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AproduçãodenotaçõesmatemáticaseseusignificadonoColóquioInternacional

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Academic year: 2021

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RESUMO

A necessidade de repensar a idéia de que o processo da aprendizagem deve ter como fonte o conhecimento prévio do sujeito nos impulsiona às presentes reflexões. Afinal, o que chamamos de “conhecimento prévio”? Basta trazer os contextos socioculturais, tais como os jogos e a feira, para garantia de que os conhecimentos prévios sejam fonte de aprendizagem matemática em sala de aula? Para tanto, pressupomos a complexidade da construção da inteligência, uma vez que as estruturas mentais decorrem das experiências que cada um realiza, nos mais diferentes contextos. Tal complexidade seria fruto não apenas da diversidade das experiências matemáticas, mas também das diversas significações a elas atribuídas de sujeito a sujeito, mergulhados num mesmo contexto. Assim, não podemos pensar em padrões comuns de conhecimento prévio, pois a única certeza que o professor e o pesquisador podem ter é a diversidade e a complexidade dessas construções. Erroneamente, muitos educadores consideram superficialmente tais experiências. Conhecimento escolar e conhecimento prévio acabam por se reduzirem nas experiências no comércio, nas brincadeiras, nas produções artesanais, entre muitas outras. Todavia, as oportunidades que a criança tem, por exemplo, de vivenciar situações de compra, de venda, de manipulação de cédulas e moedas, de realizar pequenas economias para compra de guloseimas diz muito pouco ao educador sobre a natureza da forma de organização mental do aluno, em especial, pouco traduz os processos de conceitualização matemática. Tais contextos (que implicam diferentes campos conceituais) podem dar uma primeira idéia dos conceitos mobilizados e, de certa forma, permitem ao professor identificar o repertório conceitual que certo aluno transporta para a escola, mas, muitas vezes, não deixam explícitos como esses conceitos se articulam, como eles se estruturam a fim de engendrar certo tipo de comportamento em dada situação. Discutir a importância e a necessidade de desvelar tais processos cognitivos subjacentes às ações dos alunos em situação matemática, apoiado numa teoria tanto fértil quanto consistente, foi nosso objetivo neste texto, ou seja, a análise de notações matemáticas de crianças nos anos iniciais do ensino fundamental e a busca de significados psicológicos e pedagógicos de tais produções. Pressupondo ser importante os conhecimentos prévios do aluno para a construção da mediação pedagógica, buscaremos discutir, aqui, a partir das contribuições da Teoria dos Campos Conceituais (TCC) de Gérard Vergnaud, em que consiste tal conhecimento, como e através de que mecanismos ele se traduz.

Palavras chaves: esquemas mentais, registros matemáticos, procedimentos espontâneos ABSTRACT

The need to rethink the idea that the process of learning should have as its source the prior knowledge of the subject drives us to these reflections. After all, what do we call "prior knowledge"? Is it enough to bring the socio-cultural contexts, such as games and

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the fair, to guarantee that all previous knowledge is a source to learn mathematics in the classroom? Therefore, we assume the complexity of building one’s intelligence, as the mental structures arise from the experiences that each person carries out, in several different contexts. Such complexity is a result not only of the diversity of mathematical experiences, but also of the various meanings attributed to them from subject to subject, plunged in the same context. Thus, we cannot think of common standards of prior knowledge, for the only certainty that the teacher and researcher can have is the diversity and complexity of these constructions. Many educators wrongly consider such experiments in a superficial manner. School knowledge and prior knowledge end up narrowing in the trade experiences, games, craft production, among many others. However, the opportunities that a child has, for example, to experience situations of buying, selling, handling of bills and coins, making small economies to buy sweets, tell the educator very little about the nature of the student’s mental organization, in particular, little do they translate the processes of mathematics conceptualization. These contexts (which involve different conceptual fields) may give a first idea of the concepts involved and, in a way, they allow the teacher to identify the conceptual repertoire that a certain student carries to school, but often do not leave explicit how these concepts are articulated, how they are structured in order to generate certain type of behavior in a given situation. Discussing the importance and necessity of unveiling such cognitive processes underlying the student’s actions in a mathematical situation, based on a theory both fertile and consistent, was our goal in this text, that is, the analysis of mathematical notations of children in the early years of elementary school and the search of educational and psychological meanings of such productions. Assuming that the student's previous knowledge is important to the construction of educational mediation, we aim to discuss here, based on the contributions of the Theory of Conceptual Fields (TCC) by Gérard Vergnaud, what such knowledge consists in, how and through which mechanisms it happens.

Key words: mental outlook, mathematical records, spontaneous procedures

Contribuições do conhecimento do esquema para constituição da mediação pedagógica

A idéia de esquema proposta por Piaget e resgatada por Vergnaud (1998) pode trazer importantes contribuições tanto para o professor quanto para o pesquisador na melhor e mais profunda compreensão dos conhecimentos mobilizados pelo sujeito em ação cognitiva numa situação. Vislumbrar a complexa rede de conceitos mobilizada na atividade, o papel que cada conceito desempenha na determinação do procedimento, os significados atribuídos a cada estratégia resolutiva e o poder de auto-regulação da atividade realizada pelo aluno são temas inevitáveis das ciências da educação. A revelação, o reconhecimento, a análise e a valorização dos esquemas que sustentam as estratégias de ação podem trazer nova luz à postura pedagógica do professor, pois é por meio deles que podemos melhor compreender os conhecimentos em ação, as potencialidades, as incompletudes, os desvios e os atalhos, as ressignificações, os erros e

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os obstáculos quase sempre presentes nas produções matemáticas em sala de aula. Entretanto, veremos mais adiante neste capítulo que levar em consideração os esquemas subjacentes nas produções requer quase sempre um trabalho criterioso de interpretação por parte do educador ou do pesquisador, interpretação que mobiliza, por sua vez, conceitos e concepções deles acerca das produções do aluno. O tratamento dado pelo educador a tais produções pode nos revelar posturas teóricas e metodológicas que determinam fortemente a natureza do triângulo pedagógico aluno-conhecimento-professor.

A consideração dos esquemas subjacentes às produções dos alunos poderá significar a construção de uma mediação pedagógica não mais a partir de supostos e hipotéticos conhecimentos portados pelo aluno, mas uma maior aproximação de reais construções e aquisições do aluno, assim como estabelecer uma luz tanto teórica quanto metodológica sobre as necessidades do aluno para conseguir produzir respostas exigidas pela situação. Em geral, nas nossas investigações pedagógicas isso acaba por revelar o processo de conceitualização pelo qual se encontra o aluno e o quanto determinados conceitos dão conta ou não de fornecer instrumentos para construção de uma proposição resolutiva. O objetivo deste capítulo foi o conceito de esquema proposto na Teoria dos Campos Conceituais do pesquisador francês, Gérard Vergnaud, buscando reconhecer em que constitui um esquema, qual sua importância na construção do conhecimento pelo sujeito em ação e quanto e como pode vir a ser um poderoso instrumento pedagógico na determinação de novas formas de interação aluno-conhecimento-professor.

Segundo Vergnaud, em que consiste um esquema na TCC e qual sua importância na concepção dos campos conceituais

Em julho de 1998, reuniu em Suresne, periferia sul de Paris, um número considerável de pesquisadores e doutorandos que têm a TCC como fonte teórica e metodológica para suas investigações. Um dos objetivos desse Seminário (VERGNAUD, 1998) foi verificar como cada pesquisador se apropria dos conceitos propostos por Vergnaud e mesmo dando novas conotações, ampliações e, em especial, debater os limites e novas necessidades dessa teoria. Intitulado “Qu’est-ce que la pensée?” esse seminário teve por objetivo discutir a compreensão acerca da constituição da inteligência nos diversos estudos em desenvolvimento, como se desenvolve a atividade cognitiva numa situação e num tempo determinado.

