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Chiquinha Gonzaga em Forrobodó

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SILVANA BEECK STIVAL

CHIQUINHA GONZAGA EM FORROBODÓ

FLORIANÓPOLIS 2004

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SILVANA BEECK STIVAL

CHIQUINHA GONZAGA EM FORROBODÓ

FLORIANÓPOLIS 2004

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SILVANA BEECK STIVAL

CHIQUINHA GONZAGA EM FORROBODÓ

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Literatura Brasileira.

Orientadora: Profª. Dra. Tereza Virgínia de Almeida

FLORIANÓPOLIS 2004

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CHIQUINHA GONZAGA EM FORROBODÓ

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Literatura Brasileira.

Florianópolis, ___ de julho de 2004.

Profª. Dra. Tereza Virgínia de Almeida Orientadora

Profª. Dra. Alai Garcia Diniz Membro da Banca

Prof. Dr. Felipe Soares Membro da Banca

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Dedico esta dissertação

Ao Ary, meu companheiro, que esteve sempre presente onde, quando e do modo que precisei, todo o meu amor e gratidão.

A Aryele e Cleyber, meus filhos continuidade da minha vida, luz que se renova, todo o meu amor.

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Para a realização deste trabalho contei com o estímulo e colaboração efetiva de muitas pessoas, que neste momento gostaria de agradecer.

Agradeço em especial a Professora-orientadora Dra. Tereza Virgínia de Almeida, pela dedicação, com que sempre conduziu este trabalho.

Aos Professores Alai Garcia Diniz e Emílio Pagotto pelo exercício de mediação a mim proporcionado durante o Exame de Qualificação, o que muito contribuiu no aperfeiçoamento desta dissertação.

Aos funcionários do Centro de Comunicação e Expressão, à Secretária Elba, pela dedicação no cumprimento de suas tarefas, feitas com tal cuidado, que transformaram obrigação em amizade.

Aos amigos que tornaram essa trajetória mais agradável e proveitosa: a Jenair, como coadjuvante nas primeiras leituras; a Rosane, pela motivação, a Nani pelos desabafos, a Neusa pela participação intelectual, e em especial, a Lindamir, que sempre me impulsionou a continuar o curso nos momentos mais difíceis da pesquisa.

A Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina, em especial, a Sueli e a Dilma que sempre se empenharam para garantir minha licença.

Ao Nilton, diretor da Escola Elvira em que trabalho e a Osanir, administradora, pela compreensão e prontidão em que alteravam meus horários sempre que fosse preciso, na época em que comecei o curso.

Ao Ademar, ao João e a Regiani pelo “pronto-socorro informático”, sempre atenciosos e dispostos a resolver os problemas e as dificuldades que eu tive com o computador.

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incentivo e reconhecimento.

À pesquisadora Maria Helena Martinez Correa, pela hospitalidade com que me recebeu em sua casa e pela entrevista a mim concedida sobre o teatro musicado que tanto me encantou e enriqueceu o meu trabalho.

À Jocenice, pelo apoio fundamental durante minhas ausências em casa.

Aos meus pais e meus irmãos, pela paciência e reconhecimento do meu esforço, em especial o Duda, pela atenção dedicada.

Ao Ary, meu companheiro, que soube dividir comigo, as alegrias, vitórias, decepções e frustrações que se alternaram neste trabalho; que me encorajou, incentivou e também patrocionou.

Aos meus filhos, pela compreensão um tanto incompreendida das minhas ausências.

A todos que se envolveram de maneira direta ou indireta na construção deste trabalho, o meu muitíssimo obrigada.

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Ò abre alas! Que eu quero passar Eu sou da lira Não posso negar Ó abre alas! Que eu quero passar Rosa de Ouro É que vai ganhar (Chiquinha Gongaza)

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RESUMO

A Dissertação Chiquinha Gonzaga em Forrobodó é uma forma de investigar “A contribuição de Chiquinha Gonzaga no desenvolvimento da música popular e do teatro musicado brasileiro em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX”. Seu objetivo é demonstrar a habilidade com que Chiquinha Gonzaga criava suas composições para o teatro musicado, a jocosidade produzida pelo ritmo do maxixe e o próprio processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro, que provocou o surgimento de uma classe social intermediária, formada por homens livres, desejosos de alcançar o status social da elite. Para tanto, escolhe-se como texto de análise a peça Forrobodó, de Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt, musicada por Chiquinha Gonzaga, em 1912.

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The Dissertation Chiquinha Gonzaga em Forrobodó is a form to investigate “Chiquinha Gonzaga´s contribution to the development of the popular music and the Brazilian musical theater in the end of the XIX century and the first decades of the XX century”. Its goal is to show Chiquinha Gonzaga´s ability to create compositions to the musical theater, the happy atmosphere produced from the maxixe´s rhythm and the urbanization process of Rio de Janeiro city. This process provokes the appearance of an intermediary social class, formed by free man desires to achieve an elite social status. Therefore, it was chosen the play Forrobodó, by Luiz Peixoto and Carlos Bettencourt that Chiquinha Gonzaga created a soundtrack in 1912, to be analyzed.

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Figura 1 A atraente autora da polca Atraente ... 21

Figura 2 Casa das tias baianas ... 26

Figura 3 Rua do Ouvidor ... 30

Figura 4 Praça Tiradentes... 37

Figura 5 Entrudo ... 39

Figura 6 Diversidade musical no Rio de Janeiro ... 65

Figura 7 A Polca ... 68

Figura 8 O Maxixe ... 71

Figura 9 Coreografia do Maxixe ... 73

Figura 10 Casa Edison ... 84

Figura 11 Compositora Consagrada ... 86

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INTRODUÇÃO... 11

1 A URBANIZAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E SUA INFLUÊNCIA NO TEATRO MUSICADO ... 22

1.1 Das Origens à República... 22

1.2 História do Teatro Brasileiro ... 31

1.3 Gêneros do Teatro Musicado... 35

1.4 Diferenças entre Revistas e Burletas; e em comum o Personagem-tipo... 49

2 MÚSICA E CHIQUINHA GONZAGA... 56

2.1 Cultura Popular ... 56

2.2 Raízes da Música Popular ... 58

2.3 Maxixe: um ritmo popular ... 71

2.4 Ritmo Sincopado na Obra de Chiquinha Gonzaga ... 75

3 A BURLETA FORROBODÓ ... 87

3.1 Maxixe em Forrobodó ... 87

3.2 Descrição da Peça Forrobodó ... 91

3.3 O Riso e o Cômico em Forrobodó ... 94

3.4 Personagens – Tipo de Forrobodó ... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 124

ANEXOS ... 130

ANEXO A – Peça Forrobodó ... 131

ANEXO B – Rol de Figurinos: Forrobodó e Pomadas e farofa... 146

ANEXO C – Peça Pomadas e Farofas ... 149

ANEXO D – Maxixe Brasileiro na França ... 151

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INTRODUÇÃO

E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.

Disso eu quis fazer minha poesia. Dessa matéria injusta e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.

(FERREIRA GULLAR, 1992)

Na história da música popular brasileira, um nome teve grande importância: Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935), simplesmente Chiquinha Gonzaga. Uma cidadã que se tornou vanguardista, pois sua história de lutas culturais e políticas estava inevitavelmente ligada à história do país, num dos momentos mais expressivos da nacionalidade brasileira.

Ao desafiar os padrões conservadores daquela época, em que a austeridade dos costumes excluía a mulher de atividades fora do lar, Chiquinha Gonzaga teve um papel muito importante, principalmente no que diz respeito à participação da mulher na vida pública, por que exerceu um papel social transformador na história da cultura popular, contribuiu para a cultura das camadas menos favorecidas da sociedade, foi defensora da libertação dos escravos, aderindo à campanha abolicionista e integrou-se ao Movimento Republicano.

Devido a seu posicionamento político-social, Chiquinha Gonzaga era discriminada pelas camadas elitistas. Isso aconteceu ao mesmo tempo em que seu trabalho de pianista, compositora, concertista e maestrina crescia cada vez mais nas apresentações em teatros e casas de espetáculos.

