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A progressividade nas faixas do imposto de renda da pessoa física no Brasil: aplicação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO CURSO DE DIREITO

OLGA BATISTA GUEDES

A PROGRESSIVIDADE NAS FAIXAS DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA NO BRASIL: APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

FORTALEZA 2018

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OLGA BATISTA GUEDES

A PROGRESSIVIDADE NAS FAIXAS DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA NO BRASIL: APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

FORTALEZA 2018

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OLGA BATISTA GUEDES

A PROGRESSIVIDADE NAS FAIXAS DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA NO BRASIL: APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Aprovada em:_____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________________ Prof. Ms. Raul Carneiro Nepomuceno

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior

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Dedico esse trabalho às duas pessoas mais importantes de minha vida, que me inspiram desde os meus primeiros passos, meus pais: Maria Ocimar e Paulo César.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, quero agradecer a todas as pessoas que fazem com que eu presentemente possa me considerar um sujeito de sorte.

Gratidão aos meus pais. Eles sabem que ainda somos os mesmos e vivemos, mas me lembram que tudo muda (e com toda razão).

À minha mãe, minha inspiração diária, por me ensinar que viver é melhor que sonhar, que o amor é uma coisa boa e que amar e mudar as coisas deve sempre me interessar mais.

Ao meu pai, pela transmissão constante de conhecimentos que me mostram que mesmo que a vida seja realmente diferente, quer dizer, ao vivo, ela é muito pior, eu devo saber que o novo sempre vem!

Ao meu orientador da monografia e da monitoria, Prof. Hugo Segundo, por ter me ensinado significativas lições de Direito Tributário e de vida, mostrando-me que posso ganhar esse mundo de meu Deus, fazendo eu mesma o meu caminho!

Aos professores Raul Nepomuceno e William Marques, por terem aceitado participar da minha banca examinadora, fazendo parte dessa valorosa etapa de conclusão de curso, bem como por terem me ensinado, ao longo da minha graduação, que palavra e som são meus caminhos para ser livre.

Aos meus familiares, que me fazem recordar que não sou do lugar dos esquecidos, nem da nação dos condenados e muito menos do sertão dos ofendidos e que, de fato, eu conheço o meu lugar!

Ao meu namorado, que faz com que, enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer sim, eu cante.

Aos meus amigos, responsáveis diretos por me alertar que devemos “deixar de coisa e cuidar da vida”, senão chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta moço sem ter visto a vida.

E, por fim, mas não menos importante, à nossa Salamanca, pelas experiências que me proporcionou, por me mostrar que qualquer canto sempre será menor do que a vida de qualquer pessoa e por ter me trazido a noção de que, além de ter a mente positiva, eu devo ter a voz ativa, pois ela é que é uma boa!

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“Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.” (Boaventura de Souza Santos)

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RESUMO

O Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza tem normas gerais a respeito de seu fato gerador previstas no art. 43 do Código Tributário Nacional e é uma das principais fontes de receita do Estado brasileiro. Atualmente, o Brasil aplica a progressividade a esse tributo e tem, por conseguinte, 5 faixas de percentual incidentes sobre renda/proventos de qualquer natureza das pessoas físicas. Tal estrutura mostra-se insuficiente para abarcar de maneira mais justa e proporcional o amplo espectro de rendimentos dos contribuintes, fazendo com que haja distorções na tributação. Assim, tem-se como objetivo principal do trabalho analisar, de forma crítica, a correspondência do atual sistema de tributação da pessoa física por meio do IR com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, através da comparação com modelos de outros países e do estudo histórico da renda no Brasil e da aplicação da progressividade a esse imposto. Ao final, conclui-se que, como forma de concretizar a igualdade preconizada na Constituição Federal, é necessário que se tenha uma modificação na tributação do IRPF através de dois mecanismos: aumento da base de cálculo da isenção (atualmente é no valor de R$ 1.903,98), para que o contribuinte com baixo poder aquisitivo não comece logo a ser tributado; e a ampliação do número de faixas de Imposto de Renda, de modo que seja efetivada, portanto, uma maior redistribuição da renda, justiça fiscal e igualdade tributária.

Palavras-chave: Alíquotas; capacidade contributiva; igualdade; imposto de renda;

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ABSTRACT

The Income Tax have general rules regarding their tax event set forth in art. 43 of the National Tax Code and is one of the main sources of revenue of the Brazilian State. Currently, Brazil applies the progressivity to this tax and has, therefore, five bands of percentage incident on income / earnings of any nature of the individuals. Such a structure appears to be insufficient to cover more fairly and proportionally the broad range of taxpayers' incomes, leading to distortions in taxation. Thus, the main objective of this study is to analyze, critically, the correspondence of the current system of taxation of the individual through IT with the principles of equality and contributory capacity, through comparison with models from other countries and the historical study of income in Brazil and the application of progressivity to this tax. In the end, it’s concluded that, as a way of achieving the equality advocated in the Federal Constitution, it’s necessary to have a change in the IT taxation through two mechanisms: increase in the calculation basis of the exemption (currently it is in the amount of R $ 1,903,98), so that the taxpayer with low purchasing power doesn’t begin to be taxed; and the increase in the number of Income Tax bands, so a greater redistribution of income, tax justice and tax equality will be effected.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

1 CAPÍTULO 1 Princípios da Igualdade e da Capacidade Contributiva... 15

1.1 Igualdade x Desigualdades: vantagens e desvantagens... 15

1.2 O Princípio da Igualdade e a Constituição Federal... 18

1.3 O conceito de tributo e suas funções... 21

1.4 O princípio da Capacidade Contributiva e a Progressividade... 24

1.4.1 Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza... 25

2 CAPÍTULO 2 A Renda e a Regressividade do Sistema Tributário Brasileiro 28 2.1 A renda no Brasil... 29

2.1.1 Índice Gini... 30

2.1.2 Crescimento do capital x Crescimento da renda: Lições de Piketty... 31

2.2 Políticas Tributária e Fiscal regressiva ou progressiva? Tributação sobre a renda ou sobre o consumo?... 32

3 CAPÍTULO 3 A técnica da Progressividade Tributária... 41

3.1 Defasagens do Imposto de Renda relevantes para a sua inadequada progressividade... 41

3.2 Progressividade x Proporcionalidade... 42

3.3 Histórico da progressividade do Imposto de Renda no Brasil... 45

3.4 Análise com outros direitos, vantagens e desvantagens da progressividade.... 52

3.4.1 Por que não o Imposto sobre Grandes Fortunas para substituir o aumento da alíquota máxima?... 54

3.4.2 Flat Tax... 56

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 62

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INTRODUÇÃO

No surgimento das primeiras sociedades, já havia o registro do pagamento de tributos ligados à relação de poder que se estabelecia entre os indivíduos detentores dele e os que se submetiam a ele, e o da coercitividade do adimplemento da obrigação imposta.

Inicialmente, a cobrança era feita de maneira arbitrária, sendo imposta, algumas vezes, como forma de dominação de um povo sobre outro. Assim, com o decorrer da História, depois de inúmeras Revoluções (a exemplo da Francesa, na qual uma das reivindicações era a redução dos valores abusivos dos tributos), com um aumento na complexidade das sociedades e das formas de organização da máquina estatal, houve uma maior conformidade do meio de se cobrar o tributo com a realidade daquela determinada comunidade.

