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Na Trilha do Disco

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Academic year: 2021

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NA TRILHA DO DISCO

Relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil

Organização

Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente

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© Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente (org.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2010. Todos os direitos reservados a Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente (org.)/E-papers Serviços Editoriais Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.

Impresso no Brasil. ISBN 978-85-7650-264-7

Projeto grá co, diagramação e capa Livia Krykhtine

Revisão Helô Castro Imagem de capa urbancow

Esta publicação encontra-se à venda no site da E-papers Serviços Editoriais.

http://www.e-papers.com.br E-papers Serviços Editoriais Ltda. Rua Mariz e Barros, 72, sala 202 Praça da Bandeira – Rio de Janeiro CEP: 20.270-006

Rio de Janeiro – Brasil

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ N11

Na trilha do disco : relatos sobre a indústria fonográ ca no Brasil/ organização Irineu Guerrini Jr. e Eduardo Vicente. - Rio de Janeiro : E-papers, 2010.

184p.

Inclui bibliogra a ISBN 978-85-7650-264-7

1. Registros sonoros - Indústria - Brasil - História. 2. Rádio - Brasil - História. 3. Música popular - Brasil. I. Guerrini Junior, Irineu. II. Vicente, Eduardo. III. Título: Relatos sobre a indústria fonográ ca no Brasil.

10-2899. CDD: 780.2660981

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SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO

9 VACINADO COM AGULHA DE VITROLA: os anos dourados da Gravadora RGE

José Eduardo Ribeiro de Paiva

23 SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS

TELENOVELAS: pressupostos sobre o processo de difusão da música

Heloísa Maria dos Santos Toledo

41 SOMZOOM: música para fazer a festa

Andréa Pinheiro e Flávio Paiva

57 SELO EVOCAÇÃO: o pequeno notável

Marta Regina Maia

75 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM MINAS GERAIS

Angela de Moura, Nair Prata, Sônia Pessoa, Waldiane Fialho e Wanir Campelo

91 TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA BAHIA

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111 MERCADO FONOGRÁFICO NACIONAL E A PRODUÇÃO DE MÚSICA ERUDITA

Marcos Júlio Sergl e Eduardo Vicente

127 DISCOS EM BANCAS: da indústria cultural à guerrilha cultural

Irineu Guerrini Jr.

149 RÁDIO, MEMÓRIA E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA: um estudo sobre a Continental AM, de Porto Alegre, a partir de 1971

Sergio Francisco Endler

165 REVALORIZAÇÃO DA MÚSICA AO VIVO E REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DA MÚSICA

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APRESENTAÇÃO

Os textos que se seguem foram produzidos por membros do NP de Rádio e Mídia Sonora da Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, e apresentados, em sua quase to-talidade, durante os Congressos da Sociedade realizados nos anos de 2007 e 2008 (em Santos e Natal, respectivamente). O Núcleo tem de-senvolvido, ao longo dos últimos anos, um extraordinário trabalho de pesquisa em relação ao rádio, contemplado por numerosas publicações. Nosso desejo é de que esse livro colabore para a consolidação, dentro do NP, também de uma frente de pesquisa expressiva nas áreas da Música Popular e da Fonografia.

Embora exista um volume bastante razoável de obras enfocando artistas e gêneros de nossa música popular, o tema da indústria fo-nográfica, ou seja, das condições materiais que foram determinantes para a gravação, divulgação e distribuição de suas obras, ainda é pouco explorado. Um trabalho coletivo, como o que apresentamos aqui é, até onde sabemos, uma iniciativa ainda inédita no país e entendemos que os temas escolhidos pelos diferentes autores oferecem um cenário bas-tante abrangente, tratando de aspectos como história, características regionais, distribuição, divulgação e perspectivas da indústria.

O livro é composto por 10 textos. Os quatro primeiros são dedicados às trajetórias de diferentes gravadoras nacionais do passado e do pre-sente. A paulistana RGE, objeto do trabalho de José Eduardo Ribeiro de Paiva, foi a gravadora responsável pelos primeiros trabalhos de artistas fundamentais para a música brasileira como Maísa, Miltinho e Chico Buarque, entre muitos outros. Já a carioca Som Livre, apresentada no texto de Heloísa Maria dos Santos Toledo, é o braço fonográfico da Rede Globo e tem respondido pela quase totalidade da produção de trilhas de novelas e minisséries que, há mais de três décadas, influencia o

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gos-to musical do público e os rumos do mercado fonográfico nacional. A SomZoom, apresentada por Andréa Pinheiro e Flávio Paiva, praticamen-te criou e manpraticamen-teve sob seu domínio, por longo praticamen-tempo, o chamado Forró Eletrificado de Fortaleza –– demonstrando que o cenário independente também pode comportar forte concentração econômica e rígido con-trole sobre a produção cultural. O selo paulistano Evocação, analisado aqui por Marta Regina Maia, ilustra as possibilidades para a ação indi-vidual abertas pelo uso das novas tecnologias digitais, que permitiram a um aficcionado recuperar e distribuir as gravações originais de seus grandes ídolos.

Os dois próximos textos dão conta da grande segmentação regional da indústria. O primeiro deles, produzido pelas pesquisadoras Ângela de Moura, Nair Prata, Sonia Pessoa, Waldiane Fialho e Wanir Campelo, oferece um panorama atualizado da cena de Minas Gerais. Já Ayêska Paulafreitas, com seu brilhante relato, oferece-nos a trajetória das em-presas baianas de publicidade que responderam pelas primeiras pro-duções de artistas locais como Antonio Carlos & Jocafe, Sarajane e Luiz Caldas, entre muitos outros, que posteriormente alcançaram grande sucesso nacional através de grandes gravadoras.

No texto seguinte, Eduardo Vicente e Marcos Júlio Sergl apresentam um importante relato histórico sobre as últimas décadas da indústria do disco no país, detendo-se especialmente no modo pelo qual um seg-mento de menor peso mercadológico –– no caso, o da produção erudita –– tem enfrentado as agruras de um cenário marcado por crises e dese-quilíbrios. A seguir, Irineu Guerrini Jr. nos oferece um relato bastante abrangente sobre o modo pelo qual as bancas de jornais tornaram-se um importante espaço de distribuição tanto para selos independentes e artistas autônomos quanto para grandes grupos de comunicação.

O rádio, que não poderia estar ausente desse cenário, é enfocado na sequência através da Continental AM, emissora de Porto Alegre que, além de promover importantes artistas gaúchos dos anos 70 e 80 (como Hermes Aquino e Almôndegas), envolveu-se também na atividade de produção fonográfica. O texto é assinado por Sérgio Francisco Endler.

Fechando o livro, Micael Herschman discute o cenário atual, onde os shows ao vivo parecem estar se tornando mais centrais para os artistas do que a gravação e venda de seus discos.

Como organizadores da obra, gostaríamos de expressar nosso pro-fundo agradecimento aos autores acima citados, tanto pela

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confian-ça depositada em nosso trabalho como pelo compromisso assumido –– dentre os múltiplos que suas carreiras acadêmicas certamente lhes impõe –– com a produção dos textos aqui apresentados. Agradecemos ainda aos integrantes do Núcleo de Rádio e Mídia Sonora da Intercom que acompanharam nossas mesas e, muito especialmente, a Luiz Artur Ferraretto que, na condição de coordenador do Núcleo, apoiou esse pro-jeto de publicação desde o seu início.

São Paulo, janeiro de 2010.

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VACINADO COM AGULHA DE VITROLA:

os anos dourados da Gravadora RGE

José Eduardo Ribeiro de Paiva

Este trabalho pretende descrever o que se pode chamar de primeira fase da gravadora RGE (Rádio Gravações Especializadas), que abrange o período compreendido entre sua fundação, nos anos 50 até sua venda em 1965 à gravadora Fermata. A RGE tem características bastante pró-prias, e trouxe alguns procedimentos até então inexistentes em nosso mercado fonográfico, através de seu fundador, José Scatena, pioneiro na área de áudio no Brasil, que diz ter sido ““vacinado com agulha de vitrola””.1 A RGE, de certo modo, pode ser considerada como decorrência

de um contrato da Standart propaganda com a Colgate-Palmolive, que previa a montagem de um estúdio de gravação em São Paulo e outro no Rio de Janeiro para atender a propaganda do creme dental Colgate e do Sabonete Palmolive, e José Scatena foi convidado, ““pelo velho amigo José Roberto Whitaker Penteado””,2 publicitário e seu colega na

facul-dade de direito, a realizar um teste, ainda em 1941, juntamente com o Valdir Vei e a cantora Agnes Aires. ““Como eu disse a você, foi a minha primeira picada de agulha de gravação, foi nesse dia de manhã, lá nesse domingo””.3 É nessa época que as rádios são autorizadas a ter 10% de

sua programação em publicidade, o que permite a ““...alguns anuncian-tes se transformarem em verdadeiros produtores de publicidade, como

1. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005. 2. Idem.

