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A TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB) NO VALE DO RIO SÃO MARCOS SUDESTE GOIANO.

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A TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS

ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB) NO VALE DO

RIO SÃO MARCOS – SUDESTE GOIANO.

Renata Paulo Borges,renatageog@bol.com.br Jaqueline Simões Diniz,jackygeo2004@yahoo.com.br Sandra Aparecida Alves,sanddrap@hotmail.com Aline Cristina Nascimento,alinenasK@ig.com.br Helena Angélica de Mesquita,helena@wgo.com.br Universidade Federal de Goias – Campus Avançado de Catalão

Introdução

Este texto tem o propósito de fazer uma breve abordagem sobre a origem da organização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região do vale do rio São Marcos, no sudeste goiano. A organização pressupõe o processo de espacialização, seguido pelo processo de territorialização. Estamos entendendo espacialização como processo da constituição e afirmação da luta de resistência, visualizadas em atos públicos e manifestações, e entendendo a territorialização de movimento como a concretização do MAB no vale do rio São Marcos, à medida que os camponeses atingidos se tornam sujeitos da luta, no movimento popular contra a construção da barragem, pela permanência na terra e conseqüentemente pela preservação do rio São Marcos.

A territorialização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), no vale do rio São Marcos, ocorreu com o apoio da Igreja Católica, da Universidade Federal de Goiás/Campus de Catalão, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Extração de Ferro e Metais Básicos e de Minerais Não Metálicos de Catalão - Ouvidor (METABASE), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catalão (STR) e da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) – Seção Catalão que entraram no processo da luta, construindo um movimento popular de resistência à construção da barragem. Nesse processo, os espaços de socialização política se deram através do trabalho de base e reuniões periódicas em locais cedidos pela Igreja, pelos sindicatos ou nas próprias comunidades atingidas e ainda foram elaboradas várias estratégias no sentido de mostrar à sociedade de Catalão e região os graves problemas sociais, econômicos e ambientais que uma obra dessa traria.

A situação dos atingidos pela Barragem Serra do Facão, que agora são sujeitos da luta, de conquistas e derrotas, é sensivelmente diferente da situação que se encontravam

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antes de se organizarem. Quando foi anunciada a construção da barragem, os ameaçados receberam a notícia como uma fatalidade, algo indiscutível. Essa situação foi se transformando à medida que perceberam na resistência, a única possibilidade de permanecerem na terra ou de, pelo menos, receberem indenizações mais justas. A resistência se evidencia com a presença do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

O MAB se territorializou no vale do rio São Marcos, criando e recriando as táticas de resistência através de atos públicos, audiências com segmentos do Governo, Ministério Público e reuniões constantes com atingidos e diversos segmentos da sociedade, no intuito de fortalecer o movimento e de fazer com que os ameaçados/atingidos se sintam como sujeitos do processo e não como obstáculos a serem removidos.

Na primeira parte desse texto, é feito um breve histórico sobre o atual modelo energético brasileiro, na segunda parte é tratada a organização do MAB a nível nacional e por último a territorialização do MAB Serra do Facão no vale do rio São Marcos.

Algumas Considerações acerca do Modelo Energético Brasileiro

A disponibilidade de energia é essencial para a existência humana, assim como, à satisfação de necessidades básicas tais como habitação, alimentação, vestuário e comunicação. Vale lembrar que não são apenas os países em desenvolvimento, que tem uma grande demanda de energia, também os países altamente industrializados, pois a energia é à base da continuidade do desenvolvimento econômico da humanidade.

Segundo Altmann, “no Brasil, a produção de energia elétrica baseia-se atualmente em 92% de geração hidrelétrica e 2,5% de energia nuclear, o resto provém de usinas térmicas que operam com carvão e gás natural”. O que deve ser destacado é que a energia hidrelétrica é gerada a partir do barramento dos rios, com a formação de imensos lagos que modificam drasticamente as condições ambientais e sociais de áreas que vão muito além dos limites do reservatório.

Tanto no passado, como no presente, a geração de energia causa consideráveis danos ambientais. As represas de usinas hidrelétricas destroem florestas nativas e áreas de agricultura e mais de um milhão de pessoas perderam suas terras e na maioria das vezes não foram indenizados1, perdendo assim suas terras e sua dignidade.

