessante de ser estudado. Adotando Julia (2001, p.10-11), conceber essas ações como parte da cultura escolar significa considerar as tensões e conflitos que envolveram a concretização dessas estratégias no interior da escola.

Por cultura escolar compreendemos como é apresentada por Viñao Frago (2008, p. 22), um compartilhamento de ações regulares que são

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A utilização de recompensas e castigos para a manutenção da disciplina nos colégios Maristas foi regulamentada pelo Guia das escolas para uso nas casas dos Pequenos Irmãos de Maria de 1853. A Reforma Benjamin Constant (1890) determina para o Ginásio Nacional, em seu Art. 47, a distribuição de prêmios aos alunos mais distintos nos exames e a

constituição de um “Pantheon” no qual serão fixados os seus retratos em local de destaque.

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sedimentadas ao longo do tempo em teorias, ideias, normas, pautas, rituais, inércias e práticas. Para o autor a cultura escolar reside nos aspectos naturalizados da escola: “se trata de práticas que se dão por assentadas, que se considera que são aquelas que devem ter as escolas, que não se questionam, e cuja existência às vezes nem sequer se repara” (VIÑAO FRAGO, 2008, p.20).

A cultura escolar, apesar de determinada pelos contextos sociais, econômicos e políticos, goza de autonomia para criar suas formas de fazer e pensar e constituir uma sociedade escolarizada. Ao elaborar a pesquisa com ênfase no seu estudo, pretendeu-se compreender os aspectos internos da escola, conforme definido por Pineau (2008, p.93-98), instituição modeladora dos indivíduos, legitimadora de modelos sociais, implicada com a ideia de Progresso, pensada como instância de repressão e de liberação de sujeitos que têm de pertencer à sociedade.

Sobre as fontes selecionadas Viñao Frago (2008, p.29-31) defende que a cultura escolar não reside apenas nos modos de fazer e pensar, na organização, rituais e representação de uma instituição escolar, mas também em seus aspectos materiais, presentes na disposição e usos dos espaços e tempos; nos objetos de uso corriqueiro; nos materiais didáticos e nos itens produzidos pela instituição entre fotografias, prospectos e peças publicitárias.

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acervo, estes foram organizados dentro de outras lógicas e ganharam novos significados.

Considerou-se também pertinente a consulta às normativas, publicações educacionais, imagens e documentos da instrução pública, contemporâneas ao recorte cronológico, ou mais recuadas no tempo. Essas fontes foram pontualmente cotejadas com os documentos referentes ao Colégio Arquidiocesano de São Paulo, para a localização de suas práticas e orientações em um contexto educacional mais amplo.

Esta pesquisa priorizou o acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, eleito como essencial ao trabalho. As comemorações do sesquicentenário do colégio, e centenário da presença Marista em 2008, incentivaram um projeto dedicado à salvaguarda da memória escolar, a partir das fontes documentais.

A constituição do Memorial originou-se das demandas de sua comunidade escolar, por isso a reconstrução da trajetória da instituição definiu-se pela expectativa em torno de itens que ela elegeu como de importância histórica. Os resultados das primeiras ações (pesquisa histórica e cronologia inicial, documentação organizada e acessível) foram alvos de usos e apropriações.

Implantado em 2007, o Memorial tornou-se parte integrante da Biblioteca Santo Tomás de Aquino, e com isso foram traçadas suas linhas de atuação que tomaram por base três objetivos principais: preservar e oferecer documentação à pesquisa, fazer uso do acervo como instrumento pedagógico para atividades educativas e culturais e salvaguardar itens que estão fisicamente integrados ao cotidiano escolar.

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A leitura dos documentos selecionados considerou que são itens produzidos no interior de uma instituição no qual o Padre Marcelino Champagnat, fundador da Congregação Marista, é santo11. Todos os textos que se referem a ele, ao Instituto dos Irmãos Maristas e sua missão educativa evangelizadora revestem-se de uma áurea mítica, podendo ser enquadrados no que Le Goff (2006) classificava como documentos-monumentos, e estes nunca são neutros, são construções, conscientes ou não, dos períodos e sociedades que os produziram, e passaram por alterações no decorrer de épocas. Este é o caso dos documentos do Colégio Arquidiocesano, que foram alvo de reincidentes apropriações pela comunidade escolar na elaboração de memórias para suas efemérides, como por exemplo, o sesquicentenário da instituição, o centenário da presença Marista e os setenta anos da sede na Vila Mariana, entre outras data celebradas.

