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Sofrimento psiquico do trabalhador: os efeitos do novo capitalismo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUI

DARLAN RIBEIRO DE FREITAS

SOFRIMENTO PSIQUICO DO TRABALHADOR: OS EFEITOS DO NOVO CAPITALISMO

,

IJUÍ, 2018

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SOFRIMENTO PSIQUICO DO TRABALHADOR: OS EFEITOS DO NOVO CAPITALISMO

Trabalho de Conclusão de curso

apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do

Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI,

com o requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Luciane Gheller Veronese

IJUÍ, 2018

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho e minha maior admiração aos

meus pais, cujo apoio e incentivo foram

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À minha família e meus amigos que me acompanharam nesta trajetória. Gostaria de expressar minha gratidão pelas pessoas que foram tão importantes nesta jornada - e o são em minha vida. Gostaria de poder traduzir em palavras o tamanho da minha gratidão e felicidade, mas é imensurável, cada momento foi único e todos foram essenciais para que eu pudesse enfrentar os desafios e oportunidades nos anos da graduação.

Aos Mestres

Alguém que marcou muito desde que cheguei na UNIJUÍ foi a professora que me acompanhou na construção deste trabalho. A Luciane Veronese é um exemplo, cuja leveza e sabedoria na forma de ensinar e transmitir suas ideias, proporcionam reflexões importantíssimas sobre o papel do psicólogo. Ultrapassa o discurso da queixa e da problemática para as possibilidades de atuação em meio ao mundo contemporâneo que vivemos, seu foco é na solução e não no problema, o que me encanta enquanto futuro profissional da psicologia organizacional.

Aos demais mestres que também marcaram minha história, um abraço especial e um grande agradecimento repleto de carinho, gratidão e gravado da certeza de que valeu à pena.

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RESUMO

Este trabalho é baseado numa pesquisa bibliográfica que busca compreender os fenômenos do trabalho e das mudanças contemporâneas do capitalismo no sujeito trabalhador. Visa estabelecer uma relação direta entre o trabalho flexível e o sofrimento psíquico. Busca compreender o que é o trabalho para o sujeito trabalhador e como o apagamento subjetivo está ligado às exigências deste campo.

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This work is based on a bibliographical research that seeks to understand the results of contemporary work and changes in capitalism, such as the work of establishing a relationship between work and psychic development. Seeking work for the worker and active exercise is subject to the care of this field.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNDO DO TRABALHO E AS SUAS MUDANÇAS CONTEMPORÂNEAS ... 8

1.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: TRAÇOS HISTÓRICOS ... 8

1.2 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO NA VIDA DO HOMEM E AS QUESTÕES PSÍQUICAS IMPLICADAS ... 12

CAPÍTULO II – O MAL-ESTAR NO TRABALHO E O SOFRIMENTO PSÍQUICO .. 17

2.1. OS EFEITOS DA GESTÃO DO NOVO CAPITALISMO NA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR ... 17

2.2 O LUGAR DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES ... 23

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 26

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INTRODUÇÃO

Trata-se de um estudo sobre as mudanças que estão transformando o mundo do trabalho, o mal-estar e o sofrimento psíquico associados ao trabalho e a dificuldade da construção de um laço comunitário em um espaço tão individualista como é o mundo contemporâneo.

O trabalho é o lugar onde as pessoas passam a maior parte do seu dia e das suas vidas em busca do seu sustento ou do sustento da sua família. A dinâmica do trabalho, por assim dizer, é formada pela relação do trabalhador com a instuição, do vínculo com os colegas, da forma como se relaciona com o seu gestor. Todos esses fatores implicam no que podemos chamar de satisfação ou insatisfação no trabalho ou em um âmbito macro e coletivo, clima organizacional.

O Clima e a Cultura organizacional são conceitos advindos da administração e da antropologia que permeiam também o campo da psicologia, e interferem na relação que o trabalhador tem com a organização em termos de confiança, poder, transparência, relacionamentos e vínculos pessoais ou institucionais. Partindo dessa prerrogativa, podemos pensar que o clima organizacional pode ter influências nos fatores psíquicos que afetam a vida do sujeito e nas dificuldades enfrentadas por este no trabalho.

Cada vez mais estamos em rede, conectados, demandados e tomados pela tecnologia e isso influencia as relações e as realizações do trabalho. Vivemos em uma condição de trabalho acelerado, em que tudo precisa acontecer rápido e as mudanças são constantes, por aspectos sociais, econômicos e até mesmo políticos. O trabalhador passa por todas essas mudanças dentro da função e da área. Entender o significado, a importância e as transformações do trabalho na vida do sujeito nos permite elucidar questões para a instituição, para o sujeito e para nós mesmos enquanto profissionais.

O ápice desta construção se dá sobre a importância do papel do psicólogo organizacional e do trabalho no que concerne ao sujeito e os grupos.

Esta pesquisa está descrita em dois capítulos, o primeiro aborda a contextualização do mundo do trabalho e as suas mudanças contemporâneas e o segundo sobre o sofrimento psíquico do trabalhador e o lugar do psicólogo neste processo.

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CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNDO DO TRABALHO E AS SUAS MUDANÇAS CONTEMPORÂNEAS

1.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: TRAÇOS HISTÓRICOS

Na língua portuguesa, a palavra trabalho, segundo Albornoz (1994), pode ser encontrada com duas significações: a de realização de algo que proporcione reconhecimento e perpetue além da existência do ser ou de algum esforço rotineiro e repetitivo, sem autonomia e de desconforto. Também é associado à dor, cansaço, tortura. Noutras, remete à transformação da realidade em aspectos culturais e de saber.

Para a autora, podemos entender que todo o trabalho envolve esforço para chegar a um fim, em algumas atividades este esforço será prioritariamente físico, em outras funções, o investimento é intelectual.

O Trabalho do homem aparece cada vez mais nítido quanto mais clara for a intenção e a direção do seu esforço. Trabalho neste sentido possui o significado ativo de um esforço afirmado e desejado para a realização de objetivos; onde até mesmo o objetivo realizado, a obra, passa a ser chamado trabalho. Trabalho é o esforço e também o seu resultado: a construção enquanto processo e ação, e o edifício pronto. (Albornoz, 1994, p. 11).