Verifica-se, mesmo em análise perfunctória, que o principal intuito, àquela época, era o arrecadatório, ou seja, cumprir com a função fiscal do tributo. Atualmente, contudo, a finalidade da arrecadação tributária, em tese, não é apenas o de arrecadar, mas sim de concretizar uma maior justiça fiscal e, consequentemente, social, através de ferramentas que implementem uma melhor distribuição de renda, perfazendo a função extrafiscal do tributo. Tal instrumento deve servir como um fator de redução das desigualdades econômicas e sociais, materializando o princípio da igualdade, preconizado pela Constituição Federal, a qual objetiva a construção de uma sociedade mais justa.

A igualdade é um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, contudo, ela é um conceito vazio de sentido se não analisada através de uma comparação entre dois ou mais elementos, sejam pessoas, sistemas, objetos, dentre outros.

Como forma de buscar trazer o princípio da igualdade da abstração à realidade, o legislador brasileiro elencou alguns instrumentos nas diversas searas do Direito. Contudo, o presente trabalho se limita a abordar determinados institutos próprios do Direito Tributário: um deles é o princípio da capacidade contributiva. Com a adoção dele, a Constituição Federal estabeleceu a competência para que os entes criassem tributos que atingissem o rendimento, o consumo e o patrimônio do contribuinte, de maneira que, por meio deles, a sua capacidade econômica seja revelada, a fim de que cada contribuinte suporte a carga tributária que seja condizente com os recursos que tem.

Este trabalho concentra-se no Imposto de Renda, que se caracteriza por ser um dos tributos que mais traz à baila a perspectiva da capacidade contributiva. A Constituição brasileira de 1946, em seu art. 202, já preconizava que: “os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do

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contribuinte”. Atualmente, esse tributo federal é um imposto nitidamente pessoal, regido pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade.

A generalidade diz respeito à tributação de todos os contribuintes que tenham um acréscimo patrimonial, ou seja, todas as pessoas que auferirem renda ou proventos estarão sujeitas à cobrança do Imposto de Renda. A universalidade faz com que a sua incidência se faça presente em todas as mutações patrimoniais do contribuinte percebidas no decorrer do exercício financeiro (ano-base). A progressividade, por sua vez, consiste na variação das alíquotas em razão do montante que será tributado, de maneira que haja uma maior alíquota aplicável quanto maior for o montante tributável (o percentual aumenta à medida que a base de cálculo também o faz).

Assim, em tese, como cediço, por meio desse princípio da progressividade, há de se concretizar uma certa redistribuição de renda, haja vista a incidência mais gravosa do imposto ser sobre os maiores rendimentos (renda e proventos de qualquer natureza).

Entretanto, mesmo esse imposto tendo esse caráter pessoal, percebem-se algumas distorções na atual sistemática de quantificação desse imposto, visto que as faixas do Imposto de Renda não estão compatíveis com o princípio da progressividade e não estão, consequentemente, correspondendo à realidade brasileira, ao contexto socioeconômico em que o contribuinte está inserido.

Na tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para as declarações feitas em 2018, ano-base 2017, há cinco faixas de tributação: até R$ 1.903,98, faixa de isenção; de R$ 1.903,99 a 2.826,65, alíquota de 7,5%; de 2.826,66 a 3.751,05, alíquota de 15%; de 3.751,06 a 4.664,68, alíquota de 22,5%; e acima de R$ 4.664,68, cuja alíquota é de 27,5%, a mais alta.

O objetivo imediato desse trabalho é, portanto, analisar a progressividade aplicada às faixas do Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil à luz dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Para tanto, inicialmente, no capítulo 1, é apresentada uma discussão doutrinária a respeito de igualdade, das suas vantagens e desvantagens, e de justiça para, então, conceituar a igualdade tributária. A seguir, define-se o que é o tributo e quais são as suas funções, dando enfoque à extrafiscal. Depois de feita essa explanação, verifica-se a possível correspondência da igualdade tributária com o princípio da capacidade contributiva, a congruência deste com a aplicação da técnica da progressividade e a divergência que há na doutrina a respeito desses tópicos.

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Em seguida, no capítulo 2, são demonstrados alguns dados a respeito da renda brasileira e do índice de Gini. São feitas, ainda, algumas considerações sobre as lições do economista Piketty a respeito da lógica do capital e do seu crescimento superior ao da renda e em como isso contribui com o aumento das desigualdades.

No mesmo item, há a explanação e a comparação das políticas tributárias adotadas pelo Brasil e por alguns países desenvolvidos. Nele, há a constatação de que a maioria desses tributam os contribuintes preferencialmente sobre as suas rendas, em detrimento do consumo, enquanto, em nosso país, a tributação é o oposto: o consumo tem preferência sobre a renda.

Diz-se, então, que os países em que há a prevalência da chamada tributação direta, o sistema tributário é progressivo, enquanto os que adotam prioritariamente a tributação indireta, como o Brasil, o sistema tributário é regressivo e traz consigo um peso maior a quem aufere menos renda do que os mais ricos, contribuindo de maneira incisiva para o aumento das desigualdades econômicas e injustiças sociais. O Brasil foi, inclusive, classificado como “um paraíso fiscal para os super-ricos”1

, segundo um estudo vinculado ao PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Tal classificação se confirma com estudos que demonstram qual a distribuição da carga tributária segundo a faixa de salário mínimo, como se verá no desenvolvimento dos capítulos.

Ademais, são desmistificadas algumas falácias confusas que afetam diretamente a percepção da população sobre o sistema tributário brasileiro, através da investigação de dados fornecidos por organismos internacionais, como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento dos Estados); órgãos e associações nacionais, como a Receita Federal e a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil); institutos de pesquisa, como o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Avançada), dentre outros.

O capítulo 3 visa a explanação a respeito da progressividade em si e busca fazer um comparativo entre ela e a proporcionalidade, abordando o que os defensores de cada uma argumentam. Além disso, é feito um apanhado histórico a respeito da adoção dessa técnica ao longo do tempo desde a criação do Imposto de Renda, de maneira que se mostre quais mudanças sofreu e quais tendências seguiu até chegar à atualidade.

Utiliza-se novamente da análise comparada com outros países que adotam outras técnicas de tributação e quais as vantagens e desvantagens delas aqui no Brasil. Dentre eles, menciona-se o Flat Tax, adotado pela Rússia, que se configura como um percentual fixo a ser

1

ONU. Brasil é paraíso tributário para os super-ricos, diz estudo de centro da ONU. Nações Unidas Brasil, 31.3.2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu>. Acesso em: 31 out. 2018

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pago por todos os contribuintes, não havendo variação de acordo com a capacidade contributiva, como é no Brasil.

Menciona-se, ainda, a exposição da possibilidade (ou não) de implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) como forma de substituir a alíquota mais alta do Imposto de Renda, haja vista a ainda não criação daquele tributo, seja pela falta de interesse legislativo em proceder com a matéria, seja pelo argumento de que haveria evasão dos contribuintes, seja por algum outro melhor exposto no desenvolvimento do capítulo.

Por fim, é apresentada uma solução ao problema trazido como objetivo principal do trabalho, sem, contudo, ter o intuito de esgotar o tema.

