AUP 270 | Planejamento de Estruturas Urbanas
A integração da Amazônia no território nacional
resultados da acumulação entravada na conformação espacial da região
Monografia 1
osemestre de 2010
Julia Sayeg Tranchesi | 645 2051
Este trabalho pretende comentar como a configuração do território amazônico é resultado de políticas de produção do espaço com vistas a reprodução da sociedade de elite brasileira. Será aqui analisada a produção do espaço como fruto do modelo econômico do país , cuja base é a acumulação entravada, herança de nossa origem colonial. Apesar de pôr fim à relação colônia‐metrópole, a Independência foi um processo realizado de maneira a promover a manutenção da ordem social. O processo, portanto, não resultou na transformação da estrutura produtiva e econômica colonial, mas, na realidade, garantiu a sua continuidade. Essa afirmação deriva do fato que, no momento da Independência, em nome do seu reconhecimento como país autônomo, o Brasil assumiu a enorme dívida que Portugal tinha com a Inglaterra. Isso possibilitou a continuação da expatriação do excedente aqui produzido, algo que era pressuposto da relação colônia‐metrópole. Parte do capital fica retida, para o reinvestimento na produção (condição fundamental para garantir a expatriação), no entanto, a grande parte do excedente produzido é expatriado. Essa expropriação constitui um entrave à acumulação, condição que beneficia as elites agrícolas formadas no período colonial e conservadas com a Independência, já que “a acumulação desimpedida no mercado interno tanto induziria quanto requereria o pleno desenvolvimento das forças produtivas e em particular o fortalecimento da burguesia”1, o que ameaçaria a dominação das elites.
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DEAK, Csaba. Acumulação Entravada no Brasil. In.: DEAK e SCHIFFER (1999)
“A sociedade colonial forjada por forças externas (da metrópole) constituiu, na Independência, as condições de sua reprodução social por suas próprias forças. A base institucional dessa reprodução é o Estado, criado precisamente com este fim”2 Através de entraves à acumulação, como a expatriação do excedente, o Estado, fundado na Independência, garante, no Brasil, a reprodução da ordem social. Tendo controle sobre os meios de organização territorial, o Estado constitui, ainda hoje, elemento fundamental para a produção do espaço segundo as demandas da reprodução social. Quanto à organização do território, as políticas de Estado assumidas vão no sentido de manter o país fragmentado, desprovido de infra estrutura, condição que interessa às elites agrícolas, à quem não é necessária a superação de uma infra estrutura precária, nem é benéfica a fortificação de um mercado interno nacional. Esta condição de não integração do espaço perdura desde os tempos coloniais, quando era de especial interesse à Metrópole, por impossibilitar a formação de um mercado interno brasileiro, facilitando o seu controle sobre o território. Assim, a condição de desintegração do território brasileiro perdura até hoje: o Brasil mantém seu modelo agroexportador, que não exige a formação de um mercado interno e, apesar de alguns esforços para superar esta condição, o país continua heterogêneo e desintegrado, em especial no que concerne à inserção da Amazônia no território nacional. Nos diversos momentos em que houve esforços no sentido de estender as bases da economia, entraves foram criados, de modo a impossibilitar mudanças. Quanto à região amazônica, podemos2
idem
explicitar isto de acordo com os sucessos e insucessos, avanços e retrocessos, de algumas políticas de governo. A produção do espaço nacional, segundo Simone Martinoli, foi efetivamente iniciada nos anos 30, após serem rompidos os interesses da elite agrícola com a Revolução. Com Getúlio Vargas, ocorreu a centralização do poder do Estado e a estruturação do aparelho burocrático estatal. Foram elaborados planos de desenvolvimento com vistas à integração nacional, para dar impulso à industrialização do país e formar um mercado interno brasileiro. Quanto à região amazônica, promoveu uma política de assentamento agrícola de modo a garantir uma ocupação menos rarefeita e mais atrelada ao solo do que a ocupação gerada pelas atividades extrativistas que predominavam até então. O objetivo primeiro era garantir a defesa e a soberania nacional, mas também era almejada a expansão das forças produtivas.3 Juscelino Kubitschek deu continuidade aos planos voltados para a integração nacional através da aberturas de rodovias e da construção de Brasília, que se constituiu grande passo para a consolidação da integração do interior do Brasil. A Belém‐Brasília foi uma importante via de conexão da região amazônica ao resto do país, enquanto que a nova capital foi apreendida como plataforma para a ocupação da Amazônia. JK eu prosseguimento aos planos de desenvolvimento industrial. No entanto, diferentemente do que ocorreu no governo de Getúlio Vargas, o Plano de Metas de JK não impulsionava a indústria nacional, mas dava incentivo à industrialização associada ao capital estrangeiro. Acelera‐se, assim, a unificação do mercado interno como forma de garantir a expansão das indústrias. Apesar da orientação desenvolvimentista do Plano de Metas, ao se associar o
