Cotas Superiores para o N´
umero de
Pontos Racionais e Aplica¸c˜
oes `
as
Torres de Corpos de Fun¸c˜
oes
Thiago Filipe da Silva
19 de agosto de 2010
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Thiago Filipe da Silva
Disserta¸c˜
ao de Mestrado em Matem´
atica
Mestrado em Matem´
atica
Universidade Federal do Esp´ırito Santo
Cotas Superiores para o N´
umero de
Pontos Racionais e Aplica¸c˜
oes `
as
Torres de Corpos de Fun¸c˜
oes
Thiago Filipe da Silva
Disserta¸c˜ao submetida ao Programa de P´os-Gradua¸c˜ao em Matem´atica da Universidade Federal do Esp´ırito Santo como requisito parcial para a obten¸c˜ao do grau de Mestre em Matem´atica.
Aprovada em 19/08/2010 por:
Prof. Dr. Francesco Noseda, UFRJ
Prof. Dr. Jos´e Gilvan de Oliveira, UFES - Orientador
Prof. Dra Luciane Quoos Conte, UFRJ
Universidade Federal do Esp´ırito Santo
Vit´
oria, Agosto de 2010
Sum´
ario
1 Introdu¸c˜ao 9
2 Semigrupos 11
2.1 Semigrupos Num´ericos . . . 11
2.2 Semigrupos Telesc´opicos e Sim´etricos . . . 13
2.3 O gˆenero de um Semigrupo Telesc´opico . . . 17
3 Corpos de Fun¸c˜oes Alg´ebricas 21 3.1 An´eis de Valoriza¸c˜ao Discreta e Lugares . . . 21
3.2 Valoriza¸c˜oes em Corpos de Fun¸c˜oes . . . 24
3.3 Divisores e o Teorema de Riemann-Roch . . . 27
3.4 O Teorema das Lacunas de Weierstrass . . . 30
4 Cotas Superiores para o N´umero de Pontos Racionais 31 4.1 O Teorema Principal . . . 31
4.2 Comparando Cotas Superiores . . . 33
5 Torres de Corpos de Fun¸c˜oes 37 5.1 Torres com Semigrupos Telesc´opicos . . . 37
Resumo
O estudo sobre o n´umero de pontos racionais de uma curva alg´ebrica n˜ ao-singular encontra diversas aplica¸c˜oes em Geometria Alg´ebrica, teoria de c´odigos corretores de erros e criptografia. O objetivo dessa disserta¸c˜ao ´e obter co-tas superiores para o n´umero desses pontos a partir do trabalho Olav Geil e Ryutaroh Matsumoto [7]. Mostramos como s˜ao obtidas essas cotas, que elas dependem dos geradores do semigrupo de Weierstrass de algum ponto racional e que, em alguns casos, essas novas cotas melhoram a cota obtida anteriormente por Lewittes. Apresentamos algumas aplica¸c˜oes desses resul-tados no estudo de torres de corpos de fun¸c˜oes e, finalmente, apresentamos um exemplo de uma torre assintoticamente ´otima em caracter´ıstica 3, calcu-lamos os gˆeneros e alguns semigrupos de Weierstrass nos primeiros n´ıveis da torre.
Abstract
The study on the number of rational points of an nonsingular algebraic curve finds many applications in Algebraic Geometry, Algebraic Geometry Codes and Encryption. The aim of this paper is to obtain upper bounds for the number these points from the paper of Olav Geil and Ryutaroh Matsumoto [7]. We show how these bounds are obtained, depending of the generators of the Weierstrass semigroup of a rational point and that in some cases, the new bound improves the Lewittes’s bound. We present some applications of these results in the study of towers of functions fields and, finally, we present an example of an asymptotically optimal tower in characteristic 3, we calculate the genus and some Weierstrass semigroups in the first levels of the tower.
Cap´ıtulo 1
Introdu¸
c˜
ao
Desde o in´ıcio do s´eculo XX, um objeto de estudo de grande interesse dos matem´aticos tem sido o de determinar o n´umero de pontos racionais de uma curva alg´ebrica sobre um corpo finito. Tal interesse tornou-se mais acentuado nas ´ultimas d´ecadas a partir do entendimento de que o conhecimento do n´umero de pontos racionais de uma curva alg´ebrica tem profundas aplica¸c˜oes na teoria dos c´odigos corretores de erros e na criptografia.
O primeiro resultado geral sobre a quantidade desses pontos foi obtido, em 1930, por Hasse para curvas el´ıpticas. Ele provou o seguinte resultado que havia sido conjecturado por E. Artin em sua tese: Se E ´e uma curva el´ıptica definida sobre um corpo K com q elementos ent˜ao a quantidade |E(K)| de pontos racionais da curva satisfaz a desigualdade ||E(K)| − (q + 1)| ≤ 2√q. Em 1949, Weil fez uma s´erie de conjecturas com alto n´ıvel de generalidade a respeito do n´umero de pontos em variedades definidas sobre corpos finitos. Dentre elas destacamos a racionalidade da fun¸c˜ao Zeta, Equa¸c˜oes Funcionais e a Hip´otese de Riemann para curvas alg´ebricas. Estas foram provadas por ele mesmo para variedades abelianas e curvas de gˆenero g qualquer mostrando que, o n´umero N de pontos racionais de uma curva alg´ebrica n˜ao-singular de gˆenero g, definida sobre um corpo finito com q elementos, obedece a desigualdade |N − (q + 1)| ≤ 2g√q. Esse resultado ficou conhecido como o Teorema de Hasse-Weil [5, p.120]. Mais tarde, Serre provou que |N −(q+1)| ≤ g2√q
[5, p.180]. Finalmente, em 1973, Deligne provou a Hip´otese de Riemann.
Em [6], Lewittes exibiu uma cota superior para N usando apenas a mul-tiplicidade do semigrupo de Weierstrass em um ´unico ponto racional, o que serviu de motiva¸c˜ao para o nosso trabalho.
O objetivo desta disserta¸c˜ao ´e obter cotas superiores para o n´umero de pontos racionais de curvas alg´ebricas seguindo [7]. O principal resultado
consiste em obter uma cota que depende de todos os geradores do semigrupo de Weierstrass de um ´unico ponto racional. A partir disso, em alguns casos, ser´a poss´ıvel melhorar as cotas obtidas por Serre e Lewittes.
Uma outra quest˜ao a ser estudada ´e a seguinte: dado um corpo de con-stantes Fq com q elementos e um inteiro n˜ao-negativo g, encontrar uma cota
superior para o maior n´umero Nq(g) para o qual existe um corpo de fun¸c˜oes
F/Fq de gˆenero g tal que N (F ) = Nq(g), onde N (F ) ´e o n´umero de lugares
racionais de F/Fq.
A organiza¸c˜ao deste trabalho ´e a seguinte. Come¸camos o Cap´ıtulo 2 com uma introdu¸c˜ao `a Teoria dos Semigrupos Num´ericos apresentando alguns re-sultados e depois estudando algumas propriedades dos chamados semigrupos sim´etricos e semigrupos telesc´opicos. No Cap´ıtulo 3 fazemos uma introdu¸c˜ao `
a Teoria dos Corpos de Fun¸c˜oes Alg´ebricas com o fim de introduzirmos a nota¸c˜ao e alguns resultados necess´arios para a compreens˜ao da linguagem usada nos cap´ıtulos seguintes. No Cap´ıtulo 4 provamos o teorema principal. A partir de um semigrupo num´erico Λ, obtemos uma cota superior para o n´umero de lugares racionais, de um corpo de fun¸c˜oes com algum lugar com semigrupo de Weierstrass igual a Λ, dependendo de todos os geradores de Λ e que generaliza um resultado de Lewittes. Finalmente, no Cap´ıtulo 5 fazemos algumas aplica¸c˜oes de resultados obtidos anteriormente em torres de corpos de fun¸c˜oes. Mostramos que ´e imposs´ıvel construir uma torre
assintoticamente boa com uma infinidade de corpos de fun¸c˜oes que pos-suem lugares racionais com semigrupos de Weierstrass telesc´opicos. Fi-nalizamos o trabalho mostrando que a torre definida recursivamente pela equa¸c˜ao x2n+1 = 1+x´2n
2xn ´e assintoticamente ´otima quando q = 9 = 3
2 e
Cap´ıtulo 2
Semigrupos
Neste cap´ıtulo vamos desenvolver alguns resultados da Teoria de Semi-grupos Num´ericos que ser˜ao necess´arios para a compreens˜ao dos pr´oximos cap´ıtulos. Os conceitos de semigrupos sim´etricos e semigrupos telesc´opicos ser˜ao introduzidos na ´ultima se¸c˜ao vamos obter uma f´ormula para o gˆenero de um semigrupo telesc´opico a partir de uma sequˆencia geradora do semigrupo.
Os resultados obtidos neste cap´ıtulo podem ser encontrados em [4]. Seja N0 o conjunto dos n´umeros inteiros n˜ao-negativos e seja
N := N0− {0}.
2.1
Semigrupos Num´
ericos
Defini¸c˜ao: Um subconjunto Λ de N0 ´e chamado um semigrupo quando
0 ∈ Λ e para todos a, b ∈ Λ tem-se a + b ∈ Λ. O semigrupo Λ ´e chamado num´erico quando N0 − Λ for finito. Neste caso o n´umero g = |N0 − Λ|
chama-se o gˆenero de Λ e N0− Λ ´e chamado o conjunto das lacunas de Λ.
No caso em que Λ ´e um semigrupo num´erico, existe um elemento m´ınimo c ∈ Λ com a propriedade que para todo x ∈ N0 com x ≥ c tem-se x ∈ Λ. Tal
elemento c ´e chamado de condutor de Λ.
Proposi¸c˜ao 2.1: Sejam Λ um semigrupo num´erico e λ ∈ Λ. Ent˜ao |Λ − (λ + Λ)| = λ.
Demonstra¸c˜ao: Visto que N0 − Λ ´e finito ent˜ao existe c condutor de
Λ. Seja g = |N0 − Λ| e considere os conjuntos U = {t ∈ Λ/ t < λ + c} e
V = {v ∈ λ + Λ/ λ ≤ v < λ + c}. Logo |U | = λ + c − g e |V| = c − g. Obviamente V ⊂ U . Vamos mostrar que U − V =Λ − (λ + Λ). Com efeito, dado t ∈ U − V qualquer, segue que t ∈ Λ com t < λ ou t /∈ λ + Λ. Em qualquer dos casos t /∈ λ + Λ. Reciprocamente, dado t ∈ Λ − (λ + Λ) qualquer segue imediatamente que t /∈ V. Como t /∈ λ + Λ e c ´e o condutor de Λ ent˜ao t < λ + c e assim t ∈ U .
Portanto, U − V =Λ − (λ + Λ) e consequentemente |Λ − (λ + Λ)| = |U − V| = |U | − |V| = (λ + c − g) − (c − g) = λ.
Defini¸c˜ao: Dado H subconjunto n˜ao-vazio de N0 define-se o conjunto
hHi = {a1x1 + ... + amxm/ x1, ..., xm ∈ H, a1, ..., am ∈ N0 e m ∈ N} que
claramente ´e um semigrupo de N0 e ´e chamado o semigrupo gerado por H.
Quando H ´e finito e ´e escrito por H = {λ1, ..., λm} ent˜ao usamos a nota¸c˜ao
hλ1, ..., λmi para simbolizar hHi.