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o caso da Standart Propaganda e da Colgate-Palmolive, que contrata-vam atores, escritores e tradutores de telenovelas””.4

Aprovados, depois de realizarem o teste com ““As futuras aventuras do vingador e do seu fiel amigo índio Calunga””, o trabalho começou a ser feito no pequeno estúdio da Standart.

Aí começaram as gravações e durante algum tempo nós gravamos nesse estúdio que era na rua perto da faculdade, uma ruazinha pequena que sai ao lado da faculdade...Era um prediozinho de sete andares. O séti-mo andar tinha uma coisa importante, que era o Ibope. O Ibope começou no sétimo andar desse prédio com o Auricélio Penteado, o fundador do Ibope.5

Muita coisa foi produzida nesse estúdio, além de peças publicitá-rias, como as aventuras do Vingador, as aventuras do Tarzan e diversas novelas, entre outras produções sonoras. Isso durou até 1948, quando finalizou o contrato com a Colgate-Palmolive, e o estúdio ficou sem uma função prática.

Era um empate de capital morto. Eu tive a ideia de pro-por ao Cícero Leuenroth que era o dono da Standart Propaganda, que morava no Rio, fazer uma sociedade, em que eu tocaria o estúdio, não em nome de Cícero nem de coisa nenhuma, era um estúdio independente que seria o primeiro estúdio de gravação para as agên-cias de propaganda de São Paulo.6

Até então, os serviços publicitários eram realizados nos estúdios da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e o estúdio RGE pretendia cobrir essa lacuna e também ser um espaço para gravações musicais para outros clientes.

Em 1948 nós deixamos o prédio lá da Standart, que era muito pequeno e fomos montar um pequeno estúdio na Xavier de Toledo, continuando ainda a gravar para publicidade e já gravando com pequenos conjuntos

4. ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 140. 5. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.

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musicais para terceiros. Lá gravávamos também os ca-louros da Rádio Cultura, que era o ““Calouro Rodine””, uma marca de comprimido para dor de cabeça. E nós gravávamos e sintonizávamos num rádio a Rádio e de-pois os calouros sabiam que estava sendo gravado e iam lá para o estúdio querendo ouvir o que eles cantaram. E nós passamos a comercializar essa jogada, cobran-do cobran-dois cruzeiros, naquele tempo acho que eram cobran-dois mil réis. E calouro era gente pobre, não tinha dinheiro, então fazia sociedade com outro calouro, um dava mil réis, o outro, outro mil réis e cada um tinha 50% do disco, um era lado A e o outro era lado B.7

Logo depois, com a aquisição de um gravador de fita portátil, os estúdios RGE dão um salto de qualidade, e passam a gravar outros ma-teriais sonoros além da publicidade.

A primeira gravação realmente com possibilidades co-merciais foi feita com Cauby Peixoto e uma orquestra já bem desenvolvida. Como nós tínhamos um gravador, o primeiro gravador de fita que tinha chegado, portátil, nós levamos o gravador de fita para a Rádio Gazeta, e já tínhamos conseguido o beneplácito lá do pessoal para gravar, o auditório deles, a orquestra, e o Cauby Peixoto gravou a primeira gravação que saiu do estúdio RGE, era um baião e outra coisa que agora não me lembro.8

Posteriormente, os estúdios mudam para o prédio da Rádio Bandeirantes, na Rua Paula Souza número 181, a rua conhecida como a dos ““secos e molhados””, e ocupam o segundo andar do prédio, onde ““... montamos um novo estúdio, agora amplo, grande, com capacidade para uma orquestra, e com uma novidade que não existia no Brasil: uma câmara de eco natural, que dava uma impressão de profundidade muito grande””.9

As gravações ainda são realizadas em mono, agora no gravador Ampex, que veio da Columbia, deixado no estúdio com a condição de ser utilizado somente em gravações para ela.

7. Idem. 8. Idem. 9. Idem.

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A Columbia trouxe o gravador e deixou lá no estúdio, com a condição de gravar só para a Columbia. É lógico que logo depois nós estávamos comercializando com grande êxito as gravações com Ampex. Ele gravava ape-nas com um canal. Depois nós fizemos umas alterações e viemos a gravar com dois canais, a tomada de som do estúdio era feita diretamente do estúdio para a grava-ção, para a fita.10

Uma ginástica técnica gigantesca, realizar a gravação em mono com todos os participantes ao mesmo tempo. ““Era um negócio terrível. Posteriormente descobrimos que gravaríamos a orquestra e depois bo-távamos o gravador, o som no estúdio para o cantor, sem a orquestra, aí melhorou muito””.11 Além das dificuldades técnicas inerentes aos

pro-cessos de gravação da época, fosse aqui ou em qualquer grande estúdio do eixo EUA-Europa, existia também o descompasso do conhecimento tecnológico aqui existente na época, que dava bem a dimensão do de-safio enfrentado por eles.

Tudo empírico. Tinha um antigo grande amigo meu, que já faleceu, era o Sérgio Lara Campos...12 era um garoto curioso, que estava sempre lendo revistas e gostava de som, o Lara! Ele, garoto, já tinha algumas informações para melhorar a acústica de um estúdio. E nós fizemos isso à brasileira, fomos lá, achamos, riscamos no chão e no corredor onde atendia o expediente normal da RGE, tinham os microfones e o alto-falante captando o som. A câmara de eco era feita aí nesse local. Na hora da gra-vação não podia ninguém passar, não podia ninguém sair, porque atrapalhava a gravação. Jogava o som por um falante e captava esse mesmo som a 10, 12 passos para frente no microfone e esse som voltava para gra-vação. Então dava a sensação de uma câmara de eco.13

10. Idem. 11. Idem.

12. Sérgio Lara Campos teve uma intensa atuação como engenheiro de som na Columbia e em projetos da TVE.

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Além do empirismo tecnológico, existia a questão da divulgação, de como distribuir e vender os discos. Não se deve esquecer que o mer-cado fonográfico da época era bastante restrito, e a visão comercial de Scatena, para a promoção do primeiro disco gravado pela RGE, em 1954, foi trágica.

O primeiro disco que foi gravado, foi em 1954, o hino do Corinthians, o famoso hino do Corinthians.14 Mas não ainda, não tínhamos nenhuma organização espe-cializada para isso, nem corpo de vendas, nem coisa nenhuma. O Corinthians em 1954 se tornou o campeão dos campeões, ganhou fora e ganhou o campeonato de São Paulo, então, no Pacaembú, eu julgava que podia vender facilmente 20 mil discos na porta do estádio. Depois, o que aconteceu, fui para a fábrica e pedi para a Continental, que tinha a fábrica, que eu queria de iní-cio 50 mil discos. O rapaz que atendia quase teve um desmaio: ““isso nunca aconteceu no Brasil...””, ““ih, não é nada disso...””. A conversa resultou que reduziu para 5 mil discos. Mandamos um caminhão pro estúdio, pro portão do Corinthians e tal, aquela coisa toda, com al-to-falante, e já tinha distribuído o disco também para ser tocado lá dentro do estádio, depois da vitória e nas estações de rádio também, e aconteceu que na euforia do futebol ninguém queria saber de disco e não vendeu coisa nenhuma.15

Em 1956, surgem os primeiros lançamentos da RGE no forma-to de 10 polegadas,16 sendo: Panorama Musical (RLP 001) –– Henrique

Simonetti e Sua Orquestra, Jazz Festival no. 1 (Jam Session) (RLP 002) (com Dick Farney, gravado ao vivo no Teatro de Cultura Artística –– São Paulo, durante o Primeiro Festival Brasileiro de Jazz, organizado pelo

14. Apesar de mencionado em diversas entrevistas por José Scatena, este disco não consta entre o catálogo da gravadora RGE disponível no site www. jornalmusical.com.br. O pri-meiro disco do catálogo RGE é um 78 RPM, número 10.000-a, constando como Orquestra e Coro RGE/Hernani Franco, contando com as faixas ““Leão do Mar”” (Maugéri Neto/Maugeri Sobrinho) e ““Falam Os Campeões-Santos FC”” –– 1955.