Ressalte-se que o trabalho foi realizado, essencialmente, mediante pesquisa em fontes bibliográficas. A análise foi feita com base em análises econômicas do Imposto de Renda e em pesquisas históricas da aplicação desse tributo no Brasil. Serão estudados e analisados outros direitos, no que tange à aplicação ou não da progressividade no IR desses países, além de livros, teses de mestrado e doutorado e artigos científicos, nacionais e estrangeiros que versem sobre a temática. Assim, a metodologia para a realização deste trabalho científico será exploratória, descritiva e bibliográfica.

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1 CAPÍTULO 1

Sabe-se que a busca por igualdade é um dos objetivos da maioria das sociedades. Na brasileira, não é diferente. Porém, mesmo tendo esse princípio como fundamental no nosso sistema, sabe-se que não há registros de comunidades em que a igualdade entre os seus membros seja plena e a desigualdade, portanto, inexistente.

Entretanto, tal fato não é justificativa para não se tentar dirimi-la. A existência de desigualdade é uma realidade constante em todos os países, conquanto, a sua gravidade no Brasil se dá pelo fato de ela ser carregada por uma grande desproporção, levando à classificação de 10º país mais desigual do planeta (Côrrea, 2017).

1.1 Igualdade x Desigualdades: vantagens e desvantagens

Antes de adentrar nas considerações a respeito do princípio igualdade, é salutar mencionar que o conceito de igualdade se funda em uma relação que só se estabelece entre dois ou mais seres, entes, objetos ou pessoas, a partir de algum critério. Tudo pode ser igual ou tudo pode ser diferente, a depender de qual critério eu utilizo para comparar o objeto daquela relação e de qual finalidade eu quero alcançar com aquela comparação. É necessário, portanto, a adoção de um critério de comparação.

Feita a observação inicial, verifica-se que não há registros de sociedades em que a desigualdade social não existe e todos vivem sob as mesmas exatas condições. A própria subjetividade que envolve o homem não permitiria que tal quadro se concretizasse. Em verdade, a igualdade absoluta não é algo que realmente se almeja, visto que cada um tem seu papel2 dentro de uma sociedade que, intrinsecamente complexa, necessita das aptidões3 desenvolvidas por cada indivíduo.

Não se defende a tirania da igualdade, como desenhou Vonnegut Jr. (1961) em sua ficção científica distópica (Harrison Bergeron), em que todos deveriam ter não só condições objetivas de igualdade, mas sim características subjetivas iguais (p. ex.: beleza,

2 Rawls, em Uma Teoria da Justiça, explica que: “(...) embora uma sociedade seja um empreendimento cooperativo visando vantagens mútuas, ela é tipicamente marcada por um conflito bem como por uma identidade de interesses. Há uma identidade de interesses porque a cooperação social possibilita que todos tenham uma vida melhor da que teria qualquer um dos membros se cada um dependesse de seus próprios esforços. Há um conflito de interesses porque as pessoas não são indiferentes no que se refere a como os benefícios maiores produzidos pela colaboração mútua são distribuídos, pois para perseguir seus fins cada um prefere uma participação maior a uma menor” (p. 4-5).

3 “(...) os planos dos indivíduos precisam se encaixar uns nos outros para que as várias atividades sejam compatíveis entre si e possam ser todas executadas sem que as expectativas legítimas de cada um sofram frustrações graves. Mais ainda, a execução desses planos deveria levar à consecução de fins sociais de formas eficientes e coerentes com a justiça” (p. 6).

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inteligência). De fato, a igualdade que se menciona ao teorizar sobre justiça é aquela não só do “ponto de partida4” (quando todos têm a mesma oportunidade de desenvolver suas

diferentes capacidades), mas também aquela em que se busca, através dela, realizar uma maior justiça tributária que, por sua vez, poderá dirimir as desigualdades, como se verificará adiante.

Para melhor embasar este argumento, tem-se como exemplo as ideias lançadas por Rawls (1997, p. 4) descreve a justiça como a “primeira virtude das instituições sociais”, tendo o autor afirmado que leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Ralws (1997, p. 194)5 explica que, pelo princípio da diferença, pode-se ter uma correção da “distribuição desigual de aptidões e dotes” sem necessariamente ser imposta uma “limitação aos mais talentosos”.

Tal ideia corrobora o que Tipke e Yamashita (2002) explanam. Eles defendem que a violação de um princípio, quando não justificada, desemboca em um privilégio ou em uma discriminação, e que de nada adianta o tratamento formalmente igualitário de todos se não há justiça nesse trato, ou seja, deve haver um critério adequado de comparação para que a igualdade seja praticada tanto no seu viés formal quanto no material.

Então, de maneira que se tenha um mínimo consenso no que tange à escolha de uma ordenação social6 adequada, para que haja um acordo mínimo de convivência que busque concretizar a justiça, Tipke e Yamashita (2002) definem que os princípios da justiça social “fornecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social.”

As concepções de justiça podem variar em cada sociedade, tendo em vista diferentes culturas, práticas e virtudes que determinado grupo vai considerar como justo/injusto, certo/errado. Contudo, Rawls (1997, p. 6) menciona que:

As instituições são justas quando não se fazem distinções arbitrárias entre as pessoas na atribuição de direitos e deveres básicos e quando as regras determinam um equilíbrio adequado entre reivindicações concorrentes das vantagens da vida social. Os homens conseguem concordar com essa descrição de instituições justas porque

4 “(...) A estrutura básica é o objeto primário da justiça porque seus efeitos são profundos e estão presentes desde o começo. (...) essa estrutura contém várias posições sociais e que homens nascidos em condições diferentes têm expectativas de vida diferentes, determinadas, em parte, pelo sistema político bem como pelas circunstâncias econômicas e sociais. Assim as instituições da sociedade favorecem certos pontos de partida mais que outros. Essas são desigualdades especialmente profundas. Não apenas são difusas, mas afetam desde o início as possibilidades de vida dos seres humanos; contudo, não podem ser justificadas mediante um apelo às noções de mérito ou valor.” (pg. 8).

5 “Estimulando-se os bem-dotados a desenvolver e exercitar suas aptidões, compreendendo, porém, que as recompensas que tais aptidões acumulam no mercado pertencem à comunidade como um todo.” (Rawls, 1997, p. 194)

6 Para Rawls, além do consenso na concepção da justiça para tornar viável uma comunidade humana, é importante também a atenção no que se refere à coordenação, estabilidade e eficiência (pg. 6).

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as noções de uma distinção arbitrária e de um equilíbrio apropriado, que se incluem no conceito de justiça, ficam abertas à interpretação de cada um, de acordo com os princípios da justiça que ele aceita. Esses princípios determinam quais semelhanças e diferenças entre as pessoas são relevantes na determinação de direitos e deveres e especificam qual divisão de vantagens é apropriada.

Então, quando se tem como ponto de partida essa ideia de justiça de Rawls (1997), percebe-se que a efetivação desse conceito não se encontra na exata e concreta igualdade entre todos os membros de uma sociedade, mas sim na igualdade de oportunidades para que cada indivíduo alcance o que almeja.

Sen (2010, p. 31) preleciona ideia semelhante à de Rawls (1997), mas sob a perspectiva mais focada na liberdade do que na igualdade, ao mencionar que: “(...) a visão de liberdade aqui adotada envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm, dadas as suas circunstâncias pessoais e sociais”.

Mesmo nas sociedades ideais, ainda há desigualdades de variados tipos, sejam elas sociais, econômicas, entre outras, tendo em vista o já mencionado subjetivismo humano.