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Escrever a história da música popular brasileira e do teatro musicado no Brasil, sem fazer um paralelo com a música de Chiquinha Gonzaga, torna-se impossível, porque suas composições ocuparam lugar de amplo destaque nessa história. De acordo com Mário de Andrade, “Quem quiser conhecer a evolução de nossas danças urbanas terá sempre que estudar muito atentamente as obras dela”.1

A investigação do tema que trata sobre a contribuição de Chiquinha Gonzaga na formação da música popular e do teatro musicado surgiu do interesse de se entender de que maneira uma compositora erudita, criada nos padrões da elite, participou das manifestações de origem popular mesclando no seu piano música de ritmos europeus e africanos, para partituras de operetas, revistas e burletas do teatro musicado.

Chiquinha Gonzaga ocupou um lugar de amplo destaque na história da música popular brasileira. Filha de José Basileu, um austero militar descendente de família abastada, e Rosa Maria de Lima, uma mestiça, nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1847 e passou a infância em um sobrado na rua do Príncipe, no centro do Rio de Janeiro. Foi educada na quinta década do século XIX, fase de transição social, numa sociedade escravista, teve uma educação esmerada e tradicional formação musical.

Em seus estudos, incluiu-se o aprendizado escolar básico e, principalmente, aulas de piano. O tio e padrinho de Chiquinha, Antônio Eliseu, flautista amador, trazia-lhe as novidades musicais nas visitas diárias ao sobrado. Chiquinha Gonzaga cresceu ao som de valsas, polcas, modinhas entre outros ritmos da época. Nesta fase de sua formação, Chiquinha estava exposta à moda musical da época e ao repertório popular que, na segunda metade do século XIX, favoreceu o desenvolvimento da música no Rio de Janeiro. A música fazia parte da vida dos habitantes, que tocavam pianos, rabecas, flautas e atabaques. Escutavam-se valsas e polcas nos salões e lundus nas rodas de dança dos escravos. A música de salão

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predominava. Ritmos que se ouviam na Europa, ouviam-se também no Brasil. Chiquinha ouviu e tocou esses ritmos e assimilou-os para, mais tarde, de uma maneira muito original, mesclá-los aos de origem africana, que ela ouvia nas ruas do Rio de Janeiro.

Com a chegada da família real ao Brasil, as mulheres passaram a freqüentar as recepções da corte,saraus,ópera e teatros. A influência européia começaria a sefirmar no Rio de Janeiro, porém os padrões e a austeridade patriarcal continuavam inalteráveis. A mulher era concebida a partir de um modelo rígido de educação. Segundo Geysa Boscoli,

Só quem examina a fundo o que era a organização patriarcal da família brasileira no século passado e a situação de absoluta inferioridade em que vivia a mulher no Brasil, a que as próprias oportunidades de educação eram negadas, pode compreender o papel exercido em nossa sociedade por uma figura como Chiquinha Gonzaga [...]2

Por imposição de seu pai, Chiquinha casou-se aos 16 anos com o militar Jacinto Ribeiro do Amaral, com quem teve três filhos. Todavia, o conflito entre o casal tinha a música como ponto principal de discórdia. O casamento não era feliz, pois Jacinto não admitia que Chiquinha tocasse nenhum tipo de instrumento e impôs-lhe o dilema de escolher entre ele ou a música. Chiquinha não teve dúvidas, escolheu a música. A separação foi inevitável.

Em razão de sua paixão pela música e para defender sua liberdade de tocar em público, enfrentou obstáculos, críticas contundentes e situações constrangedoras por parte de uma sociedade que considerava seu comportamento um desafio aos princípios então vigentes. Escandalizou a sociedade patriarcal quando abandonou o lar, renunciando a vários privilégios e, na condição de mulher separada, foi expulsa da casa paterna. Permaneceu durante toda a vida rejeitada e incompreendida pela própria família. Em 1866, renegada pelo pai, apaixonou-se pelo engenheiro João Batista de Carvalho Junior, viveram juntos e tiveram uma filha. O casamento fracassou quando Chiquinha descobriu uma traição do marido e o abandonou.

2 BOSCOLI, 1971 apud. FREITAG, Lea Vinocur. Momentos de música brasileira. São Paulo: Nobel/CLOCK, 1985, p. 45.

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Começou então uma vida de mulher independente e na situação de mulher compositora, interessada pelas manifestações musicais do povo, enfrentou uma nova fase em sua vida.

Nessa nova fase, Chiquinha passou a conviver mais intensamente em círculos musicais da cidade. E, freqüentando ambientes populares, conheceu músicos talentosos, entre eles o flautista Joaquim Antonio da Silva Callado, que fazia parte das rodas de choro do Rio e liderava um conjunto de choro chamado “Choro Carioca”, do qual Chiquinha começou a fazer parte.

Do trabalho de Callado como compositor, segundo Henrique Cazes, “deve-se destacar o ‘Lundu Característico’, de 1873, que traz um resumo das tendências da época, já apontando para o abrasileiramento da polca e o surgimento do maxixe como acento musical.”3

A influência de Callado foi decisiva na formação musical de Chiquinha Gonzaga, podendo ter surgido daí a malícia rítmica do maxixe, que primeiro significou uma maneira de dançar a polca abrasileirada, cuja melodia se mesclava com acentos modificados similares ao lundu. Foi nessa época que começou a ser esboçado o que seria a música popular brasileira, e exatamente neste contexto histórico, Chiquinha Gonzaga tornou-se no Rio de Janeiro conhecida como compositora de polca e “pianeira” de choros. “O pianista de choro desse período passou à história como “pianeiro”, [...] Chiquinha Gonzaga sentiu a intenção de Callado e seguiu-o. Foi o primeiro profissional de piano ligado ao choro.”4

Chiquinha Gonzaga começou a compor muito cedo. Em 1858 com 11 anos, compôs Canção dos Pastores, a primeira das incontáveis melodias que deixaria para a posteridade. Porém estreou como compositora em 1877, aos 29 anos, quando na casa do compositor e maestro Henrique Alves de Mesquita (1830-1906), tocou ao piano uma melodia que contagiou as pessoas presentes na sua improvisação do choro. A melodia recebeu o nome de Atraente e o sucesso foi imediato. Depois deste sucesso, suas músicas tornaram-se

3 CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 25.

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conhecidas nos salões, nos teatros e nas ruas. Porém, outros sucessos viriam para se eternizar na música popular brasileira como Ò Abre Alas, maior sucesso de Chiquinha para o carnaval carioca. Alguns ranchos e cordões já utilizavam canções para seu andamento, o que Chiquinha fez foi fixar esse gênero e criar a primeira canção carnavalesca brasileira. Ó Abre Alas foi incluída no repertório da peça teatral Não Venhas, conquistando imediatamente o público. Dessa forma, o carnaval chegou ao teatro despontando como tema nos palcos, encantando com seu ritmo sincopado dançado com forte apelo à sensualidade corporal. Essa proximidade com as vozes da rua levou Chiquinha a aproveitar o rico potencial das manifestações afro-brasileiras para compor suas músicas que enriqueceram os textos do teatro musicado.

Chiquinha Gonzaga compôs principalmente no Rio de Janeiro e traduziu em música a vida e o sentir da cidade da época, que, aos poucos, transformava-se em um centro metropolitano à medida que cresciam as demandas do comércio exterior. A moda, os costumes e o consumo do brasileiro alteravam-se, ganhando ares europeus. Ela percebeu que o teatro era o caminho mais fácil para a popularização da música brasileira e conferiu uma característica brasileira ao gênero, aproveitando os tipos populares. A esse tempo, o teatro se desenvolvia impulsionado pelas novas camadas sociais que emergiam de uma sociedade em processo de modernização, cuja preferência recaía no gênero musicado.

A dança dos espetáculos musicais como a opereta, o sainete, o vaudeville, a revista e a burleta, não só reproduzia os ritmos em moda na Europa como também refletia, o que acontecia nos salões, nas senzalas, nas ruas e, mais tarde, nos clubes recreativos do Rio de Janeiro.

Essa estreita ligação com o gosto de camadas cada vez mais amplas da população pelos gêneros musicais foi estimulada pelo empresário Paschoal Segreto, um simples

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imigrante italiano, vendedor de bilhetes de loteria do Rio de Janeiro que se tornou o empresário mais importante de sua época (1911).

