"Não somos
racistas,
mas temos
preconceitos
como todos
os
outros"
0
alto-comissário
para
asMigrações,
Pedro Calado,
comenta
o caso de agressão
a
luso-colombiana
eacusa
Europa de
ter
cedido
à
Itália
Conselho
Europeu
sobre
migrações
foi
"uma
cedência
"
â
Itália
de
Salvini
Pedro
Galado
Países
como
a
Alemanha,
a
França ou Portugal
acabaram
por
"desvirtuar
o
espírito
europeu"
de solidariedade
e
acolhimento,
ao
aceitarem
um
acordo que prevê
o
desembarque
de imigrantes
e
refugiados
,por
exemplo,
em
Hora da
Verdade
Ana Dias
Cordeiro
PÚBLICOEunice Lourenço
Renascença
Pedro
Calado édesde 2014 oalto-comissário
das Migrações, uma
área que abrange não só os imigrantes
eemigrantes, mas
também os refugiados políticos. Licenciado em Geografia ecom
um mestrado na mesma área
sob otema Exclusão, Sociedade e
Território, pela Universidade de Lisboa, foi coordenador nacional
do Programa Escolhas —um
programa lançado pelo Governo português apartir de2001 para
promover a inclusão social ea
igualdade deoportunidades para as crianças eadolescentes em situação de vulnerabilidade. Em entrevista ao PÚBLICO eàRádio Renascença (que pode ouvir hoje
às 12h), diz que Portugal tem feito tudo para garantir que os
refugiados acolhidos "não são terroristas".
Como
avalia
o ConselhoEuropeu
da semana passadadedicado
aotema
dasmigrações?
O acordo que foi encontrado muito recentemente responde àquela velha máxima em política
de que apolítica éaarte do possível. Oacordo agora fechado
é isso mesmo: foi aquilo que foi
meramente possível. Sabendo que para respondermos a
um desafio complexo, que é
aquele que vivemos, talvez precisássemos de
ir
um pouco além etraçar cenários queobriguem aolhar um pouco para além da gestão quotidiana de um tema eque éum tema que veio
para ficar eque seguramente nos
próximos anos edécadas sevai acentuar.
É
um acordo
possível, mas não seria desejável?Até
queponto
os restantes países da
União
Europeia
(UE) nãoacabaram
por
fazer uma cedência
àItália
eaté a
Malta, desvirtuando
aquilo
queconsideram
ser oespírito
europeu?Seguramente, não tenho qualquer dúvida nisso. Este acordo só épossível porque
deixámos na Europa instalarem
se determinadas forças
-
forças debloqueio, forças que queremfazer retroceder um tema que
não éproblema, éoportunidade.
Mas apartir do momento em
que essas forças estão instaladas,
opossível sónos permite
ir
até aqui, aonde foi possível ir. Oquenos falta, nesta matéria, como noutros temas noutras alturas naEuropa, são estadistas, são
pessoas que vejam para lã da sua agenda local, nacional.
Até
Angela Merkel,
queparecia
ser a estadista
europeia
nesta
matéria
derefugiados
emigrantes,
acaboupor
ceder,eestamos
numa lógica
deir
encontrando
omal menor
eresolvendo
problemas
internos
dospróprios
países?Étentarmos resolver no curto prazo com soluções imediatas um problema que só pode ser visto
no longo prazo com soluções duradouras.
Diria
então
que esteacordo
foi uma cedência
àItália
ea Malta?Éuma cedência àquilo que hoje
em dia éum quadro anível europeu. E esse quadro torna
este tema relativamente difícil de
fazer avançar para lã daquilo que são estas possibilidades acurto prazo. Creio que isso nos deve
merecer alguma reflexão ealgum sentido crítico também.
A
Itália
demorou
poucas semanas a conseguir como quefabricar
uma
crise queos
números não justificam.
De
acordo
com osnúmeros
da
Frontex
[agênciaeuropeia
de
controlo
dasfronteiras]
diminuíram
muito
asentradas
naEuropa.
Comose
pode
contrariar
estetipo
derealidades
fabricadas
oucorrentes
como a queSalvini
conseguiu
gerar
emItália?
Temos de ter consciência, e
nós, portugueses, temos essa
consciência, de que amaior parte
dos migrantes foram cidadãos da
lado da memória, perderemos
seguramente uma parte da capacidade de perceber do que estamos afalar. Osegundo ingrediente fundamental são os
factos, énão construirmos uma narrativa baseada em torno das
migrações nas percepções que muitas vezes são pessoais, são
experiências que temos, mas muitas vezes na construção de narrativas falsas, baseadas em mitos e em medos. Os factos [pelo
contrário] implicam olharmos para ademografia da nossa Europa edo nosso país, para a economia, epercebermos que
os imigrantes são um grande contributo para asnossas sociedades. Nos Estados Unidos, nas
500
empresas maiores, 40%foram criadas por imigrantes.
Veja-se ocaso de Portugal, àsua escala, em que os imigrantes têm uma propensão para criar
empregos enegócios maior do que os próprios portugueses.