Essas desigualdades são importantes para uma sociedade se desenvolver, contudo elas não devem ser extremas, como é visto em grande parte dos países. Silva (2010), ao discorrer sobre a teoria do Desenvolvimento como Liberdade, de Amartya Sen, esclarece que:

Desigualdades profundas não são socialmente atrativas, podendo ser mesmo bárbaras. O sentimento de desigualdade pode corroer a coesão social e certos tipos de desigualdade podem dificultar a ação eficaz. Apesar de tudo, as tentativas para erradicar a desigualdade podem conduzir a perdas para a maioria – por vezes mesmo para todos.

Estudos da Oxfam (2017) revelam que, atualmente, “oito homens detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre do mundo”, além de que, nos Estados Unidos, segundo Cohen (2016), uma “pesquisa recente realizada pelo economista Thomas Piketty revela que, nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%”. Tais dados demonstram um claro desequilíbrio na atual distribuição de riqueza a nível global.

Ao contrário do que alguns estudos do Instituto Mises afirmam, por exemplo, não é que há, nas políticas e nos estudos para distribuição de renda, uma “revolta contra os ‘ricos’”, como eles sugerem, mas sim uma questão bem mais abrangente e profunda do que esse tipo de alegação7. Não é uma questão de “confiscar a riqueza dos ricos”, ou mesmo dizer

7 “O aumento da desigualdade de renda é um subproduto de um arranjo econômico que premia aqueles que direcionam seu talento e sua riqueza de maneira mais efetiva”. Partir dessa premissa como uma regra é bastante perigoso, tendo em vista que é muito difícil se conseguir algo de efetivo quando se não tem oportunidades e condições objetivas de fato para tal. Se basear no mérito da pessoa ou no talento dela como os fatores mais

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que o fato de eles serem ricos deixaria os outros mais pobres. Tal ideia foi aclarada por Sandel (2014, p. 189-190), ao falar a respeito da Teoria de Rawls, citando o alto salário do milionário Bill Gates:

(...) a teoria de Rawls não tem como objetivo avaliar se o salário dessa ou daquela pessoa é justo; ela se refere à estrutura básica da sociedade e à forma como ela distribui direito e deveres, renda e fortuna, poder e oportunidades. (...) a questão é saber se a fortuna de Gates é parte de um sistema que, como um todo, trabalha em benefício dos menos favorecidos.

Sandel (2014) conclui, então, o raciocínio dizendo que: “(...) se esse sistema melhorou as condições do pobre em relação ao que elas poderiam ter sido em um regime mais rigoroso de distribuição de renda, então essas desigualdades seriam coerentes com o princípio da diferença”.

Assim, não é uma questão de execrar o alto salário que algum indivíduo possa vir a ter, mas sim saber se aquele valor está sendo convertido em prol do bem-estar8 geral da sociedade, se aquela fortuna se sujeita a uma sistemática de tributação progressiva sobre a renda que favoreça a saúde, a educação e a qualidade de vida do mais pobre.

1.2 O Princípio da Igualdade e a Constituição Federal

A Constituição Federal dispõe, em seu preâmbulo, que o Brasil, como um Estado Democrático de Direito, deve assegurar o exercício dos direitos fundamentais, dentre eles, os sociais e os individuais, como a igualdade e a justiça, sendo estes identificados como “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.”

Em seu artigo 3º, a Carta Magna estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Brasileira é a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, e, em seu artigo 5º, elenca a igualdade como um dos direitos fundamentais individuais9, aos quais é

determinantes para que ela seja bem-sucedida é ter uma visão reducionista da realidade, tendo em vista que é notório que há muita dependência, também, dos elementos fáticos que envolvem aquela pessoa.

8 “O sistema tributário de um país assemelha-se a um contrato firmado entre a sociedade e o Estado. Tal acordo pressupõe que a população suportará os custos da atividade governamental, desde que, em contrapartida, receba os serviços e as obras públicas de que necessita. Além disso, um sistema tributário deverá possuir certas características básicas desejáveis como a eficiência econômica, a simplicidade administrativa, a flexibilidade, a responsabilidade política e a equidade fiscal.” (Nascimento e Piancastelli, 2005, p. 242).

9

Constituição Federal: art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

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garantida uma maior salvaguarda pelo Estado através da cláusula pétrea descrita no art. 60, §4º.

Assim, a Constituição busca dirimir possíveis arbitrariedades perpetradas pelo legislador, pelo julgador, pela autoridade pública e por qualquer particular10, limitando, dessa forma, a atuação desses sujeitos.

A igualdade é um dos princípios que compõem o que se pode chamar de justiça do Estado Social de Direito11, que é um sistema institucional que garante a não redução do princípio da igualdade à sua dimensão formal unicamente no sentido de garantir a segurança jurídica dos cidadãos integrantes de determinada sociedade, por exemplo, ao promulgar leis que, em regra, não retroajam ou que se condene penalmente uma conduta só depois de tipificá-la.

O Estado Social de Direito garante (ou procura maximizar a garantia) que essas leis sejam justas12, na medida em que se observa não só a conformidade da sua feitura com o devido processo legal, mas sim à proporção que se observa o respeito, ou não, aos outros direitos e às outras garantias fundamentais, e se tais leis estão adequadas socialmente àquela realidade em que se situam, ou seja, o que se busca, efetivamente, é a igualdade material, substancial.

Como cediço, a igualdade/isonomia é um corolário básico da República Federativa do Brasil que se consubstancia na ideia de que: “Dar tratamento isonômico às

partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.” (Nery Júnior, 1999. p. 42)

Esse princípio da igualdade se torna um conceito vazio se analisado isoladamente, devendo, assim, ser interpretado levando em consideração a relação entre dois ou mais elementos. Ou seja, ele precisa ser “preenchido” por um critério de comparação, o qual é definido por outros princípios.

Portanto, o ponto central dessa premissa é saber qual é a medida da desigualdade. Para cada situação e finalidade diferente, uma medida específica é estabelecida, de modo que não seja possível desequiparar injustificadamente indivíduos que estejam envoltos nas mesmas circunstâncias.

10

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais (incidência deles nas relações privadas), já reconhecida em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, como os RE’s 158.215/RS e 161.243/DF.

11 Segundo Tipke e Yamashita (2002, p. 17). 12

Para Tipke e Yamashita (2002): “As Constituições dos Estados de Direito não permitem que o Direito Positivo seja dissociado da Ética. Elas partem do pressuposto de que é possível reconhecer o que é justo e o que é injusto.” (p. 21).

(20)

Mello (1993, p. 22) levanta algumas questões acerca da identificação do desrespeito ao princípio da isonomia que devem ser levadas em conta:

1) Elemento tomado como fator de desigualação;

2) Correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; 3) Consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos pelo sistema

constitucional e destarte judicializados.

Assim, deve haver razoabilidade quando se for elencar qual critério discriminatório será utilizado. A exigência, por exemplo, de um determinado peso mínimo para um indivíduo que for participar de uma luta é cabível. Contudo, a mesma medida seria desarrazoada se inserida como critério de aprovação de candidatos a um concurso para Advogado da União (um critério razoável seria ter o título de bacharel em Direito). Outro motivo que violaria o princípio da isonomia seria a previsão de critérios discriminatórios de idade em certames de concursos públicos, ressalvados, contudo, os casos em que a natureza das atribuições do cargo a justifique.

