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Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Um olhar econômico sobre a saúde e o trabalho infantil no Brasil

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Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”

Um olhar econômico sobre a saúde e o trabalho infantil no Brasil

Alexandre Chibebe Nicolella

Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Ciências. Área de Concentração: Economia Aplicada

Piracicaba

2006

(2)

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

(3)

Engenheiro Agrônomo

Um olhar econômico sobre a saúde e o trabalho infantil no Brasil

Orientador:

Prof. Dr. ALEXANDRE LAHÓZ MENDONÇA DE BARROS

Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Ciências. Área de Concentração: Economia Aplicada

Piracicaba 2006

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DadosInternacionais de Catalogação na Publicação (CIP) DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - ESALQ/USP

Nicolella, Alexandre Chibebe

Um olhar econômico sobre a saúde e o trabalho infantil no Brasil / Alexandre Chibebe Nicolella. - - Piracicaba, 2006.

166 p.

Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2006. Bibliografia.

1. Bem-estar da criança 2. Capital humano 3. Desenvolvimento infantil 4. Econometria 5. Educação em saúde 6. Saúde da criança 7. Trabalho de menor I. Título

CDD 331.38

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao apoio das instituições:

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - CEPEA

Fico em débito com:

Alexandre Lahóz Mendonça de Barros Ana Lúcia Kassouf

Andrea Rodrigues Ferro Bernard F. Couttolenc

E a todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente para a conclusão desse trabalho, meus sinceros agradecimentos.

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SUMÁRIO RESUMO... 6 ABSTRACT ... 7 LISTA DE TABELAS ... 10 LISTA DE QUADROS ... 11 1 INTRODUÇÃO ... 12 1.1 Problema e justificativa... 13 1.2 Objetivos ... 14 1.2.1 Objetivo geral ... 14 1.2.2 Objetivos específicos... 14 1.3 Estrutura do trabalho... 15 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 16 2.1 A definição de família ... 24

2.2 A alocação dos recursos familiares... 26

2.3 Os motivos da união e as decisões de fertilidade ... 33

2.4 O trabalho infantil ... 37

2.4.1 Aspectos teóricos do trabalho infantil... 37

2.4.2 Aspectos benéficos do trabalho infantil – a criança como agente econômico... 47

2.5 Impactos do trabalho infantil na saúde... 55

2.5.1 A saúde como um bem... 55

2.5.2 Aspectos teóricos do capital humano saúde ... 57

2.6 A relação entre saúde e educação... 63

2.7 Impactos microeconômicos e macroeconômicos ... 66

3 METODOLOGIA... 70

3.1 O modelo econômico ... 70

3.2 Estratégia empírica ... 77

3.2.1 Características das variáveis... 77

3.2.2 As bases de dados... 79

3.2.3 As variáveis selecionadas ... 80

3.2.4 Especificação econométrica... 84

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO... 94

(7)

4.1.1 Fertilidade – a relação de troca entre qualidade e quantidade de filhos ... 95

4.1.2 Trabalho infantil... 97

4.1.3 Saúde, trabalho infantil, trabalho infantil de risco ... 98

4.1.4 Investimento em saúde e educação... 102

4.1.5 Análise preliminar das coortes ... 106

4.2 Análise dos resultados econométricos ... 116

4.2.1 Características dos pais e da própria criança influenciando o status de saúde . 117 4.2.2 Características domiciliares influenciando o status de saúde da criança... 119

4.2.3 Insumos comprados no mercado e eficiência da conversão desses em saúde . 121 4.2.4 Trabalho infantil e saúde ... 123

5 CONCLUSÕES ... 131

REFERÊNCIAS... 136

(8)

RESUMO

Um olhar econômico sobre a saúde e o trabalho infantil no Brasil

O objetivo dessa tese é verificar se existe impacto do trabalho infantil na saúde da criança. O entendimento dessa relação é importante, pois pode fornecer maiores subsídios para o combate ao trabalho infantil e permitir o direcionamento de políticas para restabelecer a saúde da criança em casos onde a erradicação não foi efetivada. Para a análise foram utilizadas as PNADs de 1998 e 2003, que trazem suplemento especial sobre saúde, e empregada a técnica econométrica de pseudo-painel. Os resultados obtidos foram consistentes com aqueles alcançados na literatura. Para a análise do trabalho infantil sobre a saúde foram utilizados quatro modelos, representado diferentes variáveis relacionadas ao trabalho. O primeiro utilizou a variável que indica se a criança trabalha ou não. Observa-se que o fato de a criança exercer qualquer atividade laboral impacta negativamente sua saúde. O segundo modelo analisou as horas trabalhadas pelas crianças. Os resultados mostram que quanto maior o número de horas trabalhadas, pior é o status de saúde da criança. O terceiro modelo analisou o trabalho perigoso e mostrou que esse tem impacto negativo sobre a saúde da criança, sendo esse impacto maior do que aquele obtido no primeiro modelo para os indivíduos que trabalham. O último modelo analisa os diferentes setores de atividades, mostrando que crianças que exercem suas atividades no setor de comércio e de serviço possuem maior chance de possuir pior status de saúde. No entanto, as atividades agrícolas não tiveram impactos sobre a saúde indicando que as famílias de zonas rurais têm maior capacidade de restabelecer a saúde da criança. Isso provavelmente ocorre pelo fato de as atividades rurais serem exercidas próximo aos pais. Por outro lado, as pessoas que residam no meio rural podem possuir maior capacidade de suportar ou considerar normais certas doenças. Com relação a trabalho infantil e saúde, a redução das horas trabalhadas e eliminação do trabalho perigoso possuem efeitos consideráveis sobre a saúde da criança, sendo essas duas possibilidades de atuação governamental. Além disso, a atuação do governo do governo deve ser setorial, ou seja, políticas para aliviar os impactos do trabalho infantil na saúde no meio rural devem ser distintas das ações empregadas no meio urbano. Em paralelo, melhoria no acesso ao sistema de saúde, garantia de acesso a medicamentos e promoção da educação materna em saúde devem ser incentivadas, pois são aparentemente eficazes para aumentar o estoque de saúde da criança.