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Em 2001 ocorreu uma grave crise de energia que mostrou a falta de planejamento e investimentos no setor elétrico brasileiro. Muitas foram às explicações do governo e dos organismos responsáveis pela área simplificando as causas, chegando a ponto de culpar até mesmo as condições climáticas e meteorológicas, pouco considerando a complexidade da questão. Em um país com condições ambientais como o nosso, com grande potencial hídrico, eólico e solar, a crise evidencia que o erro está no próprio modelo de geração de energia, ou seja, o aproveitando de fontes da natureza teoricamente grátis acabou gerando problemas na forma de desequilíbrios ambientais, destruição de ecossistemas, alterações climáticas locais e regionais, assim como o deslocamento compulsório das populações ribeirinhas, o que trouxe grandes transtornos a este segmento social.

A crise de energia causou transtornos e perdas significativas para os consumidores e para o país, mas também foi uma oportunidade única para o desenvolvimento e implementação de ações de eficiência energética, mas como se pode perceber, o Brasil até hoje, ainda não solucionou o problema do setor elétrico, pois busca a solução na construção de mais hidrelétricas e na continuidade da privatização do setor. Recentemente foi lançado um “Novo Modelo Energético”, que de novo não possui nada, pois continua dominado por empresas privadas e ainda privilegia a construção de grandes barragens.

Segundo dados fornecidos pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o consumo de energia no Brasil é muito desigual. A indústria consome 48,4% da energia, o setor residencial é responsável por apenas 25,3% do consumo e o restante é distribuído entre comércio e serviços (13,5%), meio rural (3,8%), serviços públicos (8,7%).

O MAB propõe então, a utilização de fontes alternativas para a geração de energia elétrica que causem menos impactos ambientais e sociais, tais como:

1- Geração de energia a partir da biomassa: utilizando o bagaço da Cana de Açúcar, da casca de arroz, serragem, resíduos do papel e celulose. Poderíamos aumentar em 3.000 MW o potencial utilizando o bagaço da cana;

2- Geração de Energia Eólica: o Brasil tem um potencial eólico (energia dos ventos) da ordem de 29 mil MW. Os maiores potenciais estão no Nordeste (Ceará e Rio Grande do Norte). Os estados do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul também têm bom potencial energético;

3- Repotenciação das usinas com mais de 20 anos de funcionamento: podemos acrescentar até 7.600 MW no sistema reabilitando e promovendo reparos e melhorias nas usinas já existentes. O custo por MW nestes reparos seria de 1/3 a 1/5 do MW em uma usina nova;

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4- Redução das perdas no sistema elétrico: o sistema elétrico brasileiro tem perdas operacionais e técnicas da ordem de 15%. Se o Brasil adotar um índice de perdas de 6%, considerado como padrão internacional, o sistema elétrico teria um acréscimo equivalente a 6.500 MW de potência instalada (ou mais da metade da Usina de Itaipu), que possui 12.600 MW);

5- Geração através da Energia Solar e Fotovoltaica: o Brasil tem lugares privilegiados devido à insolação. A bacia do rio São Francisco tem condições excepcionais. Esta seria uma boa alternativa para as propriedades rurais distantes da rede de distribuição;

6- Pequenas Centrais Hidrelétricas: o potencial brasileiro estimado pela Eletrobrás é de 9.800 MW. São consideradas PCHs as barragens com até 30 MW e a área inundada pelo reservatório deve ser menor que 3 km2. No entanto, o MAB já não considera essa forma de geração como viável, pois as empreendedoras começaram a construir várias PCHs no mesmo rio e o impacto sobre o ambiente se potencializa.

Estas fontes alternativas significam aumentar em mais de 40% o potencial instalado no Brasil e acabar com a crise de energia sem construir nenhuma nova barragem, causando assim, significavas mudanças estruturais que, ao mesmo tempo que acabam com a crise, servem de suporte para a construção de um novo modelo energético para o país.

A partir dessa proposta da necessidade de construir um novo modelo energético, o MAB vem se consolidando enquanto movimento nacional e se territorializando por todo o país, já está presente em 21 estados da federação.

Entre o impasse da resistência e da desistência: a gênese do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Quando se tem a notícia da construção de uma barragem, os atingidos são obrigados a escolher entre resistir à construção ou desistir do seu modo de vida e de sua terra de trabalho. O que ocorre em alguns casos é a união e organização do povo atingido, como forma de resistência, ou ainda a “aceitação” da barragem e da completa mudança de suas vidas. Esse processo de exclusão desencadeado pelo atual modelo energético provocou uma nova configuração territorial despertando novas lutas e novos sujeitos políticos na organização do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB a partir da década de 1970.

