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Alimentação na escola em tempo integral: significados para professores, pais e alunos

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

THAMARA COPETTI PAVIM

ALIMENTAÇÃO NA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL: SIGNIFICADOS PARA PROFESSORES, PAIS E ALUNOS

Ijuí, RS 2014

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ALIMENTAÇÃO NA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL: SIGNIFICADOS PARA PROFESSORES, PAIS E ALUNOS

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências. Linha III, área Nutrição.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Simone Vione Schwengber

Linha de pesquisa: Educação popular em movimentos e organizações sociais

Ijuí, RS 2014

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A tarefa de escrever uma dissertação de mestrado é uma experiência engrandecedora e de superação. Modificamos-nos e nos superamos a cada novo processo no decorrer da caminhada como discentes e pesquisadores. Muitas são as pessoas que ao longo desta trajetória nos acompanham por vezes compartilhando de nossas angústias, alegrias e frustrações, sem ao menos saber dos detalhes, e que neste momento quero agradecer.

Deus com certeza é o primeiro a quem quero agradecer. Acredito que através dos seus desígnios estruturou tudo para que pudesse realizar mais esta conquista, mais um sonho concretizado.

Quero agradecer à Secretaria Municipal de Educação de Guarani das Missões pela ajuda e incentivo desde o início das atividades do Mestrado.

Agradeço à direção e professores da Escola Clemente Soltis, local onde realizei minha pesquisa e desenvolvi todo o trabalho presente nesta dissertação.

Às minhas colegas Juliana Gomes Carvalho e Joseida Vidor, parceiras desta jornada, dos muitos trabalhos, das discussões e debates decorridos dentro do carro no trajeto Santo Ângelo – Ijuí- Santo Ângelo. Muito obrigada amigas.

Aos professores que compartilharam um pouco do seu conhecimento e enriqueceram minha vida através das disciplinas cursadas.

Às queridas Drª. Loiva Beatriz Dallepiane, Drª. Catia Nehring, Mª. Maristela Borin Busnello, Drª. Maria Cristina Pansera de Araújo, membros da minha banca desde a qualificação e que enobreceram meu trabalho com seus conhecimentos, seu carinho e sugestões.

À minha querida professora orientadora Drª Maria Simone Vione Schwengber, por todo seu conhecimento, carinho, paciência e compreensão, muito obrigada!

Agradeço de todo coração à minha família, irmão, irmã, cunhada, sobrinho e em especial meus pais. Mãe e pai, muito obrigada por todo amor, carinho e suporte que sempre passaram a mim. Obrigada pela presença constante em minha vida. Vocês são minha base de sustentação. Meu eterno amor e gratidão.

E, por fim, a todos aqueles que por um lapso não mencionei, mas que fizeram parte desta pesquisa: muito obrigada a todos!

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“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.” Paulo Freire

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O ato de alimentar-se vai além de uma questão fisiológica. Mais do que ingerirmos nutrientes, ao colocar um alimento na boca toda uma bagagem subjetiva é igualmente ingerida e digerida, fazendo parte de uma construção individual e coletiva de uma identificação social, cultural e alimentar. A alimentação escolar, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (1955), vem atualizando-se e hoje se constitui como um dos mais significativos projetos na área da alimentação escolar na América Latina. Na escola em tempo integral o aluno passa grande parte do seu dia, conferindo um envolvimento significativo com o ambiente e as atividades que desempenha na escola, sendo a alimentação uma delas. Este estudo busca compreender as percepções e representações que a alimentação na escola em tempo integral expressa no cotidiano de alunos, pais e professores de uma escola municipal localizada em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul. A pesquisa tem caráter qualitativo tipo levantamento com inspiração etnográfica, desenvolvida com pais, professores e alunos do quarto ano de uma escola municipal em tempo integral. Para a produção dos dados com pais e professores, utilizou-se a técnica de questionário com perguntas abertas e entrevista; com os alunos utilizou-se a técnica do desenho. As informações foram tratadas de acordo com a análise de conteúdo, e para a interpretação dos desenhos obteve-se auxílio de uma profissional psicopedagoga. Participaram do estudo 15 alunos do quarto ano, seus pais (n = 16) e seis professores do quadro da escola. Para os professores, a comida oferecida na escola, além de satisfazer as necessidades nutricionais, também tem papel educativo e de socialização. Houve por parte deste grupo uma preocupação quanto à qualidade e à variedade de nutrientes das refeições realizadas pelos alunos fora do ambiente escolar, bem como o relato das mudanças ocorridas na alimentação escolar ao longo do tempo. A perspectiva dos pais demonstrou uma visão positiva, principalmente no que diz respeito à qualidade e à variedade de alimentos oferecidos. Percebeu-se que os mesmos não possuem uma participação ativa nas atividades escolares dos filhos. Verificou-se um pouco da prática alimentar realizada no ambiente familiar, constatando-se que a maioria das crianças não realiza uma refeição antes de ir à escola; em contraponto, apesar de alimentarem-se na escola, a maioria dos alunos possui o hábito de comer quando em casa, logo após o término das aulas. Observou-se que entre os alimentos mais consumidos fora da escola encontram-se os ricos em açúcares e gorduras. Ao analisar os desenhos dos alunos, estes foram classificados em duas categorias: alimentação escolar relacionada ao comer; alimentação escolar relacionada ao local e aos atores envolvidos. A alimentação escolar é percebida pelos alunos como uma experiência prazerosa, satisfatória e agradável, na qual é possível socializar com os colegas. O momento da alimentação na escola abrange diferentes fatores: os alimentos ofertados, os sentimentos que este ato desperta, as relações estabelecidas com colegas, merendeiras e professores, e o ambiente em que a refeição é preparada e servida. Faz-se oportuno estudar a alimentação dentro do contexto escolar – neste caso, a escola de educação integral –, uma vez que tal ambiente configura-se como o principal na vida das crianças, devido ao tempo em que passam ali. A alimentação escolar é aprendizado não somente de nutrientes e alimentos, mas com interfaces a outros campos de conhecimento, como social e cultural.

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Eating is more than a physiological need. When we ingest nutrients, when we put food in our mouth, a subjective baggage is also ingested and digested, making part of an individual and collective construction of social, cultural and food identification. The school meals, through The National Feeding Program (1955) have been updated and today constitute one of the most significant projects in the area of school meals in Latin America. At full time school, the student spends most of his day involved with meaningful activities, and nourishment is one of them. This study aims to understand the perceptions and representation of food in full time students´ daily routine as well as teachers and parents of a public school in a small town of Rio Grande do Sul. This is a qualitative research with data survey and ethnographic inspiration, developed with parents, teachers and students of the 4th year (primary school). In order to produce the data from parents and teachers a questionnaire with open questions was applied; and the drawing technic was used with the students. The information was considered according to the content analysis, and a counselor helped with the interpretation of the drawings. Fifteen students of the 4th year took part in this study, their parents (n=16) and their teachers. For the teachers, the school meals have a socializing and educational role, besides satisfying a nutritional need. This group was concerned with the quality and variety of the student´s meals outside the school, as well as with the changes made in school meals over time. The parents had a positive opinion, especially regarding the quality and variety of the food offered. It was noticed that parents do not have a significant involvement with the children´s school activities. Some observation of the eating habits in the family setting was also made. It was noticed that most children do not eat before coming to school, but on the other hand they have the habit of eating at home as soon as they arrive from school, even after having eaten at school. The types of food consumed outside the school environment are those rich in sugar and fat. By analyzing the types of drawings from students, two categories were classified; school meals related to the eating habits, and school meals related to the place and the actors involved. The school meal time is a pleasant experience to the students, where they can socialize with classmates. The meals´ time at school includes different aspects; the food offered, the feelings that such time brings, the relationship developed with other classmates, cook and teachers; and also the environment where the food is prepared and served. It is opportune to study the eating practice in the school environment – in this case, full time school – where children spend most part of their day. When studying school meals we learn more than its food and nutrients; social and cultural aspects are also interrelated.