Segundo Bauman (2000), o primeiro uso da palavra trabalho no dicionário inglês em 1776 estava associado ao conceito de esforço físico dirigido para atender às necessidades materiais e de consumo da comunidade. Após um século, veio a complementar essa significação também, o conceito de que o corpo dos trabalhadores e operários que tomam parte na produção.

Segundo Cattani (2012), o trabalho pode ser entendido como uma atividade que garante a satisfação das necessidades produtivos e reprodutivas de qualquer agrupamento humano. Trata-se de uma atividade mundial e está ligada ao conceito de realização social que define múltiplos condicionamentos e possibilidades. Pode ser caracterizado pelos impactos do poder, dominação e exploração associando à valorações simbólicas.

Com o advento do capitalismo, as mudanças no trabalho ocorrem em ritmo acelerado e é possível dizer, segundo o autor, que nos últimos 100 anos aconteceram mudanças mais impactantes e em maior número do que em muitos séculos que precederam a história.

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Quando paramos para analisar o histórico do trabalho ao longo da história das civilizações, podemos perceber que nos primórdios o conceito de trabalho estava ligado à questão da subsistência, aos aspectos de tradição, dos mitos e dos rituais. É como se o trabalho nessa primeira fase fosse apenas complementar ao exercício natural: o indivíduo colhe os frutos das árvores, pesca os peixes do rio, caça o animal para sua alimentação e, portanto, essa atividade não está vinculada ao problema da acumulação de riquezas nas mãos de alguns e sim ligado à simplicidade da existência dos grupos e/ou tribos.

A partir do momento em que há um avanço no estágio das economias, por assim dizer, a agricultura toma seu espaço e a intervenção humana desequilibra os aspectos primitivos da relação do homem com a natureza. Ao descobrir na agricultura uma nova fonte de alimento para sua família, os homens se multiplicam e a selva é devastada para dar espaço ao cultivo e plantio.

Paralelo ao surgimento do plantio, nasce o conceito de propriedade e estoque, criando espaço para existência de classes sociais. A partir do momento em que o homem cultiva uma propriedade e existe produto excedente, esse excesso lhe permite a barganha com seus vizinhos.

Segundo Albornoz, o trabalho sobre a terra originou o aparecimento do exercício artesanal, a intensificação do comércio e do desenvolvimento da burguesia que teve cada vez mais acesso às riquezas através do gasto do excedente agrícola por parte dos povos. As demais profissões que foram surgindo a partir da economia do plantio como artesãos, comerciários, manufatureiros foram empregando trabalhadores como carregadores, marinheiros, artistas, criados domésticos e aos poucos se constrói uma hierarquia baseada no dinheiro, onde a burguesia, que ainda no atual cenário, é a classe dominante em nossas sociedades capitalistas, sendo quem determina o método para realização do trabalho.

Já no contexto industrial durante os séculos XIX e XX, a era da automação potencializou o êxodo rural. As famílias saem dos campos onde não vislumbram mais perspectivas de crescimento e/ou sobrevivência para produzir com o auxílio de máquinas dentro das indústrias e, portanto, cada vez mais a profissão autônoma dá espaço à empregabilidade organizacional e corporativa.

De acordo com Bauman (2000), a transição do trabalho em que predominou a era e também nova ordem industrial foi o pilar de separação dos trabalhadores de suas fontes de existência. A produção e a troca deixaram de existir num modo de

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vida homogêneo e inclusivo, o trabalho passou a ser considerado como mercadoria e produto, sendo tratado como tal. Podemos entender assim que esse mesmo desajuste instigou os movimentos de força de trabalho a tornar os trabalhadores passíveis de serem movidos e assim, serem sujeitos a categorizações, análises de desempenho e de uso enquanto profissionais conectando-os a lógica de utilidade ou lucratividade.

Se essa desconexão não acontecesse, haveria poucas possibilidades para a ideia de separar mentalmente o trabalho da “totalidade” a que ele pertencia “naturalmente” e condensá-lo num objeto autocontido. Na visão pré-industrial da riqueza, a “terra” era uma totalidade desse tipo – por inteiro, junto com os que a cultivavam e aravam. A nova ordem industrial e a rede conceitual que permitiu a proclamação do advento de uma sociedade diferente – industrial – nasceram na Grã-Bretanha; e esta se destacava entre seus vizinhos europeus por ter destruído seu campesinato, e com ele a ligação “natural” entre terra, trabalho, humano e riqueza. Os cultivadores da terra tinham primeiro que ficar ociosos, vagando e “sem senhores”, para que pudessem ser vistos como portadores de “força de trabalho” pronta para ser usada; e para que essa força pudesse ser considerada como potencial “fonte de riqueza” por si mesma. (Bauman, 2000, p. 163).

Jerusalinsky (2000), em seu texto Papai não trabalha mais, fala sobre o valor do homem associado ao objeto, metaforizando esta questão através da história de um relojoeiro que construiu um relógio muito moderno para a cidade de Praga há muitos anos através e teve seus olhos furados pelas autoridades da cidade para que não tivesse a oportunidade de construir um segundo exemplar. O autor fala sobre a existência do sujeito no objeto construído relacionando a existência do trabalhador apenas ao produto de seu trabalho e ao seu saber para tal. Isso é perceptível de forma macro, no discurso econômico atual, onde toda a preocupação orienta-se para que a economia caminhe bem desconsiderando como andam os sujeitos nela implicados. O ser humano é, portanto, um mero instrumento de produção deste objeto, deslocando-se de sua posição subjetiva.

Como nunca antes na história, hoje o sujeito fica numa total dependência, para estabelecer seu valor simbólico, de uma equivalência ao objeto. Seja por possuí-lo, seja por fabricá-lo, seja por dominá-lo ou por usufruí-lo, eis como o sujeito encontra seu valor. (Jerusalinsky, 2000, p. 37).