Cabe ao historiador não tomá-los como prova irrefutável do passado, mas sim compreender os interesses e disputas na constituição daquele registro, assim como sua transformação em fonte. Dentre os documentos recolhidos para a investigação sobre “prêmios” e “castigos”, foram analisados principalmente a normativa marista, as revistas institucionais, fotografias e materialidades.

O Guide des Écoles ou Guia das Escolas Maristas, publicado originalmente em 1853, reúne as diretrizes para o funcionamento das casas de educação sob os cuidados dos Irmãos Maristas, contemplando métodos de ensino, de disciplina, formação religiosa e a preparação dos jovens Irmãos. O estudo sobre essa normativa foi definido pela importância para a obra Marista, considerado primordial desde sua primeira publicação até o ano de 1960, quando o Concílio Vaticano II estabeleceu novas orientações para a educação da juventude. A obra é composta por três partes, tendo a leitura se

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concentrado na primeira, sobre organização e disciplina escolar e na última, dedicada ao uso da emulação.

A Revista Echos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo (1908-1963), editada anualmente, foi eleita a principal fonte para esse estudo, tendo sido consultados os 54 exemplares publicados durante sua duração.12 Este periódico institucional, destaca-se no conjunto de fontes que compõem o acervo do Memorial, tanto por sua longa duração, como pelo seu conteúdo, descrevendo os fatos mais marcantes do ano letivo, como uma “prestação de contas” às famílias, distantes geograficamente em razão do regime de internato. Os exemplares também circulavam entre alunos, antigos alunos, autoridades políticas e religiosas como forma de promover a instituição no cenário educacional paulista como exemplo de excelência intelectual no ensino. A revista também colaborou na propagação dos valores associados à formação do “caráter”, “solidez moral”, como inatos à educação Católica, e elegendo condutas a serem endossadas pela família.

Desde o primeiro número os exemplares apresentam refinado projeto gráfico, ricamente ilustrado com fotografias, não tão comuns para revistas educacionais do período, impressões douradas e delicados trabalhos de ornamentação. Nas páginas dedicadas à descrição do cotidiano escolar percebem-se: o direcionamento estatal dado à educação, a relação entre o pensamento dos membros religiosos do colégio e as determinações laicas, governamentais, as inovações do pensamento educacional, a discussão em torno da ciência e da fé e os comportamentos adequados para a juventude católica. A publicação propagava o modelo de estudante que se desejava: “bons cristãos e virtuosos cidadãos”.

A pesquisa priorizou a leitura das seguintes seções e temas: Pantheon das melhores notas; quadros de honra; prêmios Champagnat, melhores notas, religião, Carlos Reis; galeria ilustre; alunos que realizaram trabalhos de férias; de honra em notas e procedimentos; alunos participantes da maratona intelectual; notas e exames; discursos de formatura;

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recordações de antigos alunos, resumo do ano letivo; vida escolar; palavras de alunos e professores; orientações para atividades nas férias; palavras do Irmão Reitor.

A Revista O Arquidiocesano (1952 e 1961)13, surge inicialmente como publicação bimestral do Grêmio Estudantil Arquidiocesano, e no ano de 1953 tornou-se boletim oficial do Colégio Arquidiocesano. Destaca-se pela divulgação de textos e atividades de alunos, evidentemente sob supervisão dos irmãos professores e coerente com os valores da filosofia Marista. A investigação centrou-se nas seções dedicadas aos prêmios, quadros de honra parcial, melhores nota e melhores médias, notas sobre a vida escolar, entrevistas com antigos alunos, seção humorística e alguns textos produzidos por alunos que fazem menção às premiações e castigos.

As fotografias escolares, datadas de 1908 a 1962, foram produzidas majoritariamente para a Revista Echos, contudo a observação desses originais relevou detalhes ocultos na impressão e algumas imagens desconhecidas. Os registros fotográficos ocuparam um papel de destaque nas ações de implantação do Memorial. Para a comunidade escolar, detentora da memória a ser preservada, a imagem não é somente registro, mas também “comprovação” literal e inquestionável de seu passado.