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Figura 1 – Mapa do município de Guarani das Missões... 33

Figura 2 – Escola Clemente Soltis, vista frontal... 35

Figura 3 – Escola Clemente Soltis, vista lateral... 35

Figura 4 – Preparações desenvolvidas em curso com profissionais da alimentação escolar... 37

Figura 5 – Horário do almoço na escola... 39

Figura 6 – Momento da refeição na escola (almoço)... 40

Figura 7 – Refeitório da Escola Clemente Soltis... 41

Figura 8 – Desenho de A5 (9 anos)... 64

Figura 9 – Desenho de A4 (9 anos)... 65

Figura 10 – Desenho de A3 (9 anos)... 66

Figura 11 – Desenho de A1 (9 anos)... 67

Figura 12 – Desenho de A2 (9 anos)... 67

Figura 13 – Desenho de A8 (10 anos)... 68

Figura 14 – Desenho de A10 (9 anos)... 68

Figura 15 – Desenho de A12 (9 anos)... 70

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APRESENTAÇÃO... DO CARDÁPIO... 8

1 INGREDIENTES E MODO DE PREPARO... 10

1.1 REFLEXÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO... 10

2 REFLETINDO A CULTURA DO COMER... 17

2.1 OS ALIMENTOS E SUA ABORDAGEM SOCIOCULTURAL... 17

2.1.1 A representação cultural do alimento na formação da identidade social... 18

2.1.2 O alimento que nutre e a comida que alimenta... 23

2.1.3 O cultural e o social... 25

3 PREPARANDO E TEMPERANDO... ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO... 29

3.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS... 29

3.1.1 A localização do estudo... 32

3.1.2 A escola... 34

3.2 COMO TUDO FUNCIONA... 36

3.2.1 O momento da refeição... 38

3.2.2 O local das refeições: o refeitório... 40

4 AO FORNO... SISTEMATIZANDO OS DADOS DA PESQUISA... 42

4.1 A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL – DISCUSSÕES E EXPECTATIVAS... 42

4.2 PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA... 47

4.3 ANÁLISE DOS DADOS... 51

4.3.1 A representatividade dos professores... 51

4.3.2 A percepção dos pais sobre a alimentação da escola... 56

4.3.3 Percepções e representações dos alunos... 62

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envolvidos... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 76

REFERÊNCIAS... 81

APÊNDICE A – Caracterização do perfil dos pais... 89

APÊNDICE B – Caracterização perfil dos professores... 91

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para pais e professores... 93

APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para alunos... 95

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APRESENTAÇÃO... DO CARDÁPIO1

Alimentação, cardápios, cálculos, orçamentos, fornecedores, alimentos, distribuição, caixas cheias de alimentos, controle de estoque, nutrição, pratos e canecas, talheres, capacitações, balança, ir para a fila, cheirinho no ar, barulho do „creque‟ das bolachas, de talheres nos pratos, comida derramada. Essas são muitas das expressões presentes no meu dia a dia. Em meu cotidiano como profissional da área de Nutrição, tais elementos e tarefas norteiam e conduzem minha profissão. Trabalho diretamente com isso, pois sou responsável técnica da alimentação escolar do município de Guarani das Missões/RS2.

A temática da alimentação escolar da rede pública municipal de Guarani das Missões ocupa um espaço significativo na minha agenda profissional no que se refere a compra, organização dos cardápios, distribuição dos alimentos, controle de qualidade, controle de estoque, utensílios, segurança alimentar; ou seja, acompanhamento desde a aquisição dos gêneros alimentícios até a produção e a oferta da refeição aos alunos. Entre essas atividades encaixa-se, ainda, uma das que considero de maior relevância: a de propor e realizar ações de educação alimentar e nutricional nas escolas.

Qualquer assunto que seja comentado em relação às temáticas da alimentação e da nutrição escolar chama-me a atenção. Afinal, quem não deseja compreender sobre questões educativas relacionadas a uma alimentação minimamente saudável? E falar de alimentação, geralmente, é relacionar com uma das dimensões de saúde. Sendo assim, podemos afirmar que alimentação e saúde são temas inseparáveis, além de serem essenciais à vida.

Abordar sobre alimentação, nutrição e comida não é somente comentar sobre o ato de ingerir nutrientes. Para Roberto DaMatta (1997), a comida é um importante código de expressão da sociedade brasileira, tanto quanto a política, a economia, a família, o espaço e o tempo. Discutir comida/alimentação implica considerar essas categorias inseparáveis na escola: nutrição e prazer (BEZERRA, 2009).

Merenda é alimento e comida. Carrega, assim, expressivo significado para os alunos, ultrapassando a mera satisfação de necessidades biológicas. Ao fazer sua refeição na escola, a criança compartilha, relaciona-se, interage com os demais, estimulando assim seu caráter social, contribuindo em seu desenvolvimento psicossocial.

1

Uso tal analogia como metáfora aos termos da alimentação.

2

Cidade situada na região das Missões, Zona Noroeste do Rio Grande do Sul. Informações disponíveis em: <http://www.guaranidasmissoes.rs.cnm.org.br>.

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Mais do que simplesmente relatar opiniões a respeito do tema alimentação escolar, esta pesquisa traz como objetivo compreender as percepções e as representações atribuídas pelos atores sociais de uma comunidade escolar municipal de turno integral. Busca compreender as representações que a alimentação na escola expressa no cotidiano de alunos, pais e professores de uma escola municipal localizada em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul. Conduz à resposta da seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as percepções e representações atribuídas pelos diferentes atores sociais (os alunos do quarto ano, seus pais e professores) sobre a alimentação escolar em uma escola municipal de turno integral do município de Guarani das Missões/RS?

A dissertação está organizada em quatro partes. No primeiro capítulo, é exposta a contextualização do tema e a problemática do estudo. No segundo, são apresentados os pressupostos teóricos que norteiam a investigação, relatando a abordagem sociocultural do alimento, sua representação, simbologia e aspectos da formação da identidade alimentar. No capítulo três, é apresentada a metodologia empregada na produção dos dados, juntamente com uma caracterização dos atores e local envolvidos na pesquisa. Como capítulo final, são expostos os resultados da pesquisa, juntamente com a análise e a discussão dos dados produzidos.

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1 INGREDIENTES E MODO DE PREPARO

1.1 REFLEXÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO

O ato de alimentar-se vai além de uma questão fisiológica, carrega consigo sentidos e significados que transcendem o fato de satisfazer a fome e as necessidades nutricionais. Muito mais do que ingerir nutrientes, ao colocar um alimento na boca toda uma bagagem subjetiva (cultura, valores, emoções, preferências, prazer, relações econômicas e sociais) é igualmente ingerida e digerida, fazendo parte de uma construção individual e coletiva de uma identificação social e alimentar. O fato de comer está necessariamente conectado tanto à biologia da espécie humana como aos processos adaptativos empregados pelas pessoas em função de suas condições particulares e coletivas de existência (CONTRERAS; GRACIA, 2011).