(9)

ABSTRACT

An economic view on health and child labour in Brazil

The aim of this dissertation is to identify the causal relation between child labour and health. Understanding this relation can bring more resources to fight against child labour as well as to allow the responsible to readjust policies in order to recover children’s health stock where eradication of child labour was not abolished yet. The analysis utilized the PNAD, a Brazilian household survey, from 1998 and 2003. The econometric modeling was based on the pseudo-panel approach. The results of the research were reliable to those in national and international literature of child labour and health. Four models were used to access the impact of child labour on health. Each model represents a different way to analyze labour. The first model made use of the variable that indicates whether the child work or not. It was observed that any kind of labour has a negative impact on their health. The second model analysed the children working hours. The results show that the more they work, the less healthy they become. The third model takes into account the type of work a child does – hazardous or not. The impact of hazardous work on the child’s health is more negative than the impact obtained on the first model. The last model analyzed child labour in different work fields and it showed that children who work in commerce and in the service sector presented a worst health status. However, the same is not true for the ones who work in agriculture. This shows that families from rural areas have a bigger ability to recover their children’s health stock, probably due to the work environment where children, in general, work near to the parents. On the other hand, those people who live in rural areas could support or consider normal some kinds of disease. The government intervention in rural areas has to be different from the one implemented on the urban area to mitigate the impact of child labour on health. Other policies to increase children’s health stock should run in parallel with those of child labour and poor health alleviation, such as improvement of the access to the health system, drugs policies, maternal health education program etc.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fluxograma da decisão de união e fertilidade...19

Figura 2 – Fluxograma da decisão de união, fertilidade e trabalho infantil...20

Figura 3 – Fluxograma do investimento, trabalho e estoque de saúde. ...20

Figura 4 – Fluxograma do investimento, trabalho, educação e estoque de saúde...21

Figura 5 – Fluxograma estoque de saúde e impactos econômicos...22

Figura 6 – Fluxograma relacionando o trabalho infantil e saúde com outros aspectos sócio-econômicos. ... 22

Figura 7 – Conjunto de negociação em um modelo de barganha ...31

Figura 8 – Efeito no estoque de capital saúde da entrada no mercado de trabalho exercendo atividade que causa impacto à saúde...76

Figura 9 – Número de filhos por família e média do atraso escolar em 1998 e 2003...95

Figura 10 – Número de filhos por família e média do número de consultas por filho em 1998 e 2003 ...96

Figura 11 – Número de filhos por família e média da renda per capita total familiar em 1998 e 2003 - R$ de 2003...96

Figura 12 – Freqüência das crianças que trabalham, que não trabalham e do total por idade para amostra de 1998 e 2003 ...97

Figura 13 – Percentual de crianças por anos de estudos e por aqueles que trabalham ou não em 1998 e 2003...98

Figura 14 – Status de saúde e condição no mercado de trabalho em 1998 e 2003...99

Figura 15 – Percentual de indivíduos por status de saúde e setor de ocupação em 1998 e 2003 ...100

Figura 16 – Percentual de indivíduos por setor de ocupação e tipo de atividade em 1998 e 2003 ...100

Figura 17 – Taxa salarial média por setor e tipo de ocupação em 1998 e 2003 ...101

Figura 18 – Percentual de indivíduos por status de saúde por local da ocupação em 1998 e 2003 ...101

Figura 19 – Média de horas trabalhada por status de saúde e por tipo de ocupação em 1998 e 2003 ...102

Figura 20 – Média do número de consultas por status de saúde e trabalho em 1998 e 2003 ...103

Figura 21 – Número de consultas por setor da ocupação em 1998 e 2003 ...103

Figura 22 – Média dos anos de estudos dos pais por status de saúde do filho em 1998 e 2003 ...104

(11)

Figura 23 – Média do status de saúde dos pais por status de saúde do filho em

1998 e 2003 ... 104 Figura 24 – Média do atraso escolar status de saúde e por trabalho em 1998 e

2003 ...105 Figura 25 – Boxplot das variáveis utilizadas na análise econométrica para o ano de

