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REFORMA AGRÁRIA E O SINDICALISMO RURAL: A LUTA PELA TERRA NO ENTORNO DE BRASÍLIA

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REFORMA AGRÁRIA

E O SINDICALISMO RURAL:

A LUTA PELA TERRA NO

“ENTORNO” DE BRASÍLIA

Sérgio Sauer

1

Brasília/DF, agosto de 1999.

1

Mestre em Filosofia da Religião pela Faculty of Arts da University of Bergen (Noruega) e doutorando do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

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Apresentação...2

Introdução ... 2

1 – O processo de ocupação da Região Centro Oeste ... 4

1.1 – Desenvolvimento e modernização da agricultura ... 4

1.2 – Os projetos de colonização ... 7

1.3 – A evolução da produção agrícola de Goiás ... 9

1.4 – O crescimento populacional ... 11

2 – O sindicalismo rural e a luta pela terra na Região Centro Oeste ... 14

2.1 – A luta pela terra e o surgimento do sindicalismo rural ... 14

2.2 – O sindicalismo rural e a luta pela reforma agrária a partir dos anos 1970 ... 17

3 – As conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do Entorno ... 19

3.1 – A luta pela terra em Formosa ... 19

3.2 – A luta pela terra em Unaí ... 24

3.3 – A luta pela terra nos últimos anos: os projetos de assentamentos e as ocupações ... 30

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Apresentação

Esta publicação Série Experiências retrata algumas iniciativas que vem sendo desenvolvidas pelo movimento sindical dos trabalhadores rurais na busca de alternativas de desenvolvimento rural sustentável e de formas de organização do sindicalismo rural que mais se adeqüem a realidade atual.

Esta iniciativa se insere dentro do Projeto CUT/Contag de Pesquisa e Formação Sindical, que numa primeira fase realizou um diagnóstico do atual quadro da organização sindical rural e dos elementos constituintes do atual modelo de desenvolvimento rural no Brasil. Nesta fase foi realizada uma pesquisa em todas as regiões do pais sobre estas duas temáticas, que partiu da sistematização da elaboração existente, tanto da produção científica e acadêmica quanto o acúmulo produzido pelos trabalhadores e suas organizações.

Dentro deste processo foram selecionadas 13 experiências de ação e organização sindical, na diferentes regiões, que foram sistematizadas neste momento do diagnóstico, se transformando nesta Série Experiências.

Posteriormente a esta sistematização, algumas destas experiências foram visitadas por delegações de dirigentes sindicais de diferentes regiões do país, propiciando a esses dirigentes o conhecimento e intercâmbio com realidades de outras regiões, através de um processo de visitas e debates, como uma atividade complementar de todo o processo formativo – de seminários e cursos – realizados no âmbito do Projeto CUT/Contag.

O conhecimento e socialização destas experiências é uma iniciativa fundamental pois resgata a importância que as mesmas tem na viabilização das propostas e projetos realizados pelos trabalhadores e suas organizações, pois se situam no âmbito daquilo que podemos chamar de respostas do movimento sindical à chamada crise do sindicalismo rural e às desigualdades geradas pelo modelo de desenvolvimento rural brasileiro.

Este texto trata de um relato da experiência de reforma agrária desenvolvida pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região do entorno de Brasília e do noroeste do Estado de Minas Gerais, iniciando com uma contextualização mais geral da luta pela reforma agrária no Brasil e a contribuição que o Movimento Sindical Rural teve neste processo específico desta região.

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Introdução

O sindicalismo rural tem tido uma participação importante no processo de luta pela terra na Região Centro Oeste. A bandeira da reforma agrária faz parte da história do movimento sindical e o envolvimento direto nas lutas através da organização das trabalhadoras e trabalhadores, resistência à expulsão e ocupação de terras constituiu lideranças e fortaleceu o sindicalismo rural na Região. A resistência dos posseiros e a mobilização de agricultores sem terras, especialmente nos anos 1980, resultaram na criação de vários Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) em diversas regiões de Goiás e Noroeste de Minas Gerais.

Os STRs dos municípios de Formosa, Estado de Goiás, e Unaí, Estado de Minas Gerais são exemplos desse envolvimento e participação ativa nas conquistas das trabalhadoras e trabalhadores rurais. Essas conquistas se materializam em assentamentos que abrigam milhares de famílias, gerando emprego, renda e condições dignas de vida no meio rural. O objetivo desse ensaio é resgatar esse processo de luta no “Entorno” de Brasília desvelando aspectos importantes da contribuição do sindicalismo rural.

É importante observar que o uso do termo “entorno” não tem como objetivo definir, de forma precisa, uma região. Essa “imprecisão” é fruto de usos diferenciados por organismos governamentais e entidades sindicais. De acordo com a divisão geográfica do IBGE, o “entorno” designa uma microrregião de Goiás, composta por municípios que circundam o Distrito Federal (DF).

A Federação de Trabalhadores do Entorno não segue essa delimitação porque abrange STRs dessa microrregião mas inclui o próprio DF e o Noroeste de Minas Gerais, estado que está localizado em outra Região. O STR de Formosa, um dos municípios da microrregião do Entorno, por sua vez, estendeu a sua base sindical para municípios de outras microrregiões do Estado.

Essa “falta de precisão geográfica” traz alguns problemas, especialmente em termos de dados, dificultando comparações e paralelos. É importante ter presente essas diferenças, mas é preciso ressaltar também que essa “região”2, abrangendo alguns municípios de Goiás e Noroeste de Minas, possui características muito semelhantes. É uma área de Cerrado, portanto, com características físicas e climáticas típicas do Centro Oeste. O processo de desenvolvimento e ocupação, tema da primeira parte desse ensaio, também foi muito semelhante, constituindo-se uma das chamadas “fronteiras agrícolas”.

A história nacional do sindicalismo rural, tema da segunda parte do ensaio, é ilustrativa do processo desencadeado na região, especialmente a partir dos anos 1970. A bandeira da reforma agrária fez parte do processo de criação, crescimento, tomadas de decisão, divergências e cisões no sindicalismo rural. Essa história está presente também na

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O uso do termo “Região” com letra maiúscula designa sempre a Região Centro Oeste. Em letra minúscula adquire um significado diretamente relacionado com o contexto onde é utilizado, podendo designar a área de alguns municípios ou, por exemplo, “a região do Noroeste mineiro” .

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luta pela terra e constituição do movimento sindical no “Entorno” e na própria Região Centro Oeste.

A análise da atuação do STR de Formosa e Unaí, terceira parte desse ensaio, exemplifica o envolvimento do movimento sindical, construindo a história da luta pela terra na Região. Esses STRs foram criados como resultado da formação de lideranças e envolvimento nas lutas pela posse da terra.

1 – O processo de ocupação da Região Centro Oeste

A Região Centro Oeste é conhecida por ser uma das últimas “fronteiras agrícolas” desbravadas no Brasil. O processo de expansão e ocupação teve várias fases marcadas por processos migratórios. Os movimentos mais importantes foram, sem sombra de dúvidas, primeiro, a chamada Marcha para o Oeste e depois a modernização da agricultura. Esses atraíram levas de migrantes e provocaram profundas mudanças na estrutura produtiva e populacional da Região. O processo de modernização agrícola, através da implantação do pacote tecnológico da Revolução Verde, é fundamental na constituição do atual quadro regional.

1.1 – Desenvolvimento e modernização da agricultura

A Marcha para o Oeste, que aconteceu na década de 50 com o deslocamento de migrantes vindos do Nordeste e Minas Gerais, foi um dos principais movimentos migratórios que afetou profundamente as características populacionais e produtivas da Região.

Esse movimento migratório foi responsável por taxas altas de crescimento populacional regional, motivando a fundação e crescimento de cidades como Goiânia, nova fonte de atração de migrantes. Até a década de 1970, o Cerrado não era considerado propício para a agricultura e os agricultores migrantes utilizavam as áreas baixas, com terras mais férteis, para o cultivo de lavouras.