Segundo Contreras e Gracia (ibidem), a alimentação está vinculada à realidade biológica e psicossocial dos seres e, juntamente com fatores como a condição onívora ou as restrições genéticas, outros de caráter cultural como classe social, idade, gênero, identidade ou grupo étnico determinam nossas opções e preferências alimentares cotidianas. Consumimos aquilo que nos faz bem, ingerimos alimentos que são atrativos para os nossos sentidos, nos proporcionando satisfação.

Não comemos apenas quantidades de nutrientes e calorias, escolhemos o que queremos ingerir, e juntamente com escolhas ocorrem significações, interpretações de experiências e situações. O ser humano nutre-se também de imaginário e de significados, partilhando representações coletivas (FICHLER, 2001). Nas práticas alimentares, que vão desde a seleção, os procedimentos de preparação e até o consumo propriamente dito, a subjetividade veiculada inclui a identidade cultural, a condição social, a religião, a memória familiar, a época que perpassam essa experiência diária (ASSAO, 2012).

Os hábitos alimentares são as formas segundo as quais os indivíduos – em resposta às pressões sociais e culturais –, escolhem, consomem e distribuem os alimentos de que dispõem (CONTRERAS; GRACIA, 2011). O sistema cultural designa a singularidade das práticas alimentares. De acordo com Contreras e Gracia (ibidem, p. 55), “não comemos com os dentes e não digerimos com o estômago, mas comemos com o nosso espírito e provamos os alimentos segundo as regras culturais vinculadas ao sistema de trocas recíprocas que está na base de toda vida social”.

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O fenômeno alimentar, dentro de suas infinitas abordagens, caracteriza-se por ser biológico, psicológico e social (CONTRERAS; GRACIA, 2011). Na alimentação não podemos dissociar biológico do subjetivo; são vertentes igualmente relevantes na formação da identidade alimentar de cada ser.

A raiz da alimentação está na cultura, carregada de representações que são construídas ao longo do tempo, todavia ela possui dinamismo e se transforma de acordo com as transformações da própria sociedade (BARBOSA, 2012). Para Lifschitz, as identidades sociais são também alimentares, e

[...] os hábitos alimentares estão sinalizando diferenciações sociais, como fazem o tipo de vestimenta, o corte de cabelo, ou a presença em certos espaços sociais. As práticas alimentares cada vez mais definem identidades que estabelecem recortes sociais entre o mesmo e o outro. (1995, p. 158).

A comida é analisada ao ser ingerida, na proporção em que os alimentos devem ser primeiro considerados comestíveis, aceitos pelos significados sociais e, depois, digeridos por nosso organismo (CONTRERAS; GRACIA, 2011). Primeiro, reconhecemos e pensamos o alimento; depois, se qualificado for, o comemos. Para a ciência (medicina e nutrição), aparentemente, o ser humano se nutre de glicídios, lipídeos e protídeos, mas os alimentos, muito mais do que isso, significam e comunicam (ibidem).

Uma alimentação saudável, completa, variada e agradável é fundamental, sobretudo para corpos escolares em fase de desenvolvimento. Exerce papel importante na prevenção e no controle de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)3, cuja prevalência vem aumentando significativamente, sendo responsáveis, há mais de três décadas, pela maior carga de doenças no Brasil (BRASIL, 2005, p. 59).

As causas de maior mortalidade no mundo, hoje, são doenças que poderiam ser evitadas com alimentação adequada, prática regular de exercícios físicos e um estilo de vida saudável, com lazer, controle de estresse, cuidado pessoal, com o próximo e com o meio ambiente. Porém, quando falamos de alimentação, diversos outros fatores estão incluídos. Como já referido, o ato de comer envolve muitas significações que não somente o papel biológico de nutrir, mas também toda dimensão emocional e social dos indivíduos.

Sabemos que durante os cinco primeiros anos de vida, a criança adquire importantes noções a respeito de alimentos. As crianças iniciam a formação dos hábitos, incluindo o alimentar, desde sua bagagem genética, o que vai interferir nas suas preferências alimentares,

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Afetam muitos sistemas do corpo humano e incluem enfermidades como: cárie dentária, obesidade, diabetes, hipertensão arterial, acidentes cerebrovasculares, osteoporose, câncer de muitos órgãos, bem como doenças coronarianas (BRASIL, 2006, p. 19).

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sendo modificadas e molduradas conforme a cultura na qual estão inseridas (VITOLO, 2003, p. 144).

Assim, podemos afirmar que a criação de hábitos e práticas alimentares ocorre desde os primeiros anos de vida, sendo fundamental para a construção de uma saúde equilibrada e um adequado desenvolvimento da criança. O hábito, para Enilda Gouvêa (1990), é, pois, uma segunda natureza e se forma pela frequência de consumo de determinados alimentos desde o nascimento, pela exigência do paladar, envolvendo ainda um forte contingente de sentimentos regionalistas e recordações afetivas familiares e do meio social em que vive.

Para o desenvolvimento de um comportamento alimentar, a família é a base, e fatores sociais, econômicos, culturais e afetivos atuam como estruturas dessa base, reforçando e determinando o processo de formação de hábitos. As práticas alimentares adquiridas na infância, principalmente por imitação e condicionamento, ficam profundamente arraigadas no indivíduo e trazem em si uma forte carga emocional (DAMATTA, 1987). A população infantil é influenciada pelo ambiente onde vive, que, na maioria das vezes, é constituído pelo grupo familiar (ROSSI; RAUEN, 2008) e pelo espaço escolar. Assim, a vida social se organiza e se constrói juntamente com a alimentação (CARVALHO et al, 2011). Na alimentação, isso se reflete na criança diretamente, ao desenvolver suas preferências e escolhas alimentares.

Embora os hábitos alimentares sejam moldados no ambiente familiar, a escola tem papel importante e um lugar fundamental na direção da promoção alimentar saudável, pois nesse ambiente todas as crianças podem ser facilmente alcançadas. Desenvolver alimentação balanceada e ao mesmo tempo promover hábitos saudáveis em ambiente escolar é um assunto que vem sendo amplamente recomendado por diversos órgãos internacionais4 ligados à promoção de saúde e bem-estar social (BIZZO; LEDER, 2005).

Outro ponto notório é que a infância e a adolescência brasileira estão institucionalizadas. Por isso, faz-se importante estudar o cotidiano escolar, uma vez que, dentre os espaços sociais ocupados pelas crianças e pelos adolescentes na contemporaneidade, destacam-se as instituições coletivas de educação, como a escola (SARMENTO, 2000). Manuel Sarmento (ibidem) também destaca a institucionalização de crianças/adolescentes como um dos marcos mais importantes do século XXI. Na mesma vertente está o pensamento de Perrotti (2002), que chama a atenção para os modos como as relações entre infância e

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Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

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cultura escolar foram se desenvolvendo a partir do mundo moderno, atingindo diretamente novos modos de socialização das crianças e dos adolescentes.