No texto provocativo aos participantes desse seminário, Vergnaud (1998) propõe que, para compreender a natureza do pensamento e obter suas constituições mais essenciais, devemos considerar todos os registros da atividade humana, não nos limitando somente aos registros científicos ou técnicos, mas, considerando também, os gestos os diálogos, as interações sociais e afetivas.

Para a resolução de um problema matemático, Vergnaud propõe duas fases que constituem o processo resolutivo. A primeira é aquela de seleção das informações e determinação das operações a serem realizadas. A segunda diz respeito aos processos de resolução das operações em si. Cada uma dessas etapas comporta objetivos, regras, representações e inferências. Assim, é importante para a compreensão do pensamento constituído no processo de resolução, o desvelamento e a análise dos objetivos, das regras e inferências ai presentes. Essa importância não se limita ao trabalho do pesquisador no

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campo da psicologia, mas também deve ser tarefa importante como competência profissional do professor, elemento essencial na constituição da mediação pedagógica. Convém ressaltar que a TCC tem tido aplicações e tem sido fonte de inspiração em múltiplas áreas profissionais, não sendo de uso exclusivo no campo da didática. Em muitos espaços profissionais onde a resolução de situação-problema, a aprendizagem e a interação sociocogntiva se fazem presentes, a TCC tem-se mostrado muito válida para o estudo de atividades complexas.

Nesse contexto, Vergnaud propõe o esquema como um conceito central de sua teoria. Assim, a TCC propõe a noção de esquema em duas dimensões:

Definição 1: o esquema é uma organização invariante da atividade para uma classe de situações dadas.

Definição 2: ele é formado necessariamente de quatro componentes:

 Um objetivo, subobjetivos e antecipações.

 Regras de ação, tomada de informações e controle.

 Invariantes operacionais: conceitos em ato e teoremas em ato.

 Possibilidade de inferências em situação. (p. 7, tradução e grifos nossos)

Cada uma dessas definições porta princípios importantes. A primeira revela que o esquema é concebido a partir de uma classe de situações e não a partir da análise de uma produção isolada. Nesse sentido, a idéia de invariantes é fundamental. Ao analisar uma produção, na identificação de um esquema, no fundo, objetiva-se identificar quantificadores universais. O esquema é universal tanto quanto o é um conceito para uma situação de classe. Isso nos traz conseqüências importantes para o contexto da avaliação das produções matemáticas dos alunos, o que discutiremos mais adiante. Os esquemas não constituem estereótipos, sobretudo, por que podemos constatar mudanças deles conforme as situações se alteram. O que varia de uma situação a outra não são as condutas observáveis, mas sim a sua organização. Assim, o esquema não organiza somente as condutas, mas também as atividades do pensamento subjacentes ao comportamento.

A segunda definição, de ordem mais analítica, nos traz elementos que favorecem o desenvolvimento de procedimentos metodológicos para descrição e compreensão do pensamento: acaba por revelar os componentes que vêem a constituir um esquema, o que pode ser muito útil para o pesquisador na construção de categorias.

Esta segunda definição nos revela a importância do objetivo no desenvolvimento de certa conduta. O objetivo se desdobra em subobjetivos seqüencial e hierarquicamente organizados. São eles que permitem as antecipações (o que e como devo fazer) nos primeiros momentos da atividade. Os objetivos são importantes fontes na diferenciação das condutas na busca de uma solução. Mais adiante, articularemos essa idéia as propostas por Brousseau (1998).

Por sua vez, as regras de ação, tomada de informações e antecipações constituem a parte que gera o esquema. Afinal, a conduta não é formada somente de ações, mas, sobretudo, de coleta e seleção de informações, assim como de controles que permitem ao sujeito estar seguro de suas opções.

Entretanto, são os conceitos em ato que permitem ao sujeito selecionar e tomar informações consideradas como as relevantes para produção de uma solução de acordo com seus objetivos, assim como selecionar os teoremas em ato necessários à realização dos cálculos. São os conceitos que permitem ao sujeito selecionar os objetos, as propriedades e as relações que irão conduzir ao sucesso na realização da tarefa.

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Um conceito em ato é um conceito considerado como pertinente na ação no contexto da situação. Em síntese, temos:

Numa situação dada, o sujeito dispõe de muitos tipos de conhecimentos para identificar os objetos e suas relações e a partir daí estabelecer objetivos e regras de conduta pertinentes. Os conhecimentos são conhecimentos em ato, designados aqui por “ invariantes operatórios” para indicar que estes conhecimentos não são necessariamente explícitos, nem mesmo conscientes para certos entre eles. O conceito de invariante operatório permite falar nos mesmos termos às vezes da percepção, quer dizer da identificação dos objetos materiais e suas relações, da interpretação das informações perceptivas nas situações onde há espaço para a incerteza, e os pensamentos que portam objetos altamente elaborados da cultura (1998, p. 10, tradução nossa)

Segundo Mayen (1998, p. 05) a noção de esquema contempla a variedade e a estabilidade, a unidade e o movimento, sendo indissociável a noção de campo conceitual. Assim, a plasticidade do pensamento que colocamos em destaque neste capítulo, revela um equilíbrio entre ação e conceito (p. 07). Assim, vamos tratar da indissociabilidade conceito-esquema.

Relação entre esquema e conceito

Antes de entrarmos na apresentação de esquemas e suas discussões no contexto da atividade matemática, optamos por exemplificar a profunda e vigorosa relação entre conceitos e esquema também em contextos fora do ensino da matemática.

Das inúmeras situações que serviriam muito bem para mostrar tais relações, escolhemos uma bem corriqueira: a troca de uma lâmpada. Diante dessa situação, vejamos as estratégias de três sujeitos: Paulo, Carlos e Cíntia. Que procedimentos utilizam para realizar essa tarefa?

Paulo desliga a chave geral do imóvel para evitar um choque. Carlos preocupa-se apenas em garantir que a corrente esteja interrompida no interruptor do cômodo. Cíntia, por sua vez, não se preocupa com nada disso e, simplesmente, pega a lâmpada, trocando-a. Diante das diferentes respostas, há uma discussão no grupo sobre vantagens e desvantagens de cada procedimento. Paulo considera os colegas imprudentes, até mesmo suicidas, pois Cíntia, por certo, vai levar um choque, enquanto Carlos não pode saber se o interruptor está ligado ou desligado, afinal a lâmpada está queimada. Carlos alega diante da indignação de Paulo que não é necessário desligar a chave geral, pois com uma chave-teste pode se certificar de que há corrente ou não. Cíntia entra na conversa, dizendo que tudo isso é uma grande besteira, afinal, basta segurar a lâmpada apenas na parte em vidro que ninguém vai levar choque algum.

Podemos observar três procedimentos assim como cada um deles é fruto do conjunto de conceitos presentes no repertório de cada sujeito, participantes de um campo conceitual permeado pela situação colocada. Assim, vemos que cada um atribui uma significação diferente à situação, portanto, agindo diferentemente. Propor solução, agir e refletir implica necessariamente a mobilização de conceitos disponíveis no repertório cognitivo. Vejamos, para Paulo a ausência absoluta de corrente é a única garantia de não correr o risco de um choque elétrico. Os conceitos de circuito elétrico e corrente, presentes no repertório de Carlos, fazem com que não ache necessário desligar a chave geral, bastando

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cortar a corrente no interruptor. Já os conceitos de bom condutor e mal condutor de corrente elétrica, permitem a Cíntia achar que nada disso seja necessário, uma vez que o vidro, em seu repertório conceitual, não conduz a corrente.