Várias peças musicadas por Chiquinha Gonzaga alcançaram considerável sucesso no teatro musicado, tais como: em 1880, Festa de São João, peça de costumes; em 1885, estreou como maestrina com a opereta de um ato A Corte na Roça, em parceria com Palhares Ribeiro, cujo primeiro ato incluía Saci-Pererê. Era um enredo sobre costumes do interior do país, dirigido pela companhia Souza Bastos. A dança final era o maxixe, que se caracterizava por um jeito especial de dançar ao som indistinto do lundu e da polca, em que os casais ficavam muito próximos, de maneira provocante, o que era considerado indecoroso.

Sucederam-se os espetáculos A Filha de Guedes também em 1885, O Bilontra e a Mulher –Homem em 1886, O Maxixe na Cidade Nova em 1886 e Zé Caipora em 1887. Outro sucesso foi o tango Corta-jaca, de 1895, cujo título original era Gaúcho, que fez parte do repertório da revista Zizinha Maxixe. Esse tango foi interpretado ao violão por D. Nair de Teffé, primeira dama do País, no Palácio do Catete, em 1914, numa recepção oficial da presidência da República, causando grande impacto social, provocando a quebra da rígida distância social entre elite e povo.

Porém, a conquista do grande público e o reconhecimento como compositora aconteceu com a estréia da Burleta Forrobodó, em 1912, um dos maiores sucessos do teatro musicado brasileiro em todos os tempos. Várias peças musicadas por Chiquinha Gonzaga alcançaram considerável sucesso no teatro musicado. Conforme Edinha Diniz, “ consagrou-se uma versão de que teria composto quase duas mil músicas”.5

No fim da vida, Chiquinha Gonzaga ainda freqüentava teatros e a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Esta Sociedade, que Chiquinha ajudou a fundar em 1971, foi pioneira na arrecadação e proteção de direitos autorais no País. Morreu em 28 de fevereiro de

5 DINIZ, op. cit. , p. 233

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1935, no Rio, ao lado de seu companheiro, João Batista Gonzaga, trinta e seis anos mais novo, anunciado na época como seu filho para calar o moralismo da sociedade.

Esta dissertação tem como objetivo demonstrar a habilidade com que Chiquinha criava suas composições para o teatro musicado, unindo a jocosidade produzida pelo ritmo do maxixe e o próprio processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro, que provocou o surgimento de uma classe social intermediária, formada por homens livres desejosos de alcançar o status social da elite. Esse caráter híbrido fez-se presente nos gêneros musicais de Chiquinha Gonzaga que utilizou sons africanos e a música européia, resultando no ritmo sincopado, elemento fundamental para a criação dos maxixes usados na peça teatral Forrobodó.

Enquanto o Rio de Janeiro se modernizava, a música popular percorria um caminho que a levaria a sua nacionalização. Com a intensificação da vida urbana surgiram as associações, os clubes políticos, as agremiações, enfim, órgãos que passaram a congregar indivíduos com interesses comuns, enfraquecendo o poder patriarcal.

O inconformismo e a diversidade cultural de nacionalidades eram manifestadas no linguajar do Carioca do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, através da caricatura, da música popular, das sátiras políticas, que retratavam o cotidiano no teatro musicado, de forma emblemática.

A cidade do Rio de Janeiro, no processo de urbanização, foi retratada por uma série de jornalistas, caricaturistas, escritores e autores que tentavam interpretá-la para seus moradores, exaltando suas qualidades ou apontando seus defeitos, nos jornais, nos periódicos humorísticos e no teatro musicado, principalmente nas revistas e nas burletas. Luiz Peixoto (1889-1973) e seu parceiro Carlos Bettencourt (1890-1941) foram autores que por intermédio de seus personagens-tipos, que retratavam o português, a mulata e o malandro, entre outros,

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nas burletas e revistas teatrais, tentaram registrar e reinterpretar humoristicamente a vida cotidiana.

Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt iniciaram carreira artística ainda muito novos, nos primeiros anos do século XX e tiveram a oportunidade de manter contato diário com os grandes nomes da imprensa da época, escritores e compositores ligados ao teatro musicado. A estréia em 1911 dos dois dramaturgos no teatro teve pouca repercussão. No mesmo ano, escreveram a burleta Forrobodó (Anexo A), musicada por Chiquinha Gonzaga, e que, estreando em 1912, inaugurou um teatro assumidamente carioca no linguajar, no tema e nos tipos criados.

Por meio de momentos marcantes desse teatro, representando o cotidiano de um povo que sonhava com o status da elite, a burleta forrobodó foi apresentada 1.500 vezes, apesar da relutância de Segreto em montar a peça, que “[...] representou um marco para o teatro nacional, pois, a partir dela, a linguagem popular brasileira entrou em cena. As gírias, o carioquês, os nosssos sotaques, passaram imediatamente às revistas que, até então se mantinham fiéis à prosódia lusitana”.6

Uma das provas de que Segreto não acreditou em Forrobodó é um documento encontrado em seu acervo (Anexo C), assinado pela costureira-chefe do Teatro São José: Judith Leão. Trata-se da relação de figurinos de Forrobodó (Anexo B) e de Pomadas e Farofas (Anexo C). Enquanto que para a primeira foram autorizados apenas três trajes novos (os outros foram reciclados) e eram uma farda de brim (Guarda-Noturno), uma saia e uma blusa de chita (Rita) e uma blusa de zephir (Siá Zeferina), para a segunda, além de tecidos mais nobres como a seda, o veludo, foram executados setenta e cinco trajes.7

6 GONÇALVES, Augusto de Freitas Lopes. Os vinte e um fundadores. Revista de teatro da SBAT, Rio de Janeiro: n. 359, 360, p. 21-23, set.-dez. 1967.

7 Informações concedidas por Maria Helena Martinez Corrêa, pesquisadora especializada em teatro musicado brasileiro, São Paulo, maio, 2004.

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O tema central de Forrobodó,8 era um baile popular no bairro da Cidade Nova que usava personagens típicos com linguajar carioca, impregnado de gírias de baixo calão. Chiquinha Gonzaga conseguiu traduzir com maestria esse jeitinho carioca de ser, usando o ritmo jocoso, sincopado, característico, genuinamente nacional, sem monotonia que, na opinião de Mariza Lira, foi “[...] o motivo do êxito inigualável do Forrobodó, um caso extraordinário na história do nosso teatro ligeiro”.9

Diante do processo de mudança rumo à urbanização do Rio de Janeiro, Chiquinha Gonzaga fez-se presente nesse movimento contribuindo com a criação de um novo ritmo musical que conquistou espaço na vida da cidade e por extensão na vida do Brasil. O Rio de Janeiro modificava-se como um ser vivo e Chiquinha acompanhava de perto todas as transformações históricas pelas quais passava. Por intermédio das atividades artísticas participou de campanhas muito importantes como a abolição da escravatura e a proclamação da República, não apenas posicionando-se a favor, mas indo à rua panfletar. De porta em porta, vendia suas partituras, visando angariar fundos para a confederação libertadora na compra de alforrias. Compartilhar dessa luta era uma forma de condenar o atraso social.

Depois da vitória da campanha abolicionista, Chiquinha Gonzaga tornou-se grande companheira do militante Lopes Trovão, orador popular republicano, que para homenagear a compositora, assim a ela se referiu: “Aquela Chiquinha é o diabo! Foi a nossa companheira de propaganda na praça pública, nos cafés! Nunca me abandonou [...]”10

A marginalização social que sofria segregava-a da classe dominante com seus valores e padrões, da mesma forma passaram a ser censurados e desconsiderados, a música, o teatro e as manifestações culturais das classes populares. A compositora sempre trabalhou

8 Forrobodó: Segundo Dr. Daniel Rocha (SBAT), etimologicamente, forrobodó significa: bodum de negro forró. Em um sentido mais amplo, assim como o choro, o samba e o arrastado, passou a designar um baile de subúrbio. Fonte: Maria Helena Martinez Correa-2004.

9 LIRA, Marisa. Chiquinha Gonzaga, grande compositora popular brasileira. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978, p. 82.