15. Entrevista concedida por José Scatena, em 18/11/2005.

16. Conforme Sérgio Cabral.““Os primeiros long-plays de 33 rotações, tinham 10 polegadas e ofereciam o máximo de 8 faixas”” in CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. SP, Moderna, 1996.

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Jazz Club de São Paulo)e Ritmos Latinos de Lina Pesce (RLP 003).17 É

inte-ressante notar que ““se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momentos de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação do mercado de bens culturais””,18

e é justamente no início dessa consolidação que a RGE se insere no mercado fonográfico de forma mais incisiva, apesar do empirismo que dominava boa parte das suas atitudes empresariais.19 Também é

im-portante lembrar que em momento algum a RGE foi uma gravadora no sentido exato do termo como eram as que então dominavam o mercado fonográfico brasileiro, como Columbia, RCA, Odeon e Continental, que possuíam toda a estrutura necessária para a duplicação e distribuição das gravações. A RGE, antes de ser uma gravadora em seu sentido ple-no, era um selo de gravações criado a partir de um estúdio de gravação, que dependia de serviços terceirizados de prensagem e distribuição de discos, que acabaram sendo feitos pela RCA20 e pode ser chamada de

““gravadora independente””. Isso já era uma forte tendência no mercado norte-americano que, em 1957, já possuía mais sucessos nas paradas oriundos das gravadoras independentes que das majors.21

Walter Silva trabalhava na Rádio Bandeirantes, dois andares acima da RGE, e foi contratado como o primeiro divulgador da gravadora. ““Eu tentei reunir o útil ao agradável. Falei com o Scatena se rolava um em-prego na gravadora dele, que era no mesmo prédio, e ele disse que es-tava precisando de um divulgador””.22 Foi dele uma das ideias que

proje-tou a RGE definitivamente no mercado fonográfico: o aniversário RGE.

Não era o aniversário da RGE, mas nós inventamos a data e, neste dia, todas as emissoras de São Paulo toca-riam discos RGE. Fiz um acerto com cada discotecário e

17. Segundo http://www.jornalmusical.com.br/gridGravadora.asp.

18 ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 113.

19. ““Eu era um poeta, sonhava muito, fiz tudo com a cara e a coragem. Neófito, não tinha a menor ideia de como colocar discos à venda no Brasil inteiro. A manutenção de um corpo de vendas era quase inviável, e acabei fazendo um acordo de distribuição com a RCA””, entrevista de José Scatena citada em Souza, Tarik, ““Som Livre lança RGE Clássicos””. Clube do Jazz, 21/09/2006. Disponível em: http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noti-cia.php?noticia_id=380.

20 SOUZA, Tarik. Som Livre lança RGE Clássicos. Clube do Jazz, 21/09/2006.

21 SILVA, E. Origem e desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira. In: http://repos-com.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4609/1/NP6SILVA.pdf.

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fizemos o dia da RGE, que terminava à noite com um baile no escritório da própria gravadora, onde todos os participantes se reuniam. Naquele dia, todas as rádios tocavam só discos RGE, da manhã à noite, todas as emis-soras, sem exceção, indo pelo dial, desde a Jovem Pan até à Rádio América. Foi um sucesso muito grande.23

Também foi o responsável pela divulgação feita para promover a então desconhecida cantora Maysa,24 que havia vendido, segundo ele,

apenas 247 cópias de seu primeiro disco, e que, com um intenso traba-lho junto as rádios, inicialmente no Rio de Janeiro, tornou-se um gran-de sucesso. Alguns cronistas da época, como Ricardo Galeno, do Diário

Carioca, e Antonio Maria também foram importantes para lançar seu

trabalho junto ao grande público carioca,25 algo que se repetiu também

em São Paulo. Provavelmente, a RGE tenha sido a primeira gravadora a contratar um profissional de rádio com boa penetração no mercado para atuar como divulgador, e isso com certeza, se refletiu nos resulta-dos de vendas e divulgação de seu catálogo.

Com o sucesso e um espaço crescente na mídia, diversos artistas de expressão tem seus trabalhos lançados lá na primeira metade dos anos 60, quando também principiam as primeiras gravações em esté-reo. Novamente, um gravador vindo da Columbia é utilizado, onde os trabalhos são gravados diretamente em estéreo criando um diferencial de sonoridade com os discos da época, algo que a RGE já vinha fazendo desde o final dos anos 50.

...no Rio de Janeiro gravava a Odeon, a RCA e a Continental, era tudo gravado no Rio de Janeiro, os es-túdios antiquados, com um som abafado....as fábricas começaram a gravar lá com a gente. E começou então nesse sentido ‘‘ah, esse som é som RGE’’, diferenciado do som da gravação do Rio de Janeiro.26

23. Idem.

24. Maysa registrou, na RGE, 21 de 78 RPM, 2 LPs de 10 polegadas e 10 LPs, entre materiais originais e coletâneas.

25. Walter Silva, com Maysa, ““correu todas as rádios do Rio e conseguiu junto a Henrique Pongetti um artigo de página na revista Manchete, cujo título era ““Quando Canta um Matarazzo””, in http://www.waltersilvapicapau.com/radio.html, consulta em 14/04/2007. 26. Entrevista concedida por Valter Silva em 11/04/2007.

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O diferencial sonoro faz escola, e se torna algo a ser seguido pelos outros estúdios de gravação,27 mesmo com todos os problemas e

buro-cracias legais para aquisição de equipamentos importados que vigora-va na época.28

O som dos discos RGE era escandalosamente melhor. Tinha um som perfeito, graças ao Sérgio de Lara Campos e ao Carlos Moura, que conseguiram dar um padrão de qualidade que ficou conhecido como ““o som da RGE””. Todo mundo pedia na época para que seu disco ficasse com o som da RGE, que acabou sendo um padrão in-confundível.29

Tecnologicamente, o atraso dos estúdios de gravação no Brasil neste período era gritante. A própria câmera de eco mencionada por Scatena anteriormente já era largamente utilizada desde muito antes no exte-rior, e os sistemas de gravação multipistas de oito canais lançados em 1955, pela empresa Ampex, já estavam se tornando padrão. Em 1958, a gravadora norte-americana Atlantic (um selo de gravação independen-te) foi a primeira a possuir um estúdio neste formato,30 instalado por

Tom Dowd, um dos maiores engenheiros de som da história,31 e cabe

lembrar que no Brasil, muitas das grandes gravadoras somente passa-ram seus estúdios para oito canais a partir dos anos 70.

Maysa foi o primeiro grande sucesso da RGE, ao que se seguiu uma série de outros, oriundos também dos contratos internacionais firma-dos com gravadoras do México, Inglaterra, França, Estafirma-dos Unifirma-dos. Mas o maior sucesso foi Miltinho.

O Miltinho que também era um sambista lá do Rio de Janeiro foi lançado por nós e se tornou o grande ven-dedor de disco e também de shows. Ele passou a ser

27. Os discos da RGE lançados neste período realmente possuem uma sonoridade bastan-te destacada em relação aos outros, principalmenbastan-te por uma maior definição e transpa-rência dos instrumentos e vozes.

28. As restrições alfandegárias à importação de equipamentos vigorou até o início dos anos 90.

29. Entrevista concedida por Valter Silva em 11/04/2007.

30. In http://www.answers.com/topic/multitrack, consultado em 21/04/2007.

31. Como curiosidade, no filme Ray, sobre Ray Charles, a cena do que talvez tenha sido a primeira utilização de um gravador de oito canais em uma gravação comercial é recriada, quando o cantor faz todos os backing vocals de uma canção.

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uma figura muito interessante. Agora, o nosso vende-dor de disco que era marcante para nós era o mexica-no Bienvenido Granda, o bigode que canta! Era bolero, aquela coisa de música para cabaré, música para pros-tituta. Eu fiz algumas tentativas de lançamento de mú-sica brasileira com cantores e cantoras, mas ninguém colou assim para valer.32

Porém, a batalha era desigual, quando se compara a RGE com as multinacionais que atuavam no mercado, que possuíam estruturas de trabalho muito mais elaboradas e muito mais facilidade de acesso aos materiais dos selos internacionais que representavam.