O desbravamento da Região, nesse período, era feito por posseiros e pequenos proprietários através de derrubadas e cultivo de “roças no toco”3 com culturas de subsistência. A abertura de grandes áreas para a criação extensiva de gado era feita por fazendeiros tradicionais, especialmente nos chapadões, utilizando a vegetação natural do Cerrado.

A agricultura de subsistência foi se constituindo através de práticas de cultivo baseadas no trabalho familiar e exploração da fertilidade natural do solo. O começo da produção agrícola foi feito através da derrubada da mata e a madeira era transformada em carvão para suprir as usinas siderúrgicas de Minas Gerais. Depois da derrubada e queimada da vegetação nativa, era cultivado milho, feijão, arroz e mandioca, produtos de consumo familiar com alguns excedente para abastecimento dos mercados locais. A fertilidade natural do solo era, portanto, um elemento fundamental nesse processo produtivo.

3

Essa prática agrícola foi denominada de “roça no toco” porque os agricultores derrubavam a mata e plantavam no meio da galhadas e troncos. Era uma prática itinerante ou rotativa de desmatamento e cultivo, com ciclos curtos de duas ou três safras, procurando aproveitar a fertilidade natural do solo.

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Este ciclo de fertilidade foi se encurtando à medida que as terras mais férteis foram se esgotando e as distâncias dos mercados iam aumentando. Isso forçou os agricultores familiares a um processo contínuo de deslocamento para novas frentes, constituindo um movimento de posseiros, praticando uma agricultura itinerante. As áreas desbravadas se transformavam, posteriormente, em áreas de cultivo extensivo ou pastagens para os grandes proprietários.

A implantação da Revolução Verde, especialmente com a utilização de técnicas e produtos para corrigir a acidez do solo, mudou as características da produção agropecuária regional. A agricultura, monocultora e extensiva, se estabeleceu em vários pólos, abrindo áreas para a produção de soja e milho em grande escala. Essa nova fase agrícola foi a base de uma nova onda migratória, trazendo pessoas das regiões Sul e Sudeste, especialmente nos anos 1970 e inicio dos anos 1980.

O desenvolvimento da agricultura moderna, promovida pela política governamental do Regime Militar, se deu através da criação de infra-estrutura e projetos de colonização. Vários programas de crédito, assistência técnica e pesquisa foram criados para dar suporte e motivar a ocupação da Região e abertura da fronteira agrícola. Programas como o PCI (Programa de Crédito Integrado) e PADAP (Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba), criados em 1973 pelo governo de Minas Gerais, foram os primeiros que buscaram promover a "modernização agrícola" na Região. No entanto, o POLOCENTRO (Projeto de Desenvolvimento do Centro Oeste) e o PRODECER (Programa de Desenvolvimento do Cerrado) foram os mais importantes programas governamentais.

O POLOCENTRO, como parte do Programa Nacional de Desenvolvimento do Governo Geisel, foi criado para atender aos agricultores capitalizados, oferecendo crédito subsidiado e assistência técnica. Esse programa tinha doze (12) áreas de atuação nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, investindo em infra-estrutura (abertura de estradas, armazéns, etc.) e financiando a aquisição de terras para a produção de grãos.

A implantação desse programa foi a principal motivação para novos deslocamentos populacionais para a Região Centro Oeste. Além do MS e MT, muitos agricultores se instalaram nas regiões sul e sudeste do Estado de Goiás, criando um grande pólo produtor de soja em municípios como Rio Verde e Mineiros.

Muitos agricultores saíram, especialmente das regiões Sul e Sudeste, em busca de terras mais baratas para a produção agrícola. As facilidades de financiamentos e subsídios, de um lado, e a implantação de infra-estrutura de armazenagem e transporte, de outro, criaram as condições para o desenvolvimento da agricultura intensiva, produzindo grãos para exportação.

Os investimentos do POLOCENTRO em pesquisa agropecuária resultou na criação do Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado (CPAC) da EMBRAPA, em Planaltina/DF. O objetivo fundamental desse centro era criar ou adaptar tecnologias para a produção de grãos, especialmente soja, na região de Cerrado.

O POLOCENTRO funcionou de 1975 a 1979 mas não alcançou plenamente os seus principais objetivos. Os investimentos não tiveram o retorno econômico planejado porque mais de 60% dos recursos foram utilizados na pecuária, atividade tradicional na Região, e não no desenvolvimento agrícola através da implantação de lavouras de soja e milho.

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A primeira fase do Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER I), em processo de negociação desde 1975, foi implantado a partir de 1979 no Noroeste de Minas Gerais, região de Paracatu. Esse programa, em funcionamento até 1984, foi financiado com recursos do governo japonês, através da JICA (Japan International Cooperation Agency). O Japão tinha interesse nesses projetos porque, além de possuir recursos fartos para investir, queria fugir da dependência da produção americana. Os Estados Unidos era o maior produtor mundial de soja, criando uma situação delicada para países importadores como o Japão.

Diferente do POLOCENTRO e demais políticas governamentais, o PRODECER foi implantado com base em propriedades de porte médio. O programa financiava áreas de 400 a 500 hectares para, prioritariamente, famílias vindas do Sul ou Sudeste, com experiência na aplicação das técnicas modernas de produção agrícola. O principal objetivo do PRODECER era a produção tecnificada de grãos para abastecer especialmente o mercado externo.

A Companhia de Promoção Agrícola (CAMPO) era a responsável pela implantação do projeto, mas a participação de duas grandes cooperativas – a Cooperativa Agrícola de Cotia, São Paulo e a Cooperativa de Suinicultores de Encantado, Rio Grande do Sul, foi fundamental nesse processo de implantação e seleção das famílias beneficiadas. Essas eram responsáveis pela seleção da metade dos agricultores que seriam beneficiados com os recursos do projeto. O projeto buscava famílias sulistas com experiência em trabalho cooperativado e técnicas modernas de produção. A própria implantação e consolidação dos pólos deveria acontecer através de cooperativas que organizavam e facilitavam a comercialização da produção.

A segunda fase, a partir de 1984, estendeu o PRODECER para os Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas não teve o mesmo sucesso do PRODECER I. Parte dos problemas enfrentados por esses programas estava relacionada com os diversos planos econômicos que acabaram endividando os agricultores, tornando os financiamentos inviáveis. O governo japonês retirou o seu apoio ao projeto, provocando novos problemas aos agricultores.

No início dos anos 1990, a terceira fase do PRODECER começa a ser implementada nos Estados da Bahia e Tocantins. Dois novos pólos foram criados em 1995 com quarenta (40) agricultores cada um. As áreas financiadas foram de mil hectares cada, todas voltadas para a produção de soja para exportação.

Esses grandes projetos, marca do processo de ocupação e “abertura de fronteiras” através da promoção da agricultura mecanizada, extensiva e voltada para a produção de grãos, são os principais responsáveis pela baixa presença de agricultores familiares na Região. A implantação da agricultura moderna não abriu espaço para a reprodução do segmento familiar, carente de recursos financeiros e tecnológicos.

Esse processo de ocupação explica o alto grau de concentração da propriedade da terra na Região Centro Oeste. De acordo com dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, os imóveis acima de mil hectares representam apenas 7,11% do total dos estabelecimentos, mas ocupam 72,16% da área total dos imóveis na Região. Os imóveis com estrato de áreas entre 200 e 1 mil hectares ocupam outros 19,53% da área total.

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As propriedades com áreas inferiores a 10 hectares somam 11,98% do total de imóveis e detêm apenas 0,14% da área total. O estrato de área mais significativo na estratificação regional são as propriedades com áreas entre 20 e 50 hectares, representando 21,46% dos imóveis. A soma de todos os imóveis até 200 hectares representa 74,18% do número total de imóveis da Região mas ocupam apenas 8,48% da área total.