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junto às classes populares no sentido de questionar o domínio político e cultural das elites dominantes, mexendo com os costumes da época. Publicava músicas de sentido político, com as quais escandalizava os poderosos. Chegou a ter ordem de prisão em função da música Aperte o Botão, considerada irreverente e subversiva, por isso, apreendidas e inutilizadas.

No final da Monarquia e começo da República, sua música gozava de enorme popularidade. As ruas, os salões, os clubes, os teatros, as confeitarias e os cafés eram animados com músicas de sua autoria. Seu nome tornou-se conhecido e se popularizava com rapidez acelerada. Além de piano, banda, rabeca, flauta, violão, cavaquinho, um “instrumento” especial encarregava-se também da divulgação musical: o assobio. “As melodias saíam do teatro e ganhavam as ruas através dos assobios”.11 Se uma composição era assobiada pelas ruas era sinal de que havia caído no gosto popular e por isso fazia sucesso.

Para melhor apresentar o tema, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo – A urbanização do Rio de Janeiro e sua influência no teatro musicado – procuro historicizar sobre o processo social e histórico do país (do Segundo Reinado à República) e as mudanças ocorridas com a urbanização da cidade do Rio de Janeiro. Chiquinha Gonzaga foi contemporânea dessas mudanças no teatro musicado, usando sua música para interpretar a vida das pessoas, seus usos e costumes, tradições, suas reações diante do novo, do progresso, seus sentimentos e comportamentos.

No segundo capítulo – Música e Chiquinha Gonzaga – descrevo os traços característicos da herança musical européia, confrontados com a música africana, dando particular importância ao ritmo, que determina um eixo de concepção temporal significativamente diverso entre expressões musicais européias e africanas no processo de formação da música popular brasileira, especificamente na obra Forrobodó.

11 DINIZ, op. cit., p. 116

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Procuro fazer uma abordagem sobre a comunicação que se dá por intermédio do corpo: voz, ritmo, gestualidade, movimento, ação, enfim, toda a sinestesia que estabelece a comunicação entre obra e público.

No terceiro capítulo – A Burleta Forrobodó – descrevo a burleta Forrobodó, que põe em cena as questões da nacionalidade, da linguagem, das classes sociais, no contexto social e político da época. Também, apresento as relações de poder, os elementos de transição dos tipos populares e de que forma a música de Chiquinha Gonzaga, através do ritmo do maxixe, marcou o humor, a sensualidade, a transgressão comportamental, influenciando o cotidiano das pessoas.

Para abordar os aspectos cômicos presentes na burleta Forrobodó, elaborou-se uma reflexão sobre os elementos de transição dos tipos populares, utilizando as estratégias de comicidade do teórico Henri Bérgson12.

Figura 1 – A atraente autora da Polca Atraente. Fonte: DINIZ (1999, p. 157)

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1 URBANIZAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E SUA INFLUÊNCIA NO TEATRO MUSICADO

1.1 Das Origens à República

Com a vinda da Família Real para o Brasil, a capital portuguesa foi transferida para o Rio de Janeiro, que se transformou na capital do Império. Enquanto a corte se ajeitava no caos pré-urbano, importantes mudanças atravessavam o território colonial. A cidade pobre e modesta ganhava ares de centro urbano, adequando-se à nova situação, beneficiando-se do desenvolvimento de caráter social e cultural.

Do período do Segundo Reinado ao da República houve um acontecimento de enorme repercussão em nossa história: a abolição do tráfico de escravos em 1850, condição para o progresso que levou o Brasil a ingressar no rol das nações civilizadas. A extinção do tráfico de escravos levou a um expressivo aumento da população livre no país, que se configurou numa camada social intermediária, formada por homens livres.

A ruptura definitiva dos laços coloniais e a afirmação política e econômica do Brasil no contexto mundial teve início em meados do século XIX, acelerando o processo de urbanização, período muito importante para o País.

No Segundo Reinado, os escritores e os pintores inspiraram-se diretamente na natureza e no passado histórico do Brasil. Os romancistas e poetas que surgiram nessa época descreveram com amor a paisagem brasileira, os indígenas, os hábitos e costumes da gente das cidades e do campo, nas horas de trabalho e de lazer. Isso porque o passado histórico de um país e a descrição da natureza eram os temas principais do Romantismo, escola literária

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que havia se afirmado na Europa.

Neste clima progressista, aconteceu a guerra com o Paraguai e assinou- se a Lei Áurea. Entretanto, não foi só a independência do país, em 1822, um marco político no processo de urbanização das cidades, nem diversos surtos de industrialização na segunda metade do século que modificaram a aparência colonial da cidade. Foi com a Proclamação da República, em 1889, que o processo de transformação na vida urbana no Rio, consagrou a cidade como o centro político, cultural e financeiro do País, definiu sua identidade cultural e transformou-o em elo entre várias regiões nacionais e as capitais de outros países.

Segundo Nicolau Sevcenko, foi com as grandes transformações geradas pelos novos meios de comunicação e de transportes que o Rio de Janeiro passou a comandar as novas modas, os sistemas de valores e o modo de vida da população13.

Ao ingressar no mundo moderno que o exterior exibia e, entusiasmados com os avanços científicos que conheciam nas viagens à Europa e aos Estados Unidos, as elites não pouparam esforços para fazer das cidades brasileiras palco de novidades.

A rotina da vida urbana do Rio de Janeiro, sob o governo de Rodrigues Alves e o comando do Prefeito Pereira Passos, foram substancialmente modificadas, vivendo a cidade, no princípio do século XX, o progresso urbanístico que foi, na verdade, um aspecto do agressivo projeto de modernização da sociedade brasileira. A República redefiniu a ordem social com base nas idéias do progresso. O Rio tornou-se modelo para o desenvolvimento, tendo o objetivo de “civilizar”. Os planos de remodelação da cidade trouxeram para a capital da recém proclamada República um sonho de transformação. Esse processo teve por modelo a idéia do cosmopolitismo parisiense. Deste modo, essa transformação da paisagem urbana refletia-se na paisagem social do país.

Ao analisar a situação da sociedade brasileira do século XIX, Roberto Schwarz

13 SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnicas, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.522.

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chama atenção para a dualidade entre o liberalismo, que orientava os pensamentos da elite, e o modo de produção econômico do país que ocorria de maneira tão aguda que, nas casas das grandes fazendas, as paredes de barro erguidas pelo trabalho escravo ou eram cobertas com papel de parede importado, imitando alguma bucólica cena campestre européia, ou, numa exacerbação desse descompasso, pintadas de maneira ilusionista com colunas, capitéis, frisas e volutas com inspiração em pretensa arquitetura greco-romana.14 Como pode ser observado, o contraste entre o imaginário que orientava a classe dominante e a realidade da maioria da população brasileira é anterior à virada do século XIX.

Nos ideais de ordem e progresso urbano cultural não estava prevista a população de baixa renda. Os recursos aplicados na urbanização beneficiavam as camadas mais ricas da população, relegando as áreas pobres à privação. As áreas nobres da cidade eram destinadas às elites, e as camadas populares, segundo Nei Lopes, “[...] foram definitivamente expulsas do centro da cidade indo para os subúrbios ou para os morros, criando-se, assim, as primeiras favelas”.15

A elite e a maior parte da população residiam no centro da cidade. O tipo de moradia popular era o cortiço, onde os moradores viviam em condições muito precárias, enfrentando problemas de conforto, segurança, salubridade e higiene. O cortiço era o retrato habitacional no início da República.

Em conseqüência da reforma urbana implementada pelo prefeito Pereira Passos, o problema habitacional das classes populares agravou-se numa crise de moradia sem precedentes. No entanto, nos setores médios e altos da sociedade as elites viviam em casas confortáveis de estilo geralmente importados.

Neste projeto de urbanização, o modelo cultural almejado reforçava a ruptura entre a cultura da elite e a cultura popular. Assim, as manifestações culturais populares,

14 SCHWARZ, Roberto. As idéias fora do lugar. São Paulo: Estudos Cebrap, 1973, p. 149-161. 15 LOPES, Nei. O Negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical. Rio de Janeiro: Pallas, 1992, p.6.