As fotografias selecionadas para a pesquisa referem-se a: prêmios oferecidos, festividades de formatura, solenidades de entrega de medalhas, registros do quadro de honra, e recordações de antigos alunos. Essas últimas foram muito vinculadas nos dois periódicos, uma vez que a trajetória e posição social dos antigos alunos eram divulgadas pelo Colégio Arquidiocesano como maneira de afirmar-se enquanto instituição de formação dos homens dirigentes da nação.

A quantidade expressiva de registros fotográficos sobre premiações é um dado relevante, como nos esclarece Leite (1988), pois nem todos os momentos da vida eram dignos de serem retratados, somente os cuidadosamente selecionados que refletiam, mesmo que em traços muito

13 A Revista O Arquidiocesano era publicada bimestralmente em quatro edições anuais,

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tênues para nosso olhar, as relações, posicionamentos e ideais de um determinado grupo.

Os boletins, cartões de quadros de honra e medalhas, datados dos anos 30 aos anos 60, foram pontualmente cotejados com as demais fontes, pois explicitam que as formas de premiar constituíram-se também em materialidade ofertada pelo colégio aos alunos, como símbolos de vitória, a exemplo do que esclarecem Souza e Fiscarelli (2007). É importante ressaltar que muitos desses artefatos não estavam presentes no colégio, visto que eram ofertados aos alunos vencedores do quadro de honra e prêmios Champagnat, honra ao mérito, excelência e catecismo. Chegaram ao Memorial como doações de antigos alunos e seus familiares, como forma de marcar para a posteridade suas trajetórias individuais, e estão impregnados por memórias.

Procedimentos de análise

Quanto aos procedimentos de leitura, adotou-se o indicado por Ginzburg (2002) com base no exame dos pormenores e gestos corriqueiros, interpretando os dados marginais, em atitude de decifração, a análise, comparação e categorização dos indícios pontuais para o entendimento de aspectos essenciais e a constituição histórica das realidades complexas (GINZBURG, 2002, p.153). Sobre os castigos são raras as materialidades e imagens, e pouco se explica sobre a sua necessidade ou uso nos registros escolares. Por este motivo, a investigação recaiu principalmente sobre as publicações e teve que ser buscada de forma sutil.

Com base nas orientações de Julia (2001, p. 15) tentou-se evitar o equívoco que considera a escola em dois extremos, instituição imutável ou de absoluta inovação, pela identificação das sensíveis transformações que ocorrem no seu funcionamento interno, em meio às permanências aparentemente estáticas. A leitura dos documentos priorizou o entendimento das práticas existentes na escola, o funcionamento do sistema de premiações e as estratégias de punição articuladas em seu cotidiano.

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apresentam posições e objetivos distintos. Além de manejadas para impor disciplina, foram utilizadas no Colégio Arquidiocesano com propósitos pedagógicos. Identificou-se também um desequilíbrio nos usos, era preferível recompensar em vez de castigar.

O texto foi organizado em três capítulos. O primeiro aborda as premiações dentro das prescrições Maristas, situando-as como traço de sua escolarização e história. Para isso, centrou-se no estudo da tradução do Guia de Escola Marista, em suas seções dedicadas à emulação e às recompensas escolares, cotejadas com normativas, de períodos mais recusados, e os debates promovidos pelo campo pedagógico entre o final do século XIX e início do XX.

A segunda parte dedica-se ao estudo das premiações oferecidas pelo Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Amparando-se nas publicações institucionais, os principais prêmios são descritos nos seus critérios e objetivos visando o entendimento de uma instrução para a erudição e o catolicismo. A materialidade que os envolve, seja em medalhas ou cartões de quadro de honra, é apresentada como símbolo de vitória e sucesso. Buscou-se também o significado dessas distinções promovidas em uma instituição dedicada à educação dos futuros homens dirigentes da nação.

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23 CAPÍTULO 1 AS PREMIAÇÕES ESCOLARES NA

PEDAGOGIA MARISTA

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Percebe-se que prêmios e castigos se mantiveram por todo o período que se denomina “Escolarização moderna”, mas passando por mudanças em seus critérios, usos e representações.