Os países mais desenvolvidos do mundo sabem isto epor isso têm políticas de atracção de estrangeiros. Estados Unidos, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, opróprio Reino Unido, àsua escala, continuam ater políticas de atracção de estrangeiros. Sabem que os estrangeiros são uma oportunidade.
Falava há
pouco emmitos
emedos, e
um
dos medoséassociar os
refugiados
aterroristas.
Oque está ou nãoaser
feito para combater
essemito?
No meio dos refugiados podem vir terroristas. Poderá haver um
ou outro no meio de uma massa
humana de milhões. Os Estados europeus
-
ePortugal não éexcepção
-
têm aplicado todosos mecanismos de segurança
para triar, filtrar egarantir
que as pessoas que chegam ao nosso país e àEuropa não vêm
exactamente com esse risco.
Esse risco existe, éóbvio. Mas é
preciso perceber, antes de mais, que estas pessoas estão afugir ao terrorismo. Oterrorismo
está instalado, não naEuropa,
mas em países como aSíria ou o Iraque. ODaesh personifica essa
força terrorista. Eestas pessoas estão, elas próprias, afugir do
terrorismo. Mesmo os atentados que aconteceram na Europa nos últimos anos não aconteceram por conta de pessoas refugiadas, mas de cidadãos europeus que jácá estavam, que têm a
nacionalidade, de segundas
eterceiras gerações. Aínão estamos a falar de refugiados nem
de fluxos migratórios, estamos a
falar da integração dessas pessoas nas nossas comunidades. E esse éum tema completamente diferente.
Um dos aspectos que
resultaram
do ConselhoEuropeu foi
aideia
decriar
plataformas
dedesembarque
de
migrantes
não naEuropa,
mas em países
africanos,
por exemplo.
Istoresolve
oproblema?
Aintenção pode ser boa se
servir para evitar travessias no Mediterrâneo e com isso
pouparmos mortes. Omeu
receio pragmático éque essa
seja só uma forma deafastar o problema das nossas fronteiras
europeias ede com isso deixar as pessoas omais distante possível de uma solução que será sempre competência do espaço europeu. Muitas destas pessoas vão continuar asair dos seus países. Gerir oproblema
das migrações implica apoiar o desenvolvimento destes países,
implica tentar fixar aspessoas
nestes países. Lembro-me de
uma frase célebre deum líder
de um país do Magrebe. Ele
dizia, apropósito de uma tensão que havia com aimportação
de laranjas para aEuropa: 'Ou
me importam as laranjas ou eu exporto os produtores de
laranjas'. Ou nós percebemos que temos que apoiar estes países adesenvolverem-se e a
ter um mundo menos desigual ou então amobilidade humana
será asolução que as pessoas
encontrarão, àfalta de outras soluções mais sustentáveis.
Seja como
for,
aUnião
Europeia
já
segue esseprincípio
depagar
aoutros
países
para receberem
refugiados
oupara
impedirem
que eles
entrem
naEuropa,
como
acontece, por exemplo,
no âmbito
do acordo com aTurquia
de há dois anos...Nós sabemos que as pessoas não serão paradas por muros. Não será erguendo muros que as pessoas deixarão de
tentar asua oportunidade na Europa. São pessoas que estão desesperadas. Além doapoio ao desenvolvimento, precisamos degarantir canais legais para
vir
para aEuropa, em segurança, e ainda garantir que quem chega à Europa encontra formas de apoioàsua integração, para não termos sociedades paralelas. Não sou eu que o digo, é aOrganização
Internacional das Migrações [OIM].
A
OIM,
queagora vai
ter
um português
àfrente.
Queexpectativas
tem?As melhores. Odr. António Vitorino éum dos nossos melhores. Tem uma visão, tem uma estratégia, éum estadista, alguém que está acima da gestão
quotidiana corrente. acordeiro@publico.pt
Novos
dados em
detalhe
sobre asilo
O
PSentregou ontem
no Parlamento uma resolução para que o Governo elabore a partir
de 2019 um relatório anual sobre apolítica de asilo,
documento que deverá depois
ser alvo deapreciação pela Assembleia da República. Este projecto de resolução sobre apolítica de asilo em Portugal tem como primeiro
subscritor o líder da bancada
socialista, Carlos César. Entre outros objectivos, o Grupo
que o Governo forneça "informação detalhada"
sobre onúmero de pedidos
de asilo requeridos eque
estes sejam "desagregados por género, idade, país de origem, situação familiar,
qualificações emotivações
dos requerentes".
"Os motivos de
indeferimento, o número de deferimentos eaavaliação dos respectivos processos
de integração e permanência
no território nacional são outros parâmetros que se
pretendem aprofundados no relatório", refere-se no texto
desta iniciativa legislativa. OPS pretende ainda que
o relatório inclua também "informação estatística e
qualitativa detalhada sobre os pedidos de asilo de mulheres e raparigas com necessidades
de protecção específica decorrentes de discriminação
ou perseguição em função do
género".