Ao trocar a lâmpada vemos como diferenças no processo de conceitualização (considerando o campo conceitual definido pela situação) permitem concebermos diferentes esquemas de procedimentos para a mesma situação e produzindo o mesmo resultado: lâmpada trocada. Para o educador, o mais importante não é a lâmpada trocada, mas a compreensão dos processos subjacentes a tal ação. Devemos ressaltar que aqui se trata da determinação de diferentes caminhos, diferentes conexões conceituais, determinando diferentes possibilidades. Discutir ou mudar os procedimentos implica agir sobre os conceitos permitindo a construção de diferentes relações conceituais.

Para tornar mais complexa a situação, poderíamos pensar na presença de uma quarta pessoa que dirá que nada disso é necessário, desde que a pessoa não esteja em contato com a terra.

A articulação entre conceito e procedimentos pode ser constatada na análise dos esquemas que está presente, em especial, nas produções matemáticas dentro da sala de aula e fora dela. Vamos, a seguir, mostrar quatro produções que nos permitem de forma explicita mostrar o valor da revelação de esquemas para a compreensão da inteligência da criança em ação.

Esquema como ferramenta de análise das produções matemáticas em nossas pesquisas

Nossa primeira experiência com os esquemas como ferramenta de análise de produções matemáticas foi no desenvolvimento da tese de doutorado (MUNIZ, 1999) quando buscamos compreender as atividades matemáticas em situação de jogos espontâneos com um grupo multicultural na França. Como nosso interesse era analisar as relações entre o jogo infantil e aprendizagens matemáticas, o estudo etnográfico do contexto lúdico infantil nos permitiu identificar complexos esquemas presentes no repertório cognitivo dessas crianças, quando em atividade livres do controle de professores. Mais recentemente, temos buscado compreender a natureza da dificuldade de aprendizagem matemática (MUNIZ, 2006) a natureza das produções de crianças consideradas em situação de dificuldade na aprendizagem matemática no DF. Para isso, a noção de esquemas emprestada de Vergnaud tem-se revelado importante ferramenta tanto para a pesquisa quanto para uma abordagem didático-pedagógica da problemática. Como nosso objetivo neste capítulo foi a apresentação e a discussão de elementos importantes da TCC, assim como estamos utilizando a teoria em nossas investigações, nesta seção, apresentarei alguns resultados de pesquisa em sala de aula, objetivando revelar como os esquemas estão presentes nesse ambiente. Mais que isso, esperamos que tais casos reais, produzidos em salas de aulas de séries iniciais do Ensino Fundamental de escolas do Centro-Oeste possam nos informar em que sentindo estamos interpretando a teoria de Vergnaud e nela encontrar instrumentos para avançar tanto na pesquisa quanto na construção de novas práxis pedagógicas e novas possibilidades de formação de professores.

Os protocolos a seguir foram obtidos de crianças consideradas em situação de dificuldade na aprendizagem matemática escolar revelados nas produções escritas desses alunos. Ao identificarmos seus esquemas subjacentes, esclarecendo os conceitos e os teoremas em

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ato, pesquisador e professor passam a ter melhor compreensão dos conhecimentos em ato. Nesse sentido, tais exemplos podem servir para alimentar nossa discussão de como a TCC pode estar contribuindo duplamente: (a) para o avanço da pesquisa em educação matemática sobre as produções dos alunos; (b) para a construção de novas práxis pedagógicas por meio de uma nova postura epistemológica do professor que hoje, em geral, muito pouco conhece dos reais saberes matemáticos dessas crianças.

Caso 1: O esquema de adição de frações de Victor.

A situação originária da produção é um problema no qual uma criança come 4 sétimos de um doce e depois come mais 3 sétimos. O problema é saber quando restou do doce. Estamos em 2006, numa sala de 4º ano do Ensino Fundamental, na cidade de Taguatinga. Victor tem plena liberdade (estando inserido num contrato didático) para refletir e registrar suas estratégias que, num segundo momento, é socializado no grupo. Assim temos:

Ilustração 1: Adição de frações de Victor

Num primeiro momento, a professora (formação em pedagogia) estranha tal produção. Ao ser questionado sobre o que fez, ele afirma oralmente: “sete mais sete é quatorze, e não tem que ir o um?”

Isso nos faz voltar à questão inicial de nosso capítulo: “o que conhece nosso aluno e que natureza de produção este conhecimento gera”. Assim, um trabalho do mediador sustentado na TCC não pode prescindir da fala do aluno no trabalho interpretativo de suas produções. O que podemos compreender dessa produção?

O conceito em ato de que nas operações temos de organizar em forma de colunas as ordens, faz com que o sete fique abaixo do sete assim como o três abaixo de quatro, no qual o teorema em ato estabelece um algoritmo para a adição dos racionais análogo aos dos decimais. Trata-se então da transferência de um teorema construído em situação anterior (com os números naturais) para operar com frações. Victor está seguro de sua produção uma vez que está “fazendo tudo certo como a tia sempre ensino, número debaixo de número”.

Em continuidade, a hipótese (para não dizermos certeza) da transferência inapropriada de conceitos e teoremas construídos em situações anteriores para uma situação em novo

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campo conceitual, está no fato de ele fazer “sete mais sete é quatorze, fica 7 e vai o 1 junto do 4”.

É nesse sentido que devemos considerar a idéia de conhecimentos prévios na perspectiva da teoria de Vergnaud: numa nova situação, é tendência natural do sujeito aplicar esquemas produzidos e validados em situações anteriormente vivenciadas. Esta é a noção da “didática como provocação” proposta pela TCC, ou seja, é papel essencial do professor propor novas situações que exijam uma revisão dos esquemas presentes no repertório cognitivo, ou seja, na necessária revisão de teoremas, e, portanto, colocando em cheque os conceitos até então construídos.

Assim, diante de Victor, o papel do professor é muito mais complexo do que colocar certo ou errado em sua produção escrita. Interpretar, compreender, planejar novas mediações são elementos essenciais na competência do professor a serem realizadas partir do acolhimento da produção de Victor, valorizando sua ação cognitiva na mobilização de conhecimentos prévios, mas favorecendo um trabalho reflexivo acerca da validade desses conceitos e teoremas na situação atual. Tais produções devem ser razão fecunda para a motivação de construção de novos conceitos e geração de novas hipóteses. Esperamos que esse caso tenha servido para mostrar como certos conceitos geram teoremas e, por conseqüência, um determinado esquema:

Esquema 1: Procedimento de adição de fração de Victor

Assim, o erro na produção não está na ausência de conhecimento, mas na mobilização de esquemas numa situação na qual ela é inapropriada. Entretanto, se voltarmos para os elementos que constituem um esquema, vemos que o primeiro é o objetivo. Para Victor, o objetivo é tão-somente somar os números e somar números ele aprendeu, mesmo quando eles têm dois dígitos, e que a soma de mais 1 na coluna da esquerda quando a soma na coluna da direita ultrapassa o dez.

Caso 2: Esquema de Vivi: para que decompor se tem jeito mais fácil?

Ao ser avaliada pela professora de quarto ano do Ensino Fundamental, objetivando analisar habilidades na decomposição decimal do número em situação com valores

Dígito debaixo de dígito

Soma sempre a

partir da direita Toda vez que a soma

ultrapassa dez, registramos apenas as unidades na direita, e a quantidade de dezenas é registrada na coluna da esquerda

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monetários, Vivi apresentou um esquema inusitado para a professora que, de certa forma, sentiu-se frustrada, pois, com esse esquema, não pôde verificar se ela assimilou o procedimento que era o objetivo da professora: “pedir emprestado quando não dá para retirar as unidades”.

Ilustração 2: Subtração pelo processo da compensação de Vivi

Se no caso anterior o esquema do aluno sustentava-se nos comandos (les consignes) da professora, em situação na qual o teorema em ato não se apresenta conveniente, nesse caso da Vivi, o teorema em ato é perfeitamente apropriado para a situação, uma vez que seus conceitos em ato são validados para essa situação.