De acordo com Jerusalinsky, conforme as máquinas foram se desenvolvendo, foram adquirindo papéis para substituir a força física e também em algumas

circunstâncias, a força intelectual – habilidades até então que eram consideradas

insubstituíveis. Desta forma, o valor do corpo humano como criador de bens começa a perder forças. Primeiro a tecnologia do vapor e a mecanização substituíram a força

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física que remetia ao trabalho artesanal. Em um segundo momento, a eletrônica ocupa espaço das habilidades intelectuais.

O sujeito encontra, portanto, segundo Jerusalinsky, um vazio no discurso, tanto em âmbito econômico quanto no discurso da organização social e política por não encontrar um modo de se fazer valer.

Jerusalinsky (2000) aborda alguns eixos como a preocupação e análise do discurso social: uma prevalência do lugar, da posição do objeto como fonte do saber sobre o sujeito (este mero espectador ou instrumento de produção), uma ruptura na transmissão simbólica do saber entre as gerações e os impactos das perdas nessa transmissão, que hoje é padronizada com a consequente ruptura dos mecanismos de amortecimento dos processos de transformação econômicos e sociais, complementando a quebras dos sistemas de valor para o sujeito como garantia da sua força física e/ou intelectual.

Então, não caberia estranhar que isso fizesse sintoma. Porque, como Freud, Lacan e ainda Marx, anteriormente, nos ensinaram, o sintoma não é mais do que o ponto de articulação entre o discurso social e o sujeito, no qual o sujeito tenta criar uma forma legítima de gozar, uma forma legítima de usufruto. Ou seja, uma forma de poder desfrutar de sua presença nesse mundo. Legítima no sentido de encontrar um modo em que essa formação inconsciente seja aceita pelo conjunto social, pelos seus semelhantes. (Jerusalinsky, 2000, p. 46).

Nos dias atuais, o trabalho em sua grande parte, pode ser encarado como um empenho planejado e realizado de forma massificada em grupos, em que o labor tende a não se conectar com o trabalhador porque não há relação direta de domínio entre produtor e produto. A alienação objetiva, segundo Albornoz, entre homem do produto e do processo de seu trabalho é uma consequência da organização do capitalismo moderno e desta divisão social do trabalho, em que o indivíduo vende a sua força de trabalho, seu tempo e suas habilidades a outrem, mas não possui domínio, conexão, autonomia ou relação com o que gerou. Os operadores ou funcionários administrativos tendem a compreender apenas uma parte do processo ou da produção, a especialização não permite o alcance do trabalho na visão do trabalhador.

O Trabalho é alienado do trabalhador porque o produtor não detém, não possui, nem domina os meios de produção. A máquina à minha frente não fui eu que escolhi, e amanhã ou depois, se o diretor da firma fizer uma viagem ao Japão e resolver importar uma máquina nova inteiramente diferente desta, pode ocorrer que eu perca o meu emprego e o meu saber de produtor. Terei de passar por uma reciclagem violenta ou deixo de ter

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minha profissão, pois ela se liga ao meu conhecimento desta máquina à minha frente, que não é de minha propriedade e cujo destino não determino, embora domine parte do seu uso (Albornoz, 1994, p. 34).

O Trabalho no modelo massificado ou industrial potencializa o apagamento da subjetividade do sujeito, além de promover a perda do aspecto prazeroso do trabalho. Segundo Albornoz, no modelo artesanal de trabalho se o sujeito atua de forma autônoma, pode parar sua produção no momento em que há necessidade em repouso, além de vivenciar de forma prazerosa o labor que domina em todo o processo e que o faz cuidadosamente bem. No trabalho grupal, tanto no ambiente de manufatura quanto no ambiente burocrático, não se pode interromper, pois está sob os holofotes do atendimento às metas de produtividade, pontualidade e qualidade visando o lucro operacional, não há espaço prioritariamente para o prazer. No âmbito artesanal do trabalho, o trabalhador tem liberdade para planejar e decidir sobre o seu método de trabalho, seus prazos e suas técnicas.

O modo de subsistência do artesão determina e impregna todo o seu modo de viver. Seus amigos são os seus colegas. Suas conversas são sobre sua profissão. Não há necessidade de lazer como evasão. O trabalho hoje é uma espécie de negativo daquele artesanal, ou o seu oposto. No mundo industrial falta o vínculo entre o trabalho e o resto da vida. Para agir livremente deixa-se o tempo que sobra do trabalho. Assim se separa totalmente o trabalho de lazer, de prazer, de cultura, de renovação das forças anímicas, que deverão ser buscadas no tempo que sobrar do trabalho (Albornoz, 1994, p. 39).

O fator que se destaca no mundo atual do trabalho é a submissão ao capital, aos interesses capitalistas e dos ricos. Esta é a máxima das determinações de labor nesta estrutura. A força de trabalho é encarada como moeda de troca, produto ou mercadoria e isso não favorece a construção da subjetividade.

1.2 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO NA VIDA DO HOMEM E AS QUESTÕES

PSÍQUICAS IMPLICADAS

O trabalho para o sujeito tem valor integrador e constitutivo da identidade das pessoas. Podemos investigar o trabalho social e o seu lugar enquanto trabalho psíquico como modalidade constitutiva necessária para a finalização da operação psíquica.

Segundo Alfredo Jerusalinsky (2000), o conceito de trabalho é bem mais abrangente que o aspecto econômico e financeiro. Além de proporcionar as

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transformações materiais provocadas pela atividade laboral com o objetivo de adaptar a natureza às suas necessidades, o trabalho provoca transformações em todas as ordens, caracterizando diversos fenômenos, inclusive de cunho psíquico e o seu valor simbólico.

Sobre essas demandas é preciso considerar que a principal meta e o organizador das relações do mundo do trabalho, hoje, atende pelo nome de produtividade. Investe-se num processo de produção orientado na busca de um produto que satisfaça totalmente o cliente, que dê conta de vencer a concorrência e que garanta a permanência no mercado. Trabalha-se no sentido da eliminação de erros, da busca da perfeição de produtos, processos e serviços. Há no horizonte o ideal de desvencilhar-se das falhas. No Mundo do trabalho, hoje, a dimensão da castração aparece como algo a ser tamponado. Nesta via, os limites do humano podem ser tomados como empecilhos, constituindo-se um ideal de que um trabalhador não falhe, não erre, não precise descansar, não sofra, não adoeça (Jerusalinsky, 2000, p. 265).