As internacionais tinham muito mais facilidade para receber as matrizes que vinham do exterior para se-rem lançadas aqui. A RGE recebia um disco, e do disco transformávamos o disco em matriz, coisa que é um crime que se faz. Recebíamos um disco que não tinha sido tocado ainda. E depois transferia esse disco para o acetato, para ir pra fábrica.

O forte da RGE acabou sendo a produção da música brasileira, como mostra a série de 10 CDs lançados recentemente pelo selo Som Livre, em um projeto coordenado pelo produtor Carlos Alberto Sion, onde, além dos mais conhecidos, como Convite para Ouvir Maysa, pode-se en-contrar Embalo(1964), um inspirado trabalho de samba-jazz do pianista Tenório Jr. (tragicamente desaparecido nos anos 70 em meio à ditadura argentina), ou A música de Jobim e Vinícius (1962), da cantora paulista Elza Laranjeira, uma esmerada produção pouco conhecida pelo públi-co, além de outros trabalhos bastante significativos realizados após a aquisição da RGE pela Fermata, no ano de 1965. Provavelmente, um dos lançamentos mais significativos desse período tenha sido A Bossa

no Paramount, gravado em 1964, lançado em 1965 (RGE XRLP 5268) e

relançado em 1989 como 30 Anos de Bossa Nova –– vol. 3, a partir do show produzido por Valter Silva com a participação de Marcos Valle, Elis Regina, Vinicius de Moraes, Zimbo Trio, Oscar Castro Neves, entre outros.

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O catálogo do período compreendido entre os anos 1956-1965 abrange um número considerável de gravações, onde, com certeza, se encontram os lançamentos mais importantes da história da RGE. De acordo com o Instituto Memória Musical Brasileira,33 são, ao todo, 512

discos de 78 RPM, (lançados entre 1956 e 1963), 22 discos de 10”” e 248 discos LP. Fazendo parte de seu sólido catálogo de artistas brasileiros, pode-se encontrar, além dos citados Maysa e Tenório Jr., Agostinho dos Santos, Silvio Caldas, Paulinho Nogueira, Dick Farney, Toquinho, Juca Chaves, Zimbo Trio, Hector Costita, entre outros. De todos eles, Maysa tornou-se a mais famosa, conforme lembra Scatena:

Foi o produtor Roberto Corte-Real34 quem trouxe a Maysa Matarazzo, uma mulher da alta sociedade pau-lista, para gravar conosco. Como publicitário achei aquilo sensacional, mas deu tudo errado no início. O marido a proibiu de usar no disco o sobrenome e vetou fotos na capa. Fizemos uma loucura: lançamos um dez polegadas sem foto de capa, com oito músicas compos-tas e cantadas por uma desconhecida. Mas ela ganhou um programa de televisão, separou-se do marido e ex-plodiu para o sucesso.35

Esse era um dos diferenciais de Scatena: sua experiência como publicitário lhe permitia um outro olhar sobre as questões de produção fonográfica de sua época, dando importância a coisas ignoradas pelas outras gravadoras, sobretudo na divulgação dos discos de sua empresa. Poucos teriam arriscado lançar uma cantora como Maysa, desconhecida e sem passado musical.

Eu fui considerado pelos diretores de fábricas de dis-cos como a Odeon e a Columbia. Eles me consideravam muito porque eu mexi muito com o mercado, alterei muito o processo de divulgação de disco. Então, era considerado. Muito respeitado. Eu estava como se fosse um ““Ford de bigode”” fazendo muito barulho com aque-le pessoal.

33. http://www.memoriamusical.com.br/jm/gridGravadora.asp 34. Também diretor artístico da Columbia.

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Um dos artistas que mais gravaram por lá foi o regente e arran-jador Enrico Simonetti, que à frente da Orquestra de Câmera RGE, da Orquestra de Cordas RGE ou da sua própria, realizou 1 de 78 RPM, 1 compacto duplo, 2 LPs de 10”” e 17 LPs no período de 1958 até 1965.

““Caravelle”” é uma fantasia musical do executante. Inicialmente ouve-se um fervilhante vozerio de um ae-roporto. Logo após, uma voz convida os passageiros a tomar seus lugares e, em seguida, o ruído dos reato-res, que tem como continuação a fantasia do maestro. Trata-se, evidentemente, de um sucesso brasileiríssimo que Enrico Simonetti vem lançar através do selo das três cores. Brasil a Jato apresenta na capa um aparelho Caravelle em vôo, da Varig.36

Existem outros discos do maestro onde os ““ganchos”” do momen-to são utilizados. Se em Brasil a Jamomen-to a homenagem era aos primeiros Caravelles recebidos pela Varig, Samba do 707 homenageava o pri-meiro Boeing 707 a ser incorporado à frota da mesma empresa aérea. Simonetti também era um arranjador talentoso, estando à frente de quase todos os grandes discos produzidos pela RGE, como os de Maysa, Juca Chaves e Agostinho dos Santos, entre outros, onde realizou traba-lhos notáveis.

Juca Chaves foi outro dos grandes sucessos da empresa, principal-mente pelo seu primeiro LP, onde ele registrou a antológica ““Presidente Bossa Nova””, sátira do presidente Juscelino Kubitschek. Seu LP As duas

faces de Juca Chaves37 ““é um marco da música popular brasileira, pois

retoma um de nossos mais autênticos gêneros musicais. É o primei-ro disco de modinhas contemporâneas brasileiras, servindo também como marco fundador das sátiras da política moderna””.38

Mensurar efetivamente a posição da RGE, nessa fase, dentro do mer-cado fonográfico é uma tarefa praticamente impossível, uma vez que somente a partir de 1965 surgiram os levantamentos dos discos mais

36. Matéria publicada na coluna Discovion, O Estado do Rio Grande, em 19-11-1959. 37. Juca Chaves gravou na RGE 9 de 78 RPM e 2 LPs.

38. LISBOA JUNIOR, L. Juca Chaves: As Duas Faces de Juca Chaves –– 1961. In: http://www. luizamerico.com.br/fundamentais-juca-chaves.php. Acesso em 2/05/2006.

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vendidos e produzidos pela empresa de pesquisa de mercado Nopem,39

quando a gravadora já havia sido incorporada à Fermata,40 sendo que

desta incorporação surgiu o selo RGE-Fermata, adquirido pela Som Livre em 1980. Porém, examinando-se os dados do Nopem referente aos anos subsequentes, pode-se verificar uma participação de mercado razoavel-mente expressiva, principalrazoavel-mente em relação as gravadoras como RCA, Odeon ou CBS,41 mais bem estruturadas comercialmente e com longo

tempo de atividade. Em 1965, na lista dos 50 discos mais vendidos, entre LPs, compactos simples e compactos duplos, encontra-se Miltinho (A Bossa é Nossa), quarto lugar; Chico Buarque (Quem te Viu, Quem te Vê), 23º e Erasmo Carlos (Festa de Arromba), 40º. Em 1966, Chico Buarque (A

Banda), terceiro lugar; Erasmo Carlos (Festa de Arromba) 44º e Gilliard

(Não Diga Nada), 50º. É interessante notar que nestas listagens, ainda não aparece a menção ao selo RGE-Fermata, mas apenas a RGE. Não se deve esquecer que uma contribuição definitiva para o sucesso da primeira fase da RGE foi justamente a efervescência da música popular brasileira da época com o surgimento da bossa nova, que trouxe toda uma série de novos procedimentos musicais e também toda uma gera-ção de artistas extremamente significativos, muitos dos quais procura-vam a RGE para serem contratados.

Posteriormente a venda da RGE, José Scatena dedicou-se aos estú-dios de gravação, tendo sido proprietário de vários estúestú-dios que se tor-naram parte da história musical do Brasil, como o Estúdio Scatena e o Estúdio Prova, entre outros. Pode-se considerar a RGE como uma das pioneiras, que compreendeu de forma efetiva a transição da incipiên-cia dos anos 50 para a consolidação do mercado de bens culturais nos anos 60, conforme mencionado por Ortiz, inaugurando assim uma nova ótica para a moderna produção fonográfica, onde a mídia exerce um papel preponderante.42 Com isso, funções como gravação e divulgação

39. VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasi-leira nas décadas de 60 e 70. In: http://www.eptic.com.br/Revista%20EPTIC%20VIII-3_ EduardoVicente.pdf

40. Segundo Scatena, a RGE foi vendida em 31/03/1965.

41. No ano de 1965, a RCA teve sete títulos entre os 50 mais vendidos, a CBS oito títulos e a Odeon 11.

42. Conforme José Scatena, ““um instinto publicitário que eu tinha, eu fui durante tanto tempo publicitário, eu tinha um instinto publicitário, e durante muito tempo fui publici-tário, e então, achava que tinha que fazer propaganda para poder... E é verdade, o disco só vende se ele for ouvido””.