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O Movimento dos Atingidos por Barragens, que nos últimos anos vem se articulando internacionalmente tem, no processo de construção de sua identidade, os questionamentos ao modelo autoritário de planejamento do Estado brasileiro, em particular da política energética. O MAB transformou bandeiras como “terra por terra na beira do lago” em “um outro projeto popular para o Brasil”, passando em muitos casos, a se antecipar à construção de barragens, questionando e impedindo os projetos que desalojariam milhares de camponeses com destruição do seu modo e meio de vida. Portanto, é a luta pela cidadania de um vasto segmento social no Brasil ao lutar pela permanência na terra.

Não se trata somente de uma luta de camponeses, muito embora seja essa a base fundamental do movimento. Envolve também outros setores sociais interessados na contestação do modelo de desenvolvimento vigente em nosso país, modelo esse que expropria o campesinato, destrói a natureza e está vinculado a uma política industrial que coloca o Brasil no sistema capitalista internacional como grande exportador de energia em produtos.

A questão pública colocada pela luta dos camponeses contra a expropriação de suas terras pelos projetos energéticos é uma questão de toda a sociedade brasileira. A política energética precisa ser democratizada e isso envolve vários aspectos, entre eles o debate acerca da construção de barragens e os investimentos em fontes alternativas de energia menos devastadoras. O MAB está contribuindo para chamar a atenção sobre a urgência destes questionamentos. Os integrantes e assessores do MAB compreenderam que o significado desta luta, não pode ser reduzido à luta de resistência para permanecer na terra ou a obtenção de uma boa indenização que possibilite a compra de terra ou mesmo reassentamento. A luta dos atingidos contém elementos de defesa de um modo de vida e de relações econômico-culturais com o espaço, ancorados na manutenção de valores e relações sociais que não podem ser “realocadas”. Nos casos concretos em que o movimento continua após a construção das hidrelétricas, as exigências são de “reconstrução” das condições de vida, ou melhor, de construção de um novo modo de vida. Porém, mantendo uma relação integrada das famílias e das comunidades com o espaço e o ambiente. Mas o problema é que a maioria das famílias não consegue recompor suas vidas nos níveis anteriores, ao contrário, as pesquisas sobre o tema evidenciam a precariedade e mesmo penúria a que são submetidas os desalojados por barragens.

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É neste sentido que a luta dos atingidos se amplia e coloca em um outro patamar a questão da reforma agrária, porque a questão passa a ser entendida não só como luta pela terra, mas como luta pela manutenção/organização de um espaço agrário integrado.

Se a luta pela reforma agrária, é muita vez articulada politicamente às questões urbanas como desemprego, violência, inchamentos das cidades entre outros, a luta dos atingidos por barragens soma e amplia essa questão. Ao questionar as barragens, se questiona o padrão de consumo energético e a política econômica urbano-industrial. Que alternativas energéticas estão sendo trabalhadas?

A resistência aos grandes projetos de barragem vem desde a segunda metade da década de 1970, quando agricultores da região de Itaipu, através de sindicatos e organizações ligadas à Igreja, se mobilizaram por melhores indenizações e reassentamentos, dando origem ao movimento Justiça e Terra. De lá para cá, em Itaparica, em Tucuruí, na Bacia do rio Iguaçu, no vale do Jequitinhonha, no Xingu, a Bacia do rio Uruguai, hoje no vale do rio São Marcos, ou seja, por toda parte onde se constroem ou projetam hidrelétricas, grupos sociais atingidos têm resistido e levantado as mais diversas reivindicações.

Em alguns casos, como em Capanema (Paraná) e em Machadinho (Rio Grande do Sul), a resistência foi suficiente para provocar o adiamento, e até o abandono dos projetos. Em Itá (na fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina), importantes avanços foram conquistados no que se refere ao equacionamento dos problemas decorrentes do deslocamento compulsório, como indenizações e reassentamentos.

A realidade é que as grandes obras desalojaram milhares de pessoas de suas terras, milhares de camponeses perderam suas casas, terras e o seu trabalho. Desta realidade surge à necessidade da organização e da luta dos atingidos por barragens no Brasil, como forma de resistir ao modelo imposto.