Ao invés de decompor os 500 como 4 centenas, 9 dezenas e 10 unidades, como era de se esperar pela professora, Vivi utiliza-se do conceito em ato de que “retirando o mesmo valor no minuendo e do subtraendo, a diferença permanece inalterada”. Assim, a diferença entre 500 e 469 é a mesma que 499 e 468, sendo que, no segundo caso, não há necessidade de apelar para nenhum malabarismo de decomposição do número.

Em termos de esquema, revelando conceitos e teoremas em ato, temos:

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Assim temos que os conceitos em ato de Vivi, ou seja, a conservação da diferença, gera um teorema em ato que é retirar 1 unidade de cada valor que estamos comparando. Evidentemente, isso gera um esquema mental que foge das expectativas da professora que, na situação dada e ressignificada pela criança, não consegue diagnosticar a decomposição do número na subtração. Esse conceito não foi mobilizado no teorema em ato, mas permite diagnosticar outro conhecimento prévio disponível no repertório cognitivo de Vivi, que produz um esquema não esperado pela professora em tal situação. Nesse sentido, Vivi nos mostra como se articulam conceitos e teoremas em ato gerando, nessa situação, um esquema por vezes negligenciado pela escola. Na discussão sobre tal produção com a professora, esta revela a preocupação de como auxiliar Vivi produzir o algoritmo da forma que encontramos no planejamento escolar. E aí fica uma questão vital de ordem epistemológica e curricular: por que ela teria de apreender outro procedimento em detrimento de seus esquemas? Se há valor a aprendizagem dos algoritmos clássicos, como fazê-lo sem negar a construção dos esquemas próprios da Vivi que permitem a ela se reconhecer como um ser matemático em plena ação?

Se tal esquema é valorizado e mesmo institucionalizado no contexto didático, esse esquema vai permitir que o sujeito, em futuras situações similares, utilize esse procedimento já validado e incorporado em sua estrutura de inteligência como ferramenta matemática.

A gênese dessa construção na história de Vivi é uma discussão que não cabe neste capítulo, mesmo por que requereria um estudo psicogenético longitudinal de acompanhamento do sujeito em seu desenvolvimento que não foi o caso.

3º caso: Luan: se é pra multiplicar...pra que complicar?

Durante a recreação dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, a profa. Sônia nos chama para mostrar algo inusitado. Ela afirma que, não sabe como 12 de seus 22 alunos apresentam, no momento, uma forma interessante de multiplicar. Para mostrar o fato,

500 – 469 = Tirando 1 de cada número, a diferença é a mesma 500 -1 = 499 e 469 -1 = 468 499 - 468 = 31 500 - 469 = 31

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convida Luan a nos mostrar, em uma folha de caderno, como efetua a multiplicação: 12x321.

Ilustração 3: Multiplicação de Luan e colegas

Ao observar a produção escrita, dificilmente, iremos revelar o esquema que está subjacente à atividade matemática realizada por Luan, em especial, por que o registro aproxima-se bastante da forma clássica, levando-nos a pensar que realizou algumas etapas mentalmente sem chegar a registrá-las. Entretanto, o esquema presente é evidenciado pela fala dele no processo:

-

Doze vezes 1, é 12, fica 2 e vai 1. Doze vezes 2,

24, mais 1, vinte e cinco. Fica 5, vão 2. Doze vezes 3, trinta

e sis, mais 2, trinta e oito. Então fica três mil, oitocentos e

cinqüenta e dois” .

(11/11/2005)

Mais uma vez, vemos como é importante a fala do aluno sobre sua produção para que possamos revelar os esquemas subjacentes. Assim, tratar de esquemas mentais como base de uma mediação pedagógica requer nova configuração do triângulo pedagógico aluno-conhecimento-professor, com aproximação e escuta do professor junto ao aluno em ato de produção de conhecimento. Afinal, somente a observação do registro da produção muitas das vezes é insuficiente para uma compreensão da real produção matemática do aluno. Assim, revela-se inadequada a avaliação que julga a capacidade matemática do aluno estritamente pela sua produção escrita.

Portanto, temos a revelação do esquema presente na real produção de Luan, no qual, na verdade, ele não multiplica 12 decompondo-o em 2+10, como comumente ensinamos, e

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lê diz “se é pra multiplicar...pra que complicar?”. Assim temos, ele multiplica 12 pelo 321 decomposto em 300+20+1:

Esquema 3: procedimento da multiplicação de Luan

É interessante observar que, nesse caso, tal esquema está presente em 12 alunos do total de 22 que compõe a turma. Isso nos leva a crer que tal esquema seja fruto da natureza das mediações pedagógicas construídas em sala de aula pela professora até então. Vale salientar também que a profa. Sônia, participante da pesquisa-ação (MUNIZ, 2006) já há três anos, não só aceita como valoriza essas produções dos alunos.

Vergnaud defende a idéia que tais esquemas devem ser efetivamente valorizados no processo educativo, ainda que esse processo dê conta de apenas uma classe de situações bem restrita. O papel do professor, nesse sentido, é o de oferecer nessas situações nas quais esses esquemas não se mostrem mais válidos ou eficientes. Isso deve provocar um processo de reconstrução de novos esquemas que possam dar conta de uma classe de situações mais ampla. Para nós, isso tem profundo significado no fazer matemática ao contribuir para o desenvolvimento da constituição dos seres matemáticos na sala de aula. Não poderemos, neste capítulo, tratar da natureza do trabalho de Sônia que faz gerar tais produções mais criativas em sua sala de aula.

4o caso: Fabrício revela explicitamente seu esquema: o uso de setas

Como há dificuldade da professora compreender tantos registros e “os vai e vens” no registro, Fabrício, 2º ano do Ensino Fundamental, resolve indicar por meio de setas os caminhos percorridos. Isso permite à professora Darlene desvendar o grande mistério, afinal ele registra 1 - 5 = 4, o que matematicamente está errado e, entretanto, a resposta final está matematicamente correta. A professora chega a pensar na possibilidade de Fabrício ter copiado a resposta final de um colega, uma vez que a produção mostra-lhe etapas consideradas erradas que não permitem produzir uma solução correta.

Ilustração 4: Explicitando esquema por meio de setas 12 x 1 = 12, fica 2 e vai 1 para as

dezenas

12 x 2 = 24, 24 + 1 = 25, ficam 5 dezenas e vão 2 para as centenas

Assim, 3852 12 x 3 = 36, 36 + 2 = 38

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A produção de Fabrício no segundo ano de escolaridade supreende-nos não apenas pela complexa articulação entre procedimentos parciais. Ao não compreender sua produção, em especial, por que aparece o registro de 1-5 = 4, Fabrício põe-se a explicar, colocando as setas que indicam temporalmente as etapas do procedimento :

Esquema 4 : Procedimento da subtração de Fabrício

Alguns conceitos e teoremas em ato subjacentes a esse esquema são :

Trinta tira dez dá vinte Um tira cinco falta ainda quatro Então tirando os quatro que faltam dos vinte sobra 16. Trinta e um tira quinze fica dezesseis

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 Ele subtrai primeiro a maior ordem, fazendo 30-10. Somente aí busca subtrair as unidades. Matematicamente, tal procedimento não impõe qualquer problema ou dificuldade e, em especial, porque tal esquema está localmente validado.

 Ao subtrair as unidades tem-se 1 para retirar 5, o que dá uma « diferença » de 4, o que aparece no registro de Fabício, na verdade, não é sobraram quatro, mas sim que ainda faltam 4. (o que futuramente poderá vir a ser registrado como 4 negativo).

 O que falta nas unidades leva Fabríco a retirar das dezenas, ou seja, 20 – 4, que, nos dedos, dá « ...dezenove, dezoito, dezesete e dezeseis ». Portanto sobram 16. Mais uma vez convém ressaltar que, sem a fala de Fabrício sobre sua produção com as setas, seria muito difícil o desvelamento do esquema com seus conceitos e teoremas em ato. Em consequência, sem uma maior aproximação professor-aluno (já estamos até ficando repetitivos nesse aspecto) muito dificilmente o professor poderá realmente visualizar os conhecimentos potencializados e disponibilizados em situação.

