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A relevância dos impactos do uso da terra na Avaliação do Ciclo de Vida e os desafios para o contexto brasileiro

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Academic year: 2021

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A relevância dos impactos do uso da terra na Avaliação do Ciclo de

Vida e os desafios para o contexto brasileiro

A. L. R. PAVAN1, D.A.L. SILVA², A. R. OMETTO2

1Centro de Ciências da Engenharia Aplicado ao Meio Ambiente Universidade de São Paulo. Av. Trabalhador Sãocarlense, 400. São Carlos - SP, 13566-590

2 Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Engenharia de São Carlos Universidade de São Paulo. Av. Trabalhador Sãocarlense, 400. São Carlos - SP, 13566-590

Considerando que a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) pode servir de base à melhoria do desempenho ambiental de produtos em diversos pontos de seu ciclo de vida, ressalta-se que a seleção de categorias de impacto deve refletir um conjunto abrangente de questões ambientais relacionadas ao sistema de produto. Atualmente não existe um método brasileiro de Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida (AICV) que possibilite estudos mais precisos expressando os principais problemas ambientais do país. Sabendo-se que o desmatamento e as atividades agrícolas são considerados os principais fatores de degradação da terra no Brasil, este trabalho tem como objetivo pesquisar os impactos do uso da terra relevantes para a realidade brasileira, além de identificar e analisar os principais modelos disponíveis para sua avaliação. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre tais impactos e sua modelagem na AICV, identificando os principais modelos de caracterização na literatura. O resultado foi a classificação destes modelos, em um quadro geral com suas características, intervenções avaliadas e abrangência do escopo de aplicação. Por fim, o trabalho debate sobre a adequação da aplicação destes modelos no Brasil além de contribuir na discussão baseada no pensamento do ciclo de vida para a gestão sustentável da terra.

1. Introdução

O solo é um recurso natural que suporta a flora, a fauna, as atividades agropastoris e as edificações do homem. É também considerado um componente vital para ecossistemas, nos quais ocorrem processos e ciclos de transformações físicas, químicas e biológicas (ZALAMENA, 2008). Atividades de uso da terra podem causar consequências ambientais que incluem a degradação e erosão do solo, mudanças na disponibilidade de água, perda de biodiversidade, dentre outros. No Brasil, o desmatamento e atividades agrícolas são considerados os principais fatores de degradação da terra sendo que em 2012, a área desmatada na Amazônia chegou a 15%; a conversão do Cerrado para fins de cultivo chegou a 49% em 2010; a Caatinga perdeu 46% de sua cobertura vegetal; dos 1,3 milhão de quilômetros quadrados originais da Mata Atlântica, restam cerca de 26% de sua cobertura vegetal nativa (CUNHA & GUEDES, 2013) e do Pantanal, 15% de sua área total em 2009 (GARDI et al., 2014). Apesar da clara relevância do tema, muitas vezes esses tipos de impactos são negligenciados em estudos de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), seja pela complexidade de sua modelagem ou pela falta de consenso sobre metodologias adequadas e operacionais para o uso da terra. Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo pesquisar os impactos do uso

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da terra relevantes para a realidade brasileira, além de identificar e analisar os principais modelos de caracterização disponíveis para sua avaliação.

2. Metodologia

O procedimento metodológico deste trabalho está dividido em duas etapas. A primeira, de revisão bibliográfica, não somente serviu de suporte às discussões acerca do tema, como também propiciou a identificação dos principais modelos de caracterização existentes para a avaliação dos impactos do uso da terra. Os materiais que respaldam esta etapa do trabalho são documentos normativos, guias de órgãos de pesquisa internacionais, livros, dissertações, teses e artigos científicos publicados em periódicos de abrangência internacional.

A segunda etapa consistiu na análise dos modelos de caracterização previamente identificados. Dentre as características classificadas estão quais impactos ambientais são avaliados em cada modelo, bem como sua abordagem. Neste critério, os modelos foram classificados em: abordagem endpoint, quando vários passos são considerados entre as alterações do meio ambiente e o impacto final; ou abordagem midpoint, quando se refere a pontos intermediários de medição ao longo da cadeia causal do impacto.

Foram também indicadas as intervenções avaliadas pelos modelos, a saber: ocupação da terra (utilização de uma área, por uma atividade, em um determinado tempo) e transformação da terra (mudanças na qualidade da terra, decorrentes da alteração do tipo de ocupação).