Pineau (2008, p.84), Viñao Frago (2008, p.37) e Hamilton (2001, p.51) definem a escolarização como processo originado com as instituições surgidas a partir do século XVI, uma das maiores invenções da modernidade, e ao mesmo tempo, a responsável pelo seu triunfo: “A Modernidade ancorou -se na escola e a escola ocupou-se da modernização” (PINEAU, 2008, p.85). Para Vincent, Lahire e Thin (2001) indica o surgimento de uma forma escolar: “A escola como instituição na qual se fazem presentes formas de relações sociais baseadas em um enorme trabalho de objetivação e codificação, e o lugar de aprendizagem das formas de exercício do poder” (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001, p.30), presente nas normativas que regulam as relações entre os sujeitos. Dessa forma tanto castigos como premiações, apresentavam-se como expressões de um código, que permaneceu apesar da mudança nas regras.

Parte considerável da bibliografia sobre prêmios e castigos associa a utilização das recompensas como alternativa disciplinar mediante a proibição das punições corporais nas escolas. Entretanto, uma prática não substituiu a outra, pelo contrário, por muito tempo as duas modalidades coexistiram.

É o que se percebe na leitura das primeiras normativas para instituições educacionais católicas, caso, por exemplo, da Ratio Studiorum14, elaborada em 1599 pelos padres jesuítas e da Conduite des Ecoles Chretiennes15 de João Baptiste de La Salle datada de 1720. Nesses dois

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Para esse estudo foi utilizada a tradução em espanhol do texto original da Ratio Studiorum de 1599, feita por Gustavo Amigó e revisada por Dr. Daniel Alvarez, S.J. O texto em pdf

encontra-se disponível no site:

http://www.danielpallarola.com.ar/archivos/ratiostudiorun1599.pdf. acesso 10/05/2013.

15 Traduzido como Guia das Escolas Cristãs, segundo o prefácio, foi inicialmente manuscrito

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textos o uso de castigos físicos e morais, assim como das recompensas escolares são detalhadamente prescritos, sem que o uso de um seja apontado em substituição a outro.

Segundo Laeng (1978) recompensar é qualquer consequência agradável a um ato realizado, com função motivacional. Em sentido pedagógico é digno de recompensa ou ato meritório, desempenhar uma ação ou comportamento, livremente escolhido, que o faça sobressair aos demais, tornando-o merecedor de honras. O ato de recompensar é o reconhecimento que provém da vontade da autoridade educativa (LAENG, 1978, p.241). A pesquisa não diferencia semanticamente o que é recompensar e premiar, mas adota a palavra prêmio para o reconhecimento expresso em titulo e materialidades.

A passagem do século XVIII para XIX na França é marcada por processos revolucionários, que resultam na ascensão da burguesia ao poder, a expansão do conceito de cidadania e transformação dos direitos individuais. Foucault (1983) descreve a transição operada nesse período, no qual as formas de punição centradas no corpo foram paulatinamente substituídas pelo controle e vigilância dos indivíduos, dando origem a uma sociedade disciplinar.

No decorrer do século XIX os movimentos de restauração das monarquias na Europa, estenderam-se para a Igreja que objetivava reaver o poder perdido em virtude da laicização promovida durante o processo revolucionário francês. Dallabrida (2001) afirma que desse catolicismo restaurado emergiram novas congregações religiosas masculinas, pautadas em discursos pedagógicos com fortes princípios disciplinares, caso dos Salesianos e seu Sistema preventivo, e dos Irmãos Maristas com o Guia das Escolas (DALLABRIDA, 2001, p.151).

Foi neste contexto que se concretizou a atuação do Padre Marcelino Champagnat, fundador da Congregação Marista, responsável pela administração do Colégio Arquidiocesano de São Paulo desde 1908 até a presente data. A principal normativa da congregação, o Guia das Escolas

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Maristas, apresenta como prêmios e castigos foram prescritos e possivelmente aplicados em seus estabelecimentos de ensino.

O Padre Marcelino Champagnat e a fundação do Instituto dos Irmãos Maristas

Joseph Benoit Marcellin Champagnat16 nasceu no dia 20 de maio de 1789 em Marlhes na França. Filho de uma família de agricultores extremamente católica recebeu de sua mãe e tia os primeiros ensinamentos nas letras e na religião. Durante a juventude recebe a visita de um padre em busca de vocações para o clero, desestruturado após o processo revolucionário francês. Apesar de ter abandonado precocemente a escola, e ser praticamente analfabeto, o jovem Marcelino aceita a carreira sacerdotal.