Se nesse último caso fica reforçada a indissociabilidade entre situação-campo conceitual, conceito e procedimento/teorema, procedimento e representação, outros aspectos como os associados aos significantes, representação semiótica, homomorfismo registro e pensamento ficam ainda para uma futura discusão.

A presença da investigação de esquemas de cada aluno é um espaço de infinita fertilidade para a pesquisa nas áreas de Psicologia, Pedagogia e Educação Matemática. Cada dia de interação com a criança é motivo de empolgação e motivação para a continuidade da redescoberta de novas formas de pensar e fazer matemática em sala de aula. Neste trabalho, a teoria dos campos conceituais tem sido um instrumento tanto fértil quanto inquietante.

Vamos, a seguir, fazer algumas discussões sobre tais fertilidades dessa teoria na busca de identificação dos esquemas subjacente às produções dos alunos.

Relação entre esquema e situação como ponto de articulação

entre Teoria dos Campos Conceituais e Teoria das Situações

A situação na qual ocorre a constituição de um conhecimento é fator primordial na TCC, não somente como elemento primeiro para determinação de esquemas mentais, mas também como um dos elementos do tripé na construção do conceito. Na TCC, o conceito é visto como sendo a função C(S,I,R), onde S= Situação, I= Invariantes operacionais (conceitos e teoremas em ato) e R= representação (que nunca é diretamente observável por um observador). Centrando nossa atenção na situação, vemos que ela é a primeira mola propulsora da mobilização dos conceitos e gera os esquemas. Além disso, são as situações que dão forma e vida a um campo conceitual uma vez que esse campo é definido por Vergnaud como sendo “um conjunto de situações e um conjunto de conceitos”. O conjunto das situações (no qual o conhecimento é progressivo) demanda uma variedade de conceitos, esquemas e de representações simbólicas em estreita

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conexão. Os quatro casos apresentados neste texto foram representativos da situação implica a mobilização dos conceitos e representações.

Infelizmente, a escola não dá a devida importância à situação como fonte geradora de ação cognitiva, ainda mais quando temos uma escola apoiada simplesmente no “arme e efetue” com atividades dissociadas dos contextos socioculturais. Afinal, o que significa dividir 5 por 2: dividir bolinhas de gude por criança não é mesmo que dividir chocolates por crianças, onde o resto pode ser dividido, o mesmo para dividir 5 crianças entre 2 grupos ou 5 horas de trabalho em 2 dias.

A situação torna-se importante não apenas para a TCC, mas também para a Teoria das Situações de G. Brousseau (1998), quando ele propõe que a atividade cognitiva desenvolvida pelo sujeito depende, sobretudo, da natureza da situação em que se vê submetido. Produzir numa situação a-didática não é o mesmo que produzir um procedimento numa situação didática. A geração de esquemas também terá grande importância sobre os significados que o aluno atribui à sua produção: o centro de validação é a própria situação ou as expectativas do professor quanto ao que pode ou deve ser produzido pelo aluno. Responder a um professor tem natureza epistemológica bem distinta daquela quando o sujeito se sente autônomo para construir um procedimento resolutivo. Assim, a natureza e a qualidade do esquema produzido em uma dada situação dependem fortemente, se o sujeito em ação cognitiva se concebe com autonomia para fazê-lo ou produzir apenas para cumprir um contrato didático. Afinal, para ser um bom aluno temos de dar resposta ao professor. Brousseau é claro quando coloca que o objeto da didática é fazer com que as situações sejam as mais didáticas possíveis. Ou a mais a-didática possível.

Assim devemos ponderar as produções aqui apresentadas nos quatro casos, pois tratam de situações nas quais os sujeitos se vêem, na medida do possível, em situações a-didáticas nas quais podem agir sem ter de reproduzir procedimentos impostos pelo professor.

Procedimentos e algoritmos: processo de construção de

conhecimento matemático pelo sujeito.

Muitas vezes, inclusive, neste texto, os termos “esquemas”, “procedimentos” e

“algoritmos” aparecem de forma confusa e com delimitações conceituais pouco precisas. Buscaremos discutir um pouco nossa compreensão conceitual quanto às diferenciações e limites dos termos procedimento, esquema e algoritmo. É uma compreensão que tenho utilizado para análise das produções matemáticas assim como no diálogo com os professores em formação ou que já atuam profissionalmente. Assim, esta seção não tem pretensão de propor um conceito de amplo uso, mas tão-somente marcar o estaqueamento conceitual que tem balizado nossas análises no escopo da TCC.

Diante da situação-problema, o sujeito procura propor ações cognitivas que, segundo a percepção própria, pode engendrar uma solução para ela mesma. Assim, somente há ação se a situação for tomada como propriedade do sujeito, o que Brousseau (1998) denomina de “devolução”.

O conjunto de ações desencadeado pelo sujeito em situação constitui o procedimento. O procedimento requer a mobilização de ações cognitivas operatórias, mas também implica um processo de reflexão sobre elas visando atingir o objetivo estabelecido pelo sujeito

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que pode ser visto como processo de coordenação das ações. Tal reflexão existe justamente por que o sujeito não está seguro de suas opções e realizações, exigindo uma permanente vigilância sobre processos e produtos. O procedimento provoca um diálogo interno no sujeito que discute consigo mesmo sobre o caminho em construção. Poderíamos denominar esse processo de validação interno-pessoal das estratégias, antes de comunicar o procedimento a um grupo social. Nesse contexto, o registro muitas vezes aparece não como instrumento de comunicação de seus processos a outros, trata-se aqui do registro de um instrumento de comunicação consigo mesmo, ferramenta de autodiálogo e regulação. É o momento de rabiscar, desenhar, esquematizar. Assim uma característica essencial do procedimento é a instabilidade, a insegurança do sujeito quanto à validade do processo em construção, ainda em validação.

Já um algoritmo tem um caráter estável, de validação a priori (enquanto o procedimento caracteriza-se pela validação a posteriori). Um algoritmo é em geral (ou o deve ser na dimensão didático-pedagógica) um procedimento que se tornou estável no repertório cognitivo uma vez que foi muitas vezes validado em situações anteriores. A validação prévia das ações faz com que o sujeito mobilize o conjunto de ações sem que necessariamente realize uma reflexão acerca dos processos e seus produtos. Quando um processo que era procedimento e torna-se algoritmo, ele perde em reflexão acerca do que estamos a realizar: há certa automação cognitiva.

Tomemos um exemplo bem banal, mas válido para diferenciar procedimento e algoritmo: aprender a dirigir. Muitos de nós colocamos que uma das maiores dificuldades no aprender a dirigir é aprender a controlar a embreagem. Inicialmente, precisamos “pensar” nela, no movimento do pé, na altura dela, no som do motor, no momento de mudança, a marcha adequada, a posição e movimentos do câmbio. Assim, num primeiro momento, a situação “mudar de marcha” se constitui em procedimento, pois realizamos a tarefa, mas refletimos sobre cada estratégia e resultados parciais e finais, numa auto-avaliação permanente. A partir de um dado momento do processo da aprendizagem, passamos a executar a mudança de marcha sem necessariamente pensar no conjunto de ações a serem realizadas, simplesmente, elas foram automatizadas, pois todas as etapas já se encontram prévia e devidamente validadas. O que era procedimento torna-se algoritmo, incorporando nosso repertório cognitivo com instrumento de ação. Um exemplo na aprendizagem de matemática seria a operação de dois números naturais. No início, precisamos refletir sobre cada ação, validando cada passo, até que, um dia, executamos a operação sem necessariamente validá-la passo a passo. É quando já acreditamos no valor daquele proceder. Quanto é 5 x 12? Caso você não tenha se preocupado de “como faço esta operação” o procedimento já se cristalizou como um algoritmo. O que ocorreria com uma criança de segundo ano de escolaridade diante dessa mesma situação? O lado positivo da não-algoritmização é o do trabalho reflexivo realizado pelo aluno em processo de resolução, quando o sujeito se pergunta a cada etapa: “o que estou fazendo? Será isso mesmo, vai dar certo?”