Para Grzybowski (1990) o Movimento dos Atingidos por Barragens é o

(...) resgate de elementos sócio-culturais, definidores do grupo atingido, em associação á luta pela terra. Os atingidos, quando organizados em movimento, tendem a recusar a redução praticada na ação desapropriatória que vê tudo o que vai ser perdido sob as águas do lago como passível unicamente de uma avaliação e uma indenização monetária. Por isto, os movimentos surgem, geralmente, por desacordo na avaliação, propondo a justa indenização, e avançam para propostas de terra por terra e acabam, como no caso das barragens programadas para o Rio Uruguai, numa oposição radical a própria construção. Neste processo de radicalização das propostas dos movimentos, a defesa da terra e a oposição as barragens aparecem como uma defesa de um espaço social e culturalmente organizado, com relações de parentesco, vizinhança e

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amizade, com suas escolas, igrejas e cemitérios (GRZYBOWSKI, p. 26, 1990).

A luta das populações atingidas por barragens que, no início, era pela garantia de indenizações justas e reassentamentos, logo evolui para o questionamento da construção de barragens e do próprio modelo energético. Assim, os atingidos passaram a perceber que além da luta isolada na sua barragem, deveriam se contrapor ao modelo energético nacional e internacional. Para isso, seria necessária uma organização maior que fosse capaz de unificar a luta em todo o Brasil.

Assim, em abril de 1989 foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, com a participação de quatro grandes delegações de trabalhadores, representando as grandes regiões do Brasil. Neste encontro se realizou um levantamento global das lutas e experiências dos atingidos em todo o país, além de ter se formado uma Comissão Nacional Provisória, que responderia pela organização do movimento nacionalmente.

Dois anos após, foi realizado o I Congresso dos Atingidos de todo o Brasil, em março de 1991, quando se decidiu que o MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, deveria ser um movimento nacional, popular e autônomo, que deveria se organizar e articular as ações contra as barragens a partir das realidades locais, a luz dos princípios deliberados pelo Congresso. Ficou instituído que o dia 14 de Março é o Dia Nacional de Luta Contra as Barragens, sendo celebrado desde então em todo o país.

A criação do movimento nacional foi o resultado de um amadurecimento e união dos movimentos nos vales dos rios e regiões de todo o país. Além de luta contra esta ou aquela barragem, de organizar e mobilizar os atingidos para defenderem seus direitos, o MAB teria que se confrontar com o modelo energético nacional, e mesmo internacional.

E dentro desse contexto se insere o movimento dos atingidos pela barragem Serra do Facão, que possui a vantagem da organização dos atingidos/ameaçados mesmo antes do início da construção das obras. Na maioria dos casos os atingidos se organizam depois que as obras já se iniciaram ou mesmo depois que a população já fora deslocada, no caso dos atingidos de Serra do Facão, a luta antecede a construção da barragem.

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A barragem Serra do Facão foi licenciada em 2001 juntamente com um pacote de outras hidrelétricas elaborado e aprovado a “toque de caixa”, no final do governo Fernando Henrique Cardoso. Essa barragem planejada para ser construída pelo Grupo de Empresas Associadas Serra do Facão (GEFAC)2, no rio São Marcos, afluente do Paranaíba, bacia do Alto Paraná no sudeste goiano, juntamente com outras três barragens no mesmo rio. Essa barragem está sendo projetada há mais de 30 anos, mas o projeto só veio a ser concretizado com a privatização do setor elétrico brasileiro. A área da barragem atinge cinco municípios no Estado de Goiás (Catalão, Ipameri, Campo Alegre, Cristalina, Davinópolis) e um município do Estado de Minas Gerais (Paracatu).

O vale do rio São Marcos é ocupado por centenas de pequenos agricultores que tiram da terra o seu sustento e ainda contribuem para a economia do município ao colocar no mercado arroz, feijão, milho, laranjas, queijos e outros produtos para cesta básica. Serão mais de 300 famílias que deixarão de produzir e passarão a meros consumidores. Isso vai gerar um transtorno social e econômico na cidade, o que não é mostrado pela empresa e menos ainda pelos políticos locais.