Um semigrupo Λ de N0´e dito f initamente gerado quando existem m ∈ N
e λ1, ..., λm ∈ Λ tais que Λ = hλ1, ..., λmi.
Observa¸c˜ao 2.2: Se Λ ´e um semigrupo de N0 e H ´e um subconjunto
n˜ao-vazio de Λ ent˜ao hHi ⊂ Λ. Isso segue imediatamente do fato de que Λ ´e fechado para a opera¸c˜ao de adi¸c˜ao.
Proposi¸c˜ao 2.3: Se Λ ´e um semigrupo num´erico de N0 ent˜ao Λ ´e
fini-tamente gerado.
Demonstra¸c˜ao: Como N0− Λ ´e finito existe c condutor de Λ. Considere
os conjuntos H = {t ∈ Λ/ t < c} e J = {c, c+1, ..., c+(c−1)} que s˜ao finitos. Segue que H ∪ J ⊂ Λ e, pela observa¸c˜ao anterior, segue que hH ∪ J i ⊂ Λ. Vamos mostrar que Λ ⊂ hH ∪ J i. De fato, seja λ ∈ Λ qualquer. Se λ < c ent˜ao λ ∈ H. Se λ = c ent˜ao λ ∈ J . Suponha λ > c. Do algoritmo da divis˜ao de Euclides existem l, r ∈ N0 tais que λ = l.c + r, com 0 ≤ r < c.
Visto que λ > c ent˜ao l ≥ 1, ou seja, l − 1 ∈ N0. Assim λ = (l − 1).c + (c + r)
e da´ı λ ∈ hJ i ⊂ hH ∪ J i.
Proposi¸c˜ao 2.4: Sejam a, b ∈ N com mdc(a, b) = 1 e Λ = ha, bi. Ent˜ao para cada m ∈ Λ existem ´unicos x, y ∈ N0 tais que m = xb + ya com
0 ≤ x < a.
Demonstra¸c˜ao: Dado m ∈ Λ existem x0, y0 ∈ N0 tais que m = x0b + y0a.
Do algoritmo da divis˜ao de Euclides existem q, x ∈ N0 tais que x0 = qa + x
com 0 ≤ x < a. Definindo y = qb + y0 tem-se que m = xb + ya. Suponha
que existam x1, y1 ∈ N0 tais que m = x1b + y1a com 0 ≤ x1 < a. Logo
(x − x1)b = (y1− y)a. Da´ı a divide |x − x1|.b e como mdc(a, b) = 1 ent˜ao
a divide |x − x1|. Mas, |x − x1| < a e assim |x − x1| = 0, ou seja, x = x1 e
portanto y1 = y.
2.2
Semigrupos Telesc´
opicos e Sim´
etricos
Defini¸c˜ao: Seja (a1, ..., ak) uma sequˆencia de n´umeros inteiros positivos.
Para cada i ∈ {1, ..., k} seja di = mdc(a1, ..., ai). A sequˆencia (a1, ..., ak) ´e
chamada telesc´opica quando dk = 1 e adii ∈
D a1 di−1, ..., ai−1 di−1 E , ∀i ∈ {2, ..., k}. Um semigrupo Λ de N0 ´e chamado telesc´opico quando ´e gerado por uma
sequˆencia telesc´opica.
Exemplos de semigrupos telesc´opicos:
(1) Seja Λ = h4, 6, 5i. Chame a1 = 4, a2 = 6 e a3 = 5. Sendo di =
mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈ {1, 2, 3}, segue que d1 = 4, d2 = 2 e d3 = 1. Observe
que a3 d3 = 5, a1 d2 = 2 e a2 d2 = 3 e 5 = 1.2 + 1.3. Portanto Λ ´e um semigrupo telesc´opico.
(2) Seja Γ = h34, 4, 62, 97i. Chame a1 = 34, a2 = 4, a3 = 62 e a4 = 97 e
di = mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈ {1, 2, 3, 4}. Logo, d1 = 34, d2 = 2, d3 = 2 e d4 = 1.
Observe que a4 d4 = 97, a1 d3 = 17, a2 d3 = 2, a3 d3 = 31 e 97 = 1.17 + 9.2 + 2.31.
Temos tamb´em que a3
d3 = 31 ,
a1
d2 = 17,
a2
d2 = 2 e 31 = 1.17 + 7.2. Portanto Γ
´e um semigrupo telesc´opico.
Observa¸c˜ao 2.5: ´E imediato verificar que se (a1, ..., ak) ´e uma sequˆencia
telesc´opica com di = mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈ {1, ..., k}, ent˜ao (ad1i, ...,adii) ´e uma
Proposi¸c˜ao 2.6: Sejam (a1, ..., ak) uma sequˆencia telesc´opica e Λ =
ha1, ..., aki com di = mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈ {1, ..., k}. Ent˜ao para cada λ ∈ Λ
existem ´unicos x1, ..., xk∈ N0 tais que λ = x1a1+ ... + xkak e 0 ≤ xi < di−1
di ,
∀i ∈ {2, ..., k}.
Demonstra¸c˜ao: Por indu¸c˜ao sobre k. Para k = 1 o resultado ´e claramente verdadeiro e para k = 2 ´e imediato da Proposi¸c˜ao 2.4. Suponha k ≥ 3 e que o resultado seja v´alido para k − 1. Seja Γ = D a1
dk−1, ...,
ak−1
dk−1
E
que pela Observa¸c˜ao 2.5 ´e telesc´opico. Como λ ∈ Λ existem β1, ..., βk ∈ N0 tais que
λ = β1a1+ ... + βkak. Tomando σ = β1da1
k−1 + ... + βk−1
ak−1
dk−1 segue que σ ∈ Γ
e λ = βkak+ dk−1σ. Do algoritmo da divis˜ao existem w, xk ∈ N0 tais que
βk = wdk−1+ xk com 0 ≤ xk < dk−1. Logo, λ = xkak+ (wak + σ)dk−1 e
como wak+ σ ∈ Γ ent˜ao por hip´otese de indu¸c˜ao existem x1, ..., xk−1 ∈ N0
tais que wak+ σ = x1da1 k−1+ ... + xk−1 ak−1 dk−1 e 0 ≤ xj < Dj−1 Dj , ∀j ∈ {2, ..., k − 1} onde Dj = mdc(dk−1a1 , ..., aj dk−1), ∀j ∈ {1, ..., k − 1}. ´E claro que Dj−1 Dj = dj−1 dj
para todo j ∈ {2, ..., k − 1} e assim λ = x1a1+ ... + xkak com 0 ≤ xi < di−1
di ,
∀i ∈ {2, ..., k}.
Agora suponha que existam y1, ..., yk ∈ N0 tais que λ = y1a1+ ... + ykak
e 0 ≤ yi < di−1di , ∀i ∈ {2, ..., k}. Seja C = {j ∈ {1, ..., k}/ xj 6= yj} e suponha
por absurdo que C 6= ∅. Tome l = max C. Logo l > 1 e (xl − yl)al =
(y1 − x1)a1 + ... + (yl−1− xl−1)al−1 donde segue que dl−1 dl divide (xl− yl) al dl. Como mdc(al dl, dl−1 dl ) = 1 ent˜ao dl−1
dl divide xl− yl e visto que xl− yl 6= 0 segue
que dl−1
dl ≤ |xl− yl|, absurdo pois 0 ≤ xl, yl <
dl−1
dl .
Portanto C = ∅.
Defini¸c˜ao: Seja Λ um semigrupo num´erico de N0 de gˆenero g e condutor
c. Dizemos que Λ ´e um semigrupo sim´etrico quando c = 2g.
A seguir provaremos um resultado que caracteriza os semigrupos sim´etricos e que de certa forma justifica sua terminologia.
Proposi¸c˜ao 2.7: Seja Λ um semigrupo num´erico de N0 de gˆenero g > 0
e condutor c. Ent˜ao c ≤ 2g. Al´em disso, Λ ´e sim´etrico se, e somente se, para todo s ∈ N0− Λ tem-se que c − 1 − s ∈ Λ.
Demonstra¸c˜ao: Considere os conjuntos S = {0, 1, ..., c − 1}, J = {(t, c − 1 − t)/ t ∈ S}, H = {(s, c − 1 − s)/ s ∈ N0 − Λ} e L = {(c − 1 − s, s)/
s ∈ N0 − Λ}. Segue que |J| = c e que |H| = |L| = g. Como c ´e o condutor
de Λ ent˜ao H ⊂ J e L ⊂ J , ou seja, H ∪ L ⊂ J . Afirmamos que J ⊂ H ∪ L. De fato, seja x ∈ J qualquer. Assim existe t ∈ S tal que x = (t, c − 1 − t).
Como c − 1 /∈ Λ e Λ ´e um semigrupo de N0 ent˜ao t /∈ Λ ou c − 1 − t /∈ Λ. Se
t /∈ Λ ent˜ao t ∈ N0− Λ =⇒ x ∈ H. Suponha que c − 1 − t /∈ Λ. Tomando
s0 = c − 1 − t segue que x = (c − 1 − s0, s0) ∈ L. Logo J ⊂ H ∪ L e portanto
J = H ∪ L.
A primeira conclus˜ao a partir disso ´e que c = |J | = |H| + |L| − |H ∩ L| = 2g − |H ∩ L|. Em particular c ≤ 2g.
Considere o conjunto Z = {(s, c − 1 − s)/ s ∈ N0− Λ e c − 1 − s ∈ N0− Λ}.
´
E f´acil ver que Z = H ∩ L e assim:
Λ ´e sim´etrico ⇐⇒ c = 2g ⇐⇒ Z = ∅ ⇐⇒ para todo s ∈ N0− Λ tem-se
que c − 1 − s ∈ Λ.
A seguir enunciamos uma proposi¸c˜ao cuja demonstra¸c˜ao ´e an´aloga `a demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 2.4.
Proposi¸c˜ao 2.8: Sejam a, b ∈ N com mdc(a, b) = 1. Ent˜ao para cada m ∈ Z existem ´unicos x, y ∈ Z tais que m = xb + ya com 0 ≤ y < b.
O pr´oximo resultado vai nos garantir que um semigrupo gerado por dois inteiros positivos primos entre si ´e um semigrupo num´erico. Mais adiante vamos mostrar que esse semigrupo ´e tamb´em sim´etrico.
Proposi¸c˜ao 2.9: Sejam a, b ∈ N com mdc(a, b) = 1 e Λ = ha, bi. Ent˜ao: a) Para cada m ∈ N0− Λ existem ´unicos x, y ∈ Z tais que m = xb + ya
com x < 0 e 0 < y < b;
b) O conjunto N0− Λ ´e finito, ou seja, Λ ´e um semigrupo num´erico.
Demonstra¸c˜ao: (a) Isso ´e consequˆencia imediata da Proposi¸c˜ao 2.8. (b) Dado m ∈ N0 − Λ qualquer, do ´ıtem anterior existem x, y ∈ Z tais
que m = xb + ya com x < 0 e 0 ≤ y < b. Se x < −a ent˜ao m = xb + ya < (−a)b + ya ≤ −ab + (b − 1)a = −a < 0, contradi¸c˜ao j´a que m ∈ N0. Logo,
−a ≤ x < 0 e portanto N0− Λ ´e finito.