O importante tanto para o professor quanto para o pesquisador em educação é estarem atentos ao fato de que procedimentos, algoritmos e esquemas são produções do sujeito em situação, uma atividade interna, realizada no sistema nervoso central, e que registros produzidos nos processos são apenas imagens parciais desses processos bastante complexos e abstratos. São registros que não traduzem necessariamente essas atividades em sua totalidade. Para o professor conceber sua mediação e para o pesquisador

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identificar, descrever e analisar a atividade, é necessário um esforço interpretativo e de levantamento de hipóteses quase sempre bastante difíceis. A dificuldade na compreensão da produção reduz quando esses profissionais buscam a fala dos próprios sujeitos, explicitando suas produções. Tal fato traz importantes indícios de como devem se caracterizar as relações pedagógicas professor-aluno assim como do pesquisador-criança, apontando para certos indícios dos procedimentos metodológicos da pesquisa qualitativa, nas quais a fala da criança sobre sua produção e significados torna-se fundamental. Essa discussão é importante se considerarmos que muitos professores concebem o ensino da matemática como espaço exclusivamente de transmissão dos algoritmos historicamente validados, sem permitir que o aluno tenha a liberdade de experienciar (termo de J. BRUNER, 1987) a construção de procedimentos resolutivos, numa oportunidade ímpar de mergulhar numa atividade matemática essencial para seu desenvolvimento. Dada essa oportunidade de ação cognitiva, o procedimento obtido pode não ter muita semelhança com os algoritmos ortodoxos que recheiam os currículos e os livros didáticos, mas por ser fruto de uma fértil atividade do próprio aluno, tendo muito mais valor para seu desenvolvimento matemático, uma vez que o processo vem repleto de significações para o próprio sujeito.

E onde entra o esquema nessa perspectiva? O esquema está presente tanto no procedimento quanto no algoritmo, construindo as estruturas que se preservam que são estáveis em diferentes situações pertencentes a uma mesma classe de situações. Assim, o esquema é propriedade do sujeito em ação nas situações e não pode ser tomado como objeto de ensino. Enquanto objeto de investigação para o professor e para o pesquisador, é e sempre será um desafio, uma vez que, numa dada situação, podemos encontrar grandes diferenças entre os esquemas produzidos, pois os procedimentos podem (e devem) ser diferentes. Tornar-se educador matemático deve ser, entre outros aspectos, buscar constantemente desvelar e compreender tais procedimentos e esquemas, assim como entender como eles se transformaram em algoritmos, tanto na história do sujeito quanto na história da civilização humana (IFRAH, 1988).

Registro, comunicação, validação: elementos da metacognição

por meio dos esquemas produzidos em sala de aula.

Como vimos até aqui, o conceito não pode ser visto como um tipo de « ilha », como se cada conceito tivesse vida própria e autônoma. Não é essa noção de conceito que trata a psicologia cognitiva, em especial, a Teoria dos Campos Conceituais. A busca da compreensão da constituição dos conceitos, sobretudo, na aprendizagem matemática, tem de considerar como princípio que cada conceito é constituído a partir de sua participação em uma rede conceitual mais ampla.

Os conceitos matemáticos não têm de início para o aluno o significado abstrato, geral e universal próprio do saber científico1. Para o aluno, o sentido de um conceito está

1

Aqui temos de diferenciar um “conceito” e uma “definição”. Uma definição é um consenso de um grupo social e cultural em determinado momento histórico. Definição é aquilo que encontramos nos dicionários e síntese da construção de uma ciência e/ou cultura: a validação de uma definição é de uma coletividade que passa a aceitar como verdade. Um conceito é propriedade do sujeito, validado pelo indivíduo ao longo de

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fortemente ligado à atividade de resolução de problemas e, dessa maneira, o aluno pode desenvolver sua compreensão do sentido inicial dos conceitos e teoremas matemáticos: as situações-problema se constituem no passo inicial para lançar as bases do conhecimento. Nessa perspectiva teórica, cada conceito participa de « rede conceitual » ou de um « campo conceitual », definindo-o e é isso que dá sentido e vida ao conceito em referência. Por exemplo, comparação, medida, unidade de medida, razão, números racionais, divisão, entre outros podem ser considerados como participante de um mesmo campo conceitual denominado de proporções. Recortar o conceito e arrancá-lo dessa rede em nada contribui para a compreensão do processo de conceitualização desenvolvido ao longo do processo educativo. A análise e a compreensão de como o aluno desenvolvem um conceito determinam, fundamentalmente, os tipos de conexões deste com os demais do mesmo campo conceitual.

Reforçamos então a consideração igualmente importante nessa reflexão que é a relação dialética existente entre os conceitos e os procedimentos: os conceitos delineiam os procedimentos utilizados pelo aluno numa dada situação tanto quanto os procedimentos revelam o nível de desenvolvimento conceitual do aluno. Conceito e procedimento são duas faces de uma mesma moeda.

É necessário observar que, ao agir sobre o desenvolvimento conceitual, o aluno irá apresentar resultados em termos de procedimentos, o que, analogicamente, irá possibilitar-lhe a aquisição/a apropriação de novos procedimentos em situações inovadoras, isso favorecerá o desenvolvimento conceitual. Deve assim, ser foco do atual professor, a relação dialógica conceito-procedimento.

Numa situação-problema, os conceitos até então desenvolvidos estarão em jogo determinando as estruturas de procedimentos buscando produzir uma solução. Caso a solução não seja obtida ou julgada inadequada, faz-se uma revisão do procedimento adotado que coloca necessariamente os conceitos na berlinda: eles são inadequados à situação, são incompletos ou faltam alguns novos conceitos que dêem conta da problemática. Outra possibilidade seria a da inadequação da forma como os conceitos foram aplicados na situação.

Observa-se, com freqüência, uma ruptura entre o conceito e o procedimento no processo de ensino da matemática. Isso ocorre, via de regra, quando o professor ou o livro didático favorece a construção de um conceito e, entretanto, impõe certo procedimento que não

suas experiências de vida, em suas ações efetivas de resolver problemas. Os conceitos são estruturas fundantes das ações do indivíduo e de sua forma de pensar. Nem sempre há identidade entre o conteúdo do conceito matemático de um aluno, base para sua ação na resolução de problemas, com o conteúdo de uma definição, constante nos dicionários e base para a produção matemática científica. Aproximar as duas perspectivas, respeitando a construção de cada uma, é papel do educador.

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tem a ver com o processo de construção conceitual. Por exemplo, vemos essa ruptura quando, inicialmente, damos liberdade de ação para resolver uma situação de partilha e, entretanto, ao “corrigir” a atividade com alunos, impomos um único algoritmo de divisão a ser assimilado e reproduzido pelo aluno. É assim que podemos observar a não-aceitação de algoritmos espontâneos, como o seguinte: Tenho 36 paçocas para repartir entre duas pessoas:

Portanto, tratar dos esquemas implica, a nosso ver, colocar no centro da discussão e da práxis educativa o processo metacognitivo tão importante para a aprendizagem e a produção matemática na escola. O processo de reflexão sobre a produção do conhecimento ocorre associado à produção de esquemas em vários aspectos e momentos:

 Na interpretação da situação: quando o sujeito atribui significados à situação, procurando mobilizar seus esquemas prévios (como visto no caso 1) para aplicá-lo no novo contexto. É quando o sujeito se pergunta “o que sei disso?”