Considerando que os trabalhadores estão colocados nesta condição em relação ao tempo, às metas e a produtividade, os limites internos relativos à vida e a saúde do trabalhador já não encontram mais legitimidade. Segundo Jerusalinsky, é como se fosse convocada uma disponibilidade absoluta do sujeito, ao ponto de que

os intervalos de tempo livre – sejam invadidos pelas demandas ou pelos

pensamentos no trabalho.

Diante deste cenário, estamos enquanto campo da psicologia frente aos desafios que o campo da administração coloca no que tange ao Clima Organizacional e a satisfação do sujeito no trabalho.

Na perspectiva da Administração, o termo cultura organizacional está associado à soma dos valores, percepções, sentimentos, costumes, tradições e propósitos que fazem com que uma organização seja única e o clima organizacional pode ser entendido como uma resultante das variáveis culturais. Quando essas variáveis são alteradas, ocasionam alterações no clima, que curiosamente é mais perceptível do que suas fontes causais como se fossem sintomas sinalizando de que há alguma causa raiz a ser estudado. O Clima é como se fosse o reflexo do estado de espirito ou do ânimo das pessoas e da própria cultura, que predomina em uma organização por um determinado período.

Paseto & Mesadri (2012), em sua obra Comportamento Organizacional –

Integrando conceitos da administração e psicologia, citam Litwin & Stringer (1968) e definem: “Clima organizacional é a qualidade ou propriedade do ambiente

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organizacional que é percebida ou experimentada pelos membros da organização e influencia no comportamento”.

Nesta mesma obra, Forehand & Gilmer (1964) afirmam que o clima organizacional “é o conjunto de características que descrevem uma organização, distinguindo-a das demais, mantendo-se relativamente permanente e influenciando o comportamento de seus participantes”.

Para Pasetto & Mesadri (2012), o Clima Organizacional pode ser identificado por muitos fatores ou variáveis, dependendo do interesse da organização, tais como:

imagem da empresa, comunicação, remuneração, carreira, liderança,

relacionamento com pares, benefícios, treinamento, desenvolvimento, qualidade nas atividades, segurança nas operações, meio ambiente, satisfação geral com a organização.

Os autores também defendem que o clima organizacional representa, portanto, as percepções que os trabalhadores têm dos valores compartilhados, os quais se tornam tangíveis por meio das ações e rituais que são disseminados na organização. Tais ações ou ritos podem gerar satisfação ou insatisfação no grupo, que quando aglomeradas, passam a retratar o clima daquela organização e estar associado ao nível de produtividade desta.

Schirato (2000), em sua obra O Feitiço das organizações, fala sobre a cultura e os sistemas imaginários, no sentido de que a organização busca atrair os trabalhadores para envolve-los em seus próprios desejos de afirmação narcísica e de identificação. O Fato de estar pertencendo à uma instituição não é apenas uma garantia de proteção, mas também uma promessa de realização sustentada por ritos.

O Rito é sempre a repetição de um gesto passado realizado por um deus, por um antepassado ou um herói de uma cultura. Com tais e tais gestos e intenções, tal universo cultural torna-se sagrado e encerra em sua existência um mito. A repetição desses gestos – o ritual – caracteriza a intencionalidade de repetir os gestos iniciais: o sagrado (Schirato, 2000, p. 87).

Rituais como o processo de recrutamento, a seleção, a integração e o treinamento do novo trabalhador trazem informações objetivas da instituição que indicam valores a serem seguidos e comportamentos a serem imitados com base na história da instituição, na trajetória de seus fundadores, nas suas dificuldades e seus sacrifícios, além de suas conquistas, informações que sustentam a ideia de que se

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não houver identificação entre o trabalhador e a organização, o desligamento será uma consequência natural.

Segundo Schirato, a empresa não está interessada em discutir se outros valores ou comportamentos distintos do que se construiu ao longo da história e da sua função podem ou não ser aderentes ou complementares para serem incorporados por aquela instituição, se o trabalhador não se encaixar, não servirá.

Ao mesmo momento em que o trabalhador é o protagonista da formação de cultura organizacional, é igualmente seu maior reforçador, o que nos deixa claro a configuração de convívio dentro da instituição. O trabalhador é, portanto, o sujeito e objeto, concomitantemente da cultura organizacional. A instituição é construída com base em regras, códigos, políticas organizacionais, valores que norteiam a pulsão de morte e de vida contidas na convivência humana e a padronização do comportamento é crucial para a perpetuidade e manutenção da cultura organizacional que visa os melhores resultados.

No mesmo ritmo com os mesmos pares, na mesma rotina diária, no mesmo regulamento, nas mesmas exigências, nos mesmo horários, da mesma forma, o trabalho realiza-se numa produção incessante em que a regularidade das ações, a dimensão das decisões, o nível de satisfação são praticamente idênticos no dia-a-dia da empresa, não há como pensar diferentemente, se os pés não pisam jamais territórios diferentes. (Schirato, 2000, p. 120).

A padronização comportamental que é garantia do ritmo produtivo está conectada ao conceito de homogeneidade, adaptação do que é diversificado e o sacrifício da subjetividade em prol da coletividade, o que também está associado a ideia de trabalho em equipe.

A noção de equipe, segundo Schirato, é uma pedra fundamental na consolidação da cultura organizacional e das empresas atribuindo sentimentos de altruísmo e solidariedade, a noção do espaço e dos interesses compartilhados ritualiza-se através dos vínculos organizacionais que muitas vezes ultrapassam as fronteiras da instituição e imitam o afeto familiar trazendo uma ideia pra superfície através do discurso de lideranças de que são um time ou grupo especial, uma família unida e uma equipe de qualidade satisfazendo questões psíquicas dos sujeitos implicadas nesse discurso.