Proposi¸c˜ao 2.10: Sejam a, b ∈ N, com mdc(a, b) = 1, Λ = ha, bi, c o condutor de Λ (cuja existˆencia est´a garantida pela proposi¸c˜ao anterior) e g = |N0− Λ|. Ent˜ao:
a) Se a, b ≥ 2 ent˜ao max(N0 − Λ) = ab − a − b. Em particular, c =
(a − 1)(b − 1);
Demonstra¸c˜ao: (a) Como a, b ≥ 2 ent˜ao (b−1)a−b ≥ 0, ou seja, (b−1)a− b ∈ N0. Suponha por absurdo que (b−1)a−b ∈ Λ. Da Proposi¸c˜ao 2.4 existem
x0, y0 ∈ N0 tais que −b+(b−1)a = x0b+y0a com 0 ≤ y0 < b. Pela Proposi¸c˜ao
2.8 segue −1 = x0 e b − 1 = y0, contradi¸c˜ao. Logo (b − 1)a − b ∈ N0− Λ. O
fato de (b − 1)a − b ser o maior elemento em N0− Λ decorre imediatamente
do ´ıtem (a) da Proposi¸c˜ao 2.9.
(b) Vamos mostrar que c−1−s ∈ Λ, ∀s ∈ N0−Λ. De fato, seja s ∈ N0−Λ
qualquer e suponha por absurdo que c − 1 − s ∈ N0− Λ. Pela Proposi¸c˜ao 2.9
podemos escrever s = x1b + y1a e c − 1 − s = x2b + y2a com x1, x2 ≤ −1 e
0 ≤ y1, y2 ≤ b − 1. Logo, c − 1 = ab − a − b = (x1 + x2)b + (y1 + y2)a e da´ı
(−x1−x2−1)b = (y1+y2−b+1)a. Sendo q := (−x1−x2−1)b positivo temos
q = (y1+ y2− b + 1)a ≤ (b − 1 + b − 1 − b + 1)a = (b − 1)a < ab. Por outro
lado, visto que mdc(a, b) = 1 ent˜ao b divide (y1+ y2− b + 1) donde segue que
q ≥ ab, absurdo. Portanto c − 1 − s ∈ Λ e da Proposi¸c˜ao 2.7 conclu´ımos que Λ ´e um semigrupo sim´etrico. Assim g = (a−1)(b−1)2 .
A pr´oxima proposi¸c˜ao generaliza o resultado obtido no ´ıtem (b) da Proposi¸c˜ao 2.9.
Proposi¸c˜ao 2.11: Sejam k ∈ N, k ≥ 2, a1, ..., ak ∈ N tais que
mdc(a1, ..., ak) = 1 e Λ = ha1, ..., aki. Ent˜ao N0− Λ ´e finito.
Demonstra¸c˜ao: Para k = 2 j´a foi demonstrado na Proposi¸c˜ao 2.9. Suponha por indu¸c˜ao que k ≥ 3 e que o resultado seja v´alido para k − 1. Para cada i ∈ {1, ..., k} seja di = mdc(a1, ..., ai) e considere o semigrupo Γ =
D a1 dk−1, ..., ak−1 dk−1 E . Visto que mdc( a1 dk−1, ..., ak−1
dk−1) = 1, por hip´otese de indu¸c˜ao
segue que N0 − Γ ´e finito. Considere os conjuntos H = {xdk−1 + yak/
x ∈ N0−Γ e 0 ≤ y < dk−1} e J = {zdk−1+yak/ −ak ≤ z < 0 e 0 ≤ y < dk−1}
que s˜ao finitos. Afirmamos que N0− Λ ⊂ H ∪ J. Com efeito, seja t ∈ N0− Λ
qualquer. Como mdc(ak, dk−1) = 1 ent˜ao da Proposi¸c˜ao 2.8 existem x, y ∈ Z
tais que t = xdk−1+ yak com 0 ≤ y < dk−1. Como t ≥ 0 ent˜ao −ak ≤ x. Se
x < 0 ent˜ao t ∈ J . Suponha x ≥ 0. Se x ∈ Γ ent˜ao existem y1, ..., yk−1 ∈ N0
tais que x = y1da1
k−1 + ... + yk−1
ak−1
dk−1. Da´ı xdk−1 ∈ Λ e assim t ∈ Λ, absurdo.
2.3
O gˆ
enero de um Semigrupo Telesc´
opico
Daqui em diante vamos explorar algumas propriedades de um semigrupo telesc´opico encontrando uma equa¸c˜ao que expressa o condutor em fun¸c˜ao apenas dos geradores do semigrupo. Mais adiante, provaremos que tais semigrupos s˜ao sim´etricos. Isso possibilita tamb´em uma equa¸c˜ao para o gˆenero dependendo apenas dos geradores do semigrupo. Isto ser´a usado no Cap´ıtulo 5 quando for provado que n˜ao ´e poss´ıvel construir torres de corpos de fun¸c˜oes assintoticamente boas com lugares racionais que tenham semigru-pos de Weierstrass telesc´opicos.
Proposi¸c˜ao 2.12: Sejam k ∈ N, k ≥ 2, (a1, ..., ak) uma sequˆencia
telesc´opica, Λ = ha1, ..., aki, c o condutor de Λ e di = mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈
{1, ..., k}. a) Se Γ =D a1 dk−1, ..., ak−1 dk−1 E e d ´e o condutor de Γ ent˜ao c − 1 = dk−1(d − 1) + (dk−1− 1)ak. b) c − 1 = k X i=1 (di−1 di − 1)ai, onde d0 = 0.
Demonstra¸c˜ao: (a) Seja h = (d − 1)dk−1+ (dk−1− 1)ak. Como
mdc(ak, dk−1) = 1 ent˜ao, da Proposi¸c˜ao 2.8, existem ´unicos x0, y0 ∈ Z tais
que h = x0dk−1+ y0ak com 0 ≤ y0 < dk−1. Visto que d ´e o condutor de Γ
ent˜ao d − 1 /∈ Γ. ´E claro que h ∈ N0. Suponha por absurdo que h ∈ Λ.
Pela Proposi¸c˜ao 2.6 existem x1, ..., xk ∈ N0 tais que h = x1a1 + ... + xkak
com xi < di−1d
i , ∀i ∈ {2, ..., k}. Assim 0 ≤ xk < dk−1 e h = (x1
a1
dk−1 + ... +
xk−1adk−1
k−1)dk−1+ xkak donde segue que x
0 = x 1da1 k−1 + ... + xk−1 ak−1 dk−1 e y 0 = x k.
Em particular x0 ∈ Γ. Por outro lado, visto que h = (d−1)dk−1+(dk−1−1)ak
e 0 ≤ dk−1 − 1 < dk−1 ent˜ao d − 1 = x0 e dk−1− 1 = y0 e assim d − 1 ∈ Γ,
contradi¸c˜ao. Logo, h ∈ N0 − Λ. Afirmamos que h = max(N0 − Λ). Com
efeito, seja t ∈ N0 − Λ qualquer. Pela Proposi¸c˜ao 2.8 existem x, y ∈ Z tais
que t = xdk−1+ yak com 0 ≤ y ≤ dk−1− 1. Se x < 0 ent˜ao t = xdk−1+ yak <
(d−1)dk−1+yak ≤ (d−1)dk−1+(dk−1−1)ak= h. Suponha que x ≥ 0. Como
t = xdk−1+yake t ∈ N0−Λ ent˜ao x ∈ N0−Γ e da´ı x ≤ d−1. Novamente segue
que t ≤ h. Portanto, c − 1 = max(N0− Λ) = h = (d − 1)dk−1+ (dk−1− 1)ak.
(b) Pela Proposi¸c˜ao 2.10 o resultado ´e verdadeiro para k = 2. Suponha por indu¸c˜ao que k ≥ 3 e que o resultado seja v´alido para k − 1. Temos que o semigrupo Γ = D a1 dk−1, ..., ak−1 dk−1 E ´
e telesc´opico. Sendo ej = mdc(da1
k−1, ...,
aj
∀j ∈ {1, ..., k − 1}, segue que dk−1ej = dj, ∀j ∈ {1, ..., k − 1}. Como d ´e o
condutor de Γ ent˜ao por hip´otese de indu¸c˜ao temos que d − 1 =
k−1 X j=1 (ej−1 ej − 1) aj dk−1. Portanto c − 1 = dk−1(d − 1) + (dk−1− 1)ak = dk−1( k−1 X j=1 (ej−1 ej − 1) aj dk−1) + (dk−1− 1)ak = k X i=1 (di−1 di − 1)ai.
Teorema 2.13: Sejam k ∈ N, k ≥ 2, (a1, ..., ak) uma sequˆencia
telesc´opica, Λ = ha1, ..., aki, di = mdc(a1, ..., ai), ∀i ∈ {1, ..., k} e
g = |N0− Λ|. a) Se Γ =D a1 dk−1, ..., ak−1 dk−1 E e g0 = |N0−Γ| ent˜ao g = dk−1g0+ (dk−1−1)(ak−1) 2 ;
b) O semigrupo Λ ´e sim´etrico. Em particular g = 1 2(1 + k X i=1 (di−1 di − 1)ai) onde d0 = 0.
Demonstra¸c˜ao: (a) Seja S = {0, 1, ..., dk−1 − 1}. Para cada v ∈ S seja
A(v) = {vak + dk−1w/ w ∈ N0 − Γ}. Logo |A(v)| = g0, ∀v ∈ S. Visto
que mdc(ak, dk−1) = 1, a Proposi¸c˜ao 2.8 nos diz que {A(v)/ v ∈ S} ´e uma
cole¸c˜ao de conjuntos dois a dois disjuntos e portanto [ v∈S A(v) = dk−1g0.
Pelas Proposi¸c˜oes 2.6 e 2.8 segue que A(v) ⊂ N0 − Λ, ∀v ∈ S. Sejam
L = hak, dk−1i e U = {αak+ βdk−1/ α ∈ S e β ∈ Z com β < 0}. Assim
U ⊂ N0−Λ e das Proposi¸c˜oes 2.4 e 2.8 conclu´ımos que U =N0−L e U ∩A(v) =
∅, ∀v ∈ S. Pela Proposi¸c˜ao 2.10 temos que |U | = (dk−1−1)(a2 k−1). Disto
segue que |U ∪ ([ v∈S A(v))| = |[ v∈S A(v)| + |U | = dk−1g0 + (dk−1−1)(ak−1) 2 e por
observa¸c˜oes anteriores j´a sabemos que U ∪ ([
v∈S
A(v)) ⊂ N0− Λ. Afirmamos
que N0−Λ = U ∪(
[
v∈S
A(v)). De fato, seja t ∈ N0−Λ qualquer. Da Proposi¸c˜ao
2.8 existem x, y ∈ Z tais que t = yak+ xdk−1 com 0 ≤ y < dk−1, logo y ∈ S.
Se x < 0 ent˜ao t ∈ U . Suponha x ≥ 0. Suponha por absurdo que x ∈ Γ. Ent˜ao existem x1, ..., xk−1 ∈ N0 tais que x = x1dk−1a1 + ... + xk−1
ak−1
dk−1, ou seja,
e disto t ∈ A(y) ⊂ [
v∈S
A(v). Portanto, N0− Λ = U ∪ (
[
v∈S
A(v)) e isso implica que g = |N0− Λ| = dk−1g0+ (dk−1
−1)(ak−1)
2 .