Marques (1997) também afirma que as transformações das famílias, a partir do século XX, alteraram as próprias relações de sociabilidade, em particular e entre as gerações, passando a retrair-se na vida privada e delegando à escola o papel de socializar as crianças. Perrotti (2002, p. 92) afirma que

[...] o confinamento da infância/adolescência [...] a cultura produzida pela infância livremente nos espaços da rua foi progressivamente sendo assimilada pelos espaços educativos à medida que a urbanização e insegurança avançavam. [...] Sem poder brincar livremente pela cidade, a criança/adolescente perde não apenas o espaço físico, mas, sobretudo, altera estruturalmente suas condições de produzir e de se relacionar com os processos de socialização mais abertos com a vida política.

Perrotti (ibidem, p. 46) reafirma que a “infância e adolescência contemporânea estão institucionalizadas [...], das 7 da manhã ao meio-dia as crianças ficam na escola, e depois do almoço, vão para um projeto social ou para atividades extracurriculares”. Assim, a escola vem se modificando rapidamente. Isso também se dá, talvez, por necessidade dos pais, que trabalham em turno integral, e pela nova forma de organização de família que hoje se apresenta, muitas vezes composta somente pelo genitor ou pela genitora, o que demanda pessoas e/ou instituições externas para dar conta da ocupação do tempo dessas crianças de forma educativa. Esses novos padrões de comportamento e organização familiar emergentes na sociedade urbana contemporânea levam os pais a confiarem seus filhos às escolas de turno integral, tornando a instituição escolar uma peça ainda mais importante e representativa na vida de crianças e adolescentes.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), em seus artigos 34 e 87, prevê a ampliação progressiva da jornada escolar do ensino fundamental para o regime de tempo integral. Prevê ainda, no artigo 1º, que a educação abranja os processos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, expandindo os espaços e as práticas educativas.

Segundo Vieira (2003), com a extensão da jornada escolar, redefine-se o papel da escola, transformando-a de instituição responsável somente pelo ensino em instituição também responsável pela formação integral do aluno. A mesma autora fala que

[...] essa proposta surgiu com o intuito de solucionar a severa crítica que se tem feito nos últimos tempos de que a escola pública tem ministrado apenas “instruções” aos nossos alunos. Por essa razão é que se propõe, através dessas mudanças, que a escola, além de “informativa”, seja também “formativa”, que ofereça um programa

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capaz de sustentar o desenvolvimento de uma educação integral aos alunos. (ibidem, p. 21).

Logo, a educação integral seria constituída a partir de duas premissas, uma parte centrada na questão do conhecimento científico, e outra diversificada, baseada nas questões da vida, uma vez que a criança fica grande parte do seu dia na escola.

Linden (2005) defende que a educação corresponde a inter-relações que convergem em conhecimentos e também na formação vinculada aos princípios de ações da vida. Essa questão nos possibilita pensar sobre as ações alimentares na escola e a função desta instituição na formação e produção de hábitos alimentares saudáveis nos alunos. Acreditamos que a alimentação escolar (a comida, o ato de comer) não pode – na escola de tempo integral – ser servida em forma de „ração‟. É tarefa fundamental que a educação alimentar tenha seu lugar na escola, compondo um plano nacional oficial de ensino.

Nesses últimos anos, profundas transformações vêm ocorrendo na educação brasileira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1996), que hoje constituem o plano oficial para o ensino fundamental brasileiro, aparecem como flexíveis, inovadores, de caráter integrado e promotores de cidadania. O governo federal, desde o século XIX, nos traz, através de políticas públicas, programas que contribuem para a concretização do direito humano a diversas condições básicas, entre elas a alimentação. Hoje, um desses programas é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e que teve sua origem na década de 1940. Esse programa é considerado atualmente um dos maiores projetos na área de alimentação escolar no mundo, tornando-se o único com atendimento universalizado e referência na América Latina (BRASIL, 2012).

Segundo o Ministério da Educação, na Resolução nº 38/2009, em seu artigo 4º, um dos objetivos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é de

[...] contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo. (BRASIL, 2009, p. 3).

Visando a tal objetivo, o governo federal instituiu nesta mesma resolução a inserção de ações de alimentação e nutrição nas escolas – e a educação nutricional é uma dessas ações. De acordo com a descrição do documento, será considerado educação alimentar e nutricional “o conjunto de ações formativas que objetivam estimular a adoção voluntária de práticas e

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escolhas alimentares saudáveis, que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a qualidade de vida do indivíduo.” (ibidem, p. 6).

Ainda segundo a RDC 38/2009, entre outras estratégias de educação alimentar e nutricional estão a oferta da alimentação saudável na escola e a implantação e manutenção de hortas escolares pedagógicas. Além disso, considera a inserção do tema alimentação saudável no currículo escolar, a realização de oficinas culinárias experimentais com alunos, a formação da comunidade escolar, bem como o desenvolvimento de tecnologias sociais que a beneficiem (BRASIL, 2009).

Apesar da crescente evidência que o tema „educação alimentar e nutricional‟ vem assumindo em termos programáticos e orçamentários aos estados e municípios brasileiros, os avanços ainda são tímidos. Um desafio importante reside no fortalecimento pedagógico da alimentação escolar. Como espaço de aprendizagem, a escola tem o compromisso de incentivar hábitos alimentares saudáveis que possam ser irradiados também para fora do ambiente escolar.

Nesse contexto, a inserção desses temas e conteúdos nos projetos político-pedagógicos das escolas assume papel estratégico. Todas as iniciativas devem englobar preceitos de promoção da autonomia, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, respeito às culturas alimentares, a história alimentar regional e a valorização da biodiversidade (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL, 2011).

Educar em nutrição tem como desafio – além da transmissão de conhecimentos necessários a uma boa conduta alimentar, e, consequentemente, promoção de saúde – analisar atitudes e condutas relativas ao universo que envolve a alimentação cotidiana. Compete desenvolver estratégias sistematizadas para impulsionar a cultura e a valorização da alimentação, concebidas no reconhecimento da necessidade de respeitar, mas também modificar crenças, valores, atitudes, representações, práticas e relações sociais que se estabelecem em torno da alimentação da criança. Porém sabemos que, para que a educação nutricional seja efetiva no ambiente escolar, algumas recomendações e atitudes são imprescindíveis. Uma delas é a capacitação adequada dos professores, assim como a produção de materiais e elaboração de estratégias educativas.

Reforçamos, pois, a importância do profissional da nutrição no espaço escolar, exercendo muito mais do que as ações inerentes à sua profissão, mas também contribuindo na introdução de novos hábitos e práticas de alimentação, através da educação alimentar e nutricional. Além da possibilidade de as crianças alimentarem-se de forma equilibrada e saudável, que dê conta das necessidades físicas e que seja fator de prevenção de doenças,

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levar esses conhecimentos, esses novos padrões de comportamento alimentar também para suas famílias, parece-nos ser uma ação imprescindível desse profissional.

A alimentação, então, se impregna de nutrição (biológico) e de cultura (empírico). Nessa interface, alimentação não é somente uma questão de somar saberes, mas de fazer ciência e de pensar as relações sociais em seu contexto histórico e social (SANTOS, 2008). A identidade alimentar de cada ser traz consigo um pouco da carga pessoal, familiar, social e física. Por ser impregnada pela cultura de modo simbólico e representativo, sua construção ocorre ao longo da vida e vai se modificando, na medida em que o indivíduo vai desenvolvendo suas relações sociais. Comemos com a boca, mas também com o espírito.

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2 REFLETINDO A CULTURA DO COMER

Discorrersobre a alimentação e o alimento é o objetivo deste capítulo, em que discuto as relações socioculturais que envolvem a temática da alimentação. As relações entre alimento e identidade, alimento e comida, cultura alimentar, simbologia e representação do comer para o sujeito são alguns dos temas dialogados neste ponto.