No ramo do Direito Tributário, pode-se dizer que a capacidade contributiva é uma das medidas que mensuram esse grau de igualdade ou desigualdade. A própria Constituição Federal traz, em seu artigo 145, §4º que:

§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais13 e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Tal princípio, contudo, será melhor aprofundado posteriormente.

Sabendo, então, que cada ramo tem a sua medida específica para o fim a que se propõe e para a igualdade que se busca, faz-se salutar a afirmativa de Tipke e Yamashita (2002, p. 21):

Tratamento isonômico como corolário da justiça pressupõe, porém, um critério adequado de comparação (...) deve ser decidido qual princípio ou qual critério é adequado para o particular ramo do Direito (...) o que é adequado à matéria depende da finalidade da regulamentação do particular ramo do Direito.

13

Interessante fazer menção ao fato de que, nos termos do art. 3º, §7º da Lei nº 4.783 de 31 de dezembro de 1923, as declarações dos contribuintes estavam sujeitas à revisão feita pelos agentes fiscais, mas estes não poderiam solicitar a exibição de livros de contabilidade, documentos de natureza reservada ou esclarecimentos, com o intuito de se evitar que, por meio disso, tais atos estivessem “devassando a vida privada”.

“Essa proibição foi um entrave na fiscalização e arrecadação do imposto de renda e tinha como origem o artigo 17 do Código Comercial de 1850 que dispunha que nenhuma autoridade, juízo ou tribunal, debaixo de pretexto algum, por mais especioso que seja, pode praticar ou ordenar alguma diligência para examinar se o comerciante arruma ou não devidamente seus livros de escrituração mercantil, ou neles tem cometido algum vício. A proibição só foi revogada por meio do Decreto-lei no 1.168 de 22 de março de 1939.” (Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/sobre/institucional/memoria/imposto-de-renda/curiosidades).

(21)

Partindo do pressuposto que o Direito Tributário é um ramo do Direito que se ocupa em estudar a atividade estatal de obter receitas tributárias, tem-se, assim, que o objeto principal desse ramo é o tributo.

A igualdade tributária é trazida pela Constituição Federal a partir da redação do seu artigo 150, inciso II, o qual traz o seguinte comando:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”

Tal conceito está intrinsecamente ligado ao princípio republicano que rege o Estado Democrático de Direito brasileiro. Carrazza (2010, p. 86-87) preleciona que:

É intuitiva a inferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se. De fato, o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) recebam tratamento isonômico. A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. (...) Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas.

Diante do exposto, tem-se que a igualdade tributária é, portanto, um dos propósitos a serem alcançados pelo Estado brasileiro como forma de concretizar o fim de tornar a sociedade brasileira mais justa, livre e solidária.

1.3 O conceito de tributo e suas funções

Ataliba (2001) traz um conceito de tributo por exclusão. Ele menciona que quando um indivíduo é compelido pelo Estado a pagar algo, essa obrigação advém de quatro possíveis origens: 1) de um contrato (o particular e o Estado estabelecem uma relação contratual); 2) de um ato ilícito (o indivíduo comete alguma ilicitude e, em decorrência dela, é penalizado e compelido a pagar uma multa ao Estado); 3) de uma indenização (quando há um dano ao patrimônio do Poder Público e a pessoa é obrigada a ressarcir o dano causado); 4) tributo.

O Código Tributário Nacional traz a definição legal de tributo, dada pelo seu art. 3º14, que o conceitua como uma prestação pecuniária compulsória que não institua sanção de

14 Nas palavras do professor Hugo de Brito Machado Segundo, a definição dada pelo art. 3º do CTN ao tributo de obrigação de dar dinheiro ao Estado.

(22)

ato ilícito, instituída por lei e cobrada através de atividade administrativa plenamente vinculada.

Inicialmente, pode-se ter a ideia de que o tributo sirva unicamente para arrecadar receitas, para manter as despesas da máquina estatal, para subsidiar políticas públicas, dentre outras. Tal ideia é parcialmente certa, visto que todo tributo tem, em determinado grau, a função fiscal (gerar recursos para os cofres públicos).

Contudo, a finalidade do tributo não se resume à arrecadação de valores, dado que ele pode exercer também outras funções, como a parafiscal (quando o Estado arrecada para outro ente, e não para a pessoa jurídica de direito público que arrecadou aquele valor), a extrafiscal - “uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, inibidoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados” (Ataliba, 1990) - e a redistributiva (serve como meio de contenção e redução das desigualdades). É essa terceira função que será a mais mencionada no presente trabalho.

A função redistributiva do tributo é defendida por Piketty (2014) em sua obra O Capital no século XXI, propondo medidas que se baseiam nessa função para que seja concretizado um compromisso ideal entre justiça social e liberdade individual. Uma das maneiras de se efetivar tal fim é através da aplicação do princípio da capacidade contributiva e da técnica da progressividade tributária, conceitos esses que serão melhor detalhados posteriormente.

Depois de fazer um estudo da evolução das alíquotas aplicáveis às maiores rendas e às maiores heranças em diferentes momentos históricos em alguns países (anexos A e B), como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha e a França, Piketty (2014, p. 627) fez a seguinte observação:

Ao longo do período entreguerras, todos os países desenvolvidos começaram a experimentar taxas superiores muito elevadas (...) os Estados Unidos foram os primeiros a experimentar as taxas superiores a 70%, no início para as rendas, nos anos 1919-1922, e depois para as heranças, em 1937-1939.

Ao se observar essas taxas elevadas, tem-se que o Estado está com um intuito menos arrecadatório e mais social. Assim, Piketty (2014, p. 627) explica que:

Quando taxamos uma fatia de rendas ou heranças a um valor da ordem de 70-80%, fica bem evidente que o objetivo principal não é elevar as receitas fiscais (...) trata-se de acabar com esse tipo de renda ou patrimônio, julgados pelo legislador como socialmente excessivos e estéreis para a economia, ou no mínimo de tornar muito custoso mantê-lo em tal nível a fim de desencorajar fortemente sua perpetuação. (...) não se trata de uma interdição absoluta ou de uma expropriação. O imposto progressivo constitui sempre um método mais ou menos liberal para se reduzir as desigualdades, pois respeita a livre concorrência e a propriedade privada enquanto modifica os incentivos privados, às vezes radicalmente, mas sempre de modo

(23)

previsível e contínuo, segundo regras fixadas com antecedência e debatidas de maneira democrática, no contexto de um Estado de direito.

Assim, o tributo servirá como meio eficaz de redução das desigualdades, tendo em vista que essas tendem a aumentar. O relatório da Oxfam traz um estudo do Banco Mundial que menciona que “sem redobrar seus esforços para combater a desigualdade, as lideranças mundiais não alcançarão o objetivo de erradicar a extrema pobreza até 2030”. Se for observada a tendência brasileira, estudo feito pelo IPEA demonstrou que houve um aumento quase que contínuo do grau de concentração de renda e consequente desigualdade em sua distribuição entre os anos de 1960 e 199015.

Quando se analisa o aumento recente da desigualdade mundial, observa-se, a partir de estudos da World Inequality Lab, em seu relatório de 2018, que a grande maioria dos países aumentou a sua desigualdade, alguns mantiveram seus índices em níveis elevados (anexo C) e poucos diminuíram seus percentuais.