(b) Para k = 2 ´e resultado imediato da Proposi¸c˜ao 2.10. Suponha por indu¸c˜ao que o resultado seja v´alido para k − 1. Assim Γ =
D a1 dk−1, ..., ak−1 dk−1 E ´e sim´etrico, ou seja, sendo d o condutor de Γ temos que d = 2g0. Pela Proposi¸c˜ao 2.12 segue que c − 1 = dk−1(d − 1) + (dk−1− 1)ak e assim, pelo
que provamos anteriormente conclu´ımos que: g = dk−1g0 + (dk−1−1)(ak−1) 2 = dk−1(d−1)+(dk−1−1)ak+1 2 = c 2 e portanto Λ ´e sim´etrico.
Em particular, da Proposi¸c˜ao 2.12 temos g = 12(1 +
k
X
i=1
(di−1
di − 1)ai).
Desse modo, os semigrupos telesc´opicos h4, 6, 5i e h34, 4, 62, 97i consider-ados no in´ıcio da se¸c˜ao 2.2 tˆem gˆenero 4 e 64, respectivamente.
Cap´ıtulo 3
Corpos de Fun¸
c˜
oes Alg´
ebricas
Neste cap´ıtulo vamos enunciar alguns resultados que ser˜ao utilizados no decorrer deste trabalho e introduzir a linguagem b´asica para a teoria dos corpos de fun¸c˜oes alg´ebricas: valoriza¸c˜oes, lugares, divisores, gˆenero e semi-grupos de Weierstrass.
Todas as demonstra¸c˜oes dos resultados aqui enunciados podem ser en-contradas em [5].
Em todo este cap´ıtulo K ´e um corpo arbitr´ario.
3.1
An´
eis de Valoriza¸
c˜
ao Discreta e Lugares
Defini¸c˜ao: Seja F/K uma extens˜ao de corpos. Dizemos que F/K ´e um corpo de fun¸c˜oes alg´ebricas ou simplesmente corpo de fun¸c˜oes quando existir x ∈ F transcendente sobre K tal que a extens˜ao F/K(x) ´e finita.
O conjunto eK := {z ∈ F/ z ´e alg´ebrico sobre K} ´e um subcorpo de F que cont´em K e ´e chamado o corpo das constantes de F/K. Dizemos que K ´e algebricamente fechado em F quando eK = K.
Observa¸c˜ao: Os elementos de F que s˜ao transcendentes sobre K podem ser caracterizados da seguinte forma: z ∈ F ´e transcendente sobre K se, e somente se, a extens˜ao F/K(z) ´e finita.
Um exemplo simples de um corpo de fun¸c˜oes ´e o corpo de fun¸c˜oes racional : F/K ´e chamado racional se F = K(x) para algum x ∈ F transcendente sobre K.
Defini¸c˜ao: Um anel de valoriza¸c˜ao de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e um anel O ⊂ F com as seguintes propriedades:
(1) K ( O ( F ;
(2) Para todo z ∈ F − {0} tem-se z ∈ O ou z−1 ∈ O.
Exemplo: Dado um polinˆomio mˆonico e irredut´ıvel p(x) ∈ K[x], o con-junto Op(x) = {f (x)g(x)/f (x), g(x) ∈ K[x] e p(x) - g(x)} ´e um anel de valoriza¸c˜ao
de K(x)/K. E ainda, se q(x) ∈ K[x] ´e outro polinˆomio mˆonico e irredut´ıvel, ent˜ao Oq(x)6= Op(x).
A seguir enunciamos alguns resultados que nos d˜ao maiores informa¸c˜oes sobre um anel de valoriza¸c˜ao e que v˜ao permitir inserir o conceito de um lugar de um corpo de fun¸c˜oes.
Proposi¸c˜ao 3.1: Seja O um anel de valoriza¸c˜ao de um corpo de fun¸c˜oes F/K. Ent˜ao:
a) O ´e um anel local, ou seja, O possui um ´unico ideal maximal P = O − O∗ onde O∗ ´e o grupo das unidades de O;
b) Seja x ∈ F − {0}. Ent˜ao: x ∈ P ⇐⇒ x−1 ∈ O;/
c) Para o corpo eK das constantes de F/K temos que eK ⊂ O e eK ∩ P = {0}.
Proposi¸c˜ao 3.2: Seja O um anel de valoriza¸c˜ao de um corpo de fun¸c˜oes F/K e seja P o ´unico ideal maximal de O. Ent˜ao:
a) P ´e um ideal principal;
b) Se P = tO ent˜ao cada z ∈ F − {0} possui uma ´unica representa¸c˜ao na forma z = tnu para n ∈ Z e u ∈ O∗;
c) O ´e um dom´ınio de ideais principais. Mais precisamente, se P = tO e I ´e um ideal n˜ao-nulo de O ent˜ao I = tnO para algum n ∈ N0.
Um anel que possui as propriedades da Proposi¸c˜ao 3.2 ´e chamado um anel de valoriza¸c˜ao discreta.
Defini¸c˜ao: Um lugar P de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e o ´unico ideal maximal de algum anel de valoriza¸c˜ao O de F/K. Cada elemento t ∈ P tal que P = tO ´e chamado uniformizante local de P (ou elemento primo de P ). O conjunto PF := {P/P ´e um lugar de F/K} ´e o conjunto dos lugares de
F/K.
Se O ´e um anel de valoriza¸c˜ao de F/K e P ´e o ideal maximal de O ent˜ao O ´e unicamente determinado por P , a saber O = {z ∈ F − {0}/z−1 ∈/ P } conforme a Proposi¸c˜ao 3.1(b). Assim, OP := O ´e chamado o anel de
valoriza¸c˜ao associado ao lugar P .
Exemplo: Considere novamente o corpo de fun¸c˜oes racionais K(x)/K. Seja p(x) ∈ K[x] um polinˆomio mˆonico e irredut´ıvel. Os conjuntos
Op(x) = { f (x)
g(x)/f (x), g(x) ∈ K[x] e p(x) - g(x)} e
O∞ = {f (x)g(x)/f (x), g(x) ∈ K[x], gr(f (x)) ≤ gr(g(x))}
s˜ao an´eis de valoriza¸c˜ao de K(x)/K cujos ideais maximais s˜ao, respecti-vamente:
Pp(x) = {f (x)g(x)/f (x), g(x) ∈ K[x], p(x)|f (x) e p(x) - g(x)} e
3.2
Valoriza¸
c˜
oes em Corpos de Fun¸
c˜
oes
Uma outra descri¸c˜ao de lugares pode ser dada em termos de valoriza¸c˜oes. Defini¸c˜ao: Uma valoriza¸c˜ao discreta, ou simplesmente valoriza¸c˜ao, de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e uma fun¸c˜ao v : F −→ Z ∪ {∞} que satisfaz as seguintes propriedades:
(1) v(x) = ∞ ⇐⇒ x = 0;
(2) v(x.y) = v(x) + v(y), ∀x, y ∈ F ; (3) v(x + y) ≥ min{v(x), v(y)}, ∀x, y ∈ F ; (4) Existe z ∈ F tal que v(z) = 1;
(5) v(a) = 0, ∀a ∈ K − {0}.
Nesse contexto o s´ımbolo ∞ ´e apenas um elemento que n˜ao pertence a Z tal que ∞ + ∞ = ∞ + n = n + ∞ = ∞ e ∞ > m, ∀m, n ∈ Z. Pelas condi¸c˜oes (2) e (4) segue imediatamente que v : F −→ Z∪{∞} ´e sobrejetiva. A propriedade (3) ´e chamada desigualdade triangular.
O seguinte resultado ´e rico em aplica¸c˜oes e ´e comumente chamado De-sigualdade Triangular Estrita.
Proposi¸c˜ao 3.3: Seja v : F −→ Z ∪ {∞} uma valoriza¸c˜ao discreta em um corpo de fun¸c˜oes F/K e sejam x, y ∈ F com v(x) 6= v(y). Ent˜ao v(x + y) = min{v(x), v(y)}.
Defini¸c˜ao: Seja P um lugar de um corpo de fun¸c˜oes F/K. Define-se uma fun¸c˜ao vP : F −→ Z ∪ {∞} da seguinte forma: Tome t ∈ P um
uniformizante local de P . Ent˜ao cada z ∈ F − {0} possui uma ´unica repre-senta¸c˜ao na forma z = tnu com u ∈ O∗
P e n ∈ Z. Definimos ent˜ao vP(z) = n
e vP(0) = ∞.
Vale ressaltar que a defini¸c˜ao acima n˜ao depende da escolha do uni-formizante local t. Com efeito, se s ∈ P ´e outro uniformizante local ent˜ao existe um invert´ıvel w em OP tal que t = w.s. Assim, z = tnu = sn(wnu),
onde wnu ´e um invert´ıvel em O P.
O teorema a seguir mostra que vP ´e uma valoriza¸c˜ao discreta e expressa
uma maneira de obter an´eis de valoriza¸c˜ao e lugares em termos de valoriza¸c˜oes e vice-versa.
Teorema 3.4: Seja F/K um corpo de fun¸c˜oes.
a) Para um lugar P a fun¸c˜ao vP definida acima ´e uma valoriza¸c˜ao
disc-reta de F/K e mais:
OP = {z ∈ F/vP(z) ≥ 0};
O∗
P = {z ∈ F/vP(z) = 0};
P = {z ∈ F/vP(z) > 0}.
Dessa forma, vP ´e chamada a valoriza¸c˜ao correspondente (ou associada)
ao lugar P .
b) Um elemento x ∈ F ´e um uniformizante local de P se, e somente se, vP(x) = 1.
c) Reciprocamente, suponha que v : F −→ Z ∪ {∞} seja uma valoriza¸c˜ao discreta. Ent˜ao o conjunto P := {z ∈ F/ v(z) > 0} ´e um lugar de F/K com anel de valoriza¸c˜ao correspondente igual a OP = {z ∈ F/v(z) ≥ 0} .
d) Todo anel de valoriza¸c˜ao O de F/K ´e um subanel maximal pr´oprio de F .
O ´ultimo resultado nos diz que em um corpo de fun¸c˜oes, os conceitos de lugares, an´eis de valoriza¸c˜ao e valoriza¸c˜oes discretas essencialmente s˜ao iguais.
Seja P um lugar de F/K e OP o anel de valoriza¸c˜ao correspondente a
P . Como P ´e um ideal maximal de OP ent˜ao o anel quociente FP = OPP ´e
um corpo. Para x ∈ OP define-se x(P ) ∈ FP como sendo a classe residual
de x m´odulo P e para x ∈ F − OP define-se x(P ) = ∞ (novamente ∞
denota um elemento que n˜ao pertence a FP). Pela Proposi¸c˜ao 3.1 temos
que K ⊂ OP e K ∩ P = {0} donde segue que a aplica¸c˜ao ϕP : K −→ FP,
dada por ϕP(x) = x(P ), ´e um homomorfismo injetivo. Assim, o corpo K
est´a mergulhado em FP e de maneira natural temos que FP ´e um K-espa¸co
A proposi¸c˜ao seguinte mostra que a dimens˜ao de FP como K−espa¸co
vetorial ´e finita.
Proposi¸c˜ao 3.5: Sejam P um lugar de um corpo de fun¸c˜oes F/K e x ∈ P − {0}. Ent˜ao dimK FP ≤ [F : K(x)].