Esses níveis de concentração da propriedade da terra se repetem no Estado de Goiás. Não há uma diferenciação acentuada na estrutura fundiária, mas as grandes propriedades, diferente do conjunto da Região, dividem suas áreas com o estrato de área entre duzentos e mil. Os imóveis com áreas superiores a 200 hectares e menores de 1 mil representam 20,2% do numero total de imóveis e possuem 35,16% da área total. Os imóveis com áreas superiores a mil hectares somam 4,9% do total de imóveis e possuem 47,2% da área total dos imóveis.

Os imóveis com áreas inferiores a 10 hectares representam 11,1% do número total de imóveis e detêm 0,25% da área total. A soma de todos os imóveis até 200 hectares resulta em 74,9% do número total, mas representam apenas 17,64% da área total dos imóveis do Estado de Goiás. Esses dados demonstram claramente o nível de concentração fundiária no Estado e na Região Centro Oeste.

1.2 – Os projetos de colonização

O programa de modernização agrícola do governo militar pós-1964 tinha como objetivo aumentar a produção através da industrialização da produção agrícola e abertura de novas áreas através dos projetos de colonização nas Regiões Norte e Centro Oeste do Brasil. As demandas sociais por reforma agrária foram enfrentadas através de mecanismos de repressão política, edição do Estatuto da Terra e criação dos projetos de colonização.

A abertura de novas “fronteiras agrícolas” e áreas de colonização tinham o objetivo político de acomodar posseiros e sem terras, como uma forma de diminuir a pressão social por terra e trabalho nas regiões mais populosas. A abertura das “fronteiras agrícolas” era a solução ideal para amenizar os conflitos agrários e promover o desenvolvimento agrícola de novas áreas. O deslocamento de migrantes, direcionados pelos programas governamentais ou privados de colonização, deixava as terras mecanizáveis do Sul e Sudeste abertas para o processo de modernização, aumentando a concentração da propriedade.

A mudança da base tecnológica na agricultura, promovida pela Revolução Verde, começou a expulsar muita gente do campo. As “fronteiras agrícolas” passaram a absorver esses contingentes de migrantes vindos das regiões Sul e Sudeste ou do Nordeste. O desbravamento de novas áreas e a abertura de “fronteiras” deslocaram parte dos históricos conflitos agrários, agravados pelo processo de modernização, amenizando também a pressão sobre as cidades e oferta de empregos em outros setores. As “fronteiras” eram a nova esperança de terra e trabalho para a massa sobrante de migrantes que não encontravam lugar nos centros urbano-industriais.

Os projetos de colonização foram criados pelos governos militares com base em dois “pressupostos” ideológicos: 1) a existência de “terras vazias” e baratas na Região Norte e Centro Oeste e 2) a ocupação espacial como um caminho natural para resguardar as fronteiras contra possíveis invasões, baseada na doutrina da “segurança nacional”. Os projetos eram

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criados como uma política governamental para tornar produtivas terras “ociosas” e “improdutivas”.

Esses projetos de colonização eram concebidos como parte da doutrina de segurança nacional e necessidade de garantir a soberania territorial. A estratégia era integrar regiões periféricas, através da ocupação de terras “desocupadas” do Norte e Centro Oeste do país. A propaganda massiva do governo, oferecendo terras baratas, deslocou milhões de pessoas para as “fronteiras agrícolas”.

Esse programa de colonização, concebido como uma estratégia de ocupação dos espaços “vazios” e inviabilização da reforma agrária, se constituiu num movimento social complexo que criou mecanismos de controle social e político e dominação da população rural. “A colonização de novas terras pode ser analisada como uma técnica social que utiliza mecanismos de controle do espaço e de controle dos homens, para se reproduzir enquanto forma de dominação exercida pelas classes subalternas da sociedade brasileira”4.

As famílias migrantes que conseguiram terra foram abandonadas em meio a um ambiente estranho, isolado e sem infra-estrutura. Eram afetadas por doenças tropicais como a malária, e após muito trabalho para abrir a mata e preparar o solo, não tinham condições de comercializar a produção. Muitos foram forçados a abandonar suas áreas, deslocando-se novamente para as cidades ou de volta para suas regiões de origem, deixando as terras prontas para a criação extensiva de gado de corte. Esse êxodo rural fez a população rural decrescer na Região Centro Oeste, como é possível perceber nos dados do censos demográficos abaixo.

As áreas de colonização, criadas para amenizar os conflitos agrários, se tornaram cenários de violência porque os antigos posseiros eram expulsos e as populações indígenas freqüentemente dizimadas. Os projetos de colonização, associados com os assim chamados “grandes empreendimentos” como a construção de grandes hidroelétricas e projetos de mineração, são as principais causas do extermínio das tribos indígenas da Região Norte.

Em meados dos anos de 1970, o governo militar mudou a sua política em relação aos os projetos de colonização, piorando ainda mais a situação nas novas áreas provocando novos conflitos. Quando o governo compreendeu que podia controlar os conflitos sociais pela repressão policial abandonou completamente o discurso em torno do Estatuto da Terra e mudou os objetivos dos projetos de colonização. Desativou imediatamente os projetos para posseiros e camponeses, abandonando aqueles que já estavam assentados e deixando sem alternativas os que ainda buscavam terras. Os subsídios governamentais e incentivos fiscais foram totalmente direcionados para os grandes empreendimentos na Regiões Norte e Centro Oeste, como vimos acima.

A nova política de colonização produziu uma nova aliança entre o latifúndio e o capital. O governo alterou sua política agrária favorecendo o aprofundamento da expropriação das populações rurais e implantação da grande empresa capitalista no campo, ampliando os processos de apropriação de renda através da especulação fundiária. Empresas privadas começaram a comandar os projetos de colonização e implantar projetos de desenvolvimento rural, a exemplo do PRODECER no Centro Oeste. Essa nova política de colonização

4

SANTOS, José Vicente Tavares dos. As novas terras como forma de dominação. In.: Lua Nova - Revista de cultura política, no. 23. São Paulo: CEDEC/Marco Zero, março de 1991, p. 71.

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representou também o reatamento da aliança entre os militares e a oligarquia, ameaçada desde a década de 1930 e piorada nos primeiros anos do regime pós-1964.

Essa atitude aprofundou o processo expropriatório e os conflitos cresceram em conseqüência das resistências das populações rurais. Novos conflitos apareceram por todo o país e as áreas de colonização ou fronteiras agrícolas, que foram criadas para amenizar esses conflitos, acabaram por piorá-los ainda mais. O regime militar tentou acabar com essas lutas através da perseguição e repressão às lideranças, buscando destruir toda e qualquer mediação política. “O Estado se organiza e se esforça no sentido de evitar que a questão agrária se transforme efetivamente numa questão política e implique uma redefinição política do próprio Estado”5.

Isso levou a militarização do problema agrário, transformando as reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em problemas de segurança nacional. Qualquer reivindicação por terra ou mobilização no meio rural era interpretado como uma ameaça à segurança da soberania do País.

A política governamental de ocupação da Região, seguindo o processo de modernização conservadora implantado em todo o País, privilegiou os grandes empreendimentos, excluindo amplos setores da agricultura familiar do desenvolvimento no meio rural. Essa política é a principal responsável pela baixíssima presença da produção agrícola com base no trabalho familiar na Região Centro Oeste.

1.3 – A evolução da produção agrícola de Goiás

Os programas governamentais de modernização provocaram profundas mudanças na produção agropecuária regional com um processo de incorporação do pacote tecnológico da Revolução Verde. Esses programas foram bastante efetivos no aumento da produção e produtividade das lavouras de grãos, especialmente soja e milho, na Região, especialmente a partir de 1980.

O CPAC e demais órgãos oficiais de pesquisa adaptaram variedades de grãos e pastagens, tolerantes à toxidez dos solos do Cerrado e desenvolveram técnicas de correção, permitindo a produção de soja no Centro Oeste. Segundo a FAO, “a soja, que apresentava restrições quanto à adaptação a baixas latitudes, foi a cultura que maior impacto promoveu na região. Por ser totalmente mecanizável, desde o preparo do solo à colheita, a cultura se adaptou aos cultivos em escala nos chapadões, compensando as elevadas demandas de insumos químicos, tendo sido ainda, impulsionada pelos reduzidos preços da terra, quando comparada às do Sul...”6

O município de Formosa não apareceu como produtor de soja no Censo Agropecuário de 1980. O município de Rio Verde, na região sul de Goiás era o maior produtor dessa leguminosa com uma área de 25 mil hectares de lavoura. Os municípios de Jataí e Mineiros também figuravam entre os maiores produtores com áreas de 1.372 e 6.694 hectares de lavouras de soja, respectivamente.