2.1 OS ALIMENTOS E SUA ABORDAGEM SOCIOCULTURAL

Alimento é descrito pelo dicionário da língua portuguesa como “toda substância que sirva para alimentar ou nutrir”, necessidade básica e vital relativa a nutrientes essenciais ao organismo (HOUAISS, 2004, p. 31). Se observarmos pelo aspecto da saúde, o alimento possui atribuições importantes que conduzem nosso corpo ao bem-estar, porém as pessoas não se alimentam somente de nutrientes – elas fazem suas escolhas alimentares, e dentro disso diferentes aspectos subjetivos se associam, tais como emocional, cultural, econômico e social. De acordo com Canesqui e Garcia (2005a), antropólogos5 afirmam há muito tempo que o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões, rituais. Os alimentos imbricam-se com a sociabilidade, com significados, com as experiências, com as situações. Um alimento, para ser ingerido, é eleito, selecionado, processado. Além de alimentar o corpo, passa por „etapas‟ carregadas de subjetividades e questões socioculturais.

Discutir sobre alimentação/nutrição e comida ultrapassa a mera satisfação de necessidades biológicas; traz consigo diferentes implicações e representações implícitas na ação de alimentar-se. A mecanicidade da alimentação como supressão da fome e das questões nutricionais não ocorre sozinha. Nesse campo, natureza e cultura se encontram, pois, o quê, quando e com quem comer são aspectos que fazem parte de um sistema que envolve atribuição de significados ao ato alimentar (ibidem).

Roberto DaMatta (1997, p. 55) relata que há diferenças entre comida e alimento: “Alimento é tudo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva; comida é tudo que se come com prazer, de acordo com as regras de comunhão e comensalidade”; um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. O fato é que a escolha dos alimentos e o ato em si da alimentação são influenciados por determinantes oriundos de duas grandes dimensões: individuais e coletivas. Entende-se por individuais as questões subjetivas, o conhecimento e as percepções

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sobre a alimentação; já na dimensão coletiva encontram-se aspectos econômicos, sociais e culturais (BRASIL, 2012).

Stuart Hall (1997) define a cultura como uma rede de significados que os seres humanos utilizam para significar, regular, organizar sua conduta em relação aos outros. O mesmo autor coloca que conduzimos uma carga cultural que inicia desde a infância e vai sendo acumulada e ocasionada através de sentimentos, histórias e experiências vivenciadas, às quais chama de “nossas identidades”: únicas, peculiares e individuais.

A cultura constitui o ser humano, instituindo sua identificação em relação à sua conduta social, assegurando que as práticas sociais expressem um significado, ou seja, são práticas de significação, em que é necessário diferenciar os aspectos substantivos e epistemológicos da cultura (ibidem). A dimensão substantiva refere-se a instituições, relações culturais na sociedade, fatos particulares de cada ser; afinal, somos marcados pelo lugar onde crescemos, carregamos conosco marcas que vão sendo constituídas ao longo do tempo.

A cultura está entre as dimensões que envolvem o ato alimentar, refere-se à construção de identidades socioculturais. A cultura faz parte da formação subjetiva do indivíduo, na formação da pessoa como um ator social. Ela, a cultura, atua dando significados e interpretações aos diferentes campos da vida humana. Considerando que o humano não depende tanto de um comportamento inato, como os outros animais, sua conduta precisa ser construída no processo sociocultural (DANIEL; CRAVO 2005). Assim, a cultura não deve ser considerada apenas o conjunto de hábitos e tradições de um grupo, mas um „programa‟, os „planos‟, as „instruções‟, o sistema simbólico que orienta os comportamentos (GEERTZ, 1989).

2.1.1 A representação cultural do alimento na formação da identidade social

As representações – aqui me refiro às representações alimentares –, segundo Mattos e Luz (2009, p. 158), “são atribuições socioculturais mais ou menos conscientes (racionalizadas), incluindo diferentes graus de discursividade”. A representação social dos significados não é compreendida como sendo determinada apenas pelas condições objetivas, mas também como estrutura estruturante, isto é, que afeta as condições concretas da sociedade, imprimindo-lhes a perspectiva subjetiva por meio da ação social (BEZERRA, 2009).

Representar não consiste somente em selecionar, completar um indivíduo com um suplemento de origem subjetiva; é ir mais além, elaborando uma doutrina que facilite a tarefa

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de decifrar, predizer ou antecipar os atos de quem representa (BEZERRA, 2009). Desse modo, alimento e alimentação possuem dupla função no que tange à representação social dos seres. A primeira, conforme Bezerra (2009) vincula o objeto a um sistema de valores, noções e práticas que norteiam o indivíduo no meio social e material. A segunda propõe aos membros de uma comunidade um instrumento de códigos para denominar e classificar de maneira clara as partes do seu mundo, de sua história individual ou coletiva (ibidem). O ato de comer, em seu caráter representativo, conduz consigo o meio e os materiais externos do sujeito, bem como a trajetória pessoal vivida e acumulada. Domingos Sobrinho (1997) refere que a teoria moscoviciana das representações sociais permite-nos compreender as ações humanas não somente como resultado de experiências acumuladas e de sistemas de disposições incorporadas, mas também como produto da ação do indivíduo sobre si mesmo e sobre o mundo exterior; não é algo passivo, uma vez que modela o que é dado do exterior.

Através dos elementos da realidade, a representação social torna-se uma construção mental da existência que permite a compreensão e a organização do mundo (GARCIA, 1997). Os conceitos, as teorias e as práticas são submetidos a uma reconstituição a partir das informações colhidas e da bagagem histórica (social e pessoal) do sujeito, permitindo que se tornem compreensíveis e úteis (ibidem). Sob esse contexto, as representações sociais convertem e introduzem objetos significantes num meio comum e cotidiano do indivíduo, tornando-o relevante e representativo.

Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido; sua ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam. Esses sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações (HALL, 1997). Nesse mesmo contexto, Hall (ibidem) relata que as representações são subjetivamente válidas e estão objetivamente presentes em nossas ações, instituições, rituais e práticas, em que a ênfase na linguagem e no significado tem tido o efeito de tornar indistinta, senão se dissolver, a fronteira entre as duas esferas, do social e do psíquico.

Sob a ótica desse enredo de identidades, Hall (2011) nos expõe três concepções distintas sobre o assunto: a identidade do sujeito iluminista, a identidade do sujeito sociológico e a identidade do sujeito pós-moderno. Como sujeito do iluminismo, o ser baseava-se numa concepção de humano totalmente centrado em si, unificado, dotado de razão, consciência e ação; sua identidade nascia com ele e assim se desenvolvia contínua ou „idêntica‟ a ele, ao longo de sua existência; o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa (ibidem).

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Na perspectiva sociológica, a identidade surge da interação do eu com a sociedade. Reflete a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo do sujeito não é autônomo e autossuficiente, mas formado da relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediam valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que habita (HALL, 2011). Essa identidade sociológica, surgida da relação do sujeito com o outro, também traz um preenchimento de um espaço „interior‟ e „exterior‟, entre o pessoal e o público:

O fato de que projetamos a “nós próprios” nossas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornado-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. (ibidem, p. 12).