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(credos, músicas, festas e danças) foram consideradas inferiores, primitivas, selvagens, vistas com desprezo e desconfiança, portanto, banidas. Diante desse modelo excludente, as camadas populares ficaram restritas a guetos, e só nestas áreas suas manifestações eram toleradas.

Em 1912, o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos, que demoliu cortiços, sobrados coloniais e vielas para dar lugar a extensas avenidas, já estava concluído. A população pobre das áreas “nobres” da cidade já tinha sido desalojada e deslocada para os subúrbios e para as favelas.

Nestes espaços, as populações marginalizadas criaram uma identidade própria, distinta do ideal europeizado imposto. Porém, este mundo de tradições culturais e religiosas era compartilhado com a elite. Sevcenko destaca a casa da Tia Ciata como o caso mais notável para se perceber a convivência e sobreposição destes mundos paralelos que se cruzavam, pois nos fundos da casa aconteciam os rituais africanos, enquanto na frente o maxixe e o samba recebiam uma versão mais diluída.16

No Bairro da Cidade Nova, na Praça Onze, era a comunidade onde ficava a residência da mulata Hilária Batista de Almeida, a tia Ciata (ou Aceata), residência que se salvou da reforma do Prefeito Pereira Passos. O número de trabalhadores braçais que vinham da Bahia e do Vale do Paraíba para o Rio de Janeiro aumentou após a abolição da escravatura. Essa comunidade formada por negros e mestiços fixaram residência em bairros próximos à zona portuária, onde havia possibilidade de emprego. Nas residências dessa comunidade as festas, as danças e as tradições musicais foram retomadas, incentivadas sobretudo pelas mulheres, as tias da Bahia, grandes responsáveis pela manutenção dos festejos africanos cultivados naqueles bairros.

A figura mais importante foi a de Tia Ciata que favoreceu, promoveu e participou de encontros e festas em sua casa, possivelmente associadas às comemorações religiosas

16 SEVCENKO, op. cit p. 545.

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(candomblés). O ritmo musical era ponto importante de contato entre as formas religiosas e aquelas de pretexto-religioso para introduzir novas formas de sociabilidade do grupo no interior da casa. A casa da Tia Ciata era respeitada por simbolizar “[...] toda a estratégia de resistência musical à cortina de marginalização erguida contra o negro em seguida à Abolição”.17 Foi na casa da tia Ciata que surgiu Pelo Telefone, o samba que se tornaria um novo gênero de música popular.

Figura 2 – Casa das tias baianas Fonte: Diniz (2003, p. 29)

Nesses padrões não-oficiais de integração, criados como resistência ao modelo excludente de sociedade imposto pelas reformas urbanas e sociais, as casas das “tias” baianas eram espaços coletivos de socialização e de persistência cultural. No esquema social projetado pela elite econômica, a transmissão de valores culturais era reservada às instituições criadas para esse fim: escolas, universidades, academias, museus e conservatórios. Contudo, foi por meio das casas das “tias”, ou seja, através da música ali criada, que a cultura negra fez-se aceita na sociedade.

Os espaços criados pela população marginalizada distinguem-se do modelo burguês almejado pela classe dominante, devido à flexibilidade com que eram tratados os

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limites entre casa e rua.

Roberto DaMatta aborda casa e rua como categorias simbólicas do imaginário brasileiro e traça a distinção existente entre esses dois domínios sociais básicos. As regras que regem a casa, nas quais o respeito se fundamenta nos valores familiares obedecendo às hierarquias de idade e sexo, não serviam para a rua, local onde essas regras não valiam e onde era necessário ficar atento para não violar regras desconhecidas. A rua seria ainda o local do engano, da malandragem e da trapaça, e a casa, diversamente, o refúgio da tranqüilidade18.

O crescimento populacional acelerado causava um impacto negativo sobre as condições de vida da maioria da população que vivia na miséria, apesar da expansão econômica. A cidade expandia-se através do desenvolvimento dos meios de transporte, destacando-se o bonde como instrumento de integração das classes sociais, ao mesmo tempo que encurtava distâncias, tornando mais fácil à população a procura de lazer, como o teatro. O bonde reforçava o desenvolvimento nos bairros onde moravam as classes médias e altas enquanto o trem abria caminho para a formação dos subúrbios destinados à população pobre.

A revolução científico-tecnológica representava de fato um salto enorme, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. Os veículos automotores, os aviões, o telégrafo, o telefone, a iluminação elétrica, o cinema, a radiodifusão incorporaram-se ao cotidiano das cidades, alterando tanto os hábitos e costumes quanto o ritmo com que essas inovações invadiam o dia-a-dia das pessoas, que puderam iniciar uma nova fase de conquistas.

O intenso processo de urbanização estimulou as famílias a desenvolver práticas sociais que se adaptassem às novas transformações. Segundo Damatta, “A identidade cultural do Rio foi determinada por um novo comportamento social à medida em que a família atravessou a fronteira do espaço privado da casa para o espaço da rua” 19. O autor explica,

18 DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1997, p. 73-82.

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[...] que esses domínios da casa e da rua marcam mais que espaços distintos, e permitem surpreender papéis sociais e ideologias, ações e objetos específicos, pois todos esse elementos constitutivos de uma sociedade e cultura não estão soltos ou individualizados na estrutura social.”20

Em Forrobodó, burleta que será analisada no terceiro capítulo desta dissertação apresenta no primeiro ato da peça, a rua enfrente à Gafieira, invadida por curiosos querendo saber o que havia acontecido. Aquele Clube fazia parte do mundo daquelas pessoas, como se aquele local fosse a continuação do ambiente de suas casas. O que existia naquela rua para eles era de domínio público. De acordo com DaMatta, pode-se sugerir que existam essas “[...] situações em que a casa se prolonga na rua e na cidade, de tal modo que o mundo social é centralizado pela metáfora doméstica,”21 podem ocorrer também ao inverso ou simultaneamente como uma “dupla metáfora”, fazendo com que a sociedade criasse um momento especial para cada um dos dois domínios.

Essa transformação fez com que a família privilegiasse o lazer, desfrutando do prazer e da alegria, características da cultura urbana carioca. O espaço público passou a ser representado pela família. Segundo Rosa Maria Barbosa de Araújo, “O novo estilo de vida implicou a adoção de formas burguesas de desfrutar as atrações urbanas ou populares de criar modos de divertimento barato, como se todos quisessem, embora poucos pudessem, estar em todos os lugares ao mesmo tempo”.22 Assim, além do dia, o carioca cultivava a vida noturna em casa e na rua, participando em toda amplitude da vida em comunidade.

A atração pela rua no Rio se deu após a remodelação de Pereira Passos, que transformou o cenário urbano, incentivando as famílias a usufruir do espaço público. A rua mais concorrida era a Rua do Ouvidor. Na vida social do Rio de Janeiro, a Rua do Ouvidor foi tão marcante que o escritor Machado de Assis assim a ela se referiu a propósito de um

20 DAMATTA, op. cit. p.96. 21 Op. cit. p. 101.

22 ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer: A cidade e a família no Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, p. 35.

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projeto de alargamento da rua:

[...] Há nela, assim estreitinha, um aspecto e uma sensação de intimidade. É a rua própria do boato. Vá lá correr um boato por avenidas amplas e lavadas de ar. O boato precisa do aconchego, de contigüidade, do ouvido à boca para murmurar depressa e baixinho e saltar de um lado para outro [...] O característico desta rua é ser uma espécie de loja única, variada, estreita e comprida. Depois é mister contar com a nossa indolência. Se a rua ficar mais larga para dar passagem a carros, ninguém irá de uma calçada a outra para ver uma senhora que passa – nem a cor de seus olhos, nem o bico de seus sapatos – e onde ficará em tal caso ‘o culto do belo sexo’ se lhe escassearem os sacerdotes?23

A rua do Ouvidor era um clube ao ar livre onde a sociedade, os artistas, os políticos e os escritores desenvolveram o hábito de se encontrar para conversar. As ruas eram freqüentadas pela elite que apresentava roupas da moda e maneiras elegantes, e também pelos pobres, que participavam das festas populares, facilitando as formas de interação social no espaço público. Entretanto, a transformação do meio urbano não mudou o comportamento das damas e dos cavalheiros para que tivessem ares de civilidade. Diante desse comportamento, a expressão “O Rio civiliza-se” era uma contradição, pois ainda não havia consciência de cidadania diante das mudanças que ocorriam rapidamente. Conforme Araújo, “[...] os homens cumprimentavam as senhoras na rua de cigarro na boca, falavam-lhes de chapéu na cabeça, não pediam licença para passar num lugar apertado”.24

23 ASSIS, apud DINIZ, 1999, op. cit., p. 76. 24 ARAÚJO, op. cit. p. 333.

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Figura 3 – Rua do Ouvidor

Fonte: Lazzaroni (1999, p. 346)

Nessa época, a tendência ao lúdico começou a despontar no estilo de vida carioca. A diversão pública proliferava na cidade e de todas as modalidades de divertimento, a música assumia papel importante, pois estava presente no cotidiano da população, através da dança, promovida em clubes e festas, tornando-se a diversão favorita da população.