Neste mesmo documento, há a demonstração da evolução da desigualdade de renda nos Estados Unidos, que ainda se mantém alta devido, entre outros fatores, ao sistema tributário que se desenvolveu menos progressivo, apesar de ter havido aumento da remuneração do trabalho desde os anos 1980 e dos rendimentos do capital nos anos 2000 (anexo D).

A tendência16 ao aumento da desigualdade é uma realidade que deve ser revertida, tendo em vista o grande prejuízo que ela traz para o desenvolvimento dos países e das pessoas menos favorecidas que neles habitam.

Então, como forma de contribuir para a diminuição das desigualdades econômicas, deve ser alcançada a justiça fiscal, e como instrumentos aptos a efetivar tal objetivo, dentre outros, tem-se a aplicação do princípio da capacidade contributiva e da técnica da progressividade tributária.

Faz-se necessário, portanto, a explanação de cada conceito e de qual relação se estabelece entre os dois.

15 Distribuição de Renda no Brasil: avaliação das tendências de longo prazo e mudanças na desigualdade desde meados dos anos 70. IPEA, 1993.

16 “Rising wealth inequality within countries has helped to spur increases in global wealth inequality. if we

assume the world trend to be captured by the combined experience of China, Europe and the United States, the wealth share of the world’s top 1% wealthiest people increased from 28% to 33%, while the share commanded by the bottom 75% oscillated around 10% between 1980 and 2016. The continuation of past wealth-inequality trends will see the wealth share of the top 0.1% global wealth owners (in a world represented by China, the EU, and the United States) catch up with the share of the global wealth middle class by 2050.” (p. 13).

(24)

1.4. O princípio da Capacidade Contributiva e a Progressividade

Tipke e Yamashita (2002, p. 31) definem a capacidade contributiva como:

Todos devem pagar impostos segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos. Quanto mais alta a renda disponível, tanto mais alto deve ser o imposto. Para contribuintes com renda disponíveis igualmente altas o imposto deve ser igualmente alto.

Falou-se anteriormente a respeito das funções do tributo. Os mencionados autores afirmam que o princípio da capacidade contributiva seria aplicado, de fato, para tributos que contivessem, em si, a finalidade primária de arrecadar verba pública (função fiscal). Como mencionado acima, o princípio da igualdade precisa ser preenchido por outros princípios para ser aplicado plenamente.

Assim, o princípio da capacidade contributiva não se enquadra como “medida” de tributos que tenham finalidade extrafiscal, haja vista que essa função é dimensionada a partir de outros critérios (p. ex.: o Estado quer estimular a prática entre as empresas de diminuir a poluição, então, vai dar incentivos fiscais para aquelas que poluírem menos, ou seja, essa medida em nada está relacionada com a capacidade contributiva delas, mas sim com outro fator – no caso, o maior ou menor grau de poluição).

O tributo, objeto do presente trabalho, que será estudado é o Imposto de Renda sobre a pessoa física, tendo em vista sua função eminentemente fiscal e, como defendida por alguns autores, dentre eles Piketty, redistributiva. A capacidade contributiva também pode ser a medida adequada para se efetivar a essa função redistributiva do tributo. Por isso, ela é aplicada a esse imposto ora tratado.

A técnica da progressividade foi aplicada, juntamente com o princípio da capacidade contributiva, ao Imposto de Renda como forma de atender à finalidade redistributiva desse tributo. Na lição de Carraza (2010, p.88): “em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva”.

Tipke e Yamashita(2002, p. 31) explicam que “(...) o princípio da capacidade contributiva é concretizado sob o aspecto objetivo, essencialmente, por meio da escolha e da estruturação de bases de cálculo imponíveis".

Canazaro (2015, p. 153) preleciona que a capacidade contributiva “(...) apresenta-se como um critério de comparação, garantindo a igualdade horizontal e a igualdade vertical, em relação à graduação do ônus de alguns tributos”. E esclarece que aquela é estabelecida através de leis que garantam tratamento equânime para contribuintes que estejam em situação

(25)

análoga de suportar semelhante ônus tributário; e esta é “(...) promovida por meio da edição de norma que estabeleça tratamento diverso para contribuintes com capacidades diversas.”

Esse princípio da tributação está ligado diretamente à noção de justiça tributária, haja vista a chamada utilidade marginal da riqueza. Nas palavras de Machado (2017, p. 103): “uma mesma alíquota, assim, representa ônus cada vez menor para o contribuinte, conforme cresce a sua riqueza (...). A progressividade visaria a conter rendimentos muito expressivos, limitando assim o crescimento das desigualdades sociais”.

A progressividade parte do princípio de que devem ser estabelecidas alíquotas que vão aumentando de acordo com a base de cálculo17. Quanto maior a base de cálculo, maior a alíquota. Machado (2017, p. 103) define tributo como progressivo aquele “cujo ônus aumenta conforme se majora uma outra variável relativa à pessoa ou ao objeto a serem tributados. Essa outra variável, em regra, é a base de cálculo correspondente”.

Sabbag (2017, p. 207) explica que:

A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá à medida que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo ‘quanto mais se ganha, mais se paga’, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de ‘riqueza presumível do contribuinte’. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório.

A progressividade no Imposto de Renda da pessoa física se expressa atualmente no Brasil através das 5 faixas de percentual incidentes sobre renda/proventos de qualquer natureza (os que ganham até R$ 1.903,98 são isentos, a partir daí pagam 7,5%, e os que ganham acima de R$ 4.664,68 pagam a alíquota máxima de 27,5%). Vê-se, portanto, que essa progressividade é, ainda, muito tímida, se comparada a outras épocas mais progressivas do IR.

1.4.1 Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza

O Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza tem normas gerais a respeito de seu fato gerador, previstas no art. 43 do Código Tributário Nacional e é uma das principais fontes de receita do Estado brasileiro.

Esse tributo tem predominantemente a função fiscal e, como cediço, pode ser atribuída a ele também a finalidade redistributiva.

17

Base de Cálculo é o valor sobre a qual se aplica a alíquota (percentual do tributo que irá incidir) para calcular a quantia a ser paga pelo contribuinte. A base de cálculo do IR, determinado pelo art. 44 do Código Tributário Nacional é “o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.”

(26)

Para que se entenda tal imposto e de que forma ele atuaria na efetivação de uma melhor redistribuição de riquezas e consequente redução das abismais desigualdades que se tem atualmente, é necessário que se conceitue o que é um imposto e a renda tributada por ele.

Imposto é um dos tipos de tributo elencado na Constituição Federal que tem, no seu fato gerador, uma atividade realizada pelo contribuinte que demonstre riqueza. Ou seja, o fato que desencadeia a obrigação de pagar aquela quantia é praticado pelo contribuinte, o poder público nada tem a ver com o fato gerador (o sujeito da ação é o próprio contribuinte). É diferente, por exemplo, das taxas que são usadas no caso de haver um serviço público específico e divisível ou um exercício do poder de polícia que enseja a cobrança desse outro tipo de tributo.

Machado (2017, p. 43) define que “o imposto é aquele tributo devido em virtude da prática, pelo contribuinte, de um fato que revela capacidade para contribuir, revela riqueza, mas que não tem nenhuma relação com atividades estatais específicas”.