5

MARTINS, José de Souza. A Igreja face à política agrária do Estado. In.: PAIVA, Vanilda (org). A Igreja e a questão agrária. São Paulo: Ed. Loyola, 1985, p. 121.

6

FAO/INCRA. A agricultura familiar na região Centro Oeste. 1996, p. 8 – versão preliminar não publicada.

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A evolução da área plantada de soja na Região Centro Oeste e no Estado de Goiás demonstra o grau de adesão ao processo de modernização. O salto na área plantada, entre 1975 e 1980, confirma esse processo de adesão. Houve um aumento de mais de 300% na área plantada, passando de 62 mil para 213 mil hectares de lavouras. Foi, no entanto, a década de 1980 o período de maior crescimento da produção de soja no Estado, com o plantio de mais de 1 milhão de hectares em 1990.

Evolução da área cultivada de soja em Goiás

Fonte: Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980 e 1985-1996. Elaboração: Sérgio Sauer

O aumento da área plantada foi acompanhado também por um aumento significativo da produção e produtividade das lavouras. O Estado de Goiás passou de uma produção anual de 10 mil toneladas em 1970 para 368 mil toneladas em 1980 e quase 2 milhões de toneladas em 1995.

Nenhum outro produto obteve um índice tão elevado de adesão e crescimento no Estado de Goiás. A produção de milho teve um aumento progressivo de área plantada e produção, mas não com os mesmos saltos no cultivo da soja. Em 1975, as lavouras de milho somavam 687 mil hectares em Goiás e em 1990 chegaram a 902 mil hectares. Tiveram, portanto, um aumento de 76% em 15 anos. Certamente outras culturas como o plantio de laranja teve altos índices de crescimento. Não teve, no entanto, índices semelhantes ao cultivo da soja em Goiás nas últimas décadas.

Esse crescimento das lavouras de soja também aconteceu nos municípios de Formosa e Unaí. Formosa não apareceu como produtor no Censo Agropecuário de 1980, mas, conforme dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE, em 1990, já tinha mais de 5 mil hectares de soja plantados. Em 1994 chegou a 7.800 hectares, mas a média nos seis primeiros anos da década ficou em torno de 5 mil hectares por ano. O cultivo de soja possui a maior área plantada do município, seguido pelas lavouras de milho.

O município de Unaí já tinha 35 mil hectares cultivados com soja em 1990. A área plantada cresceu ainda mais durante o decorrer da década, chegando a uma área de 40 mil hectares em 1996. O milho é a segunda cultura com uma área plantada semelhante a soja, ou seja, próximo aos 40 mil hectares de lavouras.

Esse aumento da produção foi provocado pelo aumento significativo da área de lavoura e forte processo de incorporação de tecnologias. O Centro Oeste apresentou altas taxas de crescimento do número de tratores nesse período com 19,9% ao ano na década de

0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.000 1.200.000 1970 1975 1980 1990 1995

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1970 e 7,2% ao ano na década de 1980. Essa taxa de crescimento é um bom indicador do processo de incorporação de tecnologia e modernização agropecuária, dentro dos moldes da Revolução Verde.

Conforme dados da tabela abaixo, esse processo de modernização foi implementado nos municípios do Entorno. Conforme dados do Censo Agropecuário de 1975, o município de Formosa tinha apenas 80 tratores, sendo que a maioria (32 unidades) eram máquinas entre 10 e 50cv de potência. Esse número saltou, conforme dados do Censo Agropecuário de 1995, para 388 unidades, um aumento muito expressivo para apenas duas décadas.

Cristalina é o município que mais tem tratores na Microrregião do Entorno de Brasília com 23% do total de unidades, sendo que o município de Luziania é o segundo com 460 unidades. Cristalina é um dos municípios com o maior número de tratores no Estado de Goiás. Apenas alguns municípios, não mais do que quatro (4), possuem mais unidades, sendo que nesses estão incluídos os municípios de Jatai e Rio Verde, onde houve fortes investimentos dos projetos de colonização e modernização da agricultura no processo de ocupação da Região.

Número de tratores por município

Municípios Até 50cv Acima de 50cv Totais

Formosa 71 317 388

Cristalina 78 733 811

Microrregião 904 2.611 3.515

Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 - IBGE Elaboração: Sérgio Sauer

A região Noroeste de Minas Gerais também sofreu o processo de modernização agrícola. O município de Paracatu tinha, em 1996, 1.223, quase 34% do total de tratores da Microrregião. O município de Unaí tinha 1.668 unidades, ou seja, mais de 55% do total de tratores de sua microrregião.

1.4 – O crescimento populacional

Os Censos Demográficos demonstram o crescimento acelerado da população da Região Centro Oeste desde a década de 50, mantendo índices acima do crescimento nacional nas décadas de 1960 a 1980. Esse aumento populacional foi um dos resultados diretos dos planos governamentais para ocupação da Região, como vimos acima.

A Região teve taxas de crescimento altas já na década de 1950, como conseqüência da Marcha para o Oeste. O Centro Oeste se tornou um pólo de atração de migrantes nesse período, quando apresentou um índice de crescimento populacional em torno de 7% ao ano. Esses dados confirmam o processo de deslocamento de migrantes e expansão das fronteiras agrícolas como uma forma de ocupar a Região e amenizar as demandas por terras em outras regiões do País.

De acordo com o Anuário Estatístico do Brasil de 1997, a tendência de crescimento acelerado se manteve nas décadas seguintes, com um crescimento significativo da população de Goiás e Minas Gerais no período de 1960 a 1980. O Estado de Minas Gerais

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teve taxas de crescimento em torno de, aproximadamente, 15 e 16% nas décadas de 1970 e 1980.

População residente em Minas Gerais 1950 – 1996

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, 1997 – IBGE. Elaboração: Sérgio Sauer

O Estado de Goiás, no entanto, teve um crescimento muito maior, com índice acima das médias nacionais. Apresentou um crescimento de 57% entre 1950 e 1960, 53% entre 1960 e 1970 e 31% entre 1970 e 1980. Esses índices demonstram bem o processo migratório e ocupação da Região através do deslocamento populacional.

População residente em Goiás 1950 – 1996

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, 1997 – IBGE. Elaboração: Sérgio Sauer

Apesar do crescimento populacional acelerado na Região, é possível perceber o nítido crescimento negativo da população rural a partir da década de 1970. Conforme

0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000 14.000.000 1950 1960 1970 1980 1991 1996 rural urbana 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.000.000 3.500.000 4.000.000 1950 1960 1970 1980 1991 1996 rural urbana

(14)

gráfico acima, a população vivendo no meio rural superava a população urbana de Goiás em 1970. Houve um decréscimo da ordem de 14,3% da população rural entre 1970 e 1980, caindo de 1,7 milhões de pessoas para apenas 1,4 milhões. Seguindo a tendência nacional, o êxodo rural expulsou grandes contingentes para as periferias dos centros urbanos.

Esse êxodo rural resultou em altos índices de urbanização da Região. De acordo com o Censo Demográfico de 1996, quase 86% da população do Estado de Goiás residia nas cidades. De um total de 4,5 milhões de pessoas apenas 642 mil, ou seja, 14,2% da população do Estado, ainda residiam no campo em 1996. O Estado de Goiás e a Região Centro Oeste apresentam um índice alto de urbanização. Muitos moradores urbanos, no entanto, ainda exercem atividades agrícolas, ou seja, o Estado de Goiás possui um número significativo de assalariados rurais.