Nesse clima de transição dos costumes, as práticas de lazer da intelectualidade e do povo passam a conhecer uma atraente vida mundana que inicia no Rio de Janeiro com o novo tipo de espetáculo que vinha da França. Espetáculo de variedades que apresentavam números de canto e dança. O prazer noturno atraía o carioca para vários tipos de programas, principalmente o teatro que a princípio era dirigido às elites e posteriormente abriu espaços para um público diverso que tinha interesse pelas mais variadas atrações e atividades culturais na cidade.

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portuguesas, francesas e espanholas que divulgavam gêneros teatrais e musicais europeus. Entretanto, um novo gênero do teatro brasileiro, a revista, destacava-se em finais do século XIX e inícios do século XX, nas comédias de Artur Azevedo que retratavam a vida no Rio de Janeiro. Segundo a pesquisadora Flora Sussekind, as revistas se propunham a “[...] inventar um Rio de Janeiro e exibi-lo detalhadamente para um misto de morador atônito e espectador maravilhado”.25

Portanto, o grande protagonista das revistas de Artur Azevedo era o espaço público e a população assistia às mudanças que ocorriam em sua cidade. Outros gêneros de casas de espetáculos proliferavam na cidade ampliando e diversificando a platéia. As companhias estrangeiras despertavam a curiosidade e incentivavam o público a assistir as peças do teatro musicado, enquanto a imprensa ressaltava que ir ao teatro era uma maneira de se igualar ao status social da elite européia. Assim, apresenta-se uma visão preliminar de como o teatro denominado popular tomou diferentes formas e conteúdos específicos em oposição a dramaturgia erudita.

1.2 História Do Teatro Brasileiro

É difícil situar a origem do teatro popular. A sua dinâmica parece decorrer de uma confluência de vários gêneros teatrais. De uma forma muito sintética pode-se começar pela herança do teatro religioso, na Idade Média, que eram pequenas encenações como Mistérios, Moralidades, Milagres, que incluíam cânticos e danças, dando forma a narrativas bíblicas, procissões e cultos. Estas manifestações, desenvolvidas inicialmente sob o patrocínio da

25 SUSSEKIND, Flora. As revistas de ano e a invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 8.

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igreja, funcionavam como instrumentos de reiteração da fé e um meio de moralização dos costumes. Dado o aspecto libertino que começou a impregnar estas representações, a igreja as proibiu alegando que os atos de culto, folias, bailes e semelhantes expressões populares profanavam os templos. Desta forma, foram projetadas para fora dos templos sagrados, passando a ser representadas nos adros e pórticos das igrejas, adquirindo uma maior independência do calendário litúrgico fazendo que o terreno dramático medieval fosse povoado por outros gêneros, como a comédia, que fez também sua aparição com os comediantes que representavam fábulas e farsas.

Aponta-se também a contribuição da literatura de cordel setecentista que sofreu uma larga disseminação em Portugal, persistindo até finais do século XIX e princípios do século XX. Temas clássicos, religiosos, históricos, a par de uma insistente análise da vida quotidiana são acolhidos nessa tumultuosa literatura de intenções dramáticas sob as mais variadas designações: comédia, tragédia, entremez e ópera.

O teatro no Brasil tem uma história específica, um capítulo essencial da história da produção cultural da humanidade. O teatro brasileiro sofreu um longo processo de amadurecimento. As primeiras manifestações cênicas, segundo Sábato Magaldi, “[...] são obras dos jesuítas no século XVI, que fizeram teatro como instrumento de catequese”.26 Eles

encontraram nas tribos brasileiras uma inclinação natural para a música, dança e oratória, tendências positivas para o desenvolvimento do teatro.

As primeiras peças foram, então, escritas pelos jesuítas, que se utilizavam de elementos da cultura indígena, focalizando aspectos e fatores diferenciadores dessa manifestação da cultura popular.

As peças eram escritas em tupi, português ou espanhol. Nelas, os personagens eram santos, demônios imperadores e, por vezes representavam apenas simbolismos, como o

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amor ou o temor a Deus. Os personagens femininos eram proibidos, com exceção das santas. Os atores, todos amadores, eram os índios domesticados, os futuros padres, os brancos e os mamelucos, que atuavam de improviso nas peças apresentadas nas igrejas, nas praças e nos colégios. Entre os autores, o nome de maior destaque era o do Padre Anchieta. As peças que continham caráter dramático eram preferidas às comédias, porque eram nelas que estavam impregnadas as características da catequese para que seu objetivo não se perdesse. Elas tinham sempre um fundo religioso, moral, didático e eram repletas de personagens alegóricos. As representações de peças escritas pelos jesuítas começaram a ficar cada vez mais escassas, levando o teatro dos jesuítas ao declínio na primeira metade do século XVIII. Segundo Magaldi,

O vazio do século XVIII pode ser transformado, assim, numa lenta e paciente preparação de um florescimento que viria mais tarde, quando fossem inteiramente propícias as condições sociais. No início do século XIX, não se alteram muito as características aqui apontadas. Será necessária a Independência política, ocorrida em 1822, para que o país, assumindo a responsabilidade de sua missão histórica, plasme também o seu teatro.27 Somente a partir da segunda metade do século XVIII, as primeiras manifestações teatrais desvinculadas de catequese surgiram no Brasil. As primeiras peças teatrais passaram a ser apresentadas com uma certa freqüência. Palcos montados em praças públicas eram os locais das apresentações, assim como nas igrejas e, por vezes, no palácio de um ou de outro governante. A característica educacional do teatro acabou por merecer ser presenteada com locais fixos para as peças: as chamadas casas de ópera ou casas de comédia, que começaram a se espalhar pelo país.

Em conseqüência disso, surgiram as primeiras companhias teatrais. Os atores eram contratados para fazer um determinado número de apresentações nas casas de ópera, durante todo o ano, ou apenas por alguns meses. Assim, com locais e elencos fixos, a

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atividade teatral começou a ser mais contínua do que em épocas anteriores. Em fins do século XVIII e início do século XIX, os atores eram pessoas de classes mais baixas, em sua maioria mulatos. Havia um preconceito contra a atividade teatral, chegando inclusive a ser proibida a participação de mulheres no elenco. Dessa forma, eram os próprios homens que representavam os papéis femininos. Mesmo quando a presença de atrizes já havia sido permitida, a má fama da classe de artistas, bem como a reclusão das mulheres na sociedade da época afastava-as do palco.

Em 1810, D. João VI decretou a necessidade da construção de teatros. Na verdade, o decreto representou um estímulo para a inauguração de vários teatros. As companhias teatrais de canto ou dança traziam com elas um público cada vez maior. A primeira delas, realmente brasileira, estreou em 1833, em Niterói, dirigida por João Caetano, o primeiro grande ator brasileiro, que exerceu importante papel na história do teatro nacional.

Desde a independência, em 1822, um exacerbado sentimento nacionalista tomou conta das manifestações culturais. A independência criou o ambiente em que eclodiram o romantismo e os sentimentos nacionalistas na arte brasileira. Era a época romântica, século XIX. Este espírito nacionalista também atingiu o teatro. No entanto, a literatura dramática brasileira ainda era incipiente e dependia de iniciativas isoladas.