Ao receber a notícia da construção da barragem os atingidos ficaram perdidos e assustados, não possuíam informações sobre a obra, ou como ficaria sua situação a partir da implantação do empreendimento. Assim, o bispo da diocese de Ipameri, Dom Guilherme, conhecendo a realidade dos atingidos por barragens no sul do país tomou algumas providências. O primeiro passo foi à efetivação de uma reunião para discutir os problemas que a barragem poderia trazer à população atingida e para toda a sociedade como um todo. Esta primeira iniciativa já integrou alguns atingidos, professores do curso de Geografia do CAC/UFG e representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da AGB Seção Catalão. A partir dessa primeira discussão, a população ribeirinha conheceu um pouco da realidade vivida pelos atingidos em outras regiões do país, e iniciou então a organização do que hoje é o MAB Serra do Facão.

A notícia da mobilização se espalhou e logo grande parte dos atingidos já conhecia e participava das reuniões que ocorriam, inicialmente no distrito de Pires Belo (Catalão). Ainda em 2002, militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, iniciaram a organização dos ribeirinhos, e aos poucos o Movimento foi se concretizando e se territorializando no vale do São Marcos.

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O GEFAC é constituído pela ALCOA Alumínio, Camargo Correia, DME Energética, Votorantin Cimentos e Companhia Brasileira de Alumínio.

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Atualmente o movimento se encontra bem organizado, seguindo toda a metodologia de trabalho do MAB, e se organizando como tal, assim os atingidos se reúnem regularmente para traçar suas estratégias de luta e reafirmar sua oposição à construção da barragem Serra do Facão e concomitantemente sua oposição ao atual modelo energético brasileiro excludente. Dessa forma, criam estratégias políticas de luta, seja a nível local, regional, ou nacional. Dentre as estratégias e atividades se destacam, as passeatas, encontros de formação, atos públicos, audiências com autoridades do setor, boletins informativos, dentre outros.

O MAB Serra do Facão vem se territorializando no Vale do Rio São Marcos, criando e recriando as táticas de resistência que, com o apoio das entidades já conseguiu, como resultado da luta, o atraso das obras por quase três anos e a suspensão provisória da Licença de Instalação (LI) da hidrelétrica.

A situação dos camponeses que agora são sujeitos da luta, de conquistas e derrotas, é sensivelmente diferente da situação que se encontravam antes de se organizarem. Organizados em grupos de base, os atingidos promoveram em novembro de 2002, o I Encontro de Formação de Lideranças de Serra do Facão, em Catalão. Esse encontro foi decisivo na consolidação do MAB na região, pois possibilitou, aos atingidos, maior entendimento acerca do modelo energético e das políticas internacionais que controlam esse setor hoje. Desse encontro surgiu o Boletim Informativo do MAB. Já foram publicados três números, com tiragem de dois mil exemplares. O Boletim informa os passos do movimento, denuncia os atos da empresa e discute as questões mais amplas como o caráter do modelo energético brasileiro.

Em Janeiro de 2003, foi elaborado um documento de denúncias por uma equipe de professores do curso de Geografia do Campus de Catalão, que discutia as diversas irregularidades detectadas no EIA/RIMA e os desmazelos com os cadastramentos das famílias e propriedades atingidas. Cópias desse documento foram enviados a várias autoridades do setor, como Ministério de Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente, Ministério Público Federal, dentre outros. O resultado dessa ação do movimento foi à efetivação de duas reuniões muito importantes, uma reunião com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e outra com o Secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Ronaldo Schuck. Participaram destas reuniões representantes dos apoiadores do Movimento Popular contra a barragem. Esse ato possibilitou aos atingidos ver que a ação do novo governo não resolveria, pelo menos de imediato, os problemas do setor energético brasileiro. E isso intensificou ainda mais a luta de resistência.

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Em março, dia 14, numa ação integrada dos atingidos do Brasil, foi programado um ato no canteiro de obras da Barragem Serra do Facão. O ato, porém, foi adiado para o dia 08 de abril. O “Ato Público em Defesa da Água, da Vida e da Terra de Trabalho” reuniu cerca de 350 atingidos em passeata pelas ruas de Catalão. Essa atividade teve como destaque o Manifesto Contra a Barragem entregue no escritório do grupo GEFAC e na construtora Camargo Correia3. No dia seguinte ao ato, o GEFAC divulgou seu primeiro jornal em resposta ao movimento. O folheto do grupo foi uma tentativa de responder politicamente ao boletim do MAB-Serra do Facão, e nele tentaram mostrar, com belas fotos e impressão de luxo, as vantagens que a barragem traria para Catalão e região.