De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1995, o pessoal ocupado no meio rural de Goiás, com idade acima de 14 anos, representa em torno de 9,5% da população total do Estado. Conforme tabela abaixo, 420.269 pessoas, entre mulheres e homens, estavam envolvidos em atividades agropecuárias no Estado.

Pessoal ocupado no meio rural em Goiás

Homens Mulheres Atividades Maiores de 14 anos Menores de 14 anos Maiores de 14 anos Menores de 14 anos Lavouras 62.324 3.500 15.914 2.878 Pecuária 201.744 19.922 77.794 16.481 Lavoura e pecuária 37.068 4.211 15.668 3.514 Demais atividades 7.779 525 1.978 357 Totais 308.915 28.158 111.354 23.230

Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 Elaboração: Sérgio Sauer

Conforme dados da tabela acima, mais de 51 mil crianças, menores de 14 anos de idade, trabalham no meio rural de Goiás. Isso representa quase 13% das pessoas ocupadas ou 8% das pessoas residentes no meio rural do Estado. A prática do trabalho infantil é ainda um problema social sério no Estado e Região.

Apesar da fragilidade da agricultura familiar na Região Centro Oeste, os segmentos com estratos de áreas menores empregam a grande maioria das pessoas ocupadas no meio rural goiano. De acordo com a tabela abaixo, os imóveis com estratos de área inferiores a 100 hectares ocupam mais de 76 mil mulheres e 151 mil homens. Isso representa em torno de 48% do pessoal ocupado no meio rural.

Pessoal ocupado por estrato de área – Goiás

Estrato de área Mulheres Homens

0 a menos 10 ha 13.546 23.989

10 a menos de 100 ha 62.813 127.295

100 a menos de 500 ha 38.364 105.760

500 a menos de 1.000 ha 9.269 30.890

(15)

Acima de 10.000 ha 507 2.568

Sem declaração 15 81

Totais 134.584 337.073

Fonte: Censo Agropecuário de 1995-1996 Elaboração: Sérgio Sauer

Os imóveis com áreas superiores a 100 hectares e inferiores a 500 hectares ocupam mais de 38 mil mulheres e 105 mil homens. Isso representa em torno de 30,5% do total do pessoal ocupado nas atividades no meio rural. Os imóveis com áreas inferiores a 500 hectares, portanto, são responsáveis pela ocupação de 78,8% de todo as pessoas ocupadas no meio rural de Goiás.

No estado de Minas Gerais, os estabelecimentos com áreas inferiores a 100 hectares ocupam, de acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1995-1996, quase 72% de toda as pessoas ocupadas no meio rural do estado. As propriedades com áreas entre 100 e 500 hectares ocupam outros 20% das pessoas ocupadas. Isso significa que a agricultura familiar, em Minas Gerais, é responsável pela ocupação da esmagadora maioria das pessoas que vivem no meio rural.

Os índices de ocupação por estrato de área de Goiás se repetem nos municípios de Unaí e Formosa. Os imóveis com áreas inferiores a 100 hectares ocupam 2.279 pessoas no município de Formosa. Isso representa 45,7% do total de pessoas ocupadas em atividades no meio rural do município. O município de Unaí apresenta característica, quanto a ocupação das pessoas no meio rural por estrato de área, semelhantes ao Estado de Goiás. As propriedades com estratos de área inferiores a 100 hectares ocupam 5.720 pessoas, ou seja, 48,2% do total de pessoas ocupadas no meio rural do município.

2 – O SINDICALISMO RURAL e a luta pela terra na Região Centro

Oeste

A história do sindicalismo rural tem uma intima relação com os movimentos agrários, especialmente com as Ligas Camponesas da década de 1950. A bandeira da reforma agrária, portanto, sempre fez parte desse movimento, apesar de que o seu trabalho de organização de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra e seu envolvimento direto na luta pela terra aconteceu efetivamente a partir dos anos de 1970.

2.1 – A luta pela terra e o surgimento do sindicalismo rural

A história do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais tem o seu marco oficial em 1961, com a realização, no mês de novembro em Belo Horizonte, do 1º Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, o qual criou a União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB). Esse encontro foi marcado por uma polêmica entre as diversas organizações presentes sobre o papel da reforma agrária.

A mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais teve início já nos anos 1950, com a criação das Ligas Camponesas no Nordeste. Esse movimento iniciou em 1954 como uma reação às ameaças de expulsão das famílias que viviam no Engenho Galiléia, localizado no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco. O movimento das Ligas

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se expandiu rapidamente devido a condições políticas e sociais favoráveis, especialmente pela ameaça de extinção dos foreiros7 – base social do movimento nesse período.

A introdução das teses desenvolvimentistas no Nordeste, especialmente através da organização do “Congresso de Salvação do Nordeste” (1955), ampliou os espaço para a atuação das forças políticas populares. Vários setores da sociedade nordestina, inclusive bispos da Igreja Católica, passaram a defender a necessidade de mudanças nas condições do meio rural. O encontro dos Bispos do Nordeste (1956) enfatizou os problemas do setor rural, denunciando o desnível de desenvolvimento entre o Sul e o Nordeste do Brasil e reforçando a necessidade de expandir a industrialização da Região.

As denúncias das condições precárias do campesinato da Região reforçaram a idéia da marginalidade do Nordeste no processo de expansão do capitalismo. O clima político criado, a partir de 1955, deu importância para a necessidade de urgentes medidas para solucionar a situação. Isso resultou na criação de espaço político propício às mobilizações camponesas e à emergência de suas reivindicações8.

Os líderes das associações que se formavam em torno das lutas, a semelhança do Engenho Galiléia, José dos Prazeres e Francisco Julião, souberam aproveitar esse momento e organizaram outros grupos, ampliando a base social do movimento. As Ligas Camponesas expandiram-se pela Região e a filiação de outros trabalhadores provocou mudanças no projeto político inicial. O movimento arregimentou especialmente arrendatários, parceiros, posseiros e pequenos proprietários, deixando de lado as reivindicações dos trabalhadores assalariados. Esses fizeram parte das Ligas até o início da organização dos sindicatos e as suas reivindicações específicas não tiveram um papel importante na definição política do movimento.

A luta contra o cambão, visto como uma forma de servidão, se transformou na principal bandeira do movimento. A luta contra o latifúndio, no entanto, evolui de uma luta pela permanência na terra para a demanda por uma reforma agrária radical. Entre 1960 e 1961, as Ligas se expandiram ainda mais, criando federações em dez Estados e obtendo suporte nacional. Lançam a campanha nacional pela reforma agrária através de um documento sob o título “Dez mandamentos das Ligas Camponesas para libertar os camponeses da opressão do latifúndio”. Esse documento propunha, entre outras reivindicações e encaminhamentos, medidas enérgicas contra a concentração monopolista da terra, uma reforma agrária radical e expropriatória.

Essa mudança, no entanto, provocou uma divergência profunda entre o movimento das Ligas e o Partido Comunista (PCB), principal partido de apoio do movimento. Essa polêmica era centrada na divergência sobre a ênfase na luta. As Ligas colocavam a reforma agrária como eixo central enquanto o PCB subordinava essa à luta anti-imperialista, considerando que a burguesia nacional seria uma aliada do campesinato em busca de novos mercados.9 Essa polêmica era a principal divergência entre as organizações presentes no congresso da ULTAB em 1961.

7

O termo “foreiro” designava aquelas famílias que viviam e trabalhavam dos engenhos pagando o “foro”, uma espécie de arrendamento das terras utilizadas pelas famílias.

8

BASTOS, Elide Rugai. As ligas camponesas. Petrópolis, Editora Vozes, 1984, p. 47.

9

(17)

No final da década de 50 existiam muitas associações de trabalhadores espalhadas pelo país. A realização do congresso da ULTAB, reunindo essas organizações, tinha como objetivo discutir os problemas e elaborar um programa comum. Os líderes das Ligas Camponesas, em minoria no evento, acabaram impondo o seu ponto de vista e ganharam a polêmica desse Congresso, aprovando a bandeira de uma reforma agrária radical, contra medidas graduais, defendidas por outras organizações.