Essa visão de identidade sob a concepção sociológica auxilia no processo de produção do sujeito pós-moderno, conceituando, assim, segundo Stuart Hall, a terceira concepção de identidade. O sujeito pós-moderno conceptualiza-se como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente, ela torna-se uma “celebração móvel” formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (ibidem). À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante de identidades, e com cada uma das quais podemos nos identificar (ibidem).

Na alimentação, a representação é parte significativa quando o assunto é identidade alimentar. O alimento, nesse processo identitário, surge como fator determinante, utilizado como sinal diacrítico, símbolo de uma identidade reivindicada (CANESQUI; GARCIA 2005a). O modo alimentar ultrapassa o ato de comer em si e se articula com outras dimensões sociais e com a produção de identidade(s) (idem, 2005b). A alimentação apresenta interfaces tanto com a existência material como com a constituição social e a expressividade do ser humano. Um exemplo dessa representatividade do alimento/alimentação é referido por Roberto DaMatta:

Um bolo comido no final de uma refeição é algo que denominamos “sobremesa”, tendo o significado social de “fechar” ou arrematar uma refeição anterior, considerada como principal, constituída de pratos salgados... Agora, um bolo que é comido no meio do dia pode ser sinal (ou sintoma) de um desarranjo psicológico, como acontece com as pessoas que comem compulsivamente. Finalmente, um bolo que é o centro de uma reunião, que serve mesmo como motivação para o convite quando se diz: “venha comer um bolo com o Serginho”, é um bolo com significado todo especial. (1987, p. 19).

Assim, o comer, mais do que uma questão física e biológica, imbui-se de sentidos e representações que ultrapassam o fato de satisfazer a fome e as necessidades nutricionais. É

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necessário compreender que as escolhas alimentares estão ligadas a aspectos subjetivos, como paladar, prazer, valores e relações sociais (CANINÉ; RIBEIRO 2007). Mattos e Luz (2009) diz que a representação é uma atribuição sociocultural mais ou menos consciente, e que os sentidos do alimentar-se dizem respeito à significação no contexto de um universo imaginário e simbólico, capaz de produzir identidades individuais e coletivas, relações sociais e vínculos.

As pessoas não se alimentam de nutrientes, mas sim de alimentos específicos, com cheiro, cor, textura e sabor (BRASIL, 2012), o que desencadeia diferentes percepções e sensibilidades, e assim remete a representações acerca desse alimento ingerido. Maria Eunice Maciel (2005, p. 50) traz a concepção de Sophie Bessis, que afirma:

Dize-me o que comes e te direi qual Deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultural nasceste e em qual grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua identidade.

A forma como um povo se alimenta, mais do que apenas um ato de nutrição e representação cultural, estabelece raízes que expressam e identificam os sujeitos, demarcando territórios que demonstram o local onde o indivíduo está inserido. O que é colocado no prato serve para nutrir o corpo, mas sinaliza, acima de tudo, um pertencimento, servindo como um código de reconhecimento social (ibidem).

São assim originadas cozinhas emblemáticas e diferenciadas, maneiras culturalmente estabelecidas, codificadas e reconhecidas de se alimentar, das quais os pratos são elementos constitutivos e que por si sós podem ser representativos de um grupo (ibidem). Esse emblema, como figura simbólica de um grupo, faz parte de um discurso que expressa um pertencimento e, assim, uma identidade.

O ato de comer, além de satisfazer as necessidades biológicas, é também fonte de prazer, de socialização e de expressão cultural. Carvalho et al. (2011) afirmam que o alimentar-se diz respeito à representação no âmbito de um universo imaginário e figurado, não necessariamente racional, mas capaz de produzir identidades que ultrapassam a lógica consciente do discurso, em que os alimentos assumem significados e dão sentido às nossas ações sociais.

Segundo Geertz (1989), os homens são artefatos culturais, e é assim que a comida se constitui como uma propriedade humana fundadora da identidade tanto individual quanto coletiva. Santos (2008, p. 17), quando fala da experiência do comer, afirma: “Ela se situa dentro de um jogo de distinção e alteridade no qual os homens registram seu pertencimento a

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uma cultura ou a um grupo qualquer seja pela afirmação de sua especificidade alimentar ou pela diferença em relação aos outros”.

Muito mais do que símbolos, a alimentação de um grupo constituiu um conjunto de elementos referenciados em uma tradição e articulados no sentido de compor algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas (MACIEL, 2005). Entende-se, assim, a identidade social como um processo dinâmico, em constante reconstrução, agindo como referenciais identitários sujeitos a constantes transformações. Carvalho et al. (2011, p. 158) reforçam a representação do alimento:

A comida representou uma riqueza para o homem e é capaz de expressar, ao longo da sua história, a constituição das estruturas sociais desde o momento em que se diferenciou dos outros animais, ao prepará-la e socializá-la, e dessa forma dividindo o trabalho para consegui-la.

Assim, deve-se levar em consideração todo o processo histórico-cultural, particular e existencial do sujeito, envolvendo desde a esfera cultural até as expectativas pessoais.

Existem momentos propícios para o doce, o salgado, a bebida, a fartura ou a restrição, que são embebidos de representações culturalmente determinadas, que vão desde a prática dos procedimentos relacionados à preparação dos alimentos ao seu consumo propriamente dito (ASSAO, 2012). A alimentação humana é um fenômeno complexo, em que os aspectos psicológicos, fisiológicos e socioculturais estão profundamente envolvidos e interligados nas práticas alimentares (POULAIN; PROEMÇA, 2003). A subjetividade veiculada no alimento inclui a identidade cultural, a condição social, a religião, a memória familiar, a época que perpassam essa experiência diária (ASSAO, 2012).

Pensar a alimentação, então, não nos conota somente a parte biológica. Ao lado de estudos desta natureza, existem olhares heterogêneos (empíricos), mas que ao mesmo tempo são suplementares para a compreensão da construção e prática do habitus alimentar. O alimentar-se vai além de uma questão fisiológica de necessidades de nutrientes, constrói costumes, acompanha ritos de passagem, liberta os espíritos e sela relações entre o indivíduo e a sociedade (CARVALHO et al., 2011). Essa mesma visão é referida por Canesqui e Gracia (2005b, p. 42):

A comida não é apenas boa para comer, mas também é boa para pensar. Pensar em comida é pensar em simbolismo, pois ao comermos, além de ingerirmos nutrientes (que permitem a sobrevivência), ingerimos também símbolos, ideias, imagens e sonhos (que permitem uma vivência).

Sob o mesmo sentido, Lévi-Strauss (2004) reforça a concepção, colocando que o alimento não serve somente para comer; serve para pensar.

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2.1.2 O alimento que nutre e a comida que alimenta

A seleção de alimentos compõe as práticas alimentares e define os cardápios e as dietas dos sujeitos. O alimento, conforme o local, o contexto histórico, econômico e social, traz consigo diferentes concepções e simbolismos, dando um sentido mais representativo à comida. Na opinião de Roberto DaMatta (1997), o alimento tem uma neutralidade, já a comida referencia um alimento que se torna familiar e, por isso mesmo, definidor de caráter, de identidade social, de coletividade. Essa perspectiva remete que o alimento representa o que realmente pode ser comível, nutritivo, saudável, na ordem biológica, que irá fornecer ao corpo nutrientes essenciais que contemplarão as necessidades do organismo. E comida seria a conjuntura desses alimentos, associada à bagagem cultural, tornando-se assim comestível, porém representativo na ordem sociocultural. Neste trabalho, o objeto de estudo encaixa-se numa esfera que apresenta interfaces tanto na realidade física como com a construção social e expressiva do ser humano; afinal, alimentação, na escola, é alimento e comida.