Ao responder a estas expectativas e ritos organizacionais, o trabalhador sente-se seguro e insubstituível na organização, a ponto de não ter absenteísmo por doença, lazer ou descanso e em troca da liberdade subjetiva, condena-se a

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repetição, a falta de sabor no convívio, a mesmice cotidiana em prol da protuvididade.

Percebe-se como o simbólico cede lugar ao imaginário: se os limites são desconsiderados, não é mais uma instância simbólica, mas o próprio trabalhador quem precisa arcar com suas escolhas diante da demanda totalizando que lhe é imposta (Jerusalinsky, 2000, p. 266).

Se a produtividade está ligada ao fato de que o sujeito está bem, satisfeito e feliz no seu trabalho, a regulação simbólica do trabalho é substituída por uma percepção moral da disponibilidade do sujeito trabalhador.

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CAPÍTULO II – O MAL-ESTAR NO TRABALHO E O SOFRIMENTO PSÍQUICO

2.1. OS EFEITOS DA GESTÃO DO NOVO CAPITALISMO NA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR

Neste norte podemos pensar que o trabalho é um fator constitutivo da identidade, mas também é aspecto desencadeante de patologias físicas ou psíquicas. Quando o trabalhador não está satisfeito dentro do seu espaço laboral por causas multifatoriais e ambientais ligadas à cobrança por aumento da produtividade que implica na execução das atividades com o menor custo envolvido e no menor tempo previsto, desrespeitando, muitas vezes, as condições físicas, humanas, emocionais e psicológicas do sujeito trabalhador.

Ao aumento da produtividade – em consequência, do desenvolvimento crescente da habilidade e velocidade de execução, devido à repetição da mesma tarefa parcial por horas, dias e meses – juntou-se uma grande intensificação da atividade laboral. Já era possível, nesse momento, perceberem-se as consequências para a saúde (Jerusalinsky, 2000, p. 272).

Segundo Dejours (1987), a psicopatologia do trabalho está baseada nas doenças que impactam o corpo. O corpo seria o primeiro órgão vulnerável ou em risco do sistema rígido de produção, e em segundo lugar o aparelho psíquico que encontra mecanismos de defesa para enfrentar essa estrutura laboral que gera sofrimento.

Ele ainda descreve que as situações de medo dentro do ambiente organizacional são responsáveis pelo sofrimento, que se reflete em sintomas como a ansiedade e a insatisfação no trabalho.

O medo constitui uma das dimensões da vivência dos trabalhadores quase sempre ignorada por todos os estudos em psicopatologia do trabalho. Falaremos aqui de medo, não de angústia. Faz-se necessário uma precisão semiológica: a angústia resultado de um conflito intrapsíquico, isto é, de uma contradição entre dois impulsos inconciliáveis. Pode tratar-se de uma oposição entre duas pulsões, entre dois desejos, entre dois sistemas (DEJOURS, 1987, p. 63).

De acordo com Dejours, a forma como se consolida o sofrimento varia de acordo com a organização laboral. Trabalhos que geram insatisfação podem ser uma porta de entrada para as doenças ou uma encruzilhada para as descompensações mentais ou doenças somáticas e defende que é necessário um

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duplo movimento, de transformação da organização do trabalho e da dissolução dos

sistemas defensivos1.

De encontro à constante busca pela produtividade, o conceito de trabalho na atualidade tem se associado a concepção de flexibilidade que está ligada a dinamismo, agilidade, rápidas respostas, desenvolvimento humano e organizacional, inovação e geração de resultados. Visto que as empresas precisam se reinventar devido à era digital e as demandas do capitalismo, os trabalhadores têm de atender à mesma exigência mercadológica. Richard Sennett, em sua obra a Corrosão do caráter, ilustra bem a ideia de flexibilidade e o quanto esta se opõe a concepção

rígida e processual do Fordismo2. Se no Fordismo, o foco era o procedimento, o

manual, a regra e o processo, na atualidade e na era da flexibilidade, o trabalhador deve estar atento às mudanças, ser ágil, gerenciar bem os riscos assumindo-os na tomada de decisão e saber lidar com múltiplas atividades, o que tende a corroer o seu caráter, impactando as suas relações.

Dejours (2011), em sua obra Psicodinâmica do trabalho, costuma separar a carga de trabalho em duas esferas: a carga física de um lado, a carga mental de outro. No que diz respeito à carga mental, existe uma combinação de fatores neurofisiológicos, psicofisiológicos, psicossensoriais, perceptivas, cognitivas, etc. com fatores do eixo psicológico como variáveis de comportamento, construção do caráter, psicopatologias.

De acordo com o autor, as marcas na subjetividade da relação trabalho e trabalhador tem efeitos concretos e perceptíveis à superfície como o absenteísmo, que é o índice de faltas de um trabalhador à organização, mas existem outras questões implicadas que estão relacionadas à descarga de energia: a excitação quando acumulada e que origina a vivência tensão psíquica ou nervosa e a produção de fantasmas agressivos quando o sujeito está tomado por sua hostilidade.

1

O sujeito constrói sistemas defensivos contra a angústia, sofrimento, ansiedade e insatisfação de maneira que o sofrimento não é imediatamente identificável. Desta forma, disfarçado ou mascarado, o sofrimento pode ser revelado através de uma capa própria de cada profissão, que constitui sua sintomatologia.

2

Termo criado por Henry Ford, em 1914, refere-se aos sistemas de produção em massa e administração industrial idealizados pelo empresário americano.

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Quando a via mental e a via motora estão fora de ação, a energia pulsional não pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autônomo e pelo desordenamento das funções somáticas. É a via “visceral a que estará atuando no processo de somatização. (Dejours, 2011, p. 23).

Dejours considera que o organismo do trabalhador não é um motor humano estático, ao passo em que é um constante objeto de excitações, da mesma forma que o trabalhador não age como um equipamento novo quando se depara com seu ambiente de trabalho. Este trabalhador é marcado por suas aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas, sua história de vida, o que confere-lhe ser único. Sendo assim, o trabalhador em razão de sua vivência, lida com vias de descarga preferenciais que não são iguais e as mesmas para todos.