A reforma agrária já era tema nacional e o encontro de Belo Horizonte atraiu outros setores como estudantes e trabalhadores do setor industrial. A “declaração de Belo Horizonte”, documento final do congresso da ULTAB, enfatizava a urgência da transformação da estrutura fundiária do país, substituindo o latifúndio pela propriedade camponesa individual, associada ou pela propriedade estatal. Exigia também, entre outras reivindicações trabalhistas, o acesso à posse e ao uso da terra por aqueles que desejavam nela trabalhar.

Os anos de 1962 a 1964 foram conturbados para as Ligas, quando diversos acontecimentos geraram uma profunda crise e tentativas de redirecionar o movimento. Já logo após o congresso da ULTAB, um grupo de dissidentes do PCB provocou a formação de facções e lutas pela liderança do movimento. Formaram-se núcleos com diferentes orientações, alguns sob orientação das idéias de Julião e outros ligados à ULTAB. Um dos principais pontos de atrito e divergências entre esses grupos continuava sendo a recusa, pela direção das Ligas, da reforma agrária proposta pelo PCB.

Os grupos sob a orientação da ULTAB, com base nas idéias do PCB, passaram a enfatizar as lutas relacionadas com as reivindicações salariais e melhores condições de trabalho no meio rural. Além da ênfase nas questões trabalhistas, outro ponto de discordância das Ligas era a aceitação, pela ULTAB, das teses da subordinação tática da luta agrária à questão nacional-democrática.

Essas divergências levaram a um rompimento político e os movimentos se dividiram em três orientações distintas: a) a luta pela sindicalização sob o controle do PCB; b) a atuação isolada das Ligas e, c) o envolvimento da Igreja dirigindo o seu trabalho à organização sindical. O processo de sindicalização enfatizou a luta por direitos trabalhistas e melhoria das condições de trabalho através da aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural.

A política de Goulart, por outro lado, de estimular a sindicalização no campo, a partir de 1962, enfraqueceu e isolou ainda mais as ações das Ligas e fortaleceu o movimento sindical. As lideranças fizeram nova tentativa, em 1963, de reestruturar o movimento das Ligas, fortalecendo o trabalho no Nordeste e assumindo o caráter de “um partido agrarista radical”. As dificuldades para implementar essa reestruturação (inclusive em conseqüência do rompimento do “pacto agrário” firmando entre o poder central e a oligarquia) geraram um debate interno sobre a reorganização de um novo projeto político, forçando a radicalização da demanda por uma reforma agrária expropriatória.

As Ligas passaram a sofrer enorme repressão em conseqüência da radicalização do discurso político de seus líderes. Essa repressão limitava o campo de ação e criava condições para a construção de projetos dos grupos conservadores para isolar a luta pela terra. As políticas governamentais, enfatizando que a questão agrária não era um problema

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de terra mas de técnica e financiamento, procuravam neutralizar as reivindicações das Ligas e movimentos que defendiam a reforma agrária.

Essas políticas eram fundamentadas na necessidade de superar a “agricultura atrasada”, através do aumento da produtividade e produção de alimentos para os centros urbanos. Essas políticas responderam à exigência de “terra para quem nela trabalha” através da criação de programas de colonização para ocupar terras novas e incentivo ao cooperativismo. Criaram também estrutura de mercado, definição de preços mínimos, estímulo à industrialização rural, melhorias das condições de vida dos trabalhadores, entre outras medidas, visando neutralizar as demandas dos movimentos sociais, especialmente a realização de uma reforma radical reivindicada pelas Ligas.

Além dessas políticas, a repressão começa a perseguir as lideranças dos movimentos, apesar do apoio do governo Arraes na tentativa de articular os movimentos e absorver as demandas político-sociais em Pernambuco. Os conflitos aumentam com as ações dos trabalhadores e trabalhadoras, especialmente as greves, reivindicando a aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural e a luta pela terra (ocupações de engenhos). Em outubro de 1963 é preso Júlio Santana, um dos principais líderes do movimento das Ligas nesse período.

2.2 – O sindicalismo rural e a luta pela reforma agrária a partir dos anos

1970

O golpe militar de 1964 desmobilizou as organizações e movimentos, prendendo os principais líderes das Ligas. O governo militar promoveu, então, uma perseguição acirrada às Ligas Campesinas e suas lideranças. Criou o Estatuto da Terra, colocou o sindicalismo rural sob forte controle e promoveu o “desenvolvimento do campo” através da “modernização conservadora”, aniquilando qualquer reivindicação de reforma agrária no País.

Em 1964, o governo militar nomeou um interventor que se manteve até 1967 à frente da CONTAG, criada em 1963 em substituição à ULTAB. Representantes do setor mais atuante do sindicalismo rural do Nordeste retomaram a direção em 1967 e atraíram os segmentos mais conservadores para posições de defesa dos interesses da população rural. Colocaram a bandeira da reforma agrária no centro das reivindicações e implantaram o movimento sindical a nível nacional através da fundação de sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) e federações. Um novo refluxo político aconteceu em 1972 com a intervenção estatal em vários STRs e federações. Nesse período se deu também o controle governamental dos STRs através da transferência de serviços assistênciais10.

Esse período do sindicalismo rural foi marcado por uma série de contradições internas, resultado de uma unidade corporativa outorgada. Essa unidade foi fruto de uma legislação cujo objetivo era manter o movimento sindical atrelado ao Estado, restringindo a representação política dos trabalhadores e trabalhadoras. Isso provocou tensões e conflitos mas não rompeu a armadilha do corporativismo, reforçado pela necessidade de manter a unidade outorgada. O sindicalismo rural se restringiu então à prática institucionalizada e

10

PALMEIRA, Moacir. A diversidade da luta no campo: luta camponesa e diferenciação do campesinato. In.: PAIVA, Vanilda (org.). Igreja e questão agrária, São Paulo, Edições Loyola, 1985, pp. 46 e 47.

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contratual da negociação e greve11, o que impediu uma maior atuação na luta pela terra durante as décadas de 1970 e 1980.

A reforma agrária, no entanto, não deixou de ser uma bandeira do sindicalismo rural apesar da sua pouca atuação na luta pela terra até meados dos anos 1980. Essa luta pela reforma agrária da CONTAG era uma luta pelo reconhecimento de um direito já obtido pelos trabalhadores mas não respeitado. Era a luta pela realização de uma reforma agrária dentro do marco legal do Estatuto da Terra12.

Nos anos 1980 surgem novos atores no meio rural, estruturando novas organizações como o movimento dos atingidos por barragens, seringueiros, sem terra, posseiros, etc. Esses movimentos e suas mobilizações recolocaram a necessidade da reforma agrária na pauta política nacional. Também questionaram a postura da CONTAG porque combatiam veementemente o Estatuto da Terra, identificando-o com o processo de modernização conversadora e não com os direitos dos trabalhadores e a reforma agrária.

As contradições e tensões internas no sindicalismo rural ficaram evidentes no IV Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais em 1985. As teses do congresso eram avançadas – reafirmando inclusive a reforma agrária como uma bandeira unitária do movimento sindical – mas a CONTAG jogou o seu peso político na mediação institucional. Esse congresso se tornou então palco para o lançamento do Programa Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) do Governo Sarney.

O período de 1985 a 1988 foi marcado por uma disputa acirrada em torno da reforma agrária, culminando com a derrota do projeto reformista do Governo Sarney. Essa derrota se deu, do ponto de vista institucional, por dois motivos básicos. Em primeiro lugar, o I PNRA acabou tendo, após várias reformulações, metas extremamente modestas diante do que era o projeto inicial. Segundo, a aposta de uma solução para a questão agrária via legislação se tornou refém, no processo Constituinte, da lógica da desapropriação de terras improdutivas. Ainda pior, a necessidade de regulamentar a matéria via legislação ordinária foi a desculpa necessária que paralisou todas as desapropriações no período de 1988 a 1993, por falta de um instrumento legal13.