Foi verificado se o modelo de caracterização faz parte de algum dos métodos de Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida (AICV) reconhecidos internacionalmente e amplamente utilizados segundo o Programa Iniciativa do Ciclo de Vida (UNEP, 2010). Em seguida, foi averiguada a abrangência do escopo de aplicação de cada um dos modelos, classificando-a em global, continental ou nacional. Por fim, foi realizada a síntese desses itens em uma tabela, permitindo a comparação dos modelos de caracterização.

3.

Resultados

Salienta-se que para uma gestão eficaz dos recursos naturais, a análise quantitativa e a interpretação das principais alterações geradas na qualidade do solo e os efeitos na biodiversidade são fundamentais. Apesar da evolução das propostas de modelos de caracterização para os impactos do uso da terra, principalmente nos últimos 15 anos, diversas dificuldades ainda permanecem. Desta forma, este trabalho contribuiu cientificamente na medida em que aborda questões metodológicas pertinentes ao aprimoramento da da Avaliação do Ciclo de Vida de produtos e seus respectivos impactos ambientais.

A relação de características dos modelos descritos neste trabalho é apresentada na Tabela 1, a seguir, classificadas de acordo com os procedimentos metodológicos anteriormente estabelecidos.

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Tabela 1: Síntese das características dos modelos de caracterização para impactos do uso da terra.

Modelo Impacto ambiental avaliado Midpoint/ Endpoint Ocupação (O)/ Transformação (T) Implementado em Abrangência de aplicação Beck et al. (2010) Erosão, Produção biótica, Purificação da água e Regulação de água doce.

M O/T LANCA Global

Brandão e Milà i Canals (2013)

Perda na produção

biótica M/E O/T - Global

Goedkoop et al. (2013)

Perda de

biodiversidade M/E O/T ReCiPe Europa

Itsubo et al. (2004)

Perda de biodiversidade e produção primária

M/E O/T LIME Japão

Jolliet et al. (2003)

Perda de

biodiversidade M O Impact 2002+ Europa

Müller-Wenk & Brandão

(2010)

Mudanças

climáticas M O/T - Global

Nunez et al., 2010 Desertificação M O/T -Regiões áridas, semiáridas e quente úmidas. Saad; Koellner; Margni (2013) Erosão, Purificação da água e Regulação de água doce.

M O/T Impact World + Global

Souza (2010) Perda de

biodiversidade M O/T - Brasil

Souza et al. (2013) Perda de biodiversidade (diversidade funcional) M O - Global Toffoletto (2007) Perda de biodiversidade e funções de suporte à vida.

M O/T LUCAS Canadá

Fonte: Adaptado de Pavan (2014)

A partir das características sintetizadas, é possível observar que a maioria das abordagens (55%) se concentra na avaliação da perda de biodiversidade, principalmente através de indicadores de riqueza de espécies. Contudo, estudos mais recentes incluem outras vias de impacto, até então não comumente empregadas, como no caso do modelo de Nunez et al. (2010) e Müller-Wenk & Brandão (2010). Destaca-se também a proposta de Beck et al. (2010), a qual introduz novos indicadores de maneira a abranger diversos impactos ambientais antes negligenciados, como erosão, purificação e regulação da água. Apesar destes avanços, alguns impactos ambientais relevantes para contexto brasileiro e relacionados à qualidade do solo, ainda não estão inclusos

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em modelos de caracterização ou não são propriamente abordados. Como exemplo tem-se os impactos de compactação, assoreamento e salinização do solo. Estes são aqui considerados como relevantes e pertinentes ao contexto nacional uma vez que estão diretamente ligados à agricultura, que por sua vez caracteriza-se como uma das principais atividades econômicas (IBAMA, 2013).

Quanto às intervenções consideradas nos modelos de caracterização, 82% dos modelos estudados contempla tanto processos de ocupação quanto de transformação, se mostrando em consonância com diretrizes internacionais (EC-JRC, 2010). Quanto à abordagem dos modelos, 73% são classificados em midpoint enquanto apenas 27% dos modelos apresentam as duas abordagens. Isso significa que ainda são necessários estudos voltados à modelagem destes impactos de maneira a integrar toda a cadeia de causa e efeito.