Com base nisso, cabe a reflexão sobre a tarefa executada pelo trabalhador e o quanto ela está apropriada para canalização da energia psíquica, pois assim se fundamenta a problemática da relação entre o aparelho psíquico e o trabalho, pois tratando-se de carga psíquica, existe o risco de um subemprego de aptidões psíquicas, fantasmáticas ou psicomotoras que resulta uma retenção de energia pulsional e que constitui ou não a carga psíquica de trabalho.

Se um trabalho permite a diminuição da carga psíquica, ele é equilibrante. Se ele se opõe a essa diminuição, ele é fatigante. No trabalho por peças não há quase espaço para a atividade fantasmática; em todo o caso, as aptidões fantasmáticas não são utilizadas e a via de descarga psíquica esta fechada; a energia psíquica se acumula, tornando-se fonte de tensão e desprazer, a carga psíquica cresce até que aparecem a fadiga, a astenia, e a partir daí a patologia: é o trabalho fatigante. (Dejours, 2011, p. 25).

De acordo com Dejours, a Carga psíquica no trabalho emerge como um regulador de carga global de trabalho. O rebaixamento da tensão e a descarga de energia pulsional são fonte mesma do prazer ou do alívio de carga psíquica de trabalho. Na relação homem-trabalho, a organização do trabalho é a vontade de outro, o trabalhador é levado a agir de acordo com a demanda do empregador, deixando de lado o seu corpo físico e nervoso e passando a ser domesticado.

Um ponto importante a se destacar nesta organização do trabalho é o sofrimento. Dejours explana que quando o processo de organização do trabalho não é mais possível e a relação entre o empregado e a instituição é barrada, o sofrimento aparece: a energia pulsional já não encontra mais formas de descarga na execução das atividades laborais, o que acumula tensão no aparelho psíquico,

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ocasionando sentimentos de desprazer e tensão. Essa energia contida tende a recuar para o corpo, desencadeando reações e perturbações.

Se a relação do homem com esta organização do trabalho origina a carga psíquica do trabalho, pode-se observar que uma organização autoritária de trabalho que não possibilite adequada canalização à energia pulsional, conduz a um aumento da carga psíquica.

Dejours considera que o prazer e a angústia se misturam no trabalho. Angústia por baixo desempenho, angústia ao assumir riscos, angústia por esquecimentos em etapas importantes do trabalho, angústia pelos subordinados ou pares, angústia por receio de rivais no meio organizacional, entre outros. De acordo com o autor, esta mesma angústia e sofrimento são meios para o alcance da produtividade; e há chances de que o engajamento no trabalho seja motivado por esta angústia e que ela passe por uma mutação tornando-se a paixão pelo trabalho, o trabalho como fonte de prazer na visão do trabalhador.

Quando se aborda como questão central a angústia e sofrimento no trabalho, não apenas o conceito de repetição, obediência, não gerenciamento das suas atividades, falta de autonomia, rigidez, regras e autoridade são fatores preponderantes para aniquilação da subjetividade. O conceito de flexibilidade que nasce com a expressão “capitalismo flexível”, de acordo com Sennett (2010), e está mudando o significado de trabalho e também deixando marcas psíquicas, causando ansiedade com impactos sobre o caráter pessoal dos indivíduos.

O trabalho flexível, segundo Sennett em sua obra, Corrosão do Caráter, traz consequências para o indivíduo trabalhador provocadas pelas mudanças no significado do trabalho, levando-o a sentimentos como a ansiedade e a insegurança do sujeito em relação ao seu dia-a-dia de trabalho e também ao seu futuro. Um dos fatores que estimulam a insegurança do indivíduo está associado, segundo Senett, à necessidade que o trabalhador tem de assumir riscos e o quanto isso pode estar interligado a ideia de fracasso e incerteza.

A Disposição de arriscar, porém, não mais deve ser domínio apenas de capitalistas de risco ou indivíduos extremamente aventureiros. O risco vai se tornar uma necessidade diária enfrentada pelas massas. O Sociólogo Ulrich Beck declara que, na “modernidade” avançada, a produção social de riqueza é sistematicamente acompanhada pelas produções sociais de riscos. Numa veia mais caseira, os autores de Upsizing the individual and

Downsizing Corporation invocam a imagem do trabalho sendo

continuamente trocado de vaso, como uma muda de planta, e do trabalhador como jardineiro, A própria instabilidade das organizações

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flexíveis impõe aos trabalhadores a necessidade de “trocar vasos”, isto é, correr riscos com seu trabalho. (SENNETT, 2010, p. 94).

Segundo Sennett, a introdução do conceito de flexibilidade no mundo do trabalho tinha por objetivo aniquilar a burocracia, o processo e a rigidez nos métodos, porém culminou no padecimento das relações por tornarem-se descartáveis e na superficialidade do vínculo devido ao empobrecimento das experiências.

A Moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Celebra a sensibilidade aos outros; exige-se “aptidões delicadas”, como ser bom ouvinte e cooperativo; acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho de equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia política flexível. Apesar de todo o arquejar psicológico da administração moderna sobre o trabalho de equipe no escritório e na fábrica, é o etos de trabalho que permanece na superfície da experiência. O trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante. (SENNETT, 2010, p. 118).

Casulo, Silveira, Alves & Vazquez em sua obra, a precarização do trabalho e saúde mental – O Brasil da era neoliberal, falam sobre a precarização do trabalho no século XXI caracterizada pela precariedade salarial e a lógica do trabalho flexível e isso produz impactos no metabolismo social do trabalho no século XXI. Alterou-se não somente as condições de regulação salarial, mas também a organização do

trabalho (gestão toyotista3) e as novas tecnologias informacionais contribuindo para

a intensificação do tempo de trabalho e o aumento do estresse laboral.

A reorganização do trabalho provocou mudanças sistêmicas neste campo, em relação a nova morfologia social do trabalho flexível: a tecnologia permeando não apenas o trabalho, mas o cotidiano em geral do trabalhador implodindo a jornada deste. De acordo com a obra de Casulo & Silveira & Alves & Vazquez, a entrada de máquinas flexíveis e tecnológicas incorporadas às redes digitais exige dos novos trabalhadores novas habilidades técnico-comportamentais. O novo aparato tecnológico exige da força trabalhadora compatibilidade com as exigências operacionais do novo maquinário. Máquinas flexíveis exigem homens e mulheres flexíveis.