No caso do Imposto de Renda, o fato gerador, em geral, seria “auferir renda”. Tipke e Yamashita (2002, p. 77), ao teorizarem acerca de qual bem tributável melhor manifesta a capacidade contributiva, mencionam que, ao longo da história, o bem mudou. No século XVII, era o solo que representava a manifestação desse princípio. Já no século XIX, a “Revolução Industrial ressaltaria o capital como melhor indicador”. E, mais recentemente, desde o final do século XIX, desenvolveu-se o conceito de “concepção do poder de disposição”, o qual define que a capacidade contributiva “reside no acréscimo de poder de disponibilidade econômica no sentido da renda lato sensu”.

Costa (2003, p. 28) preleciona que:

Primeiramente, cabe lembrar que o conceito de renda encontra-se delimitado constitucionalmente. Traduz acréscimo patrimonial, riqueza nova, que vem se incorporar a patrimônio preexistente, considerado determinado período de tempo (...) Proventos, por seu turno, é a denominação dada aos rendimentos recebidos em função de aposentadoria.

Ao longo dos anos, a depender da política tributária adotada pelo governo da época, houve aumentos e retrações da progressividade nas faixas do IRPF brasileiro. Atualmente, há cinco faixas, mas já houve um período, como será abordado no capítulo 3, em que apenas duas existiram (uma de 15% e outra de 27,5%).

A análise detalhada dos aspectos históricos do desenvolvimento do Imposto de Renda da Pessoa Física, da evolução ou involução da sua progressividade e da renda no Brasil serão abordados nos capítulos 2 e 3 deste trabalho.

(27)

Depois do explanado nesse capítulo, partindo para as reflexões que podem ser feitas, algumas questões podem ser levantadas: é sabido que há países onde as alíquotas chegam a percentuais acima de 50% (no Brasil, o máximo é 27,5%).

Qual é, portanto, a diferença entre as duas realidades? A prestação de serviços públicos nesses outros países é melhor do que no Brasil e, por isso, os governantes elevam tanto o percentual desse tributo? O sistema tributário é, em geral, progressivo ou regressivo nesses países? A maior tributação é em consumo ou em renda (stricto sensu)?

E qual diferença essa maior tributação no consumo ou na renda acarreta na prática? A criação do Imposto sobre Grandes Fortunas seria uma solução para substituir alíquotas elevadas de IRPF? Quais as medidas concretas a serem tomadas para que a busca ideal de uma justiça fiscal não seja um ideal tão distante, mas sim uma realidade mais fácil de ser alcançada?

(28)

2 CAPÍTULO 2

Para que se tenha uma análise mais aprofundada das faixas aplicadas ao Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil e a aplicação da progressividade e do princípio da capacidade contributiva nelas, é necessário também fazer um diagnóstico não só perfunctório, mas também mais detalhado do histórico e da evolução dessa sistemática e da política tributária brasileira adotada desde o século passado até a atualidade, além de se verificar a distribuição da renda no Brasil e sua relação com a desigualdade e somente, a partir daí, fazer a correlação entre tributação, renda e justiça social.

A partir do estudo mais detalhadodesses dados, pode-se perceber que o busílis da questão da extrema pobreza18 paradoxalmente vista frente às grandes riquezas no Brasil não se dá devido à falta/escassez de recursos, mas sim no enorme grau de desigualdade de distribuição desses valores. Estudo do IPEA (2001, p. 6) revela, ao comparar o Brasil com outros países, que:

Observamos que cerca de 64% dos países do mundo têm renda per capita inferior à brasileira. Por outro lado, na medida em que alguns países com enorme população encontram-se abaixo do Brasil nessa estrutura da distribuição de renda, vemos que cerca de 77% da população mundial vivem em países com renda per capita inferior à brasileira. Assim, essa distribuição da renda mundial, construída a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999 (...) vem nos revelar que, apesar de o Brasil ser um país com muitos pobres, sua população não está entre as mais pobres do mundo. A comparação internacional quanto a renda per capita coloca o Brasil entre o terço mais rico dos países do mundo e, portanto, não nos permite considerá-lo um país pobre.

É salutar lembrar, ainda, que a tributação é uma das formas de se tentar atenuar as desigualdades econômicas, mas não é a única. Os programas sociais, os investimentos em educação, os projetos de transferência direta de renda19, como o Bolsa Família20, e tantos outros meios de se efetivar uma maior igualdade material também influenciam a distribuição de renda de um país. Portanto, deve-se ater também a essas variantes quando se for estudar o histórico da renda brasileira.

18 Estudo mostra que grau de pobreza atingiu seu máximo durante o início da década de 80, quando a percentagem de pobres em 1983 e 1984 ultrapassou a barreira dos 50%. As maiores quedas resultaram dos efeitos da implementação dos Planos Cruzado e Real, fazendo com que o percentual de pessoas pobres diminuísse para menos de 30 e 35%. (Barros, Henriques e Mendonça, 2001. p. 3)

19 Além do Bolsa Família, tem-se o Benefício de Prestação Continuada, o Auxílio Gás, o Bolsa-Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Bolsa-Escola e o Cartão Alimentação do Fome. (Medeiros et al., 2006. p. 9 e 10)

20

O Relatório Econômico – Brasil, realizado pela OCDE, expedido em fevereiro de 2018, analisa que “O único gasto social verdadeiramente progressivo é o programa de transferência condicional Bolsa Família. O Brasil gasta somente 0,5% do PIB neste programa bem direcionado, que também ajuda as famílias a saírem da pobreza, ao longo do tempo, ao condicionar as transferências à presença das crianças na escola e aos exames básicos de saúde. 83% das despesas com benefícios atingem os 40% inferiores na distribuição de renda (...) O programa Bolsa Família é a única transferência em que o gasto incremental realmente chegaria aos pobres.” (p. 27)

(29)

A desigualdade social no Brasil atingiu em 2010 o menor patamar em pelo menos 50 anos, resultado de investimentos em educação e em programas sociais, mostrou a pesquisa lançada na terça-feira, dia 3 de maio, intitulada Desigualdade de Renda na Década, elaborada pelo Centro de Políticas Sociais e coordenada por Marcelo Neri. O índice de Gini, padrão internacional para medir a desigualdade social, alcançou, no ano passado, 0,5304, de acordo com dados da FGV. Trata-se do melhor patamar desde a década de 1960. Esse é um dado até conservador, porque a pesquisa abrange apenas as regiões metropolitanas do país, e houve os últimos avanços significativos no interior e na área rural, comenta Neri. Segundo ele, nosso Gini ainda é estupidamente alto em relação a outros países, mas estamos avançando. Nesta terça, o governo anunciou que cerca de 16,2 milhões vivem na extrema pobreza no país e serão incluídos em um programa de combate à miséria que será lançado dentro de algumas semanas. O índice de Gini atingiu seu ápice no início da década de 1990, quando chegou a 0,6091, e passou a cair após o início da estabilidade econômica promovida pelo Plano Real. Os programas sociais também tiveram um papel importante, mas menos relevante que a educação, acrescentou. A taxa acumulada de crescimento da renda na década passada foi de 10,03% entre os 10% mais ricos e de 67,93% para os 50% mais pobres. Já entre os 20% mais pobres, os anos de estudos cresceram 55,59%, com um avanço da renda de 49,52%. Entre os 20% mais ricos, a escolaridade cresceu 8,12%, com aumento de 8,88% na renda. Os analfabetos tiveram um incremento na renda na década passada de 47 %, e as regiões onde o rendimento mais cresceu foram em estados do Nordeste e Norte, áreas mais pobres do país. O Brasil mais do que cumpriu a Meta do Milênio com esses resultados, afirmou Neri. Entre dezembro de 2009 e dezembro de 2010, o avanço na redução da pobreza no país foi de 16,3%. Desde o início do Plano Real, em 1994, até agora a pobreza caiu no Brasil 67,3%, de acordo com a pesquisa 21.