Seja P um lugar de um corpo de fun¸c˜oes F/K. O inteiro positivo deg P := dimK FP ´e chamado o grau de P . Um lugar de grau 1 ´e dito lugar racional
de F/K.
Defini¸c˜ao: Um lugar P ´e um zero de um elemento z ∈ F se vP(z) > 0,
e P ´e um polo de z se vP(z) < 0. Se vP(z) = m > 0 ent˜ao dizemos que P
´e um zero de z com ordem m. Se vP(z) = −m < 0 ent˜ao dizemos que P ´e
um p´olo de z com ordem m.
O pr´oximo teorema ´e uma aplica¸c˜ao do Lema de Zorn e ´e ´util para re-sponder sobre a existˆencia de lugares de F/K.
Teorema 3.6: Seja F/K um corpo de fun¸c˜oes e R um subanel de F com K ⊆ R ⊆ F . Suponha que I seja um ideal n˜ao-nulo pr´oprio de R. Ent˜ao existe um lugar P tal que I ⊆ P e R ⊆ OP.
Corol´ario 3.7: Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes e z ∈ F transcendente sobre K. Ent˜ao z possui pelo menos um zero e um p´olo. Em particular, o conjunto dos lugares de F/K n˜ao ´e vazio.
O pr´oximo teorema ´e um resultado muito forte dentro da teoria de corpos de fun¸c˜oes e nos informa sobre a independˆencia de valoriza¸c˜oes no seguinte sentido: Se v1, ..., vns˜ao valoriza¸c˜oes discretas duas a duas distintas em F/K,
z ∈ F e se j´a conhecemos v1(z), ..., vn−1(z) ent˜ao nada podemos concluir a
respeito de vn(z). Esse teorema ´e muitas vezes chamado de Teorema da
Aproxima¸c˜ao Fraca.
Teorema 3.8: Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes, P1, ..., Pn lugares dois
a dois distintos, x1, ..., xn ∈ F e r1, ..., rn ∈ Z. Ent˜ao existe x ∈ F tal que
vPi(x − xi) = ri, ∀i ∈ {1, ..., n}.
Corol´ario 3.9: Todo corpo de fun¸c˜oes possui uma infinidade de lugares. O Teorema da Aproxima¸c˜ao Fraca tem um importante papel na demon-stra¸c˜ao do seguinte resultado, que ´e comumente conhecido como Desigual-dade Fundamental.
Teorema 3.10: Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes, x ∈ F e P1, ..., Pr zeros de x. Ent˜ao r X i=1 vPi(x). deg Pi ≤ [F : K(x)].
Corol´ario 3.11: Em um corpo de fun¸c˜oes F/K, todo elemento x ∈ F − {0} possui uma quantidade finita de zeros e p´olos.
3.3
Divisores e o Teorema de Riemann-Roch
No que segue neste cap´ıtulo vamos considerar que F/K ´e um corpo de fun¸c˜oes com corpo de constantes igual a K.
Defini¸c˜ao: O grupo dos divisores de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e definido (escrito aditivamente) como o grupo abeliano livre gerado pelos lugares de F/K e ´e denotado por Div(F ). Os elementos de Div(F ) s˜ao chamados de divisores de F/K. Em outras palavras, um divisor ´e uma soma formal D = X
P ∈PF
nPP com nP ∈ Z, ∀P ∈ PF e nP = 0 para quase todo P ∈ PF.
Dados D = X P ∈PF nPP e D0 = X P ∈PF n0PP divisores ent˜ao D+D0 = X P ∈PF (nP+
n0P)P . O elemento neutro de Div(F ) ´e o divisor 0 := X
P ∈PF rPP com rP = 0, ∀P ∈ PF. Dados Q ∈ PF e D = X P ∈PF nPP definimos vQ(D) := nQ.
Uma ordem parcial em Div(F ) ´e definida por: D1 ≤ D2 ⇐⇒ vP(D1) ≤
vP(D2), ∀P ∈ PF. Se D, D0 ∈ Div(F ) com D ≤ D0e D 6= D0 ent˜ao
escreve-mos D < D0.
Um divisor D ≥ 0 ´e chamado positivo (ou efetivo). O grau de um divisor de D ´e definido como deg D := X
P ∈PF
vP(D) deg P e a fun¸c˜ao deg : Div(F ) −→
Z ´e um homomorfismo de grupos.
O Corol´ario 3.11 diz que um elemento n˜ao-nulo em F possui uma quan-tidade finita de zeros e p´olos. Assim, a seguinte defini¸c˜ao faz sentido.
Defini¸c˜ao: Seja x ∈ F − {0}. Sendo Z o conjunto dos zeros de x e N o conjunto dos p´olos de x definimos:
(x)0 :=
X
P ∈Z
vP(x)P como sendo o divisor dos zeros de x,
(x)∞:=
X
P ∈N
(−vP(x))P como sendo o divisor dos p´olos de x e
(x) := (x)0− (x)∞ como sendo o divisor principal de x.
Dessa forma, (x)0 e (x)∞ s˜ao divisores efetivos e (x) =
X
P ∈PF
vP(x)P .
Os elementos constantes n˜ao-nulos em F s˜ao caracterizados por: x ∈ K ⇐⇒ (x) = 0.
Proposi¸c˜ao 3.12: Todo divisor principal de F/K possui grau zero. Mais precisamente: Seja x ∈ F − K. Ent˜ao deg(x)0 = deg(x)∞= [F : K(x)].
Defini¸c˜ao: O conjunto P(F ) := {(x)/x ∈ F − {0}} ´e chamado o grupo dos divisores principais de F/K. ´E claro que P(F ) ´e um subgrupo de Div(F ) pois para x, y ∈ F − {0} temos (x) + (y) = (x.y) e −(x) = (x−1).
Para um divisor A ∈ Div(F ) definimos o espa¸co de Riemann-Roch asso-ciado a A por L(A) := {x ∈ F − {0}/ (x) ≥ −A} ∪ {0}.
A pr´oxima proposi¸c˜ao ´e uma reuni˜ao de alguns dos principais resultados a respeito do espa¸co de Riemann-Roch associado a um divisor de F/K.
Proposi¸c˜ao 3.13: Seja F/K um corpo de fun¸c˜oes. a) L(A) ´e um espa¸co vetorial sobre K, ∀A ∈ Div(F ); b) L(0) = K;
c) Para cada divisor A ∈ Div(F ) o espa¸co L(A) possui dimens˜ao finita como K−espa¸co vetorial, representada por l(A).
Um dos problemas mais importantes na teoria de corpos de fun¸c˜oes alg´ebricas ´e calcular a dimens˜ao l(A). A resposta para essa quest˜ao ´e dada em um dos resultados mais importantes dessa teoria, a saber, o Teorema de Riemann-Roch.
O pr´oximo resultado vai nos permitir definir o que vem a ser o gˆenero de um corpo de fun¸c˜oes.
Proposi¸c˜ao 3.14: Existe uma constante γ ∈ Z tal que deg A−l(A) ≤ γ, ∀A ∈ Div(F ).
Defini¸c˜ao: O gˆenero g de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e definido por g := max{deg A − l(A) + 1/A ∈ Div(F )}.
Visto que L(0) = K, o gˆenero de um corpo de fun¸c˜oes sempre ´e um inteiro n˜ao-negativo.
Defini¸c˜ao: Um divisor W de um corpo de fun¸c˜oes F/K ´e dito canˆonico quando deg W = 2g − 2 e l(W ) ≥ g.
A defini¸c˜ao de divisor canˆonico dada acima ´e equivalente `a defini¸c˜ao feita em [5] (confira a Proposi¸c˜ao 1.6.2 em [5]). Com isso podemos enunciar o Teorema de Riemann-Roch.
Teorema 3.15 (Riemann-Roch): Seja W um divisor canˆonico de F/K. Ent˜ao, para todo A ∈ Div(F ) vale que l(A) = deg A+1−g +l(W −A). O pr´oximo resultado ´e comumente chamado de Teorema da Aproxima¸c˜ao Forte e ´e uma consequˆencia do Teorema de Riemann-Roch.
Teorema 3.16: Sejam S ( PF e P1, ..., Pr ∈ S, com r ∈ N. Sejam
x1, ..., xr ∈ F e n1, ..., nr ∈ Z. Ent˜ao existe um elemento x ∈ F tal que
vPi(x − xi) = ni, ∀i ∈ {1, ..., r} com vP(x) ≥ 0, ∀P ∈ S − {P1, ..., Pr}.
Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes e F0/F uma extens˜ao de corpos. Seja v0 : F0 −→ Z ∪ {∞} uma valoriza¸c˜ao discreta. Como v0(F − {0}) ´e um subgrupo de Z ent˜ao existe um inteiro positivo e tal que v0(F − {0}) = eZ. Desse modo, a fun¸c˜ao v : F −→ Z ∪ {∞} definida por v(z) = 1ev0(z) ´e uma valoriza¸c˜ao discreta em F/K. Sendo P ∈ PF e P0 ∈ PF0 os correspondentes
lugares de v e v0, respectivamente, o inteiro positivo e(P0|P ) := e ´e chamado indice de ramifica¸c˜ao de P0 sobre P .
Teorema 3.17 (Riemann-Hurwitz): Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes de gˆenero g e F0/F uma extens˜ao finita separ´avel. Sejam K0 o corpo das constantes de F0 e g0 o gˆenero de F0/K0. Se e(P0|P ) n˜ao ´e divis´ıvel por car(K) para todos P ∈ PF e P0 ∈ PF0 com P0|P ent˜ao
2g0− 2 = [K[F00:F ]:K](2g − 2) +
X
3.4
O Teorema das Lacunas de Weierstrass
Defini¸c˜ao: Seja P ∈ PF. O conjunto N (P ) := {n ∈ N0/ existe
x ∈ F − {0} tal que (x)∞ = nP } ´e chamado o semigrupo de Weierstrass de
P . ´
E claro que, de fato N (P ) ´e um semigrupo de N0 pois se x1, x2 ∈ F − {0}
e (x1)∞= n1P , (x2)∞ = n2P ent˜ao (x1.x2)∞ = (x1)∞+ (x2)∞ = (n1+ n2)P .
O conjunto N (P ) tamb´em ´e chamado conjunto das n˜ao-lacunas de P e o conjunto N0 − N (P ) ´e chamado conjunto das lacunas de P . Uma outra
maneira de descrever o conjunto das n˜ao-lacunas de um lugar P ´e observar que um inteiro n˜ao-negativo n pertence N (P ) se, e somente se,
L((n − 1)P ) ( L(nP ).
O pr´oximo resultado nos diz que o semigrupo de Weierstrass de um lugar ´e um semigrupo num´erico, ou seja, o conjunto das lacunas de P ´e finito.
Proposi¸c˜ao 3.18: Sejam P ∈ PF e g o gˆenero de F/K. Ent˜ao para
todo n ≥ 2g existe um elemento x ∈ F tal que (x)∞= nP .
Finalizamos o cap´ıtulo enunciando um teorema que ser´a fundamental nos cap´ıtulos seguintes.
Teorema 3.19 (Teorema das Lacunas de Weierstrass): Sejam F/K um corpo de fun¸c˜oes com gˆenero g > 0 e P um lugar racional. Ent˜ao P possui exatamente g lacunas.
Cap´ıtulo 4
Cotas Superiores para o
N´
umero de Pontos Racionais
Anteriormente estudamos algumas propriedades de semigrupos num´ericos e revisamos alguns resultados b´asicos da teoria de corpos de fun¸c˜oes alg´ebricas. O leitor assim ter´a maior familiaridade com certos conceitos que ser˜ao apre-sentados a seguir.