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passam a ter uma importância até então inédita na indústria fonográ-fica, ainda baseada na ideia da duplicação e distribuição. Além disso, pode-se especular que o surgimento de diversos selos de gravação que surgiram nos anos 60 e 70 a partir de estúdios de gravação existen-tes que não possuíam estrutura de duplicação ou distribuição, como o Eldorado ou Nosso Estúdio, é consequência do sucesso e da visibilidade que a RGE conseguiu nesta primeira fase.

Referências bibliográficas

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CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. São Paulo: Moderna, 1996.

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VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasi-leira nas décadas de 60 e 70. Disponível em: http://www.eptic.com.br/Revista%20 EPTIC%20VIII-3_EduardoVicente.pdf. Acesso em: 2 maio 2006.

Discos

40 ANOS DE MÚSICA 1961. São Paulo: Comercial Fonográfica RGE, 1996. CD Áudio.

40 ANOS DE MÚSICA 1965. São Paulo: Comercial Fonográfica RGE, 1996. CD Áudio.

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Entrevistas

SCATENA, José. Entrevista. 18 nov. 2005. Transcrição de Tânia Jacomini. ——. Entrevista. 23 nov. 2005. Transcrição de Tânia Jacomini.

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SOM LIVRE E TRILHAS SONORAS DAS

TELENOVELAS: pressupostos sobre

o processo de difusão da música

Heloísa Maria dos Santos Toledo

Sabe-se que em poucos países do mundo a canção popular ocupa um papel tão relevante na cultura, de uma maneira geral, como no caso brasileiro. Aqui, a música/canção possui um papel insólito; está forte-mente inserida no cotidiano das pessoas e representa, possivelforte-mente, a principal forma artística pela qual os brasileiros se reconhecem e são re-conhecidos pelo mundo. É também a manifestação artística que, espe-cialmente a partir da segunda metade do século XX, mais interage com praticamente todas as outras formas da produção cultural, associando-se ao rádio, ao cinema, ao teatro, à televisão, às agências publicitárias, etc., possibilitando que o espaço de atuação da indústria fonográfica se expanda para outros setores da produção cultural. Numa dessas rela-ções, temos a associação da música com a novela, esta última que apa-rece, em tempos da cultura industrializada, como nosso produto mais bem acabado, de reconhecimento internacional e de grande penetração no imaginário popular. É dessa relação que resulta, pois, a trilha sonora ou trilha musical da telenovela, produto cultural específico da indústria, resultado de uma complexa rede de relações que envolve os interesses tanto da indústria televisiva quanto fonográfica e dos diversos agentes que delas fazem parte. Nessa imbricada relação que envolve o processo de produção e difusão da trilha sonora, nos deparamos não apenas com a falta de uma suficiente transparência dos elementos que compõem todo esse processo, como, também, das suas possíveis consequências

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nas esferas culturais, econômicas e artísticas da indústria fonográfica como um todo.

Entretanto, apesar de toda diversidade e tradição musical pelas quais o Brasil é reconhecido, os estudos sobre a consolidação e forma de atuação da indústria fonográfica, especialmente quando compara-dos às discussões em torno de outras mídias, como a televisão, o rádio e a imprensa, foram pouco privilegiados. Apenas mais recentemente alguns pesquisadores têm se dedicado ao tema e, ainda assim, são ra-ras as pesquisas que se propõem especificamente ao debate dos aspec-tos relativos à difusão das mercadorias musicais. Tal tema aparece, na maioria das vezes, dentro de uma discussão mais geral sobre a atuação da indústria fonográfica brasileira e mundial. Entretanto, penso que a complexidade e amplitude das questões relacionadas à difusão, es-pecialmente no caso das mercadorias musicais e, particularmente das trilhas sonoras como produto cultural inerente ao audiovisual, acabam por justificar um olhar mais atento aos seus aspectos.43

Quando fala da peculiaridade da produção das mercadorias culturais no contexto do que conhecemos como indústria cultural (aqui, entendi-da em seu sentido mais amplo), Thompson (1995, p. 290) ressalta o fato destas serem marcadas por uma espécie de ““indeterminação””, causada pela ““ruptura entre a produção e a recepção dos bens simbólicos””. Isto significa dizer que os receptores, não estão presentes fisicamente nem no lugar da produção nem no lugar da transmissão desses bens, fato este que impõe que o percurso entre as mercadorias culturais e seus possíveis consumidores seja permeado por uma complexa estrutura en-volvida por inúmeras mediações. Ora, se considerarmos que os conglo-merados e empresas da mídia, de uma forma geral, visam, sobretudo, a valorização econômica de seus produtos, são empregadas uma série de técnicas que buscam vencer, justamente, essa ““indeterminação”” da qual fala Thompson. É essa necessidade que caracteriza a especificida-de da difusão, pois é por meio especificida-de suas técnicas especificida-de marketing e promoção que é feito o elo entre o produtor e seu público potencial.

Podemos pensar nas trilhas sonoras das telenovelas como o resul-tado da sofisticação de todo este processo: é um produto específico

43. É comum entre alguns pesquisadores e, sobretudo, entre os profissionais que atuam neste segmento, a distinção entre trilhas sonoras e trilhas musicais. Trilha sonora englo-baria também, além do fundo musical, todos os ruídos, falas e a sonoplastia da cena. As trilhas musicais, por sua vez, diria respeito somente às músicas utilizadas como tema. No caso deste artigo, as duas serão usadas indistintamente.

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da produção cultural que, no caso das trilhas das telenovelas da Rede Globo, é de uso comercial exclusivo da gravadora Som Livre, braço fo-nográfico do conglomerado Globo. E, ao mesmo tempo, é também um veículo de divulgação maciça de artistas e canções diversas, pertencen-tes às outras grandes gravadoras que dominam o mercado fonográfico brasileiro.44 A interação entre televisão e indústria fonográfica acaba,

dessa forma, sendo benéfica para ambos os lados. Além do mais, se lem-brarmos que estamos diante da performance de grandes conglomerados da mídia, o impacto sobre o mercado é bastante relevante. Apresento, nesta oportunidade, alguns elementos que permitem um olhar panorâ-mico sobre essa relação música e televisão, vista, especialmente, atra-vés das trilhas sonoras e da forma de atuação da gravadora Som Livre.

A especificidade da música na produção cultural

É preciso ter em conta que a música tem se apresentado como uma mer-cadoria cultural de características muito particulares, não somente pela proximidade que tem com os indivíduos, mas, sobretudo, por sua ampla capacidade de se difundir. Graças ao desenvolvimento tecnológico que acompanha a história da sociedade contemporânea –– e que está intima-mente ligado ao desenvolvimento da indústria cultural ––, pode-se ouvir música praticamente em qualquer lugar e a qualquer hora: nos rádios portáteis ou não, no carro, no computador, no walkman, nos aparelhos celulares, nos iPods e aparelhos de MP3 (cada vez menores e com mais capacidade de armazenagem de canções), etc.

Ao mesmo tempo, a música tem se diferenciado de outras merca-dorias da indústria cultural justamente pela interação que consegue estabelecer com os outros setores da produção cultural, funcionando como pano de fundo a diferentes formas narrativas: publicidade, cine-ma, peças teatrais e à produção televisiva.

Temos, então, algumas características dessa produção cultural: o ca-ráter limitador, inerente a toda mercadoria cultural, a saber, a necessi-dade da mediação de algum equipamento técnico para sua reprodução

44. E que dominam também o mercado mundial de música. À exceção da Som Livre, todas as grandes gravadoras atuantes no Brasil são multinacionais: Sony, EMI, Warner e Universal.