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MARTINOLI (2004)
desenvolvimento ao capital estrangeiro, foi gerado um novo entrave à acumulação.4 Quanto ao período militar, o governo foi marcado pelo forte processo de centralização do poder, durante o qual foram desenvolvidas políticas que interferiam em todos os âmbitos da economia do país. Com relação à Amazônia, foram desenvolvidos planos mais incisivos para a região, com o mesmo discurso já utilizado da necessidade de se assegurar a defesa e a soberania nacionais e de integrar a Amazônia à um mercado interno em constituição. Para tanto, foram planejadas algumas rodovias que ligariam a região ao resto do Brasil. Entre elas a Transamazônica, que cortaria a Amazônia de leste a oeste, integrando a região ao sistema nacional de transportes. Em torno dos principais eixos, planejava‐se a ocupação, com especial atenção à instalação de pólos de produção agrícola de grande porte. “A partir da década de 1970, para tentar diminuir a demanda por uma reforma agrária, o governo federal, por meio do INCRA, criou alguns programas de colonização e desenvolvimento regional, incentivando a ocupação territorial das regiões Centro‐ Oeste e Norte, por meio da expansão das fronteiras agrícolas. Dentre eles, destaca‐se o Programa de Integração Nacional (PIN), o qual se apoiou na abertura de grandes rodovias e na instalação de agrovilas em meio à Floresta Amazônica, e cuja estratégia publicitária se estruturava basicamente em dois slogans: ‘Integrar para não entregar’ e ‘Integrar os homens sem terra do Nordeste com as terras sem homens da Amazônia’”5 A migração gerada permitiu a manutenção de uma estrutura de poder no Nordeste, já que postergou a resolução dos conflitos gerados pelo modelo econômico, pois, junto aos nordestinos migraram, também, os conflitos sociais que estes enfrentavam na sua região de origem (ver4 Idem 5
MOREIRA e SENE (2005)
mapa em anexo Migrações Internas na Década de 1970). Ainda hoje, a Amazônia é uma grande área desocupada que serve como fronteira para a expansão da agropecuária brasileira, e posterga a resolução de conflitos. “enquanto o sistema econômico puder crescer de forma horizontal, dilatando sua fronteira e integrando áreas que passariam a funcionar como exportadoras de bens primários, ele [governo brasileiro] pode dar‐se ao luxo de postergar o desenvolvimento de regiões problemas”6 Hoje, a expansão da fronteira agrícola sobre os limites da Amazônia Legal representa a manutenção do modelo agroexportador que acompanha o país, com maior ou menor proximidade, desde os tempos coloniais. Na falta de uma estrutura que possibilite a expansão do mercado interno, a região Amazônica vem sendo ocupada de maneira a perpetuar o status quo. O arco do desmatamento esquematizado no mapa em anexo Os Marcadores da Frente Pioneira indica a tendência de expansão agropecuária no sentido noroeste. E mais dados confirmam esta propensão. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, na década de 1970 a Amazônia Legal era responsável por 7% da produção nacional de grãos. Já em 2006, este número chega a um quarto da produção nacional! Desta maneira, na fronteira leste‐sul da Amazônia Legal existe certa integração com o resto do pais, integração esta que reproduz o modelo econômico. Aqui, o que se vê não é a integração necessária para a transformação da condição brasileira de acumulação, sendo que se perpetua o antigo modelo agroexportador colonial, sem criar as condições necessárias para a formação de um mercado interno. É uma
6IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. In.: MARTINOLI(2004) integração relativa, que não visa a integração real dos mercados regionais. Se esta região encontra‐se relativamente integrada ao espaço nacional, o mesmo não podemos dizer da Amazônia Ocidental, que ainda apresenta baixas taxas de desmatamento e ocupação. (ver mapa em anexo Densidade de Povoamento) Segundo Simone Martinoli, os esforços empreendidos pelos governos entre os anos 30 e 80 serviram à consolidação da ocupação da região de modo a constituir as condições necessárias à defesa e soberania nacionais, especialmente com relação às áreas de fronteira. No entanto, nas palavras de Martinoli, “a expansão do mercado nacional na Amazônia não ocorreu de forma generalizada ou homogênea, e também não alcançou o território amazônico na sua totalidade” Segundo a autora, isto é, em parte, fruto da estrutura econômica sobre a qual se fundaram os estados amazônicas, estrutura baseada na própria instituição do Estado. Esta característica da expansão do mercado interno na região é também resultado dos “movimentos de avanços e retrocessos que caracterizam o modo de produção vigente, refletidos no espaço nacional pela diferenciação e homogeneização do espaço”. 7 O interesse pela continuação da não integração da região é refletivo na ideologia ‘preservacionista’ que se difunde entre nós. A ‘jogada empresarial do clima’, como defende Davis F. Noble, foi utilizada mundialmente como maneira de afastar as atenções do movimento de justiça global, deixando este à sombra daquilo que se tornou uma obsessão climática e ambiental. Do mesmo modo, no Brasil esta
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MARTINOLI (2004)
ideologia preservacionista é utilizada para garantir a reprodução social, tornando o meio ambiente um obstáculo à qualquer iniciativa de desenvolvimento. Ideologia esta que se encontra bastante arraigada especialmente no que diz respeito à Amazônia. O tumulto gerado pelo anúncio da construção da hidrelétrica de Belo Monte, a ser implementada no rio Xingu, é um exemplo recente da afirmação desta ideologia. Em nome da preservação ambiental (e também do respeito cego às reservas indígenas), a mídia veiculou uma forte oposição à construção da usina, esquecendo‐se, simplesmente, de pesar, na argumentação, o desenvolvimento que seria gerado. Se durante o século XX a Amazônia foi enxergada como o celeiro do mundo, que no período de escassez seria o último refúgio humano, hoje, com todas as ameaças climáticas e a crescente devastação da natureza tão divulgada, pretende‐se difundir idéia semelhante: a Amazônia como pulmão do mundo. Devido a emissão de poluentes de todas indústrias do resto do mundo e o desmatamento ocorrido para propiciar o desenvolvimento de outros países, o Brasil deverá ter conservada a grande área de floresta original que resta em seu território. Levada ao extremo, este ideário deveria levar à preservação total das matas e a ausência de ocupação e de estrutura produtiva na região. Esta ideologia é apropriada no Brasil, já que coloca em jogo questões fundamentais para a perpetuação da ordem social. Devemos ressaltar que a ideologia da preservação é agregada a ideologia de modo a impedir a instalação de indústrias, ou para a região, enquanto não se realiza a fiscalização das terras agrícolas existentes. Apesar da força desta ideologia, a fronteira agrícola continua a se expandir, devastando matas nativas, sem que, no entanto, sejam construídas barreiras efetivas para assegurar a proteção ambiental. Parece que quando há reprodução do modelo econômico a preservação segue esquecida, mas em momentos em que este é questionado, logo aquela é relembrada. Vários são os resultados do prosseguimento de tal modelo econômico. A continuação do desenvolvimento de atividades de produção de bens primários ou semi elaborados leva à redução da acumulação possível, já que preço destes, tem caído sistematicamente no mercado mundial, conforme tendência já preconiza por estudiosos nos anos 60.8 Segundo Violeta Loureiro, o atual modelo não levará ao desenvolvimento da Amazônia, pois a produção pretendida não induz a criação de novos empreendimentos que decorram dos primeiros(apenas a infra estrutura básica para escoar a produção), já que visam, apenas, a exportação de bens em um estágio primário ou semi elaborado. A autora também destaca a inadequação das atividades produtivas às especificidades da região: “atividades econômicas tão diversas como a pecuária, a exploração madeireira, a mineração, a garimpagem e outras, que apresentam diferentes impactos sobre a natureza, vêm sendo desenvolvida indiferentemente sobre áreas de florestas densas, nascentes e margens de rios, regiões de manguezais, nas planícies, em encostas, em solos frágeis ou nos raros solos bem estruturados”, provocando enorme impacto ambiental. A falta de cuidado com os diferentes ecossistemas que compõe a região são prejudiciais à acumulação, já que provoca desnecessários desperdícios de recursos naturais e, conseqüentemente, de capital.