Nosso objetivo neste cap´ıtulo consiste em obter cotas superiores para o n´umero de lugares racionais de um corpo de fun¸c˜oes sobre um corpo finito. Isto ser´a feito a partir de um tipo especial de semigrupo num´erico, que s˜ao os semigrupos de Weierstrass.
4.1
O Teorema Principal
Seja F/Fq um corpo de fun¸c˜oes sobre um corpo finito Fqcom q elementos.
Por quest˜oes t´ecnicas vamos sempre assumir que o corpo das constantes de F/Fq ´e o corpo Fq. Denotamos por N (F ) o n´umero de lugares racionais de
F/Fq.
Para cada inteiro g n˜ao-negativo define-se Nq(g) como sendo o maior
n´umero para o qual existe um corpo de fun¸c˜oes F/Fq de gˆenero g tal que
Nq(g) = N (F ).
Neste cap´ıtulo Λ ´e um semigrupo num´erico de N0 com um n´umero finito
g de lacunas e ´e finitamente gerado por λ1, ..., λm, com 0 < λ1 < ... < λm. O
Se existe um corpo de fun¸c˜oes sobre Fq possuindo um lugar racional tal
que seu semigrupo de Weierstrass ´e exatamente Λ ent˜ao define-se
Nq(Λ) = max{N (F )/ F ´e um corpo de fun¸c˜oes sobre Fq com semigrupo de
Weierstrass igual a Λ em algum lugar racional}. Se tal corpo de fun¸c˜oes n˜ao existe ent˜ao define-se Nq(Λ) = 0.
Lewittes mostrou em [6] que se λ1 ´e a multiplicidade de um semigrupo
de Weierstrass de algum lugar racional de F/Fq ent˜ao N (F ) ≤ qλ1+ 1.
O principal teorema nesse cap´ıtulo consiste em obter uma cota superior para N (F ) dependendo n˜ao apenas da multiplicidade λ1 mas tamb´em de
todos os demais geradores de Λ. Veremos tamb´em que o resultado de Lewittes ser´a uma consequˆencia direta desse teorema.
Teorema 4.1: Se F/Fq ´e um corpo de fun¸c˜oes tal que existe P ∈ PF
racional com semigrupo de Weierstrass igual a Λ ent˜ao N (F ) ≤ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) + 1. Em particular tem-se Nq(Λ) ≤ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) + 1 ≤ qλ1+ 1.
Demonstra¸c˜ao: Sejam N = N (F ) e P1, ..., PN −1, P todos os lugares
racionais de F/Fq. Defina Lt = L(tP ) o espa¸co de Riemann-Roch
associ-ado ao divisor tP para todo t ∈ N0 ∪ {−1} e L = ∞
[
t=0
Lt. Em particular
L−1 = {0}. Como Λ ´e o semigrupo de Weierstrass de P ent˜ao Lt = Lt−1 se
t ∈ N0− Λ e dim Lt= dim Lt−1+ 1, se t ∈ Λ. Aqui, dim V denota a dimens˜ao
do espa¸co vetorial V sobre Fq. Considere a fun¸c˜ao linear
ϕ : L −→ FN −1
q dada por ϕ(f ) = (f (P1), ..., f (PN −1)) e defina Et = ϕ(Lt),
para todo t ∈ N0∪ {−1}.
Segue que E−1 = {0} e dim Et = dim Et−1, para todo t ∈ N0− Λ. Para
t ∈ Λ temos que Et= Et−1 ou dim Et= dim Et−1+ 1.
Vamos mostrar que ϕ ´e sobrejetiva. Com efeito, seja u ∈ FN −1
q qualquer.
Ent˜ao podemos escrever u = (z1(P1), ..., zN −1(PN −1)) com zj ∈ OPj, ∀j ∈
{1, ..., N − 1}. Seja S = PF − {P }. Como P1, ..., PN −1 ∈ S, pelo Teorema
∀j ∈ {1, ..., N − 1} e vQ(z) ≥ 0, ∀Q ∈ S − {P1, ..., PN −1}. Da´ı z ∈ L e
z(Pj) = zj(Pj), ∀j ∈ {1, ..., N − 1} e consequentemente
u = ϕ(z). Portanto, ϕ ´e sobrejetiva e para t suficientemente grande temos que dim Et= N − 1.
Considere o conjunto J = {t ∈ Λ/ dim Et = dim Et−1 + 1}. Como
dim Et = N − 1 para t suficientemente grande ent˜ao |J | = N − 1.
Vamos mostrar que (
m
[
i=1
(qλi+ Λ)) ⊂ Λ − J. De fato, se i ∈ {1, ..., m} e
t ∈ qλi+ Λ ent˜ao existe λ ∈ Λ tal que t = qλi+ λ. Considere xi ∈ L tal que
vP(xi) = −λi. Temos que Et ⊂ Et−1. Com efeito, seja f ∈ Lt qualquer. Se
f ∈ Lt−1 nada a provar. Suponha que f /∈ Lt−1. Tomando g = x −q
i .f , temos
que g ∈ Lλ− Lλ−1 e assim f = xqi.g ∈ Lt− Lt−1. Como (xig)∞= (λi+ λ)P
ent˜ao xig ∈ Lt−1. Logo ϕ(f ) = ϕ(xqi.g) = ϕ(xi.g) ∈ Et−1 donde segue que
Et ⊂ Et−1. Visto que Et−1 ⊂ Et ent˜ao Et = Et−1, ou seja, t ∈ Λ − J .
Portanto ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) ⊂ Λ − J e consequentemente J ⊂ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)). Como |J | = N (F ) − 1 ent˜ao N (F ) ≤ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) + 1. Mas tamb´em Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) ≤ |Λ − (qλ1+ Λ)| e pela Proposi¸c˜ao 2.1
temos |Λ − (qλ1+ Λ)| = qλ1 donde segue a outra desigualdade.
4.2
Comparando Cotas Superiores
A cota de Serre implica que se Λ tem gˆenero g ent˜ao Nq(Λ) ≤ g2
√ q + q + 1. Observe que a cota de Lewittes ´e melhor do que a cota de Serre se e somente se λ1−1
g <
b2√qc
q . Esta ´ultima desigualdade ocorre sempre que o
corpo Fq tem 2, 3 ou 4 elementos. De fato, como a multiplicidade de um
semigrupo num´erico n˜ao pode exceder g + 1 ent˜ao λ1−1
g ≤ g g = 1. Mas, b2√2c 2 = 3 2 > 1, b2√3c 3 = 4 3 > 1 e b2√4c 4 = 5 4 > 1.
Exemplo: Seja q = 2 e considere o semigrupo num´erico Λ = h8, 9, 20i. Assim, λ1 = 8, λ2 = 9, λ3 = 20 e Λ = {0, 8, 9, 16, 17, 18, 20, 24, 25, 26,
27, 28, 29, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, ...}.
Logo, 2λ1+ Λ = {16, 24, 25, 32, 33, 34, 35, 36, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 48,
49, 50, 51, 52, 53, 54, 56, ...}. Disto segue que S := Λ − (2λ1+ Λ) = {0, 8, 9,
Observe que 2λ2 + Λ = {18, 26, 27, 34, 35, 36, 38, 42, 43, 44, 45, 46, 47,
50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 58, ...} e da´ı T := S − (2λ2+ Λ) = {0, 8, 9, 17, 20,
28, 29, 37}.
Como todos os elementos de T s˜ao menores do que 40 ent˜ao T −(2λ3+Λ) =
T − (40 + Λ) = T .
Mas, Λ − ((2λ1+ Λ) ∪ (2λ2+ Λ) ∪ (2λ3+ Λ)) = T − (2λ3+ Λ) = T e desse
modo |Λ − ((2λ1 + Λ) ∪ (2λ2+ Λ) ∪ (2λ3+ Λ))| = 8. Portanto, a nova cota
obtida nesse caso ´e 8 + 1 = 9 enquanto que a cota de Lewittes ´e 2λ1+ 1 = 17.
Nas tabelas abaixo constam outros exemplos comparando a cota de Le-wittes com a nova cota obtida no Teorema 4.1, onde x ´e a cota de Lewittes e y ´e a nova cota obtida.
Λ = h8, 9, 20i Λ = h13, 14, 20i Λ = h10, 11, 20, 22i
g = 20 g = 42 g = 45 q x/y 2 17/9 3 25/16 4 33/25 8 65/65 9 73/73 16 129/129 q x/y 2 27/9 3 40/17 4 53/33 8 105/95 9 118/102 16 209/195 q x/y 2 21/5 3 31/10 4 41/17 8 81/65 9 91/82 16 161/141
A seguinte proposi¸c˜ao nos d´a mais informa¸c˜oes sobre o quanto pode ser boa a cota obtida no Teorema 4.1 e mostra que sua diferen¸ca com a cota de Lewittes n˜ao excede o gˆenero g.
Proposi¸c˜ao 4.1: Se Λ = hλ1, ..., λmi ´e um semigrupo num´erico ent˜ao
qλ1+ 1 − g ≤ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) + 1 ≤ min{qλ1 + 1, qm+ 1}.
Demonstra¸c˜ao: A primeira desigualdade decorre do fato que existem no m´aximo qλ1 − g elementos em Λ que s˜ao menores do que qλ1 e que esses
elementos pertencem a Λ − (
m
[
i=1
(qλi + Λ)). Para a ´ultima desigualdade, do
Teorema 4.1, j´a temos que Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) + 1 ≤ qλ1 + 1. Considere o
conjunto L = {b1λ1+...+bmλm/ 0 ≤ bi < q, ∀i ∈ {1, ..., m}}. Afirmamos que
Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) ⊂ L. De fato, seja t ∈ Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) qualquer. Como
t ∈ Λ, ent˜ao existem a1, ..., am ∈ N0 tais que t = a1λ1+ ... + amλm. Suponha
por absurdo que exista j ∈ {1, ..., m} tal que aj ≥ q. Consequentemente
existe d ∈ N0de maneira que aj = q+d e t = ajλj+w onde w =
X
k6=j
akλk∈ Λ.
Sendo u = dλj+ w conclu´ımos que u ∈ Λ e t = ajλj+ w = (q + d)λj+ w =
qλj + (dλj + w) = qλj + u ∈ qλj + Λ, contradi¸c˜ao. Logo, 0 ≤ ai < q,
∀i ∈ {1, ..., m} donde segue que t ∈ L. Portanto, Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ))
≤ qm o que conclui a prova da proposi¸c˜ao.
A seguir apresentamos um corol´ario do Teorema 4.1 que, sob certas condi¸c˜oes, consegue melhorar efetivamente a cota de Lewittes.
Corol´ario 4.1: Seja B = {λ ∈ Λ / λ ∈ [λ1 + 1, λ1 +
l λ1 q m − 1]}. Se t = |B| ent˜ao Nq(Λ) ≤ qλ1− t + 1.
Demonstra¸c˜ao: Se B = ∅ ent˜ao t = 0 e a desigualdade ´e verdadeira pelo Teorema 4.1. Suponha B 6= ∅. Para cada λ ∈ B temos que qλ 6= qλ1+η para
qualquer η ∈ Λ j´a que n˜ao existe um elemento n˜ao-nulo η ∈ Λ com η < λ1.