A agitação que antecipou a independência do Brasil foi refletida no teatro. As platéias eram muito agressivas, aproveitavam as encenações para promover manifestações que exaltavam a República. No entanto, tudo isto representou uma preparação do espírito das pessoas e do teatro para a existência de uma nação livre. Era a fundação do teatro e de uma vida realmente nacional. Até porque, em conseqüência do nacionalismo exacerbado do público, os atores estrangeiros começaram a ser substituídos por nacionais.

O romancista Joaquim Manuel de Macedo destacou alguns mitos do nascente sentimento de nacionalidade da época: o mito da grandeza territorial do Brasil, da opulência

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da natureza do país, da igualdade de todos os brasileiros, da hospitalidade do povo, entre outros. Estes mitos nortearam, em grande parte, os artistas românticos deste período e foi de essencial importância para o estudo dos costumes da época.

O primeiro passo para a implantação de um teatro considerado brasileiro foi a tragédia Antonio José ou O Poeta da inquisição, escrita por Gonçalves de Magalhães a 13 de março de 1838, e apresentada no Teatro Constitucional Fluminense. “A obra de Gonçalves de Magalhães se afigura à crítica um elo de transição entre a escola antiga e o romantismo”.28

No mesmo ano, foi representada pela primeira vez a comédia O Juiz de Paz da roça, de Martins Pena, no mesmo Teatro, pela mesma companhia de João Caetano. A peça foi o início para a consolidação da comédia de costumes como gênero preferido do público. “Sílvio Romero, há mais de meio século, julgou a comédia de Martins Pena o painel histórico da vida do país, na primeira metade do século XIX.”29

As peças de Martins Pena eram bem recebidas pelo público, cansado do formalismo clássico anterior. Este autor foi considerado o verdadeiro fundador do teatro nacional, pela quantidade e qualidade de sua produção. Sua obra, pela grande popularidade que se tornou muito importante para a consolidação do teatro no Brasil, pois introduziu no teatro a linguagem popular e coloquial, a sátira social e os retratos de situações quotidianas, através da revista no Teatro Musicado.

1.3 Gêneros do Teatro Musicado

A primeira revista do teatro musicado brasileiro chamou-se As surpresas do Senhor José da Piedade, de Figueiredo Novais, que estreou em 1859, no Rio de janeiro. Era

28 MAGALDI. op. cit p. 35. 29 MAGALDI. op. cit. p. 42.

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uma revista de ano, idêntica às de Paris, dedicada ao comentário bem-humorado dos acontecimentos do ano anterior, dos costumes em moda. Não obteve muito sucesso, conforme informação citada por Salvyano Cavalcanti de Paiva, devido à proibição da polícia por constituir um atentado aos “bons costumes”, à moralidade pequeno-burguesa e semicolonial da população do Rio de Janeiro da época.30 Somente depois de 16 anos é que Joaquim Serra lançou no Teatro Vaudeville, a peça intitulada Revista do Ano de 1874, montada pela Companhia Martins, em 1875.

Entretanto, a nacionalização do teatro musicado foi representada pela revista O Rio de Janeiro, em 1877, revista encomendada a Artur Azevedo. Porém, só conheceu o sucesso como gênero de espetáculos nos palcos populares em 1884. E é neste mesmo ano que Artur Azevedo, na Companhia de Moreira Sampaio, inicia uma nova fase do teatro de revista com várias peças de sucesso como: O Mandarim, Cocota, O Bilontra. Em colaboração com Aluisio Azevedo, escreveu O Tribofe e a Capital Federal.

Na segunda metade do século XIX, o realismo na dramaturgia nacional pode ser subdividido em dois períodos: o primeiro, em 1884 com a representação de O Mandarim, de Artur Azevedo, que influenciado pelo teatro de costumes de Martins Pena, consolida as comédias de costumes e o gênero revista. O segundo período vai de 1884 aos primeiros anos do século XX, quando a opereta e a revista são os gêneros preferidos do público. No teatro, Artur Azevedo foi um descobridor de assuntos do cotidiano da vida carioca. Suas comédias fixaram aspectos da vida e da sociedade carioca. O Mandarim representa um marco no primeiro período das revistas de ano no Brasil, apesar de ainda seguir o modelo português na sua forma de construção dramática e apesar de se firmar no Rio de Janeiro em 1884,

[...] só se expandiu na última década do século passado, tornando-se expoente do teatro dito popular e mantendo a liderança até pouco depois da

30 PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Viva o rebolado!: vida e morte do teatro de revista brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 52.

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metade do atual, tendo o seu quartel- general nos teatro da Praça Tiradentes, antigo largo do Rossio Grande, pois havia o Rossio Pequeno ou da Cidade Nova, a atual Praça 11 de Junho, prestes a desaparecer. 31

A Praça Tiradentes foi o núcleo principal da apresentação dos espetáculos de teatro de revista ou teatro musicado. Assim, o Rio de Janeiro viu nascer o teatro de grande montagem, gênero de espetáculo característico do Rio de Janeiro no século XIX, tornando-se a expressão do teatro que o público desejava.

Figura 4 – Praça Tiradentes

Fonte: Diniz (2003, p. 23)

O teatro musicado permitiu várias formas de espetáculos em fins do século XIX e princípios do século XX, entre eles, a opereta, o vaudeville, o café-concerto, a mágica, o sainete, a revista e a burleta, que se tornaram muito populares e ajudaram a superar os projetos de reforma do teatro brasileiro. Segundo Décio de Almeida Prado, “O palco no final do século XIX já perdera todas essas idéias revolucionárias ou reformistas. Descobrira que o público desejava mesmo era rir, ouvir músicas facilmente assobiáveis [...] e contemplar

31 AGUIAR, Laudelino de. O teatro de revista não tem subvenção. Revista de Teatro, PUC-Paraná, n. 401, set-out, 1974, p. 4.

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mulheres um pouco menos vestidas”.32 Essa produção das manifestações populares eram facilmente aceitáveis por sua estrutura aberta e por sua adaptação ao novo, tornando-se um gênero muito popular.

Torna-se necessário fazer uma digressão dessas manifestações para melhor entendimento do teatro musicado brasileiro de cunho popular e dos gêneros que o compuseram.

O caráter bufo e satírico do teatro de revista remonta à Grécia Clássica, onde o humor era apenas parte integrante dos espetáculos dionisíacos. A partir do século XV e, sobretudo com o Iluminismo, as transformações institucionais e intelectuais controladas pela Igreja Católica instauraram uma nova ordem nos diversos segmentos da sociedade, o teatro bufo e as manifestações culturais das classes populares passaram a ser desconsideradas e censuradas. Entretanto, sem perder seu espaço junto ao público, a encenação burlesca permaneceu em diversas manifestações sociais como no Carnaval, nas festas rurais e pastoris, nos jogos e nos rituais religiosos.

No Brasil colonial, as festas mais comuns eram as relacionadas ao calendário religioso católico que tinham a finalidade de homenagear eventos cristãos. Os casamentos aristocráticos e outros acontecimentos de caráter político eram motivos para a realização de festas públicas.

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Figura 5- Entrudo Fonte: Lazzaroni (1999, p. 391)

Nessas festas, era comum misturarem–se rituais das culturas negra e indígena. Nos dias de festa, ricos e pobres, brancos e negros pareciam diminuir suas diferenças. Assim, a festa extrapolava o seu motivo oficial para transformar-se em um momento de negação das regras do cotidiano. Um exemplo disso observa-se no entrudo, festa introduzida no Brasil pelos portugueses. Organizavam-se batalhas com limões–de-cheiro entre os passantes das ruas da cidade. Era comum os negros vestirem-se nesse dia com roupas típicas européias, fato proibido em circunstâncias normais.

De acordo com DaMatta, “[...] as festas, então, são momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores considerados altamente positivos. A rotina da vida diária é que é vista como negativa.”33 A festa era um momento de inversão da ordem cotidiana, na qual toda a rotina e muitas das regras sociais eram abolidas em nome do evento. Na medida em que a festa se situava nas fronteiras entre a arte e a vida, era possível relacionar o teatro de

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revista com a festa.

A sátira e a crítica humorada sempre foram representações marginalizadas, porque utilizando estas modalidades de arte as classes populares questionavam o domínio político e cultural das elites dominantes. Essas manifestações do riso paralelas aos ritos sérios das elites dominantes sempre estiveram na vida humana, mesmo não pertencendo à ordem social, controladas pelos governantes e religiosos.