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LOUREIRO (2002)
A desvalorização da biodiversidade da região também é percebida na baixa quantidade de pesquisas que lá se desenvolvem. Dada a sua riqueza e variedade de mineiras, espécies animais e vegetais, a Amazônia tem grande potencial (que segue esquecido pelas políticas de Estado) para o desenvolvimento técnico e científico em diversas áreas do conhecimento, como a farmácia e a biotecnologia, que poderia ser utilizado para a fabricação de produtos acabados, como medicamentos e inseticidas. No entanto, esse potencial não tem sido devidamente explorado pelo governo brasileiro. A enorme biodiversidade da região não é apreendida como fonte de conhecimento, capaz de transformar a produção de bens primários em bens acabados, o que agregaria valor e lucro à produção. Apesar de serem conhecidos por todos inúmeros casos de pesquisa e de patentes de empresas estrangeiras de produtos amazônicos, o Brasil prossegue sem pesquisadores. Apesar de representar 59% do território natural e, claro, de toda a sua reconhecida mega biodiversidade, a Amazônia Legal contava, em 2006, com apenas 3,8% tinha do total de pesquisadores nacionais. A Zona Franca de Manaus, que poderia funcionar como um centro de desenvolvimento técnico, na realidade, não funciona como tal. Entregues ao capital estrangeiro, as indústrias que lá se assentam recebem vantagens e isenções fiscais. São protegidas da competição, o que leva, por um lado, à potencialização de seus lucros, por outro, ao desestímulo do progresso técnico (já que não são necessários esforços técnicos e científicos para tornar o produto mais competitivo). As potencialidades da região continuam inexploradas, enquanto a população sofre com a manutenção de um modelo econômico que prolonga o rebaixamento do nível de subsistência da força de trabalho. Referências bibliográficas DEAK, Csaba. Acumulação entravada no Brasil. In.: DEAK, Csaba e SCHIFFER, Sueli. O Processo de urbanização do Brasil. São Paulo, Edusp/Fupam, 1999 GRIESI, Beatriz. Reflexos da acumulação entravada na região amazônica. No sítio: www.fau.usp.br/cursos/graduacao/ arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/6t‐alun/index.html LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re)construir. In.: Estudos Avançados (USP), vol.16, no45, 2002 MARTINOLI, Simone. O Estado brasileiro e o processo de produção do espaço do Acre. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004 MOREIRA, João Carlos e SENE, Eustáquio de. Geografia Geral e do Brasil Espaço Geográfico e Globalização. Editora Scipione, 2005 MORI, Klára Kaiser. Centralização e descentralização. In.: Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006 NOBLE, David. A jogada empresarial do clima. No sítio: resistir.info/climatologia/climate_coup_p.html SERAFICO, José e SERAFICO, Marcelo. A Zona Franca de Manaus e o capitalismo no Brasil. In.: Estudos Avançados (USP), vol.19, no54, 2005