No ano de 1805 Champagnat ingressa no Seminário Menor em Verrières, enfrenta dificuldades, mas, conclui os primeiros estudos. Continua sua formação no Seminário Maior em Lyon, no qual se ordenou em 1816. No mesmo ano o Padre Marcelino Champagnat tornou-se vigário da paróquia de La Valla, na qual tomou contato com a carência religiosa e intelectual das crianças. É por meio dessa experiência que pôs em andamento o plano de fundar uma sociedade de Irmãos reunida na devoção à Virgem Maria.

Esse episódio marca o início da história do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas17, no ano de 1817. A constituição de uma sociedade de Irmãos e não de Padres, expressa a preocupação do fundador em ter religiosos totalmente desobrigados da ministração dos sacramentos, e assim integralmente dedicados ao trabalho missionário.

Nas palavras do Padre Marcelino Champagnat percebe-se a quem se destinava a obra e a influência recebida dos lassalistas: “... senti a urgente necessidade de fundar uma Sociedade que pudesse, com poucos gastos, proporcionar às zonas rurais o ensino que os Irmãos das Escolas Cristãs ministravam nas cidades” (MISSÃO, 2000, p.97). O Instituto dos Irmãos

16 Existem divergências sobre a tradução do nome do pai fundador da congregação Marista.

Em algumas obras é citado o nome José Bento Marcelino Champagnat, em outras Marcelino José Bento Champagnat.

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Maristas surge com seu “carisma” 18, sua missão essencial, dedicado exclusivamente à educação, sendo o objetivo principal a instrução e evangelização da infância pobre e camponesa, posteriormente alargada a todos os grupos sociais.

A trajetória de Marcelino Champagnat foi escrita em biografias como mito no qual se fundamentam os pressupostos da missão dos Irmãos Maristas, pautada na pedagogia da presença19. Uma delas relaciona-se às regras disciplinares nas escolas mantidas pelos Irmãos Maristas, justificadas pela negativa experiência de escolarização vivenciada pelo fundador, e expressa nas seguintes memórias captadas pelo seu biógrafo:

No primeiro dia de aula, como era tímido, e não ousava sair do lugar, o mestre o chamou junto a si para a leitura, mas outro aluno apresentou-se e postou-se à frente de Marcelino. O mestre, tomado de nervosismo, pensando talvez em agradar ao jovem Marcelino, deu uma bofetada no rapaz que se adiantara e o mandou chorando para o fundo da sala. Tal atitude não era de molde a tranquilizar o novo aluno, menos ainda levá-lo a curar sua timidez. Ele diria mais tarde que tremia todo e tinha mais vontade de chorar do que ler. Essa brutalidade revoltou-lhe o espírito de justiça. Pensou consigo: não volto à escola de tal mestre. (...) Não me interessam, pois, nem suas lições e menos ainda seus castigos. De fato, apesar das insistências dos pais não quis mais voltar a estudar com aquele professor (FURET, 1999, p.5).

O Ir. Jean Baptiste Furet ao relatar esse fato, na obra Vida de São Marcelino José Bento Champagnat, publicado originalmente em 1856, recorda que tal incidente foi muitas vezes narrado pelo pai fundador, como forma de alertá-los sobre como “as correções intempestivas podem afastar as crianças da escola, indispô-las contra os professores e levá-las a detestar as lições” (FURET, 1999, p.5). O fato narrado estabeleceu-se como mito

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Na teologia católica abrange três sentidos: todo dom da graça com os frutos que produz no homem; uma graça transmitida pela imposição das mãos; e a graça livremente concedida pelo Espírito Santo em vista do bem comum e da Igreja. A estrutura fundamental da Igreja é o carisma. Na Igreja dão-se conta também de estados carismáticos, como o de Apóstolo, Profeta, Mestre, Evangelista e Pastor (Porto e Schlesinger, 1995, p.152).

19 Na publicação Missão Educativa Marista aparece o conceito de Pedagogia da Presença, o

“jeito de educar” segundo as palavras de Marcelino Champagnat, nas quais a presença

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fundador da atuação dos Irmãos que deveriam educar sem fazer uso dos castigos corporais e evitar outras punições, estabelecendo uma relação de afeição recíproca e utilizando recursos mais atrativos, como as premiações, para garantir adesão ao seu modelo escolar.