Esta indicação segue as recomendações do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados) e do Conselho da Europa para adeterminação
do Estatuto de Refugiado,
relativas às necessidades e
especificidades das mulheres
nos processos deasilo", salienta-se também na mesma resolução. Lusa
Em
Portugal
"não somos
racistas, mas,
como
todos
os
outros,
temos preconceitos"
Casos
de
racismo
em
Portugal
são
"pontuais",
considera
Pedro Calado, acrescentando
que
a
recente
Hora
da
Verdade
Ana Dias
Cordeiro
PÚBLICOEunice Lourenço
Renascença
A
agressão contra
umajovem luso--colombiana por um
fiscal de uma empresa de
segurança, na noite de
SãoJoão, no Porto, "não pode ter qualquer complacência de ninguém", defende o alto--comissário para as Migrações, em entrevista ao PÚBLICO eà
Renascença.
Portugal
éassimtão
pacíficono
acolhimento
dooutro ou
temos sótido muita
sorte de nãotermos
a pressão dosnúmeros
que
outros
paísesenfrentam?
Não hãnenhum país do mundoque possa dizer que atingiu uma espécie de 'Nirvana da integração'. Todos têm dificuldades etodos estão emgrande transformação. Hã aspectos que dão aPortugal
uma dimensão favorável neste processo. Primeiro: por cada estrangeiro que temos em Portugal, temos dez portugueses láfora eisto deve dar-nos sempre
um sentido de reciprocidade.
0
segundo aspecto éoforte consenso que este tema continua ater em Portugal: não temos no nosso Parlamento qualquer partidoque tenha um discurso contra a imigração. Eeste éum valor
incalculável.
Apesar disso, temos
tido
episódios graves. Omais
recente,
odaluso--colombiana
Nicol Quinayas,no
Porto,
quefoi agredida por um
fiscal dostransportes
deuma
empresa de segurança, e
ainda
o caso dos polícias [da esquadra de
Alfragide]
que estãoacusados de agressões a
jovens
negros na Cova da
Moura.
Nãoencontra aqui
uma reacção aomigrante
que esteja a crescer? Osportugueses não são genericamente racistas. Mas, como todos os outros, temospreconceitos. Acho, ainda assim, que os casos que temos
em Portugal são pontuais. Não temos no dia-a-dia, nas nossas ruas, nas nossas escolas, nas
nossas cidades, fenómenos de tensão permanente eesse
éum sinal que é importante
sublinhar. Temos depois uma intenção clara de erradicar estes
fenómenos, como oda agressão a Nicol [Quinayas] no Porto. Está tudo feito? Não. Vamos um
dia conseguir erradicar esta chaga social que éo racismo e a
xenofobia? Não. Mas há um forte
compromisso em minimizar
estetipo de danos que são absolutamente repudiáveis.
Aquilo que aconteceu no Porto não pode ter qualquer
complacência de ninguém.
Cerca de
metade
dos 1700 refugiados quevieram para
Portugal acabaram por
sair. Oque
vai
acontecer àqueles que serão agora forçados a regressar [noâmbito
deum
acordoentre
oGoverno
português
epaísescomo a
Alemanha]?
Osúnicos países que nãotiveram
movimentos secundários foram osque não acolheram ninguém. Fizemos tudo para salvar estas
pessoas, para salvar vidas. Portugal recebeu 1700 pessoas de cerca de30 mil acolhidos empaíses europeus. Uma das lições que
tirámos deste processo éque a
integração também depende da vontade das pessoas equando
as pessoas têm outro objectivo
migratório acabam por procurá-10, mais tarde ou mais cedo.
Agora, alguns vão ser
reforçados a
vir
para
Portugal?Já estão achegar. Já tivemos cerca de142pessoas que foram alvo das chamadas "retomas a cargo".
Vieram, amaioria, daAlemanha. Na maioria, aceitam retomar o seu percurso em Portugal, porque percebem que há regras, que há consequências se não ofizerem.
Além
dessas pessoas quejá
vinham
comum projecto
migratório
definido,
também
há outras queaqui encontraram
entraves e
por
issoquiseram
sair...
Houve ao longo deste percurso algumas falhas. Lembro-me, por exemplo, no início, da dificuldade que foi adimensão da língua. Houve uma série de variáveis que nós não controlávamos eque
fizeram com que o processo fosse
feito àmedida que ia acontecendo. Osúnicos países que não tiveram estes problemas foram os que não
acolheram ecreio que essa é a
mensagem fundamental, nestes tempos que vivemos.
OServiço de Estrangeiros e
Fronteiras
ajudou no
processo de integração?A lei prevê
que otítulo
provisório
de seis mesesgarante
todos osdireitos,
mas, narealidade,
tudo
ficaparado
enquanto
orequerente
de asilo nãoreceber
oestatuto e otítulo
deresidência
por
trêsou
cinco anos que, nalguns casos,
demora
dois anos aobter...
Sei que há algumas dificuldades com adocumentação, mas
também vejo muita vontade,
nomeadamente do MAI [Ministério da Administração Interna] eda nova direcção nacional do SEF, emmelhorar esimplificar os
procedimentos [para a atribuição de documentos].