O fracasso do I PNRA, de um lado, e o surgimento de novos atores diretamente envolvidos com a luta pela terra – especialmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR) da CUT – de outro, forçaram uma nova postura do sindicalismo rural do sistema CONTAG frente o problema agrário. Os congressos de trabalhadoras e trabalhadores rurais continuaram colocando a bandeira da reforma agrária entre suas prioridades, mas houve uma mudança no processo de mobilização e luta. Como veremos nos exemplos abaixo, federações e STRs, especialmente nas Regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste, passaram a mobilizar famílias de sem terras e ocupar áreas exigindo a desapropriação para fins de reforma agrária.

11

GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. Petrópolis, Vozes/FASE, 1991, p. 63.

12

MARTINS, José de Souza. Não há terra para plantar nesse verão: O cerco das terras indígenas e das terras de trabalho no renascimento político do campo. Petrópolis, Editora Vozes, 1988, p. 99.

13

MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Impactos históricos do uso e da propriedade da terra no Brasil. In. STÉDILE, João Pedro (org.). A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis, Editora Vozes, 1997, p. 91.

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A filiação da CONTAG à CUT, durante o 6º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, em 1995, consolidou a luta pela reforma agrária através da organização e mobilização de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra. A reforma agrária, segundo as delegadas e delegados do 6º Congresso, “...continua sendo uma medida essencial para promover o desenvolvimento democrático da agricultura e o resgate da cidadania para milhões de camponeses que, expulsos da terra, se viram excluídos do processo produtivo”. Foi considerada uma medida estratégica no fortalecimento do modelo familiar de agricultura, pois “a realização da reforma agrária ampla, massiva e imediata tem o poder de induzir e transformar a realidade sócio-econômica do país. Sua contribuição para a construção de um novo estilo de desenvolvimento, pautado na equidade social, na eficiência econômica e na sustentabilidade, faz-se necessária e sua implantação é perfeitamente factível”14.

A partir dessa compreensão, o sindicalismo rural deveria, entre outras ações, desempenhar o papel de articulador da sociedade em torno da necessidade de democratização do acesso à terra. Foi deliberado também que o sindicalismo rural deveria atuar na preparação, coordenação e encaminhamento das ocupações e das formas de resistência na terra, tendo as ocupações como prioridade de luta pela terra. As ocupações de terra passaram a ser parte das estratégias de luta do movimento sindical, consolidando a bandeira histórica da reforma agrária.

3 – As conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do Entorno

15

A história de surgimento dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) de Formosa e Unaí reflete o processo de atuação do movimento sindical na luta pela terra. Inicialmente, o processo de organização e resistência de posseiros que estavam sendo expulsos em conseqüência da modernização e depois a organização e ocupação de terras formou lideranças e deu condições políticas para a criação e consolidação desses STRs. Essa experiência se deu em outras regiões, sendo um bom exemplo da contribuição do sindicalismo rural nas conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras no meio rural.

3.1 – A luta pela terra em Formosa

16

A microrregião de Goiás, denominada Entorno de Brasília, segundo divisão do IBGE, é formada por 13 municípios. A população microrregional, em 1980, era de aproximadamente 260 mil habitantes, saltando, em 1991, para cerca de 470 mil pessoas, ou seja, um crescimento de 55% em 10 anos.

A pecuária é a principal atividade econômica da microrregião do Entorno. É produtora também de arroz, cana-de-açúcar, feijão, milho, laranja, trigo, e outros produtos em menor escala. A região é responsável pela produção da batata inglesa no Centro Oeste e a segunda maior produtora de soja do Estado de Goiás. Considerada uma região com um

14

ANAIS do 6º. Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais da CONTAG, Brasília, 24 a 28 de abril de 1995, pp. 36ss.

15

Esse texto foi elaborado com base em entrevistas realizadas em 1997 por Deis Siqueira, professora da UnB, José Paulo Pietrafesa (doutorando na UnB) e Célia Maria Alves, assessores do Instituto de Formação e Assessoria Sindical (IFAS).

16

As informações de Formosa foram fornecidas, em 1997, por João V. dos Santos Filho, presidente do STR de Formosa e Guilherme Pedro Neto, secretário de política salarial da CONTAG.

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grau médio de desenvolvimento, o Entorno contava com 39% de suas propriedades mecanizadas, sendo que 54% dos estabelecimentos utilizavam adubação química e 80% defensivos agrícolas.

De acordo com os dados do Censo Agropecuário, a região possuía 13.595 estabelecimentos rurais em 1985, ocupando uma área total de 3.044.258 hectares. Esse número, de acordo com o Censo Agropecuário de 1995, foi reduzido para apenas 9.263 estabelecimentos rurais. Apesar da grande maioria dessas propriedades (3.478 estabelecimentos) ter áreas inferiores a 50 hectares, a microrregião teve uma redução brutal no número de estabelecimentos. Houve uma perda de mais de 30% de seus estabelecimentos rurais num período de dez anos.

Esse processo de concentração fundiária não aconteceu com o município de Formosa. Conforme dados abaixo, houve um crescimento de 40% no número total de estabelecimentos no município. É muito significativo que houve um crescimento no número de estabelecimentos com áreas até mil hectares e redução no número de estabelecimentos com áreas superiores a mil hectares.

Estrutura fundiária de Formosa

Grupos 1985 1995 de Área N.º. de Estab. Área (ha) N.º. de Estab. Área (ha) Menos de 10 ha 43 316 98 504 10 a menos de 100 ha 381 17.726 654 24.510 100 a menos de 1.000 ha 390 130.341 480 159.450 1.000 a menos de 10.000 ha 119 296.599 96 207.823 10.000 hectares ou mais 3 54.143 2 30.357 Sem declaração 17 -- -- -- Totais 950 505.129 1.330 422.644

Fonte: Censos Agropecuários de 1980 e 1995-1996. Elaboração: Sérgio Sauer

É importante observar que o crescimento dos estabelecimento com áreas menores também aconteceu em relação à área total. Os estabelecimentos rurais com áreas entre 10 e 100 hectares aumentaram em número e área, em torno de 71% e 38% de aumento, respectivamente. O mesmo aconteceu com o estrato de área entre 100 e mil hectares, com um aumento de 23% no número de estabelecimentos e 22% na área total.

Certamente, essa redistribuição fundiária foi resultado da luta pela terra e assentamento de famílias em projetos de reforma agrária, especialmente nos anos 1990. Há vários projetos na região e o município de Formosa conta com seis áreas desapropriadas em conseqüência da luta do sindicalismo rural.

O sindicalismo rural é o principal agente da luta pela terra na microrregião do Entorno de Brasília. A ação do Movimento Sindical resultou no assentamento de trabalhadoras e trabalhadores nos municípios de Alvorada, Água Fria, Formosa, Pirenópolis e Padre Bernardo, conforme declaração do ex-presidente da FETAEG e atual secretário de política salarial da CONTAG, Guilherme Pedro Neto. O município de

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Formosa tem o maior número de áreas desapropriadas do Entorno, reforçando a experiência histórica do STR de Formosa.

Áreas de assentamentos em Formosa

ASSENTAMENTO FAMÍLIAS Santa Cruz 90 Bela Vista 62 Paraneum 86 Nova Piratininga 92 Vale da Esperança 234 Virgilândia 193 Total 757

Fonte: Entrevista com João V. dos Santos Filho - Pres. STR de Formosa. Elaboração: José Paulo Pietrafesa e Célia Maria Alves

Segundo dados do cadastro fundiário do INCRA, esses projetos – excluindo o assentamento Bela Vista que não consta no cadastro pois é uma área do Estado – somam uma área total de 25.178 hectares, com uma média de 36,2 hectares por família assentada. Essa área corresponde à área total dos estabelecimentos com dimensões até 100 hectares.

O número de famílias assentadas no município de Formosa também é significativo se comparado com o número total de estabelecimentos com áreas até 100 hectares. Esses dados confirmam o processo de redistribuição da propriedade fundiária no município nos anos entre os Censos de 1985 e 1995.