Logo, qλ /∈ (qλ1+ Λ) e visto que λ ≥ λ1+ 1 ent˜ao qλ ∈ qλj+ Λ, para algum
j ∈ {1, ..., m}. Da´ı qλ ∈ (
m
[
i=1
(qλi+ Λ)) − (qλ1+ Λ). Assim, se J ´e o conjunto
dos elementos qλ com λ ∈ B ent˜ao J ⊂ (
m
[
i=1
(qλi + Λ) ∩ (Λ − (qλ1 + Λ)) e
|J| = t. Desse modo, a uni˜ao disjunta (Λ − (
m [ i=1 (qλi+ Λ))) ∪ J est´a contida em Λ − (qλ1 + Λ) e da´ı Λ − ( m [ i=1 (qλi+ Λ)) ≤ qλ1 − t. Pelo Teorema 4.1 conclu´ımos que Nq(Λ) ≤ qλ1− t + 1.
No caso em que λ1 = g + 1 temos Λ = {0, g + 1, g + 2, ...} e o n´umero t do
Corol´ario 4.1 ´e exatamente lg+1q m− 1. Logo, Nq(Λ) ≤ q(g + 1) + 2 −
l
g+1 q
m . Observa¸c˜ao: Seja c o condutor de Λ. ´E claro que a nova cota coincide com a cota de Lewittes sempre que qλ1+ c ≤ qλ2. Isso ocorre quando qλ1+
2g ≤ qλ2 j´a que c ≤ 2g.
Como a multiplicidade de um semigrupo Λ n˜ao pode exceder g + 1 ent˜ao pela cota de Lewittes temos Nq(g) ≤ q(g + 1) + 1. No pr´oximo resultado
vamos explorar uma implica¸c˜ao do Teorema 4.1 para obter uma nova cota para o n´umero Nq(g).
Proposi¸c˜ao 4.2: Se q ∈ N ´e potˆencia de um primo e g ´e um inteiro n˜ao-negativo ent˜ao Nq(g) ≤ (q − 1q)g + q + 2 − 1q.
Demonstra¸c˜ao: Sejam F/Fq um corpo de fun¸c˜oes de gˆenero de g e P ∈ PF
racional. Seja Λ o semigrupo de Weierstrass de P . Pelo Teorema das Lacunas de Weierstrass temos que |N0 − Λ| = g e assim Λ ´e finitamente gerado.
Tome λ1, ..., λm ∈ Λ geradores de Λ com 0 < λ1 < ... < λm. Temos que
λ1 ≤ g + 1. Seja B = {λ ∈ Λ / λ ∈ [λ1 + 1, λ1 + l λ1 q m − 1]} e t = |B|. Do Corol´ario 4.1 segue que N (F ) ≤ qλ1 − t + 1. Considere o conjunto
J = {h ∈ N0 / h ∈ [λ1 + 1, λ1 + l λ1 q m − 1]} que possui |J| = lλ1 q m − 1 elementos. Sendo M = {l ∈ N0− Λ / l > λ1}, como n˜ao existem elementos
n˜ao-nulos de Λ menores do que λ1 ent˜ao |M | = g − (λ1− 1). Visto que J est´a
contido na uni˜ao disjunta B ∪ M ent˜aolλ1
q
m
− 1 ≤ t + g − (λ1− 1) e assim
−t ≤ −(λ1
q + λ1− g − 2) donde conclu´ımos que N (F ) ≤ (q − 1
q)g + q + 2 − 1 q.
Portanto, Nq(g) ≤ (q −1q)g + q + 2 − 1q.
Uma aplica¸c˜ao direta da Proposi¸c˜ao 4.2 ´e que N2(g) ≤ 32g + 72, N3(g) ≤ 8 3g + 14 3 e N4(g) ≤ 15 4g + 23
4 que s˜ao cotas muito melhores do que a cota de
Serre para esses casos e, para gˆenero pequeno, competem at´e mesmo com a cota de Ihara.
Cap´ıtulo 5
Torres de Corpos de Fun¸
c˜
oes
Neste cap´ıtulo vamos estudar um novo conceito que ´e muito utilizado na Teoria de C´odigos Corretores de Erros que s˜ao as torres de corpos de fun¸c˜oes.
5.1
Torres com Semigrupos Telesc´
opicos
Uma sequˆencia (F(1)/F
q, F(2)/Fq, ...) de corpos de fun¸c˜oes ´e chamada
torre se F(i) ⊂ F(i+1)
, ∀i ∈ N. Escrevemos N(i) = N (F(i)) e g(i) = g(F(i)) (gˆenero de F(i)/F). Dizemos que uma torre de corpos de fun¸c˜oes ´e
assintoti-camente boa quando lim
i→∞ g
(i) = ∞ e lim i→∞inf
N(i)
g(i) = κ > 0 .
A seguir apresentamos um resultado que ´e uma consequˆencia do Teorema 4.1 e da Proposi¸c˜ao 4.1.
Proposi¸c˜ao 5.1: Seja (F(1)/Fq, F(2)/Fq, ...) uma torre assintoticamente
boa. Seja (P(1), P(2), ...) uma sequˆencia tal que P(i) ´e um lugar racional
de F(i)/F
q para cada i ∈ N. Seja λ (i)
1 a multiplicidade do semigrupo de
Weierstrass Λ(i) de P(i) e m
i o n´umero de geradores em alguma descri¸c˜ao
de Λ(i). Ent˜ao lim i→∞inf
λ(i)1 g(i) ≥
κ
q e limi→∞ mi = ∞, onde limi→∞inf N(i)
g(i) = κ.
Demonstra¸c˜ao: Como lim
i→∞ g
(i) = ∞ ent˜ao lim i→∞
1
qg(i) = 0. Do Teorema 4.1
temos que N(i) ≤ qλ(i)
1 + 1, ∀i ∈ N, e assim N (i) qg(i) ≤ λ(i)1 g(i) + 1
qg(i), ∀i ∈ N. Logo,
lim i→∞inf N(i) qg(i) ≤ lim i→∞inf( λ(i)1 g(i) + 1
qg(i)), ou seja, lim
i→∞inf λ(i)1 g(i) ≥
κ q.
Para a segunda parte, visto que κ > 0, ent˜ao podemos tomar ε ∈ R com 0 < ε < κ. Como κ = lim
i→∞inf N(i)
g(i) ent˜ao existe i0 ∈ N tal que κ − ε <
N(i)
g(i),
para cada i ∈ N com i > i0 tem-se κ − ε < N
(i)
g(i) ≤
qmi+1
g(i) donde segue que
qmi > (κ − ε)g(i)− 1. Assim, lim
i→∞ q mi = ∞ j´a que κ − ε > 0 e lim i→∞g (i) = ∞. Portanto, lim i→∞mi = ∞.
Para a constru¸c˜ao de c´odigos geom´etricos de Goppa com bons parˆametros, al´em de encontrar uma base {f1, f2, ...} do espa¸co vetorial L(iP ) tal que
vp(fi) > vP(fi+1), tamb´em ´e necess´ario calcular fi(Pj), o que geralmente ´e
dif´ıcil mesmo quando se tem um conjunto de equa¸c˜oes explicitamente dado. S. Miura em [1] e R. Pellikaan em [2], independentemente e simultaneamente, propuseram uma forma padr˜ao de definir equa¸c˜oes para curvas alg´ebricas afins para que fi(Pj) pudesse ser calculado de maneira simples. Por´em, J.
Suzuki em [3] mostrou que o n´umero de equa¸c˜oes na forma padr˜ao proposta por Miura e Pellikaan ´e m´ınimo se, e somente se, o semigrupo de Weierstrass de P ´e telesc´opico. Com isso, seria desej´avel encontrar torres de corpos de fun¸c˜oes assintoticamente boas com semigrupos de Weierstrass telesc´opicos. O que vamos mostrar a seguir ´e que n˜ao existe tal torre.
Proposi¸c˜ao 5.2: Seja (F(1)/F
q, F(2)/Fq, ...) uma torre de corpos de
fun¸c˜oes tal que para uma infinidade de ´ındices i tem-se que F(i) possui um
lugar racional P(i) com semigrupo de Weierstrass telesc´opico igual a Λ(i). Ent˜ao a torre (F(1)/F
q, F(2)/Fq, ...) n˜ao ´e assintoticamente boa.
Demonstra¸c˜ao: Seja (γ1(i), ..., γm(i)i) uma sequˆencia telesc´opica que gera Λ
(i)
com mimenor poss´ıvel com essa propriedade. Por [1] temos que {γ1(i), ..., γ (i) mi}
´e um conjunto minimal gerador de Λ(i). Sendo d(i)j = mdc(γ1(i), ..., γj(i)) para todo j ∈ {1, ..., mi} segue da Proposi¸c˜ao 2.6 que
d(i)j−1
d(i)j ≥ 2, ∀j ∈ {2, ..., mi}.
Suponha por absurdo que a torre (F(1)/F
q, F(2)/Fq, ...) seja
assintotica-mente boa. Para cada i seja λ(i)1 = min{γ1(i), ..., γm(i)i}. Pela Proposi¸c˜ao 5.1
existe κ > 0 tal que lim
i→∞inf λ(i)1 g(i) ≥
κ
q e limi→∞mi = ∞. A partir da express˜ao
obtida no Teorema 2.13 para g(i) conclu´ımos que m i < 2g (i) λ(i)1 + 2. Seja d = lim i→∞inf λ(i)1
g(i). Visto que d ≥
κ
q > 0 ent˜ao se pode tomar ε > 0
com ε < d. Da´ı existe i0 ∈ N tal que λ(i)1
g(i) ≥ d − ε para todo i > i0. Como
d − ε > 0 ent˜ao g(i)
λ(i)1 ≤ 1
d−ε para todo i > i0. Portanto mi < 2
d−ε + 2 , para
5.2
Uma Torre Assintoticamente ´
Otima
Vamos estudar nesta se¸c˜ao um exemplo de uma torre de corpos de fun¸c˜oes sobre o corpo Fq, definida de maneira recursiva, que provaremos ser
assintoticamente ´otima no caso q = 9.
Uma torre F sobre o corpo finito Fq ´e assintoticamente ´otima se
λ(F ) = lim
n−→∞ N (F(n))
g(n) atinge a chamada constante de Ihara A(q) = lim sup
g→∞ Nq(g)
g .
O pr´oximo teorema pode ser encontrado em [5, Teorema 7.1.3].
Teorema (A cota de Drinfeld-Vladut): A constante de Ihara satisfaz A(q) ≤√q − 1.
Sejam q = l2, onde l ´e uma potˆencia de um primo ´ımpar, (xn) uma
sequˆencia tal que x2 n+1 = 1+x2 n 2xn e F (n) = F q(x0, ..., xn), ∀n ∈ N0, com x0 transcendente sobre Fq.
Considere a torre F = (F(0)/Fq, F(1)/Fq, ...) e seja g(n) o gˆenero de
F(n)/F
q, ∀n ∈ N0.
Dado λ ∈ Fq∪ {∞}, considere a valoriza¸c˜ao vλ : F(0) −→ Z∪{∞} tal que
v∞(x0) = −1 e vλ(x0− λ) = 1 se λ 6= ∞, e seja Pλ o correspondente lugar de
vλ em F(0). Se v (1) λ : F
(1)
−→ Z ∪ {∞} ´e uma valoriza¸c˜ao acima de vλ, com
´ındice de ramifica¸c˜ao e(1)λ e correspondente lugar Pλ(1) em F(1)/F
q, ent˜ao v(1)λ (x1) = e(1)λ 2 (vλ(1 + x 2 0) − vλ(x0)).