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e para que o indivíduo possa consumi-la.45 Há ainda –– e isso é o que

mais nos interessa aqui ––, o fato de que a indústria fonográfica, dife-rentemente de outros setores da indústria cultural não coloca sozinha seu produto no mercado, mas necessita dos diversos canais de divulga-ção (como televisão, rádio, revistas, jornais, cinema, etc.) para torná-lo conhecido. Graças à sua ampla capacidade de difusão, as mercadorias musicais são muito especiais no que diz respeito à integração entre as diferentes mídias. Tudo isso somado, constitui uma das principais razões que tornaram a indústria fonográfica um dos setores mais lucra-tivos de todo o sistema de produção dos bens culturais.46

No caso específico das trilhas sonoras das telenovelas, a hegemo-nia de sua produção e difusão no mercado brasileiro pertence à duas empresas do maior conglomerado de mídia do país e um dos maiores do mundo, a saber, as Organizações Globo.47 As empresas em questão,

responsáveis pelas decisões que envolvem a escolha das trilhas sono-ras são a TV Globo, fundada em 1965 –– principal produtora de teleno-vela no Brasil e umas das principais do mundo –– e a gravadora Som Livre, criada em 1969 como parte da Sigla (Sistema Globo de Gravações Audiovisuais) a quem cabe o direito exclusivo de reproduzir e comercia-lizar as trilhas sonoras das novelas realizadas pela emissora de TV. Cabe aqui, nesse momento, explicitar o que estamos tomando como trilha sonora: trata-se do conjunto de canções conhecidas ou não, compostas e interpretadas por artistas conhecidos ou não, nacionais e internacio-nais e que durante o período de transmissão da telenovela servirá de fundo musical às cenas e aos personagens. É desse conjunto que resul-tará o disco da trilha sonora da novela, oferecido ao público na forma

45. Este é, certamente, um dos pontos centrais da crítica de Adorno à indústria cultural. Cf.: Theodor Adorno. A indústria cultural. São Paulo: Ática, 1984 (col. Grandes Cientistas Sociais).

46. De acordo com dados do IFPI (International Federation of the Phonografic Industry), no ano de 2004, a indústria fonográfica mundial movimentou US$ 33,6 bilhões (áudio e vídeo). No Brasil, contando apenas as grandes gravadoras, foram R$ 706 milhões, o que dá uma média de 66 milhões de unidades de discos vendidas. Dados da ABPD. Fonte: www.ifpi.org e www.abpd.org.br. Acesso em julho/2006.

47. O Grupo Globo, pertencente à família Marinho, atua em diversos segmentos extrarra-mos, porém, intrassetoriais: rádios, jornais, revistas, internet, cinema, televisão (aberta e paga), fonográfica, multiplicando, dessa forma, sua capacidade de ação, numa atitude análoga aos grandes oligopólios de mídia do mundo. A atual configuração do grupo é a reunião da TV Globo, da holding Globopar e do portal de internet Globo.com numa única empresa: Globo Participação e Comunicações. A Globosat, Editora Globo e a gravadora Som Livre atuam como suas subsidiárias integrais. Além delas, fazem parte do grupo o Sistema Globo de Rádio e o Infoglobo.

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de uma coletânea de canções de diferentes gêneros e intérpretes, na maioria das vezes em uma versão nacional e outra internacional, prá-tica essa que a TV Globo e a Som Livre mantêm desde 1971, quando, juntas, lançaram a primeira trilha sonora.48

Coube, então, a essas duas empresas a consolidação de um modelo que não apenas confirmou a especificidade da trilha sonora como mer-cadoria cultural, mas o fez, sobretudo, a partir de uma estratégia bas-tante peculiar e em consonância com a indústria fonográfica como um todo. Isso porque a gravadora Som Livre atua de uma maneira bastante

sui generis, quando comparada às outras gravadoras: desde seu início

priorizou o segmento das trilhas sonoras em sua estratégia de atuação em detrimento de trabalhos individuais de artistas.49 Para a composição

dos discos de trilhas, a TV Globo e a Som Livre recorrem aos artistas e canções pertencentes aos quadros das demais gravadoras do mercado fonográfico, sobretudo as majors, criando com essas um processo de interação que perdura até os dias de hoje e possibilitando que a Som Livre tenha se consolidado como uma grande gravadora sem ser vista como uma rival pelas demais. Nesse sentido, para além das questões estéticas que se colocam quando discutimos um produto audiovisual, a junção entre imagem e som / novela e música acabou se revelando um espaço de difusão, por excelência, de artistas e canções na grade de pro-gramação da televisão, especialmente pelos altos índices de audiência que a novela detém. Música na novela desfruta, então, do que podemos chamar de promoção subliminar, ou seja, aquela cujo estímulo não é suficientemente intenso para que o ouvinte/consumidor tome consci-ência dele, mas, por conta do grau de repetição na qual é executada, atua no sentido de alcançar o efeito desejado. Provoca aquilo que Dias (2000) chamou de consumo aleatório; independe de o indivíduo gostar ou não de música, de consumi-la ou não: o fundo musical da novela é onipresente, faz parte do nosso cotidiano e proporciona à trilha sono-ra o status de um acontecimento cultusono-ral, econômico e estsono-ratégico ao mesmo tempo.

48. Trata-se da novela O Cafona. Antes disso, a TV Globo produzia suas trilhas sonoras des-de 1969 –– novela Véu des-de Noiva –– em parceria com a gravadora Phillips. Cf. Trilha Sonora, disponível em www.teledramaturgia.com.br. Acesso em 17/05/2007.

49. Desde 1985, a única contratada da Som Livre é a apresentadora de programas infantis Xuxa Meneghel, uma das artistas com maior número de vendagens de discos no mercado brasileiro.

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Música em cena: o impacto da presença de uma

canção na novela

Tomamos, então, alguns exemplos de como a presença de canções a ar-tistas nas trilhas sonoras das telenovelas podem causar uma espécie de efeito cascata que alcança a indústria fonográfica como um todo.

A novela Laços de Família, escrita por Manoel Carlos, exibida no ho-rário nobre pela Rede Globo entre junho de 2000 e fevereiro de 2001 e depois reprisada durante a tarde em 2005, teve como um dos seus pon-tos alpon-tos a cena em que a personagem Camila, interpretada pela atriz Carolina Dieckmann, decide raspar os cabelos por conta do tratamento quimioterápico que enfrentava contra a leucemia. A cena foi ao ar no final do capítulo de um sábado e foi reprisada na íntegra no dia seguin-te como matéria de abertura do Fantástico. Com duração de pouco mais de três minutos, foi um dos picos de audiência da novela, alcançando 61 pontos.50 Como fundo musical da cena, a música Love by Grace,

in-terpretada pela belga Lara Fabian. De todas as repercussões que uma novela de tamanha audiência alcança nos diferentes meios da indústria cultural (como tema de debates ou matérias de outros programas da TV, até mesmo de outras emissoras; reportagens de revistas e jornais, etc.,) é essa ligação entre música e cena, indústria fonográfica e televisão que interessa nesse momento.

A cantora Lara Fabian era, até então, desconhecida do mercado e do público consumidor brasileiro. Depois de inserida como tema da personagem Camila, a situação se transforma: Love by Grace entra nas paradas de sucesso em 39º lugar e na semana seguinte já estava em 2º, atingindo depois o 1º lugar e permanecendo nesta posição por oito se-manas consecutivas. A música foi, ainda, a segunda mais executada nas rádios em 2001 e ajudou o CD da trilha sonora internacional da novela

Laços de Família atingir a marca de dois milhões de cópias vendidas,

tornando-se o disco mais vendido em 2001, número altamente expres-sivo num ano em que a indústria fonográfica sofria um dos seus piores índices de vendagem por conta da popularização dos CDs piratas.51 À

50. A média de audiência da novela foi de 50 pontos. Em sua reprise no sessão Vale a pena ver de novo, a novela alcançou 35 pontos, num horário em que a média da Rede Globo costuma ser a metade disso. Cf.: Cláudia Croitor. ““Sem grandes mistérios ‘‘Laços’’ tem o maior ibope do ano””. Folha de São Paulo, 4/02/2001; Daniel Castro. ““Maior ibope de 2001 foi de novela de 2000””. Folha de São Paulo, 28/12/2001.

51. Os dados são da ABPD –– Associação Brasileira de Produtores de Discos e podem ser consultados na página da associação na Internet: http://www.abpd.org.br.