1998 e 2003. ...113 Figura 26 – Matriz scatterplot das variáveis utilizadas na análise econométrica...114

(12)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de grupos por ano da pesquisa e por ano de nascimento. ... 88 Tabela 2 – Médias, desvios padrões, mínimos e máximos e decomposição entre

grupo e intra grupo, 1998 e 2003. ... 111 Tabela 3 – Resultados do modelo linear de efeito fixo para as equações com

trabalho, horas trabalhadas, ocupação perigosa e setor de atividade. .... 129 Tabela 4 – Benefícios máximos para Deficiências Parciais Permanentes. ... 156 Tabela 5 – Correlação entre as variáveis utilizadas no modelo. ... 163 Tabela 6 – Resultados do modelo linear de efeito aleatório para as equações com

trabalho, horas trabalhadas, ocupação perigosa e setor de atividade. .... 165 Tabela 7 – Resultados do modelo não linear de média populacional para as

equações com trabalho, horas trabalhadas, ocupação perigosa e setor de atividade... 166

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Descrição e harmonização entre as variáveis do modelo teórico,

empírico e PNADs... 93 Quadro 2 – Ocupações Perigosas, segundo MTE, para menores de 18 anos. ... 161

(14)

1 INTRODUÇÃO

“Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas! Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.”

Carlos Drummond de Andrade

A instituição social familiar é a mais antiga das instituições sociais humanas, sendo que seu surgimento está associado ao próprio aparecimento do homem (LESLIE, 1973). Dentro da ótica econômica, a família pode ser definida como indivíduos com relação de parentesco que interagem para a composição de um núcleo, a partir do qual as decisões de alocação de recursos e produção são tomadas (CHIAPPORI, 1988, 1992). É nesse ambiente de interação que pais e filhos podem negociar para decidir a necessidade de uma criança entrar no mercado de trabalho, o tempo gasto na atividade e o tipo de ocupação (BASU, 2004).

Apesar da existência de fatores culturais associados ao trabalho infantil, o principal motivo associado ao trabalho das crianças é a baixa renda per capita familiar. Pais que não possuem a capacidade de arcar com o mínimo para suprir as necessidades de subsistência de sua família se vêem obrigados a inserir suas crianças no mercado de trabalho (BASU, 1999). Além desses, fatores como baixa atratividade da escola (RAY, 1999), baixa capacidade de deixar legado e mercado de crédito imperfeito (BALAND; ROBINSON, 1999) podem colaborar com o ingresso do jovem no mercado de trabalho.

Feita a decisão de trabalho, o tipo de ocupação torna-se importante. Nesse sentido, quanto mais escassos forem os recursos familiares maior poderá ser a propensão de um indivíduo assumir trabalhos de maior risco ou por períodos mais longos.

Tem-se, portanto, crianças que trabalham em atividades de alto risco e longos períodos e aquelas que trabalham em atividades de baixo risco e por curtos períodos.

(15)

Essas diferentes intensidades nas atividades exercem impactos distintos no capital humano adquirido pela criança (CROPPER, 1977)1. Nesse trabalho, capital humano

será dividido em duas partes: a primeira refere-se a educação e a segunda a saúde (denominado nesse texto como capital humano saúde ou capital saúde). Admite-se aqui a idéia proposta por Grossman (1972) na qual a saúde pode ser vista como um estoque de capital durável que produz tempo de vida saudável. Assim, o indivíduo nasce com um estoque inerente que deprecia ao longo da vida e aumenta por meio de investimentos. Além dessas duas formas de capital há ainda o capital físico, capital social e o capital fisiológico (FOGEL, 2004). Dessa forma, há indicações da existência de uma relação de troca entre trabalho e condição de saúde da criança, sendo que essas condições geram conseqüências de longo, médio e curto prazo para o indivíduo e para a nação.2

1.1 Problema e justificativa

Indivíduos com baixo capital saúde possuem maior grau de absenteísmo e baixa produtividade, implicando em menor taxa salarial (GROSSMAN, 1972; MUURINEN, 1982). Além disso, possuem reduzida capacidade de aprendizado e menor grau de aproveitamento das experiências do trabalho (GROSSMAN, 2000; ALSAN; BLOOM; CANNING, 2004). Ao inserir essas variáveis dentro de um modelo intergeracional observa-se a formação de um ciclo vicioso, no qual baixo capital saúde implica em baixos salários, reduzida capacidade de aprendizado, baixo aproveitamento e conseqüentemente, baixo capital humano e capital saúde.3 Ao atingirem a fase adulta

1 Capital humano é um bem de capital intangível, sendo que a sua forma mais utilizada na economia é a

educação.

2 Curto, médio e longo prazo estão relacionados aos anos de vida do indivíduo, ou seja, tem caráter

biológico e não econômico propriamente dito.

3 Ao analisar saúde, educação e renda do indivíduo observa-se a presença de correlação positiva entre

essas variáveis. Entretanto, a causalidade entre essas é motivo de controvérsia na literatura. Acredita-se que essas controvérsias não afetem a presença desse