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A percepção dos pais sobre a alimentação da escola

4 AO FORNO SISTEMATIZANDO OS DADOS DA PESQUISA

4.3 ANÁLISE DOS DADOS

4.3.2 A percepção dos pais sobre a alimentação da escola

Neste estudo, ao sistematizar a produção dos dados com os pais, conseguimos atingir 100% dos referidos atores. O nível de escolaridade da maioria (68,75%) é de primeiro grau incompleto e, quanto ao estado civil, destaca-se a forma de união estável (43,75%). Além disso, assim como mencionado anteriormente, ressalta-se a quantidade de famílias cadastradas

no Programa Bolsa Família (43,75%). Isso reflete a situação de vulnerabilidade social na qual a comunidade escolar se insere, ao mesmo tempo em que configura uma realidade presente na condição social brasileira, sendo um dos discursos que motivam a implantação da educação pública integral.

Segundo Guará (2006), a população das escolas públicas que mais demandam uma educação integral é constituída, em parte, pela infanto-adolescência, com famílias que ainda se mantêm em situação de pobreza, o que supõe pensar em políticas concertadas que considerem, além da educação, outras demandas dos sujeitos. Porém, se continuarmos com essa visão, de certa forma „de exclusão‟, em que a escola deva suprir necessidades, como fica a educação? Não é mérito deste estudo entrar em tal discussão, mas penso que a educação integral, assim como o processo educativo como um todo, deve ser universal e com equidade social, visto que em países desenvolvidos a prática da maior permanência na escola já ocorre há muito tempo. Cabe, então, rever e investir na qualidade, na formação e na remuneração dos profissionais atuantes, além da estruturação das instituições educativas.

Através da produção dos dados, a partir da pesquisa com os pais, a alimentação na escola em questão é percebida positivamente, principalmente no que diz respeito à qualidade e à variedade de alimentos oferecidos.

A comida da escola é muito boa, sempre tem salada, frutas, isso é importante para as crianças. (P5, 32 anos)

Acho importante ter sempre na escola saladas e frutas. A gente sabe que é bom para o crescimento das crianças. (P8, 58 anos)

Nessa percepção transparece a preocupação dos pais com relação à qualidade da alimentação ofertada aos seus filhos na escola. Há o conhecimento de que uma alimentação variada e balanceada é importante para o crescimento e o desenvolvimento da criança, porém não se sabe até que ponto as famílias tem o conhecimento de como realizar esta ação. A escola trabalhando o elemento nutrição no contexto curricular e na prática da alimentação conduz ao aprendizado e a uma formação alimentar que pode extrapolar até as famílias. Escola e família são importantes na formação da identidade alimentar das crianças. Estudar sobre as práticas alimentares e a alimentação balanceada envolvendo toda a comunidade escolar é algo importante a ser explorado nas instituições escolares.

Por ser uma escola de período integral, em que a criança permanece grande parte do dia, a alimentação possui grande relevância. A instituição educativa, assim como o ambiente familiar, é base estrutural que auxilia na construção de um comportamento alimentar adequado. É uma questão de responsabilidade mútua.

Inicialmente, a família desempenha um papel importante no padrão de consumo das crianças, mas, posteriormente, seu meio social se diversifica, havendo uma influência extrafamiliar – ou seja, a escola (VOORPOSTEL, 2007). O trabalho de desenvolvimento e modelamento dos hábitos alimentares em crianças na idade escolar ultrapassa a mera transmissão de conhecimentos em nutrição. São necessárias ações integradas entre escola, família e comunidade, visando sempre ao bem-estar da criança.