Ao longo da história, a alimentação demarcou etapas importantes no processo evolutivo do ser humano. No início, este limitou-se à caça, à pesca e à coleta de vegetais. Posteriormente, veio a agricultura, que permitiu o controle sobre o meio ambiente. Depois, os humanos passaram a planejar a produção de alimentos, que já não mais se destinavam somente para a satisfação da fome, mas também à comercialização. O alimento passa de uma simples necessidade vital para uma forma de socialização, que constrói comportamentos, significações e representações, além de atuar no desenvolvimento da economia de um país. Do alimento que nutre surge, também, a comida que alimenta.

Roberto DaMatta (1986, p. 22) estabelece muito bem essa diferenciação entre alimento e comida, quando escreve que:

Alimento é algo universal e geral. Algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente de perto e de longe, da rua ou de casa, do céu e da terra. Mas a comida é algo que define um domínio e põe as coisas em foco. Assim, a comida é correspondente ao famoso e antigo de-comer, expressão equivalente a refeição, como de resto é a palavra comida. Por outro lado, comida se refere a algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa.

A partir dessa definição, pode-se perceber o papel da cultura na alimentação, sua atuação desde o sentido biológico até a representação que um alimento ou comida podem trazer, definindo assim comportamentos e identidades. Portanto, segundo Braga (2004), o que se come, quando, com quem, por que e por quem é determinado culturalmente, transformando o alimento (nutritivo) em comida.

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Durante toda nossa vida, comer é algo essencial, temos essa necessidade diária. Porém, juntamente a isso, crescemos em lugares específicos, cercados de pessoas com hábitos e crenças particulares. Desse modo, o que aprendemos sobre comida está inserido em um corpo substantivo de materiais culturais historicamente derivados (MINTZ, 2001). A comida e o comer assumem, assim, um caráter central no aprendizado social, por sua essência vital e essencial, embora rotineira (ibidem).

Podemos dizer que alimentar-se é um ato de socialização, cujas preferências e particularidades vão surgindo a partir da construção dos hábitos e costumes de cada indivíduo. Segundo Setton (2002), habitus é uma noção que auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente, ora inconsciente, predispondo o indivíduo a fazer as suas escolhas. A mesma autora coloca que tal teoria habilita a pensar o processo de constituição das identidades sociais no mundo contemporâneo – aqui, mais particularmente, identidades sociais e alimentares.

Setton (ibidem) relata que, a partir de pesquisas realizadas na Argélia e entre camponeses da região francesa de Béarn por Pierre Bourdieu, o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais. Na constituição de hábitos alimentares, tal conceito se enquadra, visto que diferentes aspectos como cultura, ambiente, época, religião, saúde, entre outros, perfazem influências que criam as bases e, conforme o cotidiano, vão delimitando e estabelecendo as preferências no ato de comer. A alimentação tem suas raízes das relações sociais e individuais.

Bourdieu (1983, p. 65) reforça esta teoria, quando traz o conceito de que habitus é

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas.

O princípio de habitus concilia o diálogo entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. É concebido como um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais), onde o pessoal, o individual e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados (SETTON, 2002). O habitus é uma subjetividade socializada, e a alimentação é um habitus (BOURDIEU, 1992).

O habitus surge como um produto da história, um sistema de disposição aberto, que é incessantemente confrontado por experiências novas e, assim, incessantemente afetado por

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elas (BOURDIEU, 1992). São práticas caracterizadas como inconscientes, uma vez que são vistas como evidentes e naturais pelos indivíduos (SETTON, 2002), assim como a comida e o alimento, em que a mecanicidade do ato alimentar acaba por limitar (ou delimitar) as preferências e escolhas na formação de hábitos cotidianos na alimentação. Porém habitus não pode ser interpretado como sinônimo de uma memória sedimentada e imutável; é também um sistema aberto e constantemente sujeito a novas experiências (ibidem).

O conceito de habitus traz a compreensão como um instrumento conceptual que auxilia a apreender uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e nas preferências de grupos e/ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social, recuperando a noção ativa dos sujeitos como produtos da história de todo campo social e de experiências acumuladas no curso de uma trajetória individual (ibidem). A comida e o alimento, nesse contexto, desenvolvem-se num mesmo curso, trazendo e referenciando ao indivíduo muito mais do que alimentação ao corpo físico, mas também alimentação do subjetivo e social de cada pessoa, formado ao longo de sua vivência. A pessoa transforma o consumo de alimento, que é uma necessidade biológica, numa necessidade cultural, usando o ato de comer como um veículo para relacionamentos sociais (SANTOS, 2005).

Os habitus individuais, produtos da socialização, são constituídos em condições sociais específicas, por diferentes sistemas de disposições produzidos em condicionamentos e trajetórias diferentes, em espaços distintos como a família, a escola, o trabalho, os grupos de amigos e/ou a cultura de massa (SETTON, 2002). O comportamento alimentar revela muito sobre o indivíduo e sofre a influência de diversos fatores ao longo de sua construção.

2.1.3 O cultural e o social

Os sistemas alimentares diferentes equivalem a sistemas culturais distintos, nos quais a cultura atua estabelecendo regularidade e especificidade (CONTRERAS; GRACIA, 2011). A atitude alimentar cotidiana dos indivíduos depende de seus padrões culturais. As pessoas mostram condutas diante da comida que foram sendo aprendidas de outras pessoas dentro de suas redes sociais, seja família, entre iguais, seja no grupo étnico, na classe social ou na comunidade local (CONTRERAS; GRACIA, 2011).

Essa prática, contudo, faz parte essencialmente da realidade humana, em que cultura e sociedade fazem a formulação das peculiaridades e singularidades da conduta social – neste ponto, mais especificamente, da conduta alimentar. Roberto DaMatta (1987) nos confere como exemplo uma sociedade de formigas, dizendo poder ver “uma sociedade de formigas

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em funcionamento; mas formigas não falam e não produzem obras de arte que marquem diferenças entre formigueiros específicos” (p. 47). Ou seja, entre as formigas ou qualquer outra sociedade entre animais (não racionais), existe sociedade, mas não existe cultura. Isso porque não há uma tradição viva, conscientemente elaborada, que passe de geração a geração, que permita tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às outras (ibidem). Alimentar-se, então, juntamente com a socialização, carrega uma tradição.

A tradição possibilita às regras de uma sociedade a viabilidade de serem vivenciadas por determinado grupo, compartilhando um sentimento de pertencimento. Uma tradição viva nada mais é do que um conjunto de escolhas que necessariamente excluem formas de realizar tarefas e de classificar o mundo (ibidem):

Sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não tem consciência do seu estilo de vida. E ter consciência é poder ser socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de inclusões necessárias e exclusões fundamentais, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo entre o que nós somos (ou queremos ser) e aquilo que os outros são, logicamente, nós não devemos ser. (ibidem, p. 48).

Ao partilharmos uma cultura, tendemos a agir de forma similar, a nos governarmos por orientações, preferências e sanções por esta estabelecida (CONTRERAS; GRACIA, 2011). Entretanto não pode ser uma regra, afinal, somos seres racionais, passíveis de gostos e escolhas.