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Conceito implantado nas fábricas de automóveis da Toyota Motors criado com o término da segunda guerra mundial no Japão, é um modelo de produção industrial que visa o princípio da acumulação flexível, evitando principalmente os desperdícios ao longo do processo.

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A autora fala sobre o aumento do número de trabalhadores que vem passando por processos de adoecimento no Brasil desde a década de 1990 no Brasil. Segundo ela, afirma-se através do Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho, a cada três horas um trabalhador morre por acidente de trabalho.

Todavia, segundo a revista CIPA em pesquisa realizada no ano 2015 junto ao INSS, constatou-se uma realidade ignorada pelo observatório: segundo a publicação, a depressão é hoje a terceira causa de afastamento do trabalho e até 2020, a depressão deve ser a principal causa de afastamento do trabalho. (CASULO, 2018, p. 99).

De acordo com Casulo, os sintomas mais comuns que surgem com a depressão são: insônia, perda ou ganho de peso, dores, constipação de vasos sanguíneos que levam a processos inflamatórios, queda de imunidade, perda de libido, fadiga causando alterações de humor no trabalhador.

A ordem neoliberal cria um fardo para o Eu. Alguns teóricos liberais e pós-modernos escreveram interessantes ensaios voltados para compreender a forma de funcionamento do ponto de vista subjetivo, das ideologias do capital voltadas às gestões empresariais. Eles sinalizam como as novas ideologias do capital provocam o processo de adoecimento subjetivo nos trabalhadores, com descrições que se aproximam da clínica psicológica e psicanalítica. (CASULO, 2018, p. 99).

Segundo a autora, o individualismo passa a ser a escolha moral da maioria

que super-investe no próprio eu numa espécie de narcisismo primário4. Diante das

situações adversas, o sujeito gera auto responsabilização, caso não chegue numa resolução, gera auto culpabilização ao passo em que cria uma realidade fantasiosa e onipotente em relação ao seu mundo. Portanto, o adoecimento mensal é a resposta pessoal e humano ao modelo capitalista de gestão.

Vazquez (2018) caracteriza a nova morfologia de trabalho através das pressões por produtividade, extensas jornadas de trabalho (embora flexibilizadas), a busca frenética por competência individual e organizacional, o que pode ser traduzida como ausência de erros, a polivalência, o espirito competitivo, entre outros. Porém, a competência não respeita o corpo e a mente humana. Deixados de lado ou até mesmo esquecidos, estão os desejos, os vínculos, as histórias, valores do sujeito, pois todo o resto está sendo regido autoritariamente pelo mercado.

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2.2 O LUGAR DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES

De acordo com Sampaio (1995), a psicologia do trabalho se expressa através de respectivas três faces: a psicologia industrial, a psicologia organizacional e a psicologia do Trabalho.

Segundo o autor, a psicologia industrial (primeira face) remetia aos conceitos de recrutamento & seleção baseados no estudo dos testes psicométricos. No pós-guerra, a psicologia da indústria também foi adepta à trabalhos relacionados à

gestão do desempenho, treinamento, liderança e engenharia psicológica – fatores

ligados aos aspectos de produtividade.

Com relação à segunda face, a Psicologia Organizacional, o seu surgimento está associado ao fato de que os psicólogos deixaram de estudar apenas o indivíduo ou o posto e passaram a buscar compreensão da estrutura organizacional, participando também destas discussões e ampliando o objeto de estudo, embora ainda conectados aos fatores de produtividade.

A terceira e última face é a Psicologia do trabalho, que surgiu com a necessidade de compreensão dos efeitos do ambiente e da tecnologia no contexto do trabalho. Segundo Sampaio, a pedra fundamental é o estudo e a compreensão do trabalho humano em seus significados permitindo ver o homem como sujeito do seu desejo e o foco é a saúde e o bem-estar humano, não associando ao conceito de lucro operacional ou produtividade.

Na passagem do século XIX para o Século XX, com a adoção do modelo taylorista/fordista como organizador do trabalho, se implantou também uma nova cultura de trabalho, em que o foco passou a ser o aumento da produtividade através do ajuste de processos.

As indústrias passaram a criar procedimentos e metodologias para disseminar o conhecimento dos processos e minimizar os impactos da ineficiência visando o aumento da produtividade. Cada atividade passou a reportar a um posto de trabalho, a qualificação e especialização para exercício das funções passou a ser mais priorizada, os métodos de recrutamento e seleção foram aprimorados, estratégias de reconhecimento, recompensa e remuneração para evolução do desempenho individual e do grupo se fortaleceram.

Ao passo em que a psicologia organizacional expande o seu lugar na indústria, atuando não só com recrutamento e seleção, mas também com gestão de

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desempenho, treinamento, liderança, estruturas, etc. amplia-se o conceito de psicólogo de organizacional para psicólogo organizacional e do trabalho, atuante nas áreas de Recursos Humanos, que busca compreender seu lugar dando espaço para discutir temas que até então não eram levantados visando o bem-estar e a qualidade de vida dos funcionários nas empresas.

Schirato em sua obra, O Feitiço das organizações, fala sobre o papel da política de Recursos Humanos nas organizações e a expectativa que se tem sobre uma atuação menos normativa, menos legalista e mais voltada às questões centrais da relação entre o empregador e o empregado.

Composta por profissionais conscientes da condição humana diante da realidade do trabalho neste universo quantitativo, anônimo e impessoal que é o sistema capitalista, a área de recursos humanos deveria preocupar-se mais insistentemente com a representação simbólica de seus benefícios, da grandiosidade da empresa, da entrega de vida quase absoluta que o trabalho acaba consumando. (SCHIRATO, 2000, p. 99).