Vamos mostrar que s˜ao verdadeiras as seguintes afirma¸c˜oes:
(a) F(n+1)/F(n)´e uma extens˜ao separ´avel de grau 2 para todo n ∈ N 0;
(b) Fq ´e o corpo das constantes de F(n)/Fq, ∀n ∈ N0.
Com efeito, pela equa¸c˜ao x2 n+1 =
1+x2 n
2xn e do fato da caracter´ıstica do corpo
de base ser ´ımpar, temos que [F(n+1) : F(n)] ≤ 2 e F(n+1)/F(n) ´e separ´avel
para todo n ∈ N0. Seja P∞ o polo de x0. Tome P (1)
∞ ∈ PF(1) tal que
P∞(1)|P∞ e seja e(1)∞ o ´ındice de ramifica¸c˜ao de P∞(1) sobre P∞. Observe que
v∞(1)(x1) = e (1) ∞ 2 v∞( 1+x2 0 2x0 ) = − e(1)∞ 2 . Logo, e (1) ∞ = 2 e v(1)∞(x1) = −1.
Prosseguindo indutivamente constru´ımos uma sequˆencia de lugares P∞(n) ∈ PF(n) tal que P
(n+1)
∞ |P∞(n)e o ´ındice de ramifica¸c˜ao de P∞(n+1)sobre P∞(n)
´e e(n+1)∞ = 2, ∀n ∈ N0. Por [5, Teorema 3.1.11] temos que [F(n+1) : F(n)] ≥
e(n+1)∞ = 2 donde segue que [F(n+1): F(n)] = 2, ∀n ∈ N0. Portanto, (a) e (b)
decorrem de [5, Proposi¸c˜ao 7.2.15]. Visto que q = l2 ent˜ao existe i ∈ F
q tal que i2 = −1.
O que faremos agora ´e explicitar alguns semigrupos de Weierstrass de F(1)/Fq, F(2)/Fq e F(3)/Fq calculando os correspondentes gˆeneros.
Vamos mostrar inicialmente que o semigrupo de Weierstrass de P∞(1) ´e
Λ(1) = h2, 3i e que g(1) = 1.
Com efeito, analogamente ao que fizemos anteriormente temos que e(1)0 = 2 e v(1)0 (x1) = −1. Logo v
(1)
0 (x0) = 2 e v (1)
∞(x0) = −2. Pela desigualdade
triangular estrita temos vi(x0) = min{vi(x0 − i), vi(i)} = 0 e vi(x0 + i) =
min{vi(x0 − i), vi(2i)} = 0. De maneira an´aloga v−i(x0) = v−i(x0 − i) = 0.
Desse modo, vi(1)(x1) = e(1)i 2 (vi(x0− i) + vi(x0+ i)) = e(1)i 2 e portanto e (1) i = 2 e v(1)i (x1) = 1. Analogamente e (1) −i = 2, v (1) −i(x1) = 1 e v (1) λ (x1) ≥ 0 para
λ ∈ {0, ∞, i, −i}. Ent˜ao podemos concluir que os divisores das fun¸c˜oes x0 e
x1 em F(1) s˜ao: (x0)(1) = 2P (1) 0 − 2P (1) ∞ (x1)(1) = P (1) i + P (1) −i − P (1) 0 − P (1) ∞ . Dessa forma, (x0x1)(1) = P (1) i + P (1) −i + P (1) 0 − 3P (1) ∞ e assim 2, 3 ∈ Λ(1).
Da´ı g(1) ≤ 1. Pela f´ormula do gˆenero de Riemann-Hurwitz temos 2g(1)− 2 ≥ 2(−2) + 4 = 0 o que implica g(1) ≥ 1. Portanto, g(1) = 1 e Λ(1) = h2, 3i.
Al´em disso, os ´unicos lugares ramificados na extens˜ao F(1)/F(0) s˜ao P ∞, P0,
P−i e Pi. Neste caso, a cota obtida no Teorema 4.1 para o n´umero de lugares
racionais de F(1)/F
q ´e 2q + 1.
Vamos mostrar que o gˆenero de F(2)/F
q ´e g(2) = 3 e que o semigrupo de
Weierstrass do lugar P∞(2) em F(2) acima de P∞(1) ´e Λ(2) = h3, 4i.
De fato, para cada λ ∈ Fq ∪ {∞}, seja v (2)
λ : F(2) −→ Z ∪ {∞} uma
valoriza¸c˜ao acima de vλ com ´ındice de ramifica¸c˜ao e(2)λ e correspondente lugar
que e(2)λ = 2 se λ ∈ {∞, 0, −i, i}, v(2)−1(x2) = e (2) −1 e v (2) λ (x2) ≥ 0 se λ /∈ {∞, 0, −i, i, −1}.
Ent˜ao podemos concluir que os divisores das fun¸c˜oes x0, x1 e x2 em F(2)
s˜ao: (x0)(2)= 4P0(2)− 4P (2) ∞ , (x1)(2) = 2P (2) −i + 2P (2) i − 2P (2) 0 − 2P (2) ∞ e (x2)(2) = X P−1(2)|P−1 P−1(2)− P0(2)− P∞(2)− Pi(2)− P−i(2).
Desse modo, 4 ∈ Λ(2). Visto que x2 n+1 = 1+xn 2xn ent˜ao ( 1+x0 x2 ) 2 = 4x 0x1. Assim, 2(1+x0 x2 ) (2) = (x 0x1)(2) = 2P (2) −i + 2P (2) i + 2P (2) 0 − 6P (2) ∞ . Logo, (1+x0 x2 ) (2) = P(2) −i + P (2) i + P (2) 0 − 3P (2)
∞ e da´ı 3 ∈ Λ(2). Disto segue que
g(2) ≤ 3. Pela f´ormula do gˆenero de Riemann-Hurwitz temos que 2g(2)− 2 ≥
2(2.1 − 2) + 4 o que implica que g(2) ≥ 3. Portanto, g(2) = 3 e Λ(2) = h3, 4i.
Al´em disso os ´unicos lugares ramificados na extens˜ao F(2)/F(1) s˜ao P(1) ∞ ,
P0(1), P−i(1) e Pi(1). Neste caso, a cota obtida no Teorema 4.1 para o n´umero de lugares racionais de F(2)/Fq ´e 3q + 1.
Agora vamos motrar que g(3) = 9 e que o semigrupo de Weierstrass do lugar P∞(3) em F(3) acima de P∞(2) ´e Λ(3) = h6, 8, 11, 15i.
Para isso, para cada λ ∈ Fq ∪ {∞}, seja v (3) λ : F
(3)
−→ Z ∪ {∞} uma valoriza¸c˜ao acima de vλ com ´ındice de ramifica¸c˜ao e
(3)
λ e correspondente lugar
Pλ(3)em F(3)/F(2). Ent˜ao de maneira an´aloga aos casos anteriores conclu´ımos
que e(3)λ = 2 se λ ∈ {∞, 0, −i, i, −1} e v(3)λ (x3) ≥ 0 se λ /∈ {∞, 0, −i, i, −1}.
Desse modo, (x0)(3) = 8P (3) 0 − 8P (3) ∞ . Observe que v∞(3)(1+xx 0 2 ) = −6 e, como vλ(3)(1+x0 x2 ) ≥ 0 se λ 6= ∞, ent˜ao ( 1+x0 x2 ) (3) ∞ = 6P∞(3). Temos que v(3)∞(x0(xx1+1) 3 ) = v (3) ∞(x0) + 4v (1) ∞(x1 + 1) − v (3) ∞(x3) = −8 − 4 − (−1) = −11 e, como v(3)λ (x0(x1+1) x3 ) ≥ 0 se λ 6= ∞, ent˜ao ( x0(x1+1) x3 ) (3) ∞ = 11P∞(3).
Vemos tamb´em que v∞(3)((x0−1)
2 x3 ) = 16v∞(x0−1)−v (3) ∞(x3) = −16−(−1) = −15 e, como vλ(3)((x0−1)2 x3 ) ≥ 0 se λ 6= ∞, ent˜ao ( (x0−1)2 x3 ) (3) ∞ = 15P∞(3). Assim,
6, 8, 11, 15 ∈ Λ(3) e dessa forma g(3) ≤ 9. Mas, pela f´ormula do gˆenero de
Riemann-Hurwitz temos que 2g(3) − 2 ≥ 2(2.3 − 2) + 8 = 16 donde segue
que g(3) ≥ 9. Portanto, g(3) = 9 e Λ(3) = h6, 8, 11, 15i. Al´em disso os
´
unicos lugares ramificados na extens˜ao F(3)/F(2) s˜ao P(2)
∞ , P0(2), P−i(2), Pi(2) e
os quatro lugares acima de P−1. Neste caso, a cota obtida pelo Teorema 4.1
para o n´umero de lugares racionais de F(3)/F
q ´e 6q + 1.
Agora vamos analisar o caso q = 32 e mostrar que neste caso a torre F ´e
assintoticamente ´otima.
Visto que g(2) > 2 ent˜ao tamb´em da f´ormula do gˆenero de
Riemann-Hurwitz segue que g(n)−→ ∞ quando n −→ ∞.
O corpo F9 pode ser representado por F9 = F3(i) e assim
F9 = {0, ±1, ±i, ±(i + 1), ±(i − 1)}. Neste caso o conjunto
Σ = {±(i + 1), ±(i − 1)} satisfaz as condi¸c˜oes de [5, Corol´ario 7.2.21] e portanto a taxa de decomposi¸c˜ao ν(F /F(0)) = lim
n→∞
N (F(n))
[F(n):F(0)] de F sobre F
(0)
satisfaz ν(F /F(0)) ≥ |Σ| = 4.
O conjunto Λ0 de [5, Proposi¸c˜ao 7.2.23] ´e dado por Λ0 = {∞, 0, ±i} como
uma consequˆencia direta de [5, Proposi¸c˜ao 3.7.3]. Considere agora o conjunto Λ = {0, ∞, ±1, ±i} ⊂ F9 ∪ {∞}. Observe que para todo β ∈ Λ, todas as
solu¸c˜oes α ∈ F9 ∪ {∞} da equa¸c˜ao 1+α
2
2α = β
2 est˜ao em Λ. Isso se verifica
facilmente como segue:
Se β = ∞ ent˜ao α = 0 ou α = ∞; Se β = 0 ent˜ao α = ±i;
Se β = ±1 ent˜ao α = 1; Se β = ±i ent˜ao α = −1.
Al´em disso, por [5, Teorema 7.2.10(b)], o gˆenero da torre γ(F /F(0)) = lim n→∞ g(n) [F(n):F(0)] satisfaz γ(F /F (0)) ≤ −1 + |Λ| 2 = −1 + 3 = 2.
Portanto, por [5, Proposi¸c˜ao 7.2.23] temos que λ(F ) = ν(F /Fγ(F /F(0)(0))) ≥
4 2 =
2 =√9 − 1 atinge a cota de Drinfeld-Vladut e consequentemente a torre F ´e assintoticamente ´otima.
Em [8], Garcia e Stichtenoth mostraram que a torre F ´e assintoticamente ´
Referˆ
encias Bibliogr´
aficas
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