 No registro dos procedimentos: há grande diferença entre produzir um procedimento e registrá-lo. Colocar numa folha de papel seus procedimentos exige do sujeito novo posicionamento em relação aos objetos de conhecimento e suas representações, o que o leva a refletir: “como pensei isso mesmo?” (na minha cabecinha, segundo dizem as crianças).

 Na validação do processo resolutivo e das respostas, sendo que a atividade matemática não se encerra na resolução mecânica da situação, pois requer uma volta a situação para verificar a pertinência da resposta ao que se queria inicialmente.

 No confronto com os colegas, tanto com validação no grupo social quanto no confronto com a diversidade de possibilidades resolutivas.

 No processo da institucionalização por parte do professor, reconhecendo o conhecimento mobilizado/produzido, articulando-o ao saber sociocientífico, culturalmente, validado.

Assim o “pensar como eu pensei” é parte essencial da produção de esquemas uma vez que o processo metacognitivo permite ao sujeito não só refletir como também tomar consciência dos caminhos e descaminhos que percorreu para produzir o procedimento.

Implicações na nova concepção da organização do trabalho pedagógico (OTP) na consideração pedagógica dos esquemas

Quando tomamos o esquema como elemento importante na aprendizagem, prontamente concebemos a necessidade de mudança na organização do trabalho pedagógico (RESENDE, 2006) tais como:

 Um ensino mais calcado na resolução de situações-problema de significado aos alunos.

 A necessária liberdade de o aluno agir cognitivamente, experimentando e propondo soluções, sendo ele próprio agente da validação de suas opções.

36

-20 10 para cada

16  18 para cada -16 8 para cada

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 Os alunos se sentirem inseridos, preferencialmente, em situações a-didáticas.

 A valorização dos registros dos procedimentos como apoio ao processo de pensamento, antes mesmo da necessidade de comunicação da solução ao grupo.

 Um ambiente de socialização, troca, confronto e validação dos diferentes procedimentos utilizados para resolver a situação.

 A valorização do discurso oral, da argumentação entre os alunos sobre suas formas de pensar e fazer matemática ao resolverem as situações.

 Reflexão sobre a transferência de esquemas válidos em outras situações para a nova proposta.

 A necessidade de o professor compreender os procedimentos de cada aluno, daí identificando os esquemas subjacentes, apoiando neles o planejamento de intervenção e mediação pedagógica; e,

 A necessária institucionalização de processos utilizados pelos alunos, quando dá valor social às produções, reconhecendo-os como produção matemática, e articulando tais ao conhecimento historicamente institucionalizado.

Uma implicação fundamental na OTP, quando a noção de esquema é tida como importante, é a postura diante da avaliação das produções matemáticas dos alunos, assunto a ser tratado a seguir.

Consideração dos esquemas no processo de avaliação.

As posturas mais tradicionais em avaliação na Educação Matemática tendem a valorizar somente os conhecimentos institucionalizados pelo professor e pela escola. O aluno tende a considerar que a avaliação formal, escrita ou oral, seja um momento de reforçar e valorizar aqueles saberes propostos pelo professor. Assim sendo, o aluno nega sua produção de conhecimento matemático que é importante para seu desenvolvimento, pois esse nunca é institucionalizado pela escola. Ficam ausentes das avaliações formais os conceitos espontâneos, os algoritmos alternativos e os registros pictóricos. Tais produções são encontradas normalmente na carteira, no rascunho, na palma da mão, nas últimas páginas do caderno, na contra-capa do livro ou, quando são feitas sobre o instrumento de avaliação, são apagadas e têm seus traços eliminados.

Por não serem valorizadas e tampouco institucionalizadas pela escola, as produções mais espontâneas acabam por serem consideradas marginais, erradas, como uma forma de trapaça, pois elas diferem bastante das formas de produção esperadas pelos professores e pais.

Poderíamos dizer que a produção do aluno na avaliação formal de matemática é definida a partir da eliminação absoluta dos erros e dos “medos” em cometê-los: o aluno aprende desde cedo na escola que cada erro cometido será motivo de punição por parte do professor e, em decorrência, por parte dos colegas e dos pais. Assim, o aluno aprende a produzir os mesmos processos do professor, os mais sucintos possíveis e sem erros. A avaliação na educação matemática poderia se apoiar fortemente na resolução de problemas, mas aí temos de nos questionar: o que é um problema? Quais as naturezas dos problemas que têm por objetivo a avaliação do aluno? Que concepções estão por traz de tal proposição de avaliar a capacidade do aluno na resolução de problemas?

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Inicialmente, se considerarmos que a educação, em especial, a matemática, não pode ter suas finalidades engessadas no próprio contexto escolar, devemos assumir que a matemática deve servir para a formação do cidadão, ou seja, para enfrentar e resolver as situações-problema do contexto extra-escola, ou segundo Brousseau (1998), resolver situações a-didáticas. Portanto, a fonte dos nossos problemas deve ser a da vida real, do contexto sociocultural, com temas e lógicas que fazem sentido para aquele que se propõem a resolvê-los. Assim, falamos não do problema do professor, por ele criado, cujo significado está na cabeça do mestre, falamos das situações geradas pelo próprio aluno, engendrada pelo aprendiz nas relações dele nas situações de vida. Tal concepção requer que o professor saia dos muros da escola e, com o aluno, busque as situações que tenha significação para o educando e seu grupo: sobre o mercado de consumo e de trabalho, os esportes, os meios de comunicação, sobre a informática, sobre o lazer, sobre as manifestações culturais, enfim, sobre os temas indicados pelos próprios alunos.

Avaliar, com base nessas situações contextualizadas, exige do professor um novo olhar para a matemática, um olhar menos voltado para a matemática-ciência pura e mais comprometida com as suas dimensões cultural, social, instrumental, comunicativa e estética (D´AMBRÓSIO, 1990). O desafio é que tal proposição nos permite trabalhar com uma matemática na qual nunca trabalhamos no contexto de nossa prática pedagógica. Até então, estamos habituados a lidar com problemas propostos nos livros que tratam, na maior parte dos casos, de“somar idade do cunhado com a idade da prima da vizinha ...”, “ somando a quantidade de pernas das galinhas com a metade da quantidade de pernas de porcos ...”, ou “ meia dúzia de centena de milhão de lápis divididos por um terço de dezena de caixinhas prismáticas cuja área de base corresponde à raiz quadrada em centímetros quadrados ...”. Tais problemas não têm o menor interesse para o aluno que está mais ligado em questões relacionadas a preços dos objetos de seu consumo ou dos pontos que fez no videogame.

A concepção e o significado do que é resolver um problema como recurso de avaliação são buscados no conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal proposto por Vygotsky (2000). Em termos de avaliação, o mais importante não são as aprendizagens já realizadas pela criança, mas a potencialidade de o aluno realizar novas aprendizagens em contextos de resolução de problema socialmente partilhados. Assim, a avaliação deve centrar-se na identificação desse potencial do aluno em resolver situações matemáticas, mesmo quando o professor está ausente do processo.

Valorizar não a resposta numérica final, mais o processo de resolução, suas etapas, suas estratégias, seus caminhos e descaminhos, suas hipóteses e conceitos, esses devem ser os objetivos da participação do professor no processo de resolução do aluno. Em síntese, identificar e compreender os esquemas subjacentes em suas produções. Isso implica uma visão radicalmente diferente daquela que estamos acostumados a ver em termos de avaliação. Não há mais o certo ou errado a partir de uma única resposta numérica, mas o professor que realiza a avaliação e que, portanto, está julgando, assume uma postura, instrumento a instrumento, aluno a aluno, de investigação das efetivas competências e habilidades de cada criança na resolução de problemas significativos, traduzidos em termos de esquemas, o que deve ser o objetivo último da educação matemática escolar. A avaliação, nesse contexto, deve permitir ao professor colocar-se como mediador eficaz nesse processo contínuo de construção da aprendizagem de aprender a aprender,

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valorizando as alternativas de solução próprias de cada sujeito, incentivando e apoiando aqueles que se encontram em impasses, reforçando a autoconfiança e promovendo a auto-estima de cada ser matemático que constitui cada aluno.