Por fim, ao analisar a região específica para a qual os fatores de caracterização de cada modelo foram desenvolvidos, nota-se que alguns se limitam a regiões específicas: 2 modelos foram desenvolvidos para a região europeia (sendo adotados pelos métodos Impact 2002+ e ReCiPe); e 2 se limitam a países específicos como Japão (pelo método LIME) e Canadá (pelo método LUCAS). Portanto, o estudo do uso da terra ainda se mostra limitado, na medida em que os métodos de AICV existentes que tratam a questão foram desenvolvidos apenas tendo em vista este conjunto limitado de países/regiões. O modelo de Nunez et al. (2010) é específico para regiões áridas, semiáridas e quente úmidas. Observa-se também que 5 dos 11 modelos apresentam escopo de aplicação globalizado: Saad, Koellner, Margni (2013); Brandão & Milà i Canals (2013); Souza et al. (2013); Beck et al. (2010) e Müller-Wenk & Brandão (2010). Quanto a este critério, destaca-se também a existência de um estudo Souza (2010) cujo objetivo foi o desenvolvimento de um modelo adequado às particularidades do contexto ambiental do Brasil para a avaliação de impactos sobre a biodiversidade devido ao uso da terra. A modelagem de impactos ambientais relacionados ao uso da terra é uma tarefa complexa por envolver diversas variáveis, parâmetros, além de diferentes indicadores. Ao estudar os modelos de caracterização identificados na revisão bibliográfica foi possível notar que ainda não existe uma plena padronização na forma como esses parâmetros são apresentados. Desta forma, apesar de modelos aplicáveis globalmente já existirem, a representatividade local de fatores ecológicos, diferenças climáticas e geofísicas ainda é um desafio.

4. Considerações finais

A avaliação dos impactos ambientais devido ao uso da terra além de se mostrar um tópico recente de pesquisa no campo da ACV, também tem sido assumida de modo disperso entre os métodos existentes para sua avaliação. Isto significa que o uso da terra, antes considerado apenas como o espaço ou área ocupada, hoje é avaliado na AICV por modelos complexos e que incluem diferentes vias de impacto. Estudos recentes destinados a reduzir as incertezas dos estudos de ACV têm considerado a avaliação dos impactos do uso da terra de forma regionalizada (BRANDÃO & MILÀ I CANALS, 2013; SAAD; KOELLNER; MARGNI, 2013), o que aumenta a precisão ao considerar as condições específicas do local, bem como a sensibilidade dos ecossistemas. É possível dizer que ainda existem importantes questões que

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permanecem em aberto no que tange à avaliação regionalizada dos impactos do uso da terra adaptados para a realidade brasileira. Considerando a magnitude dos impactos do uso da terra, a grande extensão territorial brasileira e suas diferentes condições climáticas e ambientais, conclui-se que um único indicador não é suficiente para expressar tais impactos. Além disso, ainda é necessário discutir qual seria a melhor resolução espacial para abordar os impactos do uso da terra, bem como avaliar a disponibilidade de dados para subsidiar uma avaliação regionalizada.

Referências

BECK, T. et al. LANCA land use indicator value calculation in life cycle assessment. Fraunhofer, Stuttgart, 2010.

BRANDÃO, M.; MILÀ I CANALS, L. Global characterisation factors to assess land use impacts on biotic production. International Journal of Life Cycle Assessment, v. 18, n. 6, p. 1243-1252, 2013. CUNHA, A. A.; GUEDES, F. B. Mapeamentos para conservação e recuperação da biodiversidade

na Mata Atlântica: em busca de uma estratégia espacial integradora para orientar ações aplicadas. Ministério do Meio Ambiente (MMA), Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Brasília, DF. 216p. 2013.

EUROPEAN COMMISSION - JOINT RESEARCH CENTRE. Institute for Environment and Sustainability: International Reference Life Cycle Data System (ILCD) Handbook - Framework and Requirements for Life Cycle Impact Assessment Models and Indicators. 2010.

GARDI, C. et al. Atlas de suelos de América Latina y el Caribe, Comisión Europea - Oficina de Publicaciones de la Unión Europea, L-2995 Luxembourg, 176 pp, 2014.

GOEDKOOP et al. ReCiPe 2008: A life cycle impact assessment method which comprises harmonised category indicators at the midpoint and the endpoint level. First edition (revised). Report I: Characterisation. Ruimte em Milieu Ministerie van Volkshuisvesting, Ruimtelijke Ordening en Milieubeheer. 2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Relatório de Qualidade do Meio Ambiente RQMA. Brasília: Ibama, 2013.

ITSUBO, N. et al. Weighting Across Safeguard Subjects for LCIA through the Application of Conjoint Analysis. International Journal of Life Cycle Assessment, 9 (3) pp. 196-205, 2004.

JOLLIET, O. et al. IMPACT 2002+: a new Life Cycle Impact Assessment methodology. International Journal of Life Cycle Assessment, v. 8, n. 6, p. 324-330. 2003.

KOELLNER, T. et al. Principles for life cycle inventories of land use on a global scale. International Journal of Life Cycle Assessment, v. 18, n. 6, p. 1203-1215, 2013a.

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