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Descrição da Peça Forrobodó

No documento Chiquinha Gonzaga em Forrobodó (páginas 93-96)

3 A BURLETA FORROBODÓ

3.2 Descrição da Peça Forrobodó

A história da burleta é muito simples e passa-se na Cidade Nova.126 Trata-se principalmente, de um retrato caricatural de época. A peça descreve, em suas cenas cômicas, o que seria um baile em 1912, ao som do maxixe, num Clube Recreativo suburbano, ou num bairro menos privilegiado, freqüentado pela plebe inferior da época. O clube onde aconteciam festas e bailes ficava num trecho de uma rua do subúrbio. Ao fundo, numa casa assobradada, com sacada e portas praticáveis no andar térreo e no primeiro andar, via-se o mastro com a bandeira e o escudo do clube. Havia um intenso movimento no interior. A porta de entrada encontrava-se Praxedes, porteiro do clube, com a braçadeira da agremiação recebendo os associados. Na rua, entre os associados, havia curiosos e se ouviam apitos insistentes.

O primeiro ato de Forrobodó, no exterior da gafieira, começa com a invasão de vários homens e mulheres em trajes de dormir, que se reúnem buliçosamente para assistir a entrada dos sócios. De repente começa uma confusão provocada pelo chacareiro Sebastião que, ao descobrir um furto no galinheiro de seu patrão, chega aos gritos e apitando por socorro, chama o guarda-noturno para denunciar o roubo. Sebastião apita desesperadamente e fala: De polícia não há furo./ De apitar cansado estou!/ O ladrão saltou o muro, Bateu asas e avuou! (Anexo A, p. 4).

125 Anunciado no O Correio da Manhã em 11 de Junho de 1912, apud. DINIZ, p.181.

126 Cidade Nova: é um bairro do Rio de Janeiro surgido por volta de 1860 com aterro da região pantanosa em torno do Canal do Mangue. Em 1872 já era o bairro mais populoso da cidade e também o bairro dos divertimentos de má fama (SANDRONI, 2001, p. 62).

Vizinhos saem de suas camas e vêm para junto dele e dos populares saber o que houve formando um Côro Geral: Que sera? Que haverá? Sarrabulho?/Porque está todo o povo alarmado?/Que barulho!Que barulho!/Não se pode dormir sossegado! Logo em seguida canta o côro de mulheres: Que foi isso? Que foi isso?/Porque tanto reboliço? (Anexo A, p. 4). Soma-se a essa balbúrdia a chegada de um ruidoso grupo para participar do baile do “Grêmio Recreativo Familiar Dançante Flor do Castigo do Corpo da Cidade Nova”, que é impedido de entrar, pois nenhum de seus membros está em dia com a tesouraria do Grêmio. Quando o pessoal avança para a porta, Praxedes tenta conter a invasão e fala:

PRAXEDES - Que negócio é esse? Onde é que nós estamos? Aqui só entra sócio quite com recibo do mês transáquito!

UM PENETRA - Seu Praxedes, seje mais igual com nós, que diabo! Isso é uma insigênça besta, chefe!

CÔRO - É uma violência! Quebra! Quebra logo essa bodega!

SEGUNDO PENETRA - Um momento! É melhor empregarmos a diplomacia. Eu amoleço o homem (A Praxedes) Distincto confrade, apelo pras suas colidade orgânica e inorgânica, para o seu caráter firme, impoluto, quiçá inquebrantave. To falando em nome da coletividade, iminente prático, digníssimo Praxedes!

PRAXEDES - Escusa de adorná as oito letra do meu nome com esses floriado. Aqui penetra não forma! Só entra passando por riba do meu cadáver! (Anexo A, p.4).

O guarda entra em cena e com a sua maneira malandra procura resolver os dois casos, porém nem resolve o roubo das galinhas, nem o rebuliço do grupo impedido de entrar no baile, pois a hora de sua ronda havia terminado. Ainda aparecem nesse primeiro ato a mulata Siá Zeferina - porta-estandarte - e o secretário do clube, o mulato Escandanhas. O ato termina com todos entrando no Grêmio, já que, segundo Escandanhas, “[...] a solução é entrá

tudo mesmo!” (Anexo A, p.6)

O segundo ato, no interior da gafieira, começa com os participantes do baile dançando uma quadrilha, ao som de uma charanga, interrompida pela chegada de Bico Doce, “redator-contínuo” do Jornal do Brasil, que é entusiasticamente saudado por todos, sobretudo pelo presidente do Grêmio, o português Barradas. Devido à presença do ilustre convidado, Escandanhas - barbeiro e poeta - é convocado a fazer um discurso de saudação, mas, confundindo-se, acaba por ler um discurso fúnebre, anteriormente utilizado quando do falecimento do ex-tesoureiro do clube. Quem salva a situação é o guarda-noturno, que recita um poema para a “seletra” assistência. Zeferina vai consolar o Escandanhas e cantam os dois em dueto humorístico. (Anexo A, p.8). Anuncia-se o banquete, e todos os convidados conduzidos pelo guarda saem cantando animadamente em desfile.

No terceiro ato, chegam ao Grêmio o mulato valentão Lulu e a francesa madame Petit-Pois, causando nova confusão entre os participantes do baile, já que o capoeira Lulu já entra na gafieira batendo e desafiando os presentes. Praxedes tenta barrá-los, mas Lulu agressivamente se intromete e canta o seu valor. As graças da francesa são o pretexto definitivo para que Escandanhas permita a permanência do casal. O Guarda tenta conquistar a francesa, mas quando Escandanhas tenta o mesmo, Zeferina sente ciúmes e quase o agride. Devido ao comportamento escandaloso de Lulu com a francesa, seu Barradas propõe um desafio de versos improvisados do qual todos participam.

Antes de findar o baile, é realizado um leilão de prendas que resulta na disputa de Lulu com o guarda-noturno por um vidro de perfume. Lulu saca da navalha, distribui golpes de capoeira e sai do Grêmio, acompanhado de madame Petit-Pois, levando o perfume sem nada pagar. No prosseguimento do leilão, vai a sorteio um frango assado ofertado pelo guarda-noturno. Diante da acusação de Sebastião, de que era o guarda o autor do furto das galinhas, ele diz não ter roubado: apenas fizera uma requisição.

A peça termina com um grande maxixe final cantado e dançado por todos: o Forrobodó de maçada,127 que se tornou famoso e popular devido ao sucesso da peça.

Segundo Ângela Reis, fonte de pesquisa imprescindível para análise dessa peça, “Forrobodó mostra, de maneira bem-humorada, as gafes de elementos das classes populares que tentavam imitar os trejeitos educados da classe alta, que por sua vez tentava imitar os refinamentos europeus.”128

A sociedade mantinha na época modelo de civilidade republicana. Forrobodó trouxe para o teatro os tipos populares que o projeto de cidade republicano queria afastar. É o povo imitando a elite, que teve que aceitar nos salões aristocráticos a moda e a dança criada pelo povo. Então, esse mundo estranho era representado na comédia.

Passando à análise da obra escolhida, observa-se que o enredo desta burleta aproveita-se de uma trama ligeira que busca apresentar um problema corriqueiro e cotidiano de um roubo de galinhas. Os autores da burleta conduzem a ação da peça à porta de um clube carnavalesco onde se encontra um guarda-noturno, para com isso denunciar a corrupção e hipocrisia do personagem que é ao mesmo tempo mantenedor da ordem e autor do roubo.

No documento Chiquinha Gonzaga em Forrobodó (páginas 93-96)