Mais que reproduzir mecanicamente algorítmos clásssicos, o foco da avaliação deveria ser a contínua construção de novos esquemas para responder a novas classes de situações. A noção de esquema como um invariante presente não apenas numa situação, mas sim numa classe de situação leva a uma contribuição ímpar para a perspeciva da avaliação da aprendizagem, uma vez que se torna inapropriada a avaliação que julga o desenvolvimento matemático de um aluno limitando-se a apenas uma única situação. A TCC nos faz conceber a idéia de avaliação a partir de uma classe de situação de um mesmo campo conceitual a partir da qual o educador deve buscar identificar os esquemas subjacentes. Ainda, a teoria de Vergnaud nos leva a conceber não somente a avaliação, mas também o processo argumentativo oral, gestual, gráfico de validação de tais esquemas no grupo social do qual o aluno participa em sala de aula.

Reconhecimento da criatividade matemática pela identificação da diversidade de esquemas nas produções

A identificação e a análise das produções matemáticas dos alunos podem revelar o quanto é fertil o pensamento matemático deles. Assim, a análise de esquemas mentais torna-se uma ferramenta metodológica importante para aqueles que buscam estudar a criatividade na matemática escolar (TEIXEIRA, 2007). Não somente para investigações em psicologia, mas também no campo da educação, o estudo de esquemas permite identificar como os alunos, apesar da inflexibilidade de certos contratos didáticos, conseguem romper com essa rigidez do conhecimento imposto, dando novos significados e construindo novas e criativas possibilidades, mesmo que esse estudo não venha a ser reconhecido no espaço social.

Muitas vezes a não-compreensão ou compreensão parcial das explicações do professor de como proceder para resolver certos problemas é uma garantia da criativiade que acaba sendo revelada quando nos debruçamos sobre tais produções, o que foi exemplificado neste capítulo nos quatro exemplos dados.

Tal criatividade pode surgir em diferentes contextos na produção matemática:

 Na interpretação da situação, quando o aluno atribui novos significados não pensados pelo professor que a concebeu.

 Ao desenvolver procedimentos, articulando conceitos e teoremas.

 Ao registrar seu procedimento, apelando para formas de representação que, por vezes, torna difícil para o professor a leitura de seu real pensamento desenvolvido na situação

 No poder de argumentação, validando seu procedimento e confrontando-o com as produções dos colegas.

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Identificação e análise de esquemas como possibilidade de formação profissional do professor de matemática

Como colocamos anteriormente, para tornar-se professor, o profissional da educação deve estar constantemente buscando identificar e compreender os esquemas subjacentes às produções de seus alunos. A cada momento, a cada situação, a cada aluno esse profissional deve estar aberto a novas possibilidades de produção, o que requer uma postura não rígida diante do fazer matemática na escola. Ao contrário, deve-se estar atento à diversidade e à pluralidade no pensar e no fazer matmática, querendo sempre investigar, questionar a constituir-se diante de cada produção. Metaforicamente, seria o análogo à postura do médico diante de cada paciente, do advogado diante de cada cliente e do arquiteto diante de cada família a pensar a construção de sua casa.

Esse processo investigativo do caos real e concreto da produção incessante dos nossos alunos deve e pode transformar-se no verdadeiro espaço de formação continuada e a serviço do professor. Diante das dificuldades no processo, é importante que o professor forme um grupo na escola no qual possa trocar idéias, socializar produções e interpretações.

O mais importante é que a identificação de esquemas sirva de base para o replanejamento das ações pedagógicas do professor e para repensar sua práxis pedagógica, valorizando a cada momento/cada vez mais a possibilidade de fazer da escola um espaço de produção de conhecimento a partir da valorização das produções matemáticas das crianças.

Desafios epistemológicos e metodológicos de uma práxis calcada nos esquemas

Encontramos obstáculos e desafios nessa trajetória de compreender a real capacidade e as dificuldades na aprendizagem matemática. Nossa formação, nossas concepções, nossas práticas tradicionais aparecem como tais. Ao identificar certos esquemas nas produções dos alunos questionamo-nos sobre o valor deles. Voltemos para o caso do Luan, sobre a maneira como, naquele momento, ele e demais colegas estavam fazendo suas multiplicações, questionamo-nos: é válido deixá-los fazer assim? Até que ponto devo aceitar tal procedimento? Não teria de ensinar da mesma forma que aprendi e que está nos livros didáticos?

Valorizar as produções requer mudanças nas nossas concepções de matemática, de sua produção, de sua aprendizagem, de seu valor social e formativo. Mudanças muitas vezes não elementares, pois vem de encontro a nossas formações acadêmicas. Todavia é justamente o debruçar-se sobre tais produções, o diálogo com as crianças autoras, a troca com colegas que nos permitirá uma discussão mais ampla de ordem epistemológica que trata da escola como espaço de produção de saberes em não apenas de consumo.

Reflexões finais: desafios dessa empreitada, mudança de representação social o que fazer para aprender matemática na escola e fora dela

Essa seqüência lógica, numa dada situação, acaba por delinear/determinar um encadeamento de ações mentais que é definido por Piaget como « esquema », conceito

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assimilado por pesquisadores da psicologia e da didática, como Vergnaud, por exemplo. O esquema, mais que uma listagem de ações realizadas, revela uma lógica interna existente entre duas ou mais ações, formando uma corrente articulada de ações e suas coordenações.

A importância do esquema mental, presente no processo de resolução da situação, é vital tanto para o professor quanto para o pesquisador, pois o esquema é revelador dos processos de pensamento do aluno por meio dos conceitos e dos teoremas mobilizados pelo aluno que busca produzir uma solução. Entretanto, essa «revelação » é somente parcial, pois, quando conseguimos identificar um « esquema mental », quase sempre esse esquema retrata apenas parte de todo um processo complexo produzido pela mente do aluno. Assim, entre o esquema percebido e a real atividade cognitiva existe um trabalho necessário de interpretação por parte do professor e do pesquisador, que lhe permite levantar hipóteses acerca do modo como o aluno está pensando diante da situação proposta.

Um conceito possível sobre « aprendizagem » seria, portanto, o desenvolvimento de novos esquemas de ação que permitam a resolução de situações antes não resolúveis e, nesse caso, o papel do professor seria assim o de provocar a necessidade desses novos esquemas. Segundo Vergnaud é nesse contexto que didática é provocação, não somente para o aluno, mas também para o professor, para o pesquisador e demais agentes envolvidos nessa seara.

Referências

BROUSSEAU, G. Thérie des Situations Didactiques, Grenoble, La pensée sauvage, 1998 .

BRUNER, J. Le développement de l’enfant : Savoir Faire, Savoir Dire, Paris, PUF, 1987.

BRUNER, J. "Pour une psychologie culturelle" in Sciences Humaines. Auxerre, nº 99 – novembro 1999, pp. 38-41.

D'AMBRÓSIO, U., Etnomatematica, São Paulo, Ed Atica, 1990

IFRAH, G. Las Cifras: historia de una gran invencion, Madri, Alianza Editorial, 1988.

MAYEN ,P. “Compétences complexes, situation et médiation” in Vergnaud, G. dans les actes du Colloque : Qu’est-ce que la pensée ? Suresne, Laboratoire de Psychologie Cognitive et Activités Finalisées, Université Paris VIII, 1998.

MUNIZ, C. A. Jeux de société et activité mathématique chez l´enfant. Tese de Doutorado em Ciencias da Educação pela Université paris 1, 1999. _______, “Mediação e Conhecimento matemático” ” in Aprendizagem e Trabalho

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