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época de sua reprise, em 2005, a Som Livre lançou no mercado O melhor

de Laços de Família, compilação das músicas das duas trilhas lançadas

originalmente.

Há também casos em que o impacto da trilha musical no mercado fonográfico não se limitou ao aumento das vendagens de determinados artistas, canções ou da trilha sonora completa, mas, ultrapassou em alguma medida esses limites e acabou por impulsionar algumas modas musicais. Chama a atenção, por exemplo, a ““febre”” das discotecas no final dos anos 70, simultaneamente ao sucesso da novela Dancing’’ Days, escrita por Gilberto Braga e exibida entre julho de 1978 e janeiro de 1979. A trilha da novela, cujo carro-chefe era a música Dancing’’ Days, interpretada pelo grupo As Frenéticas, vendeu um milhão de cópias e fez parte de uma estratégia diferenciada de divulgação por parte da Som Livre. Até então, o disco com a trilha musical das novelas era co-mercializado dois meses após a estreia do folhetim. Dancing’’ Days, en-tretanto, foi lançado simultaneamente à novela e grande parte das mú-sicas que compunham a trilha já havia sido tocada exaustivamente no rádio, na TV e divulgada pela gravadora Warner, detentora dos direitos de comercialização das Frenéticas (WYLER; ROMAGNOLI, 8/12/1978). À época, acusado de escrever a novela somente para vender a moda das discotecas, estilo que a indústria fonográfica havia importado do mer-cado americano, Gilberto Braga se defendeu, queixando-se, inclusive, de não ter participação na escolha das trilhas de suas novelas, revelan-do a pouca autonomia que o autor dispunha na escolha das canções que comporiam a trilha sonora do folhetim:

Eu escrevo meu texto sem me preocupar com qualquer tipo de anúncio que venha a ser colocado no cenário da novela. Não sou obrigado a nada. Espero que na próxi-ma novela eu possa participar da escolha dos tepróxi-mas, pois acho importante a parte musical como marca das situações. E acho também que a intenção deveria ser vender discos por causa da novela, como acontece no cinema, e não o contrário, fazer novelas em função dos discos (WYLER; ROMAGNOLLI, 08/12/1978).

Podemos citar, ainda, outro exemplo de como a presença de deter-minado segmento musical acaba alavancando a indústria fonográfica como um todo. Similar ao fenômeno das discotecas citado acima, foi

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o que ocorreu com o gênero musical da lambada. Sua presença na tri-lha sonora de uma determinada novela acabou sendo decisivo para a prospecção do gênero de uma maneira mais geral por toda a indústria fonográfica. A canção chamariz desse processo foi Me chama que eu vou, do cantor Sidney Magal que figurou como tema de abertura da novela

Rainha da Sucata, trama exibida às 21:00hs pela TV Globo, em 1990. O

disco da trilha sonora da novela, em sua versão nacional, figurou entre os 50 discos mais vendidos, conforme os dados do Nopem52 e serviu

para potencializar o gênero musical como um todo. A banda Kaoma teve duas músicas entre as mais executadas pelas rádios (8º e 52º); Beto Barbosa também repetiu o feito (21º e 66º); Banda Mel figurou com a quarta colocação entre as músicas mais executadas naquele ano (ECAD).53 No mesmo sentido, coletâneas e artistas das demais

grava-doras que contemplassem o gênero constaram nessa mesma listagem de discos mais vendidos, única ocasião em que o segmento musical lambada apareceu em tal pesquisa. A gravadora CBS apostou, por exem-plo, nesse segmento, contratando, justamente, o cantor Sidney Magal (Folha de São Paulo, 30/mar/1990). Com o fim da novela e a exaustão da divulgação por todos os canais de difusão, a lambada e seus principais expoentes –– Beto Barbosa, Kaoma, Sarajane –– não voltaram mais a fi-gurar entre os discos mais vendidos ou as músicas mais executadas,54

dando fim a essa moda musical, então.

São exemplos que demonstram a bem-sucedida interação entre mú-sica e televisão, do quanto essa relação pode ser vantajosa para uma indústria que busca difundir ao máximo o seu produto. E resultados semelhantes aos citados logo acima são bastante comuns: não é raro encontrar artistas que participam da trilha da novela ou mesmo a trilha sonora completa figurando muitas vezes entre os discos mais vendidos. Da mesma forma, em alguns momentos específicos, a novela, por meio da sua trilha, impulsionou determinados gêneros e segmentos musi-cais, fazendo com que a indústria fonográfica investisse maciçamente em canções e discos de artistas que se enquadrassem em tais formas

52. Nopem –– Nelson Oliveira Pesquisa de Mercado –– é uma empresa voltada à análise das vendagens da indústria fonográfica. Agradeço a Eduardo Vicente a disponibilização dos dados.

53. ECAD –– Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais –– é responsável pela medição dos valores referentes às execuções de obras musicais e o cálculo dos direitos autorais que dela decorrem.

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musicais. Se as gravadoras puderam com isso vender grande quanti-dade de discos, é certo, porém, que na grande maioria das vezes, essas modas musicais duraram apenas o tempo de exibição da novela: é o caso das já citadas discoteca (Dancing’’ Days, 1978), da lambada (impul-sionada pela novela Rainha da Sucata, 1990) e da música italiana (Terra

Nostra, 1999).

O ““lugar”” da música na TV

A trilha sonora da novela, desde seu surgimento no final da década de 1960, é um dos produtos de maior repercussão da indústria fonográfica brasileira. Não há dúvidas de que isso está intimamente relacionado à importância que a televisão, no plano geral, e a novela, especificamen-te, têm entre nós. Divulgar a música através da cena é uma estratégia que acaba por permitir que seu consumo seja potencializado através de sua associação com personagens ou situações propostos por deter-minado enredo. Ademais, ter uma canção como tema de uma novela da Rede Globo significa adentrar diariamente e por meses em milhões de lares brasileiros.55

A eficácia de tal estratégia, do ponto de vista do consumo, fica in-questionável quando atentamos para o fato da posição privilegiada em que se encontra a gravadora Som Livre. A gravadora, a única brasileira entre as cinco transnacionais que dominam 85% do mercado de dis-cos no Brasil, foi criada quase que exclusivamente para lançar as tri-lhas sonoras nacionais e internacionais das telenovelas e minisséries produzidas pela Rede Globo. Historicamente, sua criação coincide com um processo de mudança do lugar ocupado pela música no conjun-to da programação televisiva: de atração principal para coadjuvante. Evidentemente, a canção ainda continua a desempenhar um papel im-portante enquanto parte da narrativa. Mas, o espaço destinado à divul-gação das canções na televisão ficou circunscrito quase que totalmente ao fundo musical da novela. Assim, o músico Luiz Tatit faz uma obser-vação muito interessante sobre este ponto:

55. Alguns pesquisadores apontam à contínua queda de audiência que as novelas globais sofreram especialmente na última década. Mesmo assim, ela continua sendo um dos pro-gramas mais vistos no Brasil. Cf.: Silvia Borelli e Gabriel Priolli (Orgs.). A deusa ferida. São Paulo: Summus, 2000.

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Nos anos 60 e começo de 70, toda música popular bra-sileira estava numa emissora de televisão: a Record. Fazia parte da programação, inclusive, todos os grupos antagônicos: eles tinham do Tropicalismo até a Jovem Guarda, a MPB de linha dura, de protesto, que não deixa-va passar nada que não fosse a música engajada. Tinha ainda a linha do tipo Simonal, do tipo Fino da Bossa, Ronnie Von, dissidências da Jovem Guarda, enfim, tudo estava na Record. Isso acabou durante os anos 70. [...] Depois disso, já não havia nenhuma emissora que con-gregasse todo mundo. Acabou a história de música em televisão. A televisão passou a ser o lugar da novela. O máximo que se tem hoje é o fundo musical da novela (TOLEDO, 2005, p.159).

Assim, é interessante notar como nos anos 60 e início de 70 à músi-ca, como produto específico da indústria fonográfimúsi-ca, era destinado um espaço privilegiado de divulgação na programação da televisão, her-dada de uma tradição já consoliher-dada pelo rádio, marcada, sobretudo, pelos programas de calouros e os musicais. A TV seria palco, ainda, dos Festivais de Música Popular e dos programas musicais comandados por artistas, ambos consagrados, especialmente, pela TV Record.56 Dessa

forma, o fato da novela já neste período dominar a grade de programa-ção da televisão brasileira, ainda não impedia que os programas exclu-sivamente musicais ocupassem também um espaço distinto.