Existem projetos de assentamentos em outros municípios da microrregião sob a coordenação do STR de Formosa. De acordo com dados cadastrais do INCRA, o município de Cabeceira de Goiás abriga um assentamento com 42 famílias e o município de Flores de Goiás possui dois assentamentos. O projeto de assentamento Bela Vista tem 204 famílias e o São Felipe 635 famílias. A ocupação da Fazenda São Felipe, com quase 20 mil hectares, foi coordenada pelo STR e Movimento Brasileiro de Sem Terra (MBST).

Projetos de assentamento na microrregião do Entorno Municípios Número de Assentamentos Número de famílias Área (ha) Abadiânia 1 34 1.208

Água Fria de Goiás 2 101 4.021

Cabeceiras 1 42 1.270 Cristalina 3 501 24.475 Formosa 5 671 25.178 Luziânia 2 116 2.671 Pe. Bernardo 4 245 8.397 Pirenópolis 2 178 5.350 Flores de Goiás 2 839 26.492 Planaltina 2 106 3.692 Totais 24 2.833 102.754

Fonte: Cadastro do INCRA – 1999. Elaboração: Sérgio Sauer

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Os STRs tiveram um papel fundamental na luta pela terra na microrregião, resultando no assentamento de quase três mil famílias. Todos os projetos de assentamentos criados na região do Entorno a partir de 1990 foram resultados da ação do movimento sindical. Essa luta não teve o mesmo impacto na estrutura fundiária da microrregião como aconteceu em Formosa mas conquistou mais de 100 mil hectares de terra para os trabalhadores e trabalhadoras.

Esse envolvimento do MBST no processo de luta e conquista teve algumas exceções. Essas ficam por conta dos STRs de Santo Antônio do Descoberto e Alexânia, apenas citados por Guilherme Pedro Neto “como sindicatos combativos que fazem mobilização, que fazem lutas, mas que não têm ainda a tecnologia e não avançaram como Formosa”.

O STR de Formosa foi fundado em agosto de 1988, segundo João V. dos Santos Filho, atual presidente do sindicato, como conseqüência da luta pela terra no município. A base sindical se estende atualmente também pelos municípios de Vila Boa, Alvorada do Norte, Cabeceira de Goiás, Singolândia, Flores de Goiás e Buritinópolis. O impulso inicial para a organização dos trabalhadores e trabalhadores e fundação do STR de Formosa foi o envolvimento de algumas lideranças na ocupação de terras.

A primeira ocupação aconteceu ainda nos anos 1980, resultando na criação do assentamento Santa Cruz em 1986. O assentamento Paraneum foi criado em 1979 por iniciativa do governo do Estado de Goiás, através do Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDAGO). A luta pela terra foi retomada no início dos anos 90, após a criação do STR, com o então presidente Chico Mendes.

As ocupações foram intensificadas no município, entre 90 e 93, mas muitas resultaram em despejos, inclusive com a ação de pistoleiros. A liderança de Chico Mendes gerou perseguições e ameaças de morte. Neste período, os trabalhadores e trabalhadoras ocuparam uma área do Estado, vizinha à fazenda Santa Cruz que, posteriormente, transformou-se no assentamento Bela Vista. Esse assentamento conta com um Colégio Agrícola que educa filhos de agricultores de toda a região.

Em 1992, os trabalhadores e trabalhadoras, despejados de uma fazenda, ocuparam a Fazenda Nova Piratininga, localizada no Distrito Santa Rosa. A luta durou cinco anos e o assentamento foi criado em 1996, assentando 92 famílias. A luta pela desapropriação das Fazendas Virgilândia e Esperança datam também desse período, sendo que foi criado o assentamento na Virgilândia em 1996.

O STR, além de organizar os trabalhadores e trabalhadoras na luta pela terra, acompanha a organização interna e desenvolvimento dos assentamentos. O sindicato contratou um técnico agrícola para dar assistência aos assentamentos, elaborar projetos e buscar recursos.

Há reclamações das orientações técnicas, dadas pela EMATER às famílias assentadas sobre a utilização dos recursos oferecidos pelo governo. Segundo João dos Santos Filho “Se existe um dinheiro subsidiado, 50% de rebate nos juros para você plantar e você não tem coragem de incentivar a pessoa a plantar com um recurso desse, o que você está pensando? (...) Os técnicos da EMATER que deviam nos incentivar a plantar, vão lá fazer conta e dizer: ‘na hora de pagar você não vai conseguir. Então, não vai plantar não’. Daí a gente não planta e a nossa tendência é ir embora”.

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Além da assistência técnica, o STR incentiva a organização interna através da criação de associações e grupos de comercialização. As associações dos assentamentos são, em sua maioria, ligadas ao Sindicato e à Central das Associações que reúne 22 associações de comunidades rurais (não de assentamentos). Em 1988, quando o STR foi fundado, a EMATER começou a orientar os pequenos produtores para que fundassem uma associação. Embora, segundo João Filho, toda as associações fundadas em Formosa tivessem sido acompanhadas pelo Sindicato, a presença de recursos públicos e técnicos da EMATER faziam com que os pequenos produtores reconhecessem o governo como seu principal apoiador. Hoje, essa compreensão não é mais a mesma e o STR e as associações, através da Central, desenvolvem um trabalho de parceria.

No Polo Sindical do Entorno existe a Cooperativa do Assentamento Santa Cruz que atualmente desenvolve um projeto de criação de cabras para produção de leite. A Cooperativa conta com 170 cabras, produzindo uma média de 3 litros de leite ao dia. O Projeto Santa Cruz possui ainda um armazém com 3.400 metros quadrados, equipado com um secador com capacidade para secar 200 sacas por hora. Como a produção do próprio assentamento não ocupa nem 30% da estrutura, a Cooperativa atende também produtores dos assentamentos Bela Vista e Piratininga.

A organização dos assentamentos também acontece através do incentivo ao cooperativismo. Segundo o presidente do STR “o cooperativismo existe para que você possa produzir individualmente e comercialize junto. E para que você busque recurso em conjunto, divida para todo mundo plantar o mesmo tanto e comercializar junto. (...) Eu tenho certeza que o cooperativismo vai dar certo, assim que as lideranças dos trabalhadores tenham o conhecimento e defendam por este caminho. Quando você não conhece a coisa você tem dificuldade de defendê-la”.

A história da luta pela terra no município de Formosa transformou o STR numa referência, em se tratando da atuação do movimento sindical nessa linha de ação. O Pólo Sindical Nordeste Goiano e Entorno de Brasília da Federação de Trabalhadores Rurais do Estado de Goiás (FETAEG), tinha como prioridade, em 1997, “assentar os trabalhadores rurais que vieram para a periferia da cidade”. Essa prioridade foi, certamente, assumida no processo de criação, em 1998, da Federação de Trabalhadores Rurais do Entorno.

Segundo Guilherme Pedro, o sindicalismo rural teve uma participação fundamental na luta pela terra no Estado. “A Federação de Goiás é uma das federações que mais faz luta pela terra no Brasil. Ela tem uma grande experiência em ocupações de terra”. Essa participação trouxe resultados importantes para as trabalhadoras e trabalhadores rurais de Goiás. “Não conheço nenhum assentamento em Goiás que o governo tenha tido iniciativa e desapropriou antes da terra ser ocupada. Todos os assentamentos de Goiás - e a região do Entorno não é diferente - teve que ter ocupação. A gente acompanhou todas essas ocupações. Foram muitas viagens feitas nessa região, muitas noites organizando o pessoal”.

A rica experiência no processo de ocupação de terras nesta região, no entanto, não é assumida pelo STR de Formosa como o resultado de uma luta conjunta das duas instâncias do sindicalismo rural. As falas dos entrevistados revelam que essas duas instâncias possuem compreensões diferenciadas sobre quem é o agente da reforma agrária no Entorno. A FETAEG afirma, através de Guilherme Neto, o trabalho articulado na luta pela

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