A justiça social almejada não pode ser alcançada tão unicamente através da justiça tributária, “haja vista que a injustiça social brasileira tem como principal motor a má distribuição de renda, a qual envolve inúmeros fatores culturais e históricos negativos que não podem ser ignorados.” (Torres, 2012, p. 89)

Contudo, Murphy e Nagel (2002, p. 155-156) afirmam que “em princípio, os níveis relativos de riqueza podem ser ajustados por meio de outros aspectos do sistema jurídico, mas o meio mais eficiente é, sem dúvida, o código tributário”. Tem-se, portanto, que o Estado, como fomentador principal dos direitos e garantias fundamentais, deve se utilizar da justiça tributária, dentre outros meios, para alcançar a justiça social.

2.1 A renda no Brasil

Para se examinar de maneira mais lúcida a política tributária adotada pelo Brasil no que tange ao Imposto de Renda, é necessário também se ater à renda brasileira e à desigual distribuição desta no país. Além disso, analisar também, mesmo que de maneira perfunctória, a diferença do crescimento da renda e do capital.

21 Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/centro-politicas-sociais-lanca-pesquisa-sobre-desigualdade-pais>

(30)

2.1.1 Índice Gini

Antes de adentrar propriamente na análise da renda brasileira, é importante fazer referência a um coeficiente, utilizado mundialmente por alguns estudiosos (inclusive em sua obra O Capital no Século XXI, Piketty compara os índices de alguns países, conforme anexo E) chamado Índice de Gini. Ele é um parâmetro usado para medir o grau de concentração de renda existente em determinado grupo, com isso, ele demonstra a diferença entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres. O índice varia de zero a um, sendo este o número que equivale ao maior nível de desigualdade (uma só pessoa detém toda a riqueza).

Então, ao analisar a renda do Brasil22 e de outros países, para comparar os números de acordo com a política adotada, será usada também essa ferramenta do Índice de Gini. Os resultados derivados dos cálculos feitos para se chegar nesse coeficiente têm algumas limitações, uma delas é o fato de que:

Os executivos (diretores, gerentes, presidentes) de empresas, integrantes de estratos de renda alta, recebem benefícios "em espécie" que certamente não foram incluídos nas informações utilizadas. Tal incorreção conduz a uma subestimação dos índices de concentração. Mills comenta, em relação a esse fenômeno nos EUA, que "como praticamente todas as estatísticas de rendas se baseiam nas declarações dos contribuintes, não revelam totalmente as diferenças de 'renda' entre os ricos associados e outros americanos. De fato, uma diferença principal são os privilégios deliberadamente criados para a exclusão da 'renda' lançamentos de impostos. Quando os impostos são altos, os ricos associados são bastante espertos para imaginar formas de receber a renda, ou as coisas e experiências que esta proporciona, de modo a escapar dos lançamentos"23. Outro sociólogo norte-americano, Kolko (1962), também dá bastante importância ao fenômeno e fornece informações adicionais sobre os métodos usados pelos executivos. Embora não tenhamos conhecimento de estudos sobre benefícios "em espécie" recebidos pelos executivos de empresas no Brasil, parece-nos que o padrão de comportamento é, no caso, semelhante ao norte-americano, mesmo porque são profundas as vinculações internacionais, e especialmente com os EUA, das grandes empresas que operam no Brasil. 24

Com essa observação feita, tem-se que as desigualdades de renda podem ser até maiores do que as que os números mostram, se ainda for levado em consideração as ocultações de informações relativas à verdadeira renda auferida pelo contribuinte, contudo elas podem ser apenas estipuladas, mas não efetivamente mensuradas.

Em 2001, foi realizado um estudo pelo IPEA a respeito da desigualdade de renda no Brasil, e foi feita uma análise comparativa do índice de Gini de alguns países. O resultado

22

“Em 2017, os 10% da população com os maiores rendimentos detinham 43,3% da massa de rendimentos do país, enquanto a parcela dos 10% com os menores rendimentos detinha 0,7% desta massa. As pessoas que faziam parte do 1% da população brasileira com os maiores rendimentos recebiam, em média, R$ 27.213, em 2017. Esse valor é 36,1 vezes maior que o rendimento médio dos 50% da população com os menores rendimentos (R$ 754).” (PNAD, 2017).

23 Segundo Mills e Wright (1968. p. 184-85). 24 Duarte e Hoffmann (1972).

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foi alarmante para o Brasil, tendo em vista que, dos 92 países com informações disponíveis, ele ficou entre os quatro países (Barros, Henriques e Mendonça, 2000. p. 13) com maior grau de desigualdade (à época, o coeficiente brasileiro era próximo a 0,60).

Comparou-se, ainda, a renda média dos 10% mais ricos com os 40% mais pobres de 50 países (Barros, Henriques e Mendonça, 2000. p. 14). Quanto menor for a razão entre esses valores, mais economicamente equânime será a sociedade, haja vista a maior distribuição de valores que vai haver entre os dois extremos (os mais pobres e os mais ricos). Nessa comparação, foi verificado que:

O Brasil, por sua vez, é o país com o maior grau de desigualdade entre os que dispomos de informações, com a renda média dos 10% mais ricos representando 28 vezes a renda média dos 40% mais pobres. Um valor que coloca o Brasil como um país distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário internacional, como razoável em termos de justiça distributiva.

O índice de Gini do Brasil mais recentemente calculado é o de 2017, chegando a 0,54925, o que demonstra uma melhora se comparado ao final do século passado (em 1990, chegou a 0,607). Contudo, esse número ainda mantém o Brasil (segundo Barros, Henriques e Mendonça, 2000. p. 28) dentro da classificação de um dos piores países em nível de desigualdade de distribuição de renda.

2.1.2 Crescimento do capital versus Crescimento da renda: Lições de Piketty

Faz-se mister mencionar que a desigualdade que há entre os mais abastados e os mais pobres tende a crescer na medida em que a taxa de rendimento do capital (r) faz-se maior que a taxa de crescimento da renda e da produção nacionais (g)26. Ou seja, quando g>r, a desigualdade aumenta, tendo em vista que os patrimônios que se originaram no passado se recapitalizam em velocidade maior do que produção e salários.

Nesse ponto, Piketty (2013, p. 555) preleciona que:

Essa desigualdade exprime uma contradição lógica fundamental. O empresário tende inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles que só possuem sua força de trabalho. Uma vez constituído, o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o futuro.

Na lógica do capital, a desigualdade de distribuição da riqueza tende a aumentar, haja vista, inclusive, a diferença que há entre a taxa de rendimento das fortunas de grandes investidores para a de pequenos poupadores.

25 “Em 2017, o índice de Gini do rendimento médio mensal real domiciliar per capita no Brasil foi 0,549 (...) No Brasil, o Índice de Gini do rendimento médio mensal real efetivamente recebido de todos os trabalhos foi de 0,525 em 2016 para 0,524 em 2017.” (PNAD, 2017).

Referências

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