Na Europa, no século XVI, durante manifestações do povo, eram introduzidas músicas burlescas, libertinas e irreverentes que eram criadas a propósito de tudo o que se passara durante o ano, parodiando ou passando em “revista”. Assim, os acontecimentos do ano eram comentados humoristicamente, podendo ter vindo daí as raízes do teatro de revista.

De acordo com Neyde Veneziano “A busca das raízes revisteiras nos ritos cômicos de caráter popular parece se justificar quando se consideram todos esses elementos culturais como patrimônio universal, como a vida festiva necessária à própria condição humana”.34

No passado de nobreza do teatro de revista está Aristófanes, que nas suas comédias trazia as manifestações da atualidade para o palco, acompanhados da paródia, da sátira e da farsa, num entrelaçamento do que era improvisado com a grande literatura dramática. Segundo Veneziano, no estudo das comédias de Aristófanes, verifica-se que a Comédia Antiga se dividia em duas partes bem distintas: a primeira era uma luta, um debate que comportava uma ação contínua comum; e a segunda era uma revista, com uma série de sketches, que esclarecia o sucesso da ação desenvolvida na primeira. A presença da farsa é visível na revista, em que surgem muitas vezes uns desfiles de tipos grotescos que

34 MONTEIRO, Neyde de Castro Veneziano. Não adianta chorar: teatro de revista brasileiro... Oba! Campinas: Unicamp, 1996, p.18. Ob.: Nesta Obra a autora passou a usar o sobrenome Monteiro, que será adotado apenas nas notas de rodapé. Nas demais referências da autora, ( no corpo do texto) será adotado o sobrenome Veneziano da 1a. Obra de 1991, para melhor identificação da autora.

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provocavam o protagonista.35

Entende-se daí que a revista se caracterizava por uma estrutura aberta e flexível, cujas cenas eram independentes entre si, ligadas ou não a um nó axial, e que retirava a sua substância da atualidade imediata, podendo seu texto ser alterado de acordo com essa atualidade, o que torna difícil negar o parentesco entre os antepassados do teatro de revista e as comédias de Aristófanes, conforme explica Luiz Francisco Rebello:

Tomemos como exemplo Os Pássaros, representado no ano 414 a.C., por ocasião das grandes festas dionisíacas (em que apenas alcançou um segundo prêmio...). A sua trama é extremamente simples: descontentes com a maldade dos homens e a tirania dos deuses, dois cidadãos atenienses resolvem ir viver juntos dos pássaros e construir uma cidade ideal entre o céu e a terra. A essa cidade ocorrem aventureiros de toda a espécie: um poeta que se propõe compor hinos em louvor da nova cidade, um adivinho que tenta negociar os seus oráculos, um geometra que se oferece para traçar a planta da cidade, um inspetor corrupto, um pregoeiro público que procura vender leis novas, um delator... O desfile destas personagens, que vão surgindo em cenas sucessivas, constitui o núcleo central da comédia, sem que entre elas nada haja de comum, como não há entre os diversos rábulas de uma revista. Por ventura mais ainda do que nas Nuvens, que data do ano 423 a.C. e é uma sátira dirigida contra Sócrates e a sua escola filosófica, a revista moderna tem aqui o seu mais remoto antepassado. 36

Esses tipos grosseiros na comédia e no teatro de revista são heranças das ritualísticas festas populares, que se modificaram, adaptando-se a outros contextos históricos.

Esse tipo de espetáculo, que surgiu conhecido como “a revista de ano” e que é familiar sob a designação de “revista”, tem suas raízes nos vaudevilles parisienses. De acordo com Paiva,

O termo passou a ser sinônimo de representação cênica autônoma quando, no século XVIII, atores profissionais o empregaram regularmente para romper com o monopólio mantido pelo teatro do Estado, a oficalizada Comédie Française. Proibidos de encenar o drama sério, “legítimo”, aprovado pela Corte, como se isto constituísse um acinte, eles se viram forçados a representar suas peças em pantomima, “comentando” a ação

35 Monteiro. op. cit., p. 18

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gestual com refrões à base de música popular. 37

Os vaudevilles tornaram-se atrações nos bairros operários franceses, freqüentados por toda boêmia parisiense, onde circulavam dançarinas, poetas e pintores. O gênero, bastante popular na França no início do século XIX, deve seu nome às suas origens normandas, pois antes de ser um gênero teatral, foi certo tipo de canção popular, ligada às canções de Oliver Basselin, numa região da Normandia que se denominava (Vau-de-Vire, Vaudevire, Vallée de la Vire, Vale- do- Vira), no começo do século XVI. Eram canções alegres, quase sempre satíricas, compostas em cima de árias já conhecidas. No final do século XVII, o vaudeville se insere como gênero dramático, acabando por adquirir uma posição reconhecida oficialmente e um estatuto literário.

As letras dessas canções ajudavam na progressão da ação, porém sem detalhes dos acontecimentos como acontecia com a revista. O vaudeville se baseava no qüiproquó, que desencadeava as burlas e os golpes. O caminho do protagonista do vaudeville era imprevisível, o qual tentava escapar, porém sempre se deparando com novas ciladas. “[...] o seu real espírito consiste na comicidade das situações, no encadeamento dos acontecimentos, de uma forma que se assemelha a uma reprodução mecânica da vida”.38

Desde 1640, a canção começava a aparecer no teatro, preludiando assim o nascimento da comédia e do vaudeville. É com o teatro italiano que o novo gênero vai realmente fazer sua aparição. Sabe-se que desde o século XVI, graças a Catarina de Médicis, as trupes italiana faziam temporadas cada vez mais longas na França. Período que durou de 1680 até 1697, quando os italianos foram expulsos. Curiosamente, foi essa expulsão que arrastou o sucesso desse novo tipo de peça, destinada a existir durante mais de um século.

Nessa época havia em Paris duas feiras que eram florescentes: Feira de Saint-Germain e a de Saint- Laurent. A primeira remontava o século XII e era aberta do começo de

37 PAIVA, op. cit, p. 29. 38 MONTEIRO, op. cit. p. 24.

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fevereiro até domingo da Paixão. A segunda, nascida no século XIV, abria no começo de agosto e fechava no final de Setembro. Essas feiras inauguraram pela primeira vez la revue de fin d’année,39 que veio ao mundo, conforme Veneziano, “[…] do casamento entre a Commedia dell’arte e o refinamento da Comedie Française”.40

Sendo muito populares, essas feiras abrigavam em barracas de madeira, um comércio diversificado: relojoaria, ourivesaria, lingeries, galerias de quadros e até cafés. Para animar as feiras eram contratados: saltimbancos, marionetistas, expositores de animais ensinados e acrobatas.

Desde 1670, certos empresários de espetáculos desejavam montar peças de teatro, mas se chocavam então com os atores da Comédie Française e da Ópera, afinal, eles só tinham o direito de representar e cantar para um público. Aos artistas feirantes eram vedadas as possibilidades de cantarem e falarem em cena. A eles, somente era permitido a mímica.

Entretanto, logo após a expulsão dos artistas italianos, Bertrand, um diretor de trupe, considerando-se o sucessor legítimo deles, retoma o repertório italiano, no que foi logo imitado por outros.

Não conformados com a impossibilidade de falar, por volta de 1710, atores de um grupo, resolveram através de subterfúgio tirar do bolso direito, rolos de pergaminho onde estavam escritos em grandes letras, o texto de seu papel, que eles, escorregavam para o seu bolso esquerdo, após o terem mostrado ao público e assim por diante. Esses textos, primitivamente em prosa, tornaram-se rapidamente vaudevilles, cujas árias entoadas por comparsas espalhados pela sala, eram completadas pelos espectadores.

Em 1712, aperfeiçoou-se o procedimento. Como esses letreiros atrapalhavam a cena, os autores resolveram fazê-los descer através de arcos. O letreiro era levado por duas crianças, que por meio de contrapesos eram levantadas ao ar e desenrolavam os letreiros.

39 MONTEIRO, op. cit. p.21.

40 VENEZIANO, Neyde. O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1991, p. 23.

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