Segundo Santos (2005), alimentar-se é um ato nutricional e comer é um ato social, pois constitui atitudes ligadas a usos, costumes, protocolos, condutas e situações. O comer expressa os ritos, o valor das mensagens que se trocam quando se está diante da mesa, a psicologia individual e coletiva e outros tantos fatores. Ao alimentar-se, o ser humano não recorre ao alimento somente para satisfazer sua fome biológica, satisfaz principalmente sua fome social.

Comer é uma atividade humana central, não só por sua frequência, mas também porque cedo ou tarde se torna a esfera onde se permite alguma escolha (MINTZ, 2001). O fato de ser onívoro6 permite ao ser humano uma diversidade alimentar muito farta. Permitiu adaptar-se a uma extraordinária variedade de ecossistemas com um esforço mínimo (CONTRERAS; GRACIA, 2011). Tal condição possibilita a escolha do que se vai ingerir, e essa escolha não ocorre somente por nutrientes (vitaminas, minerais, proteínas), mas por alimentos que possibilitem e proporcionem algum significado, alguma percepção. Para Fischler (2001), a variedade de escolhas alimentares humanas procede, sem dúvida, em

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grande parte da variedade de sistemas culturais: se nós não consumimos tudo o que é biologicamente ingerível, é porque tudo o que é biologicamente ingerível não é culturalmente comestível.

Todavia, se o homem come de tudo, ele não come tudo; ocorre uma escolha, uma seleção do que é considerado comida e, dentro dessa classificação, quais são as permitidas e as proibidas e em que situação isso se aplica (MACIEL, 2001). Há diferentes exemplos muito conhecidos, como a carne de vaca que não é ingerida na Índia, ou a carne de cachorro, considerada iguaria entre alguns povos orientais. O que é considerado comida em uma determinada cultura não o é em outra. O autor ainda afirma que o processo de escolha do que será considerado comida e como, quando e por que comer tal alimento é relacionado com o arbitrário cultural e com uma classificação estabelecida culturalmente (ibidem).

O âmbito cultural na seleção de alimentos estabelece prescrições, proibições e distinções capazes de estabelecer hábitos e eleger preferências pessoais. Mais que alimentar-se conforme o meio a que pertence, a pessoa alimentar-se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence e, ainda, ao grupo, estabelecendo distinções e marcando fronteiras precisas (ibidem).

As práticas alimentares possuem uma dupla natureza biossocial, que atua com estreita vinculação, atuando simultaneamente na pauta biológica e social (CONTRERAS; GRACIA, 2011). Ainda segundo os autores, uma das questões que saltam aos olhos quando observamos ao nosso redor é a variação cultural dos sistemas alimentares; a gama de substâncias que são consumidas como alimentos, as maneiras de obtê-las, conservá-las ou servi-las e as situações nas quais estas ou aquelas são consideradas oportunas segundo as diversas culturas do mundo. O alimento, dentro da sociabilidade, atua como um mediador de relações. A comensalidade permeia todas as relações sociais nas sociedades humanas, apresentando sempre uma dimensão cultural (DANIEL; CRAVO 2005). Contreras e Gracia (2011, p. 127) indicam:

Com frequência, os alimentos constituem um elemento básico no início da reciprocidade e do intercâmbio interpessoal e, em geral, no estabelecimento e manutenção de relações sociais. Ainda que se trate apenas de uma simples garrafa de vinho, de uns doces ou de café, a comida e bebida podem ser oferecidas como um ato de amizade, de estima e agradecimento ou, por que não, também de interesse.

O homem utiliza-se da alimentação como um instrumento de relações de amizade, aproximação, prazer, sociabilidade. No Brasil, essa característica é muito forte; conforme a região, o visitante, parente ou amigo será sempre recepcionado com um cafezinho, chá ou chimarrão, ou até mesmo um lanche completo (DANIEL; CRAVO 2005). As relações sociais se reconhecem nas trocas alimentares.

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Na alimentação, os indivíduos criam categorias de alimentos, entre saudáveis e não saudáveis, convenientes e não convenientes, ordinários e festivos, bons e maus, femininos e masculinos, adultos e infantis, quentes e frios, puros e impuros, sagrados e profanos etc., construindo as normas que regem suas relações com a comida (CONTRERAS; GRACIA, 2011). A comensalidade é influenciada pelos diferentes mecanismos de crenças e valores existentes nas diversas culturas.

Porém a cultura, assim como as relações sociais, passa por transformações, sofre influência de diferentes áreas (comportamental, econômica, social), e isso acaba por interferir sobre o comportamento alimentar dos sujeitos. O mundo moderno e globalizado é um exemplo disso. A atual apresentação do cotidiano das pessoas, em que o tempo é regulador de tudo, não podendo ser desperdiçado um segundo sequer, afeta todo o comportamento social (família, carreira), assim como a alimentação.

Essa situação presente requer uma proposta cultural diferente. A cultura foi adaptando-se ao novo cotidiano, mas não deixou de fazer o adaptando-seu papel de sociabilizar, simbolizar, representar. Os comportamentos alimentares, objeto de pactos e conflitos, marcam tanto as semelhanças como as diferenças étnicas e sociais, classificando e hierarquizando pessoas e grupos, expressando formas de conceber o mundo e incorporando um enorme poder de evocação representativa, até revelar que, de fato, “somos o que comemos” (CONTRERAS; GRACIA, 2011).

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3 PREPARANDO E TEMPERANDO... ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO

Neste capítulo, apresento a metodologia empregada na produção dos dados, juntamente com a descrição do local e dos atores envolvidos na pesquisa. Inicialmente, exponho a caracterização da pesquisa realizada, a apresentação dos atores envolvidos e da escola onde ocorreu. Após, relato um pouco da estruturação que envolve a questão da alimentação escolar no município de Guarani das Missões/RS.

3.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Este estudo é de caráter qualitativo tipo levantamento, pois teve a proposta de investigar as percepções e as opiniões dos sujeitos estudados. Segundo Gil (2012, p. 35), as pesquisas desse tipo caracterizam-se pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja compreender. Procede-se à solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do problema estudado – neste caso, escolhi um ambiente que faz parte de meu cotidiano profissional. Tal fato cria certa dualidade quanto à investigação realizada: de um lado, por se tratar de um local em que estou inserida profissionalmente e cuja rotina conheço, oportunizando assim uma melhor interação, criando certo clima de naturalidade entre pesquisador e pesquisado, bem como um melhor detalhamento quanto ao cotidiano vivenciado. De outro lado, há um contraponto quanto à parcialidade das respostas relatadas ao pesquisador, pelo fato de existir uma relação prévia entre pesquisador e pesquisado.

Minayo (2007) defende que a interação humana, numa situação de pesquisa, não é simplesmente uma coleta de dados, mas sempre uma relação na qual as informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza desse encontro. O fato é que tanto pesquisadores quanto pesquisados são responsáveis pelo produto de suas relações e que a qualidade do desvendamento e da compreensão social depende de ambos. A mesma autora refere que a investigação qualitativa possibilita a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos. Tal fato ocorreu durante esta pesquisa, principalmente na abordagem dos alunos e professores, em função de uma relação social já existente. Nesse contexto, a interação entre pesquisador e os sujeitos da pesquisa foi essencial.

O caráter qualitativo de uma pesquisa reconhece os traços subjetivos, observando o lado social e significativo. A corrente qualitativa não se preocupa em quantificar, mas busca compreender os meandros das relações sociais, que podem ser apreendidas pelo cotidiano,

Referências

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