A preocupação em manter as crianças assíduas à escola, obedientes a seus mestres, e empenhadas em suas atividades e deveres, estavam além do esforço pela educação intelectual, eram maneiras de difundir a missão evangelizadora Marista: “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado”.

Em La Valla foi fundada a primeira escola em 1817, acolhendo crianças pobres, gratuitamente ou mediante pequena contribuição, segundo a documentação pesquisada. O Padre Champagnat insistia na formação de Irmãos para a instrução no meio rural. Nos anos seguintes foram fundados casas de educação em Marlhes, Saint-Sauveur e Tarentaise. Mello (1996, p.51) descreve o currículo do curso primário: instrução religiosa, ensino de leitura, elementos da gramática francesa, cálculo, desenho linear, sistema legal de pesos e medidas, elementos da Geometria, canto e elementos de História e Geografia.

Com a expansão das escolas nas regiões rurais, surgem os convites de outras dioceses para que os Irmãos atuassem também nas grandes cidades, assim surgem escolas em Bourg Argental e Lyon. Em 1824 é erguida a casa sede da congregação Notre Dame de L’Hermitage. A missão de difundir o carisma Marista resultou na expansão de suas obras. No ano de 1840 quando faleceu o padre Champagnat, aos 51 anos, deixava 280 irmãos maristas e 47 escolas primárias em funcionamento que atendiam cerca de 7 mil crianças na França.

A expansão da Congregação Marista.

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América tem início com a chegada ao Canadá (1885), Estados Unidos (1886), Brasil (1897), Colômbia e México (1899), Cuba e Argentina (1903).20

Para a autora a expansão Marista se relaciona a três questões contextualizadas no decorrer do século XIX. O movimento ultramontano europeu, no qual a Igreja incentivou o deslocamento de ordens religiosas para diversos países, como forma de combater o protestantismo e demais credos, e impor um catolicismo mais erudito e centrado nas designações da Santa Sé (MELLO, 1996, p.65).

A política imperialista francesa, empreendida na Ásia e África, foi outro ponto relevante. Os Irmãos teriam recebido apoio nesses territórios, de outras sociedades missionárias e do próprio governo, que acabaram por garantir sua permanência e atuação (MELLO, 1996, p. 60 e 89). O Estado francês havia reconhecido a congregação em 1851, o que levou à parceria com o Instituto, e contribuiu para a expansão de suas escolas.

As boas relações entre o Estado francês e a Igreja tornaram-se tensas no final do século XIX, o que acarretou a expulsão da Congregação Marista do país. Segundo Mello (1996) no ano de 1881 o governo francês impôs a laicização do ensino a todos os estabelecimentos oficiais, tendo os Irmãos que recorrer a muitos artifícios para manter suas escolas. Em 1889 a lei tornou o serviço militar obrigatório para os religiosos, dificultando a atuação docente. Somando-se a estes fatos, em 1903 o governo decreta a dissolução completa da congregação, resultando na transferência da casa-mãe para Grugliasco na Itália (MELLO, 1996, p.60-64).

Chegadas dos Irmãos Maristas ao Brasil

O estudo sobre um estabelecimento de ensino confessional como o Colégio Arquidiocesano, precisa considerar a transferência de religiosos pertencentes a congregações europeias ao Brasil, como parte do processo de romanização da Igreja Católica. Para Monteiro (2011) a intelectualização dos quadros eclesiásticos tornou o catolicismo mais erudito e atraente às elites e camadas médias urbanas, além de ter contribuído para a distinção

20 Atualmente o Instituto dos Irmãos Maristas está presente nos cinco continentes, em 80

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Figura 3. Primeira comunhão dos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1916. Ao centro  o arcebispo de São Paulo, D
Figura 5. Catálogo da empresa Les Fils D’ Émile Deyrolle, anos 20 ou 30. Fonte:
Figura 6. Recordações de formatura do Dr. Carlos Ferraz Araújo e Dr. Durval Soares,  antigos alunos do Colégio Arquidiocesano
Figura 10. Páginas da Revista Echos de 1910, com Galeria Ilustre do Quadro de  Honra e fotografias dos alunos inscritos durante o ano letivo
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Referências

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