Especificamente no caso da Rede Globo, salvo raras exceções, não há mais programas exclusivamente musicais. Nos últimos anos, a emisso-ra apostou no progemisso-rama Fama, um reality show onde jovens aspiemisso-rantes à carreira musical disputavam entre si, apresentando semanalmente, cada um, uma canção escolhida pela produção do programa. O público e um grupo de jurados formado por produtores musicais determina-vam quem saía e quem continuava no programa. A atração teve três edições.

No mais, cabe à novela o espaço de divulgação de artistas e canções no meio televisivo, de forma que é grande a disputa por um lugar na trilha sonora. Sem contar os grandes índices de audiência dos quais a

56. É o caso dos programas musicais criados para serem comandados por artistas oriun-dos destes festivais como, por exemplo, O Fino da Bossa, Bossaudade e Jovem Guarda. Sobre isso, cf.: Marcos Napolitano. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MBP (1959-1969). São Paulo: Annablume, 2001.

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canção pode desfrutar; ter uma música em uma novela significa tam-bém ter acesso aos outros programas da emissora, como Domingão do

Faustão, Xuxa, Caldeirão do Huck, Fantástico, Altas Horas. Num espaço

altamente competitivo, o CD de um artista que tenha uma música na novela certamente se beneficia de toda essa divulgação e, com isso, atinge mais facilmente todos os outros meios de difusão: da programa-ção das rádios aos espaços de destaque nas lojas. Não há dúvidas de que o domínio sobre as trilhas sonoras confere à Rede Globo um alto poder na transação junto às gravadoras.

Rede Globo e Som Livre: maior racionalidade ao

mercado fonográfico

Nos estudos sobre o desenvolvimento e consolidação da indústria cul-tural no Brasil há, com frequência, destaque ao papel que assumiu a televisão neste processo. Estudiosos como Ortiz (2001) e Dias (2005) apontam que, nesse contexto, assim como a chegada da Rede Globo transformou significativamente a televisão brasileira, o mesmo ocorreu com a Som Livre e o mercado fonográfico.

É num período de intensa manifestação cultural e, também, de ex-pansão dos mecanismos da indústria cultural no mercado brasileiro –– que favoreceu, entre outras coisas, a instalação no país das grandes empresas transnacionais do disco (DIAS, 2000) ––, que a Rede Globo ini-cia suas atividades e a consolidação de um padrão de atuação que se tornaria hegemônico até os dias de hoje. Estruturada no que é conhe-cido como um processo de dupla integração (vertical e horizontal), a emissora assegura os mais diversos mercados, atuando em segmentos extrarramos, porém, intrassetoriais: rádios, jornais, revistas, Internet, cinema, televisão (aberta e paga), fonográfico.

Especificamente no que diz respeito às trilhas sonoras, coube à Rede Globo, através da gravadora Som Livre, o mais bem-sucedido, do ponto de vista econômico e estratégico, –– processo de interação entre música e televisão. Na Globo, a telenovela faz parte da grade de programação desde sua fundação em 1965. A emissora também é a única entre as redes de TV brasileiras a manter, desde o início, um projeto regular de teledramaturgia, consolidando um padrão próprio de produção –– co-nhecido comumente como ““padrão Globo de qualidade”” –– e destinando

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vários horários à exibição de suas produções.57 Também está na novela

um dos ““tripés”” (ao lado dos telejornais e dos programas de variedade) que sustenta toda a base de funcionamento da TV brasileira. A novida-de trazida pela emissora novida-de Roberto Marinho foi que ela impingiu uma maior racionalidade ao setor, ao fixar uma grade horizontal e vertical de programação, com destaque ao horário prime-time: duas novelas e entre elas seu principal telejornal, o Jornal Nacional. Segundo Borelli e Priolli (2000) está na consolidação desse padrão de atuação um dos elementos fundamentais que explicaria a posição de quase monopólio de audiência, detida pela Globo, até o final dos anos 90.

A Som Livre, por sua vez, surge quase que simultaneamente à con-solidação do espaço e da importância que adquire a teledramaturgia na emissora carioca: no início, em 1969, como parte integrante da Sigla –– Sistema Globo de Gravações Audiovisuais –– e produzindo sua primeira trilha sonora em 1971.

Tratava-se, na verdade, de uma estratégia típica dos grandes conglo-merados de mídia que diz respeito, sobretudo, à integração dos diver-sos setores ligados à produção dos bens culturais. Nesse sentido, para as Organizações Globo, a gravadora funcionava como uma maneira de melhor gerenciar seus investimentos, apostando em um novo produto (no caso, as trilhas sonoras) a partir da integração áudio e vídeo, dando maior funcionalidade a um sistema que envolve o público consumidor de várias formas, impingindo, assim, maior racionalidade ao processo. Aliás, a exploração do filão da trilha sonora como um produto especí-fico era uma estratégia que a própria emissora já havia comprovado a eficácia, antes mesmo de iniciar essa atividade por meio da Som Livre, quando encomendou à gravadora Phillips a primeira trilha para uma novela (Véu de Noiva, 1970). O disco vendeu mais de 100 mil cópias, fato que motivou a criação da Som Livre. O produtor Nelson Motta, então responsável pela criação desta trilha, relata alguns detalhes do proces-so e as consequências depois do sucesproces-so de vendas do disco:

O André Midani (então presidente da Phillips) havia trabalhado no México, onde já havia isso de lançar tri-lhas. Ele me chamou para a produção e eu tive que

con-57. Sílvia Borelli e Gabriel Priolli, op.cit. Embora a Globo tenha se consolidado como maior produtora de telenovela no país e uma das maiores do mundo, ela não é a pioneira na produção deste gênero. Em 1951, a TV Tupi colocou no ar a primeira novela Sua vida me pertence.

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vencer Caetano Veloso, Chico Buarque e Marcos Valle a fornecerem músicas inéditas. Havia muito preconceito contra a novela na época. Depois do sucesso que foi, eu tive que desligar o telefone de tanto artista pedindo pra entrar. [Mas] ninguém pensou em dinheiro; 3% das vendas ficaram para a Globo e o resto para a gravadora. Quando vendeu 100 mil cópias é que a Globo viu que podia ser um bom negócio. No fim do contrato de um ano com a Phillips, é claro que a Globo quis fazer ela própria. Foi pra isso que a Som Livre foi feita (SANCHES, 17/04/2001).

Em menos de um mês após sua criação, a Som Livre colocou no mercado a trilha da novela O Cafona que alcançou a marca de 200 mil cópias vendidas. A interação música e televisão se revelou uma estra-tégia compensadora e em menos de 10 anos de existência, a grava-dora já era líder de vendagens no país. Esta posição alcançada pela Som Livre fica mais interessante se atentarmos à configuração geral do mercado fonográfico neste período. Nos anos 70, as grandes compa-nhias transnacionais do disco já eram atuantes no mercado brasileiro. As maiores empresas fonográficas eram: Phonogram, Odeon, CBS, RCA, WEA, Continental, Copacabana e Som Livre (estas três últimas eram empresas nacionais). No que diz respeito à participação no mercado da música, em 1979, o cenário era o seguinte: Som Livre, 25%; CBS, 16%; Phonogram, 13%; RCA, 12%; WEA, 5%; Copacabana e Continental, 4,5% cada uma; Odeon, 2%; e outras 16%. (DIAS, 2000, p.74). O que chama atenção nesta configuração é que, exceto a Som Livre, todas as outras gravadoras (especialmente as transnacionais) desfrutavam de grandes vantagens técnicas, como estúdios, fábricas, publicidade, etc. Autores como Dias (2000) e Vicente (2001) chamam a atenção para este fato, destacando que justamente o domínio das condições técnicas da linha de produção é que caracterizava como ““grandes”” estas gravadoras (em oposição às gravadoras médias, pequenas e independentes) e acabava também por justificar a posição vantajosa destas empresas no mercado. Além disso, as transnacionais contavam também com o benefício das matrizes de músicas estrangeiras, gravadas no exterior, que eram dis-tribuídas aqui com todos os custos de produção amortizados.

Diante de todos esses fatores, como explicar a posição de lideran-ça da Som Livre, alcanlideran-çada pouco tempo depois de seu surgimento,

Referências

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