O foco em operações com resultados que é dado às demais áreas não deveria ser o foco para as áreas de gestão de pessoas, ao passo em que a busca e a garantia por produtividade total podem impactar em falhas no decorrer do processo que resultado nenhum é capaz de justificar.

A atuação do psicólogo organizacional e do trabalho dentro das áreas de Recursos Humanos deve alicerçar uma cultura organizacional em que não se fomente o conceito de padronização de comportamentos, em que se minimize a opressão através da disciplina e da regra.

Não me traga problemas, eu quero soluções” é o que se ouve no dia-a-dia das organizações. Gerentes, diretores, extenuados com os problemas, pedem soluções a seus subordinados, pedem criatividade, originalidade, novas respostas, iniciativa e decisão. Como, entretanto, ser criativo com desempenho de pelotão? O imaginário motor não tem espaço nos gestos e nas palavras padronizadas, iguais, sem individualidade nenhuma. Hora da entrada, fixa. Hora do almoço, fixa. Hora do café, fixa. Hora da saída, fixa. E lá vai o pelotão: um dois, um dois. (SCHIRATO, 2000, p. 126).

A Relação entre o trabalhador e a organização deve ser revista, assim como a relação com o tempo também. Deve-se partir do pressuposto em que o trabalhador possa dispor do próprio tempo, corroborando com a ideia de que o trabalho seja gerenciado por aquele que o executa fazendo um paralelo com o conceito de trabalho artesanal conforme mencionado no capítulo um deste trabalho. Atualmente, a execução está com uma pessoa e a gestão da atividade é feita por outra, o que está associado a ideia de não ser dono do seu próprio tempo. Segundo Schirato

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(2000), o trabalhador nessa condição fica inseguro em relação ao seu potencial, frágil para sua tomada de decisão e vulnerável por estar na condição de vítima de um sentimento de proteção que apenas existe em seu imaginário. Vítima do feitiço das relações organizacionais.

De acordo com Dejours, em sua obra Psicodinâmica do trabalho, para fazer de um trabalho fatigante um trabalho equilibrante é necessário flexibilizar a organização do trabalho, de modo a ampliar a autonomia e liberdade ao trabalho para rearranjar seu modo operatório e para encontrar os símbolos que podem lhe proporcionar prazer, ou seja, uma expansão ou diminuição de sua carga psíquica no trabalho. Nesta linha, o Psicólogo tem a função de testemunhar o percurso do trabalhador nas organizações e favorecer que esses processos ocorram da melhor forma possível.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escrita desta pesquisa se deu através da questão do significado do trabalho na vida do sujeito trabalhador e as mudanças provocadas no mundo do trabalho pelo capitalismo contemporâneo.

O trabalho na sua forma artesanal gerava vínculo do produtor com seu produto, a partir da industrialização e da padronização de atividades, o trabalhador perdeu o domínio e autonomia sobre a sua produção. Isso se intensificou com a mecanização substituindo a força física e com a eletrônica e a tecnologia substituindo as habilidades intelectuais.

Com o avanço do capitalismo e a busca por metas e produtividade, o trabalhador tem deixado de lado o prazer e o lazer, não encontrando mais significado no que faz e ultrapassando muitas vezes os limites do corpo e da saúde mental para o alcance dos objetivos.

O trabalho flexível traz consequências para o sujeito trabalhador provocadas pelas mudanças no significado do trabalho, levando-o a sentimentos como a ansiedade e a insegurança em relação ao seu dia-a-dia de trabalho e também aos riscos seu futuro. Um dos fatores que estimulam a insegurança do indivíduo está associado também à necessidade que o trabalhador tem de assumir riscos e o quanto isso pode estar interligado a ideia de fracasso e incerteza.

Seguindo a lógica paradoxal sobre a construção de um laço comunitário e coletivo em um espaço tão individualista que é o mundo contemporâneo do capitalismo, a noção de equipe, que é transmitida pelas empresas, é uma pedra fundamental na consolidação da cultura organizacional e das instituições atribuindo sentimentos de altruísmo e solidariedade, a noção do espaço e dos interesses compartilhados.

Esse ritual do coletivo se dá através dos vínculos organizacionais que muitas vezes ultrapassam as fronteiras da instituição e imitam o afeto familiar fortalecendo uma ideia no grupo de trabalhadores de que são um time ou um grupo especial, uma família unida e uma equipe de qualidade satisfazendo questões psíquicas dos sujeitos implicadas nesse discurso e que são frustradas quando o trabalhador se dá conta de que não correspondem à realidade e ele não é único e insubstituível nesta grande família, a partir do momento em que não atende às expectativas de entrega, custo e produtividade.

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Podemos observar que os trabalhadores que estão colocados nesta condição em relação ao tempo, às metas e a produtividade, os limites internos relativos à vida e a saúde do trabalhador já não encontram mais legitimidade no que fazem e a partir daí geram sintomas, como forma de existência, uma vez em que o trabalho no modelo massificado ou industrial potencializa o apagamento da subjetividade e individualidade do sujeito, além de promover a perda do aspecto lúdico do trabalho devido à padronização e a perda de identificação.

O papel do psicólogo do trabalho neste processo é promover um espaço de escuta e de fala, que permita aos sujeitos expressarem suas angústias, seus anseios e suas dificuldades. É necessário flexibilizar a organização do trabalho, de modo a ampliar a autonomia e liberdade para que o trabalhador encontre os símbolos que podem lhe proporcionar prazer, ou seja, uma expansão ou diminuição de sua carga psíquica no trabalho, uma minimização da regra e da disciplina cedendo espaço para o subjetivo.

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REFERÊNCIAS

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CASULO, Ana Celeste; SILVEIRA, Carla; ALVES, Giovannni; VAZQUEZ, Petilda. Precarização do Trabalho e Saúde Mental – O Brasil da Era Neoliberal. Projeto Editorial Praxis. Bauru: 2018.

CATTANI, Antonio David; HOLZMANN, Lorena. Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Editora Zouk. Porto Alegre: 2012.

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SCHIRATO, Maria Aparecida Rhein. O Feitiço das Organizações. Atlas. São Paulo: 2000.

SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter, consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Record. São Paulo: 2010

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