A segunda grande manifestação foi outro ato público realizado no dia 23 de março de 2004, na ponte dos Carapinas, na estrada que liga os dois distritos de Catalão: Pires Belo e Santo Antônio do Rio Verde. Foi o: “Ato público em defesa do rio São Marcos”. Estiveram presentes cerca de 400 atingidos e apoiadores. O ato foi considerado um sucesso, pois mostrou à população de Catalão e região que os ribeirinhos do vale do São Marcos não querem a construção desta barragem e que a mesma trará grandes problemas e que a questão não é “um mar de rosas” como mostra o grupo empreendedor. E finalmente, encerrando o ano de 2004, os atingidos realizaram uma manifestação no local onde o GEFAC construiu o canteiro de obras da barragem, e ali “plantaram” uma grande cruz de madeira para reafirmar a oposição e a indignação da população diante da obra.

Além disso, já foram realizados quatro encontros regionais dos atingidos do estado de Goiás, quando puderam trocar experiências e traçar estratégias de luta para todo o estado de Goiás. Nesses encontros os atingidos de Serra do Facão, tiveram contatos com os atingidos das barragens de Cana Brava e Serra da Mesa construídas no norte do Estado de Goiás podendo conhecer a dura realidade daquelas pessoas que já foram atingidas, e vivem uma realidade de miséria e desilusão.

Representantes dos atingidos de Serra do Facão participaram do V Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens, realizado em Brasília, dos dias 09 a 13 de junho de 2003. Essa participação expressa o avanço do movimento e a constituição de um sujeito político que passa a intervir de maneira cada vez mais expressiva no processo de decisão e execução das políticas do Setor Elétrico Brasileiro. O V Encontro Nacional contou com a participação de cerca de 1200 atingidos de 17 Estados do Brasil.

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Ainda como desdobramento do movimento foi lançado em Goiânia, no dia 29 de abril de 2004, a Frente Parlamentar em Defesa dos Rios do Cerrado, coordenada pelo deputado estadual do PT Mauro Rubem. Os atingidos pela barragem Serra do Facão participaram e debateram juntamente com deputados, militantes do MAB nacional e demais autoridades a problemática da construção de barragens nos rios do Cerrado. Como atividade da Frente Parlamentar, no dia 9 de junho de 2004, foi realizada uma audiência pública em defesa dos rios do sudeste de Goiás na cidade de Catalão. Os atingidos, apoiadores e o deputado estadual Mauro Rubem discutiram os processos de licenciamento de implantação de barragens nos rios do Sudeste de Goiás, especialmente nos rios São Marcos e Veríssimo.

Ainda como resultado da interferência do Movimento Popular, junto ao Ministério Público Federal, no período de 10 a 13 de agosto de 2004, técnicos do ministério Público Federal – MPF – fizeram uma vistoria na área atingida pela barragem. A equipe era composta por Biólogo, Engenheiro Florestal, Engenheira Sanitarista e a antropóloga que visitaram a área ameaçada pelo AHE Serra do Facão. Essa atividade é um reconhecimento da resistência da luta contra a barragem Serra do Facão, uma vez o Ministério Público Federal admite a possibilidade de haver erros no Licenciamento do Aproveitamento Hidrelétrico Serra do Facão. A presença de tais técnicos na área, bem como o relatório por eles apresentado foi um importante passo para fortalecer a luta contra a construção da barragem Serra do Facão.

O que se percebe é que o MAB Serra do Facão durante quase três anos de luta, juntamente com seus apoiadores vem construindo um espaço de resistência à construção da barragem e conseqüentemente se territorializando no Vale do Rio São Marcos, criando e recriando táticas de resistência e luta. E, especialmente, está fazendo com que surja na região um amplo debate e vários questionamentos em relação á barragem, colocando em cheque a sua grande importância para a região e principalmente para os atingidos.

Considerações finais:

A organização dos atingidos pela barragem Serra do Facão, fez com que se territorializasse paulatinamente o Movimento dos Atingidos por Barragens no vale do rio São Marcos. O que fez surgir uma nova relação das populações atingidas com a terra, ou seja, houve uma re-valorização da terra de trabalho e uma re-construção da identidade

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camponesa adquirida através da formação e conscientização dos atingidos, seja em encontros de formação, seja na luta (manifestações, atos) e enfrentamentos políticos.

A organização do MAB no vale do rio São Marcos trouxe um impulso à organização de outros movimentos na região, como por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que iniciam sua territorialização no sudeste de Goiás.

BIBLIOGRAFIA

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Outras Fontes:

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