Um dos objetivos deste estudo, ao ser avaliada a percepção dos pais com relação à alimentação escolar, foi saber se existe um diálogo entre pais e filhos quanto ao que é oferecido nas refeições da escola. Os dados mostraram que a maioria não tem conhecimento dos alimentos que o filho recebe na escola (10 entre 16). Percebe-se uma não participação dos responsáveis nas atividades desenvolvidas pelos filhos. Tal situação é reforçada no dado referido pelos pais, na questão que abordou a frequência que costumam ir à escola, em que a maioria relatou somente ir quando é solicitada. Confirma-se, aqui, um dos enfoques relatados anteriormente por Coelho e Cavaliere (2002), quando coloca que um dos motivos das discussões da implantação do ensino integral brasileiro seria a desorientação dos pais em relação aos valores e às expectativas na educação das crianças. No processo educacional da criança, a participação dos pais é essencial para o desenvolvimento escolar; é a família que promove o suporte social, cultural e emocional das crianças (COMER; HAYNES, 1995).

Sabe-se que a formação da preferência alimentar da criança é parte de um processo que vem sendo construído ao longo do tempo. A criança observa e tende a imitar o que os outros fazem, sejam pessoas da família, sejam outras figuras de referência (JOMORI et al., 2008). Para Contreras e Gracia (2011), o comer bem é pensado, significado e realizado dentro da comensalidade e da sociabilidade familiar. O simples diálogo entre pais e filhos sobre alimentação elabora um aprendizado, uma relação de significação e importância, tanto na formação de hábitos saudáveis, reforçando o discurso sobre boa alimentação, como no aprendizado escolar, em que a demonstração de interesse pela atividade desenvolvida na escola desperta a segurança e a motivação da criança.

A família fornece amplo campo de conhecimento à criança. Os pais e outros membros familiares estabelecem um ambiente partilhado, em que o convívio pode ser propício à alimentação excessiva e/ou a uma alimentação mais equilibrada (ROSSI; RAUEN, 2008).

Assim, os pais que abordam em família o conhecimento sobre nutrição, ou, mais especificamente, sobre o valor nutricional dos alimentos, têm crianças que apresentam um maior conhecimento referente à alimentação (ROSSI; RAUEN, 2008).

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, com uma amostra de 427 crianças entre dois e cinco anos de idade, mostrou que, quando os pais realizam a refeição com os filhos, cria-se uma atmosfera positiva, os pais servem como um modelo para o comportamento alimentar, e as crianças tendem a melhorar a qualidade da alimentação (STANEK et al., 1990). Uma vez a criança tendo contato tanto na escola quanto em sua casa com alimentos saudáveis, um ambiente reforça o aprendizado do outro. Nesse caso em questão, a escola em tempo integral passa e exemplifica uma noção de boa alimentação que, em parte, obtém reforço por parte da família.

Os alunos da escola em estudo recebem na instituição, no momento atual, três refeições balanceadas, que visam, sobretudo, à adequação das necessidades nutricionais, bem como à formação e ao aprendizado de hábitos alimentares mais saudáveis. O cardápio da escola é variado. No café da manhã, as crianças recebem pão misto (meio de farinha branca, meio de farinha integral), com geleia de frutas vinda da agricultura familiar16, ou então sanduíche, juntamente com café com leite, alternado em outros dias com leite com chocolate e iogurte. No almoço, sempre são ofertados dois ou três tipos de saladas, arroz, massa, polenta, ou mandioca, feijão ou lentilha e carne de gado ou frango, juntamente com um acompanhamento que geralmente são legumes refogados. No lanche da tarde, as preparações variam entre bolos doces e salgados, frutas, biscoitos caseiros, bolachas integrais, sanduíche natural, iogurte, cachorro-quente, gelatina etc., sempre procurando combinações em que possa ser ofertado um equilíbrio de nutrientes (Anexo A).

Ao questionar os pais nesta pesquisa, procurou-se também averiguar um pouco da prática alimentar realizada no ambiente familiar das crianças. Segundo os dados obtidos, a maioria das crianças não possui o hábito de comer pela parte da manhã antes de ir para a escola, sugerindo-se que a primeira refeição de muitos é o café da manhã ofertado pela instituição. Tal fato reforça a importância dessa refeição oferecida pela escola, principalmente para o desempenho escolar do educando, uma vez que representa seu desjejum, configurando- se uma das principais refeições do dia. O consumo frequente e adequado do café da manhã pode melhorar o poder de saciedade do comensal e, assim, reduzir a quantidade calórica total

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Semanalmente, a escola recebe uma lista de alimentos vindos da agricultura familiar, entre eles: geleia de frutas, biscoito caseiro, salada verde, cebola, couve-flor, moranga cabotiá, abobrinha verde, pimentão, alho, cenoura, beterraba, repolho, além de produtos de época, como frutas e mandioca. A lista de alimentos só não é maior devido à pouca variedade ofertada pelos produtores da região.

ingerida durante o dia, auxiliando no controle de peso e da glicemia, proporcionando uma maior ingestão de vitaminas, minerais e cálcio, uma vez que favorece o consumo de leite e derivados (TRANCOSO et al., 2010), além de frutas.

Segundo Trancoso et al. (ibidem), muitos estudos17 apontam que o hábito do consumo do café da manhã é maior entre adultos entre 18 e 60 anos do que entre crianças e adolescentes entre quatro e 18 anos. Benton e Jarvis (2007), ao analisar o comportamento escolar de crianças, constataram que os que consomem frequentemente café da manhã despendem mais tempo para os estudos do que os não consumidores desta refeição – consequentemente, estes alunos apresentaram melhor rendimento escolar. O fato de a escola oportunizar a refeição contribui para a formação da prática deste hábito importante para a criança.

Os dados obtidos mostraram que 14 entre 16 alunos – ou seja, quase a totalidade – possuem o hábito de lanchar logo após voltarem da escola. Esse fato chama a atenção, uma vez que, antes de saírem da escola, estes alunos realizam um lanche. É um alerta para o consumo exagerado de calorias, o que poderia afetar o controle de peso e, consequentemente, outros fatores fisiológicos. Demonstra, ainda, o alto consumo de alimentos com baixo valor nutricional em suas residências. Dentre os alimentos consumidos neste período e citados pelos pais, destaca-se o alto consumo de pão com embutidos, bolachas doces (tipo recheada ou

waffer), refrigerante e café preto. O alto consumo destes alimentos citados causa preocupação

pelo fato de não contribuírem nutricionalmente para a saúde e o crescimento da criança, consumindo diariamente alimentos ricos em açúcares, gorduras e sódio. Num estudo realizado por Segall-Correa e Salles-Costa (2008), entre famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, revelou-se a percepção de aumento na quantidade e na variedade de alimentos principalmente de maior densidade calórica e menor valor nutritivo.

O alto consumo do café preto chamou a atenção. O consumo deste alimento foi citado no café da manhã, no lanche da tarde e também no jantar. Segundo Levy-Costa e Monteiro (2004), o elevado consumo de café entre as crianças na faixa etária escolar contribui para o aumento da prevalência de anemia, pois os polifenois encontrados em altas concentrações de café reduzem a absorção de ferro. O alto consumo de café preto também está associado ao elevado consumo de açúcares simples (açúcar refinado), de rápida absorção pelo organismo, não oferecendo valor nutritivo, e sim calórico e energético ao indivíduo.

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Rampersaud et al. (2005), Siega-Riz et al. (1998), Rampersaud (2009), Haines et al. (1996), Song et al. (2005), Carson et al. (1999), Affenito et al. (2005).

Ao serem questionados se a família possui o costume de comer salada todos os dias, a maioria diz ter este hábito, sendo as mais citadas: alface, repolho, pepino, tomate e beterraba. Dentre os que não possuem o hábito de comer salada diariamente, o principal motivo relacionado foi a falta de dinheiro. O que poderia surgir como uma alternativa seria o cultivo de uma horta domiciliar, uma prática não realizada entre os pesquisados, em que somente quatro das famílias citou cultivar horta em casa.

Sabe-se da importância do consumo diário de legumes e vegetais, principalmente por crianças em fase escolar. O cultivo de uma horta em casa ampliaria o acesso a esses alimentos de uma maneira saudável (orgânica, sem agrotóxicos), com baixo custo, além de proporcionar uma educação alimentar e ambiental, em um processo no qual a criança poderia ser envolvida. Cabe aqui, talvez, uma atuação por parte da gestão municipal e até da comunidade escolar em solicitar e desenvolver atividades que auxiliem essa prática e, também, futuramente, a realização de uma horta comunitária, que beneficiaria toda a comunidade local.

O consumo diário de frutas não é uma prática realizada entre as famílias pesquisadas. Nove dentre as 16 famílias não consomem frutas todos os dias, sendo o maior consumo duas vezes na semana. Dentre as frutas mais consumidas estão banana, maçã e laranja. Segundo o

Guia alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2006), a participação de frutas no

valor energético total fornecido pela alimentação das famílias brasileiras, independentemente da faixa de renda, é baixa, variando entre 3% e 4%, entre 1975 e 2003 – sendo que o ideal seria entre 9% e 12% da energia diária consumida através de frutas, verduras e legumes. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009 igualmente identificou o consumo insuficiente de frutas e hortaliças (< 400g diários) em mais de 90% da população brasileira (IBGE, 2010). A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2009 com 60.973 estudantes entre 13 e 15 anos de escolas públicas e privadas das capitais brasileiras, revelou que o consumo quase diário (maior ou igual a cinco vezes na semana) de guloseimas (50,9%) foi superior ao consumo de frutas frescas (31,5%) em todas as cidades (COSTA et al., 2012). Toral et al. (2007), investigando 234 escolares na faixa etária de 10-19 anos em escolas de ensino técnico de São Paulo, encontraram um mediano consumo de porções diárias de frutas e verduras, verificando que 89% dos escolares ingeriam frutas e verduras abaixo do consumo estabelecido pelo Guia alimentar da população brasileira (três porções de verduras e de três a cinco de frutas) (PHILIPP et al., 1999).

O consumo regular de uma variedade de frutas oferece aos estudantes uma garantia contra doenças, estímulo ao crescimento físico e mental, pois são ricas em fibras, vitaminas e minerais indispensáveis a uma vida saudável. Quase a totalidade das famílias pesquisadas (13

das 16) relatou possuir em suas residências algum tipo de árvore frutífera, o que já permite um melhor alcance às frutas e teoricamente um consumo maior. Dentre as árvores frutíferas localizadas nas casas das famílias, as mais citadas foram bergamoteira, laranjeira e pessegueiro. O fato curioso é que, das três árvores frutíferas mais citadas, somente uma das frutas (laranja) aparece nos dados das mais consumidas. Questões como a sazonalidade das frutas e o alto valor de mercado podem ser fatores limitantes quanto ao consumo das mesmas.

Diante disso, reforça-se que a alimentação na escola de tempo integral desempenha função primordial na formação de hábitos alimentares saudáveis. A oferta diária de frutas é muito importante na alimentação escolar, porém nem sempre esta prática pode ser contemplada. O alto custo das frutas aparece atualmente com um dos principais obstáculos a serem superados, visto que dentre os itens do cardápio da alimentação escolar consta como um dos de maior valor, juntamente com a carne. O trabalho junto aos agricultores familiares surge como uma possibilidade de melhor oferta de frutas para as crianças nas instituições escolares, mas é algo que ainda encontra-se muito no início e necessita de uma caminhada maior, principalmente no que se refere à melhor organização de calendários agrícolas e maior diversidade em oferta de frutas.

Observa-se, no presente estudo, que grande parte dos pais não se faz presente na vida escolar de seus filhos e, assim, não possui conhecimento da alimentação oferecida a eles na instituição escolar, onde a criança passa a maior parte de seu dia. Apesar dessa constatação, pode-se identificar que os pais têm uma boa percepção da alimentação oferecida na escola, observação vinda, na maioria das vezes, através de seus próprios filhos. Percebe-se, também, que somente a alimentação realizada em ambiente domiciliar não oferece um aporte balanceado de nutrientes, tornando a alimentação realizada na escola ainda mais significativa, principalmente no que se refere à saúde e à formação de hábitos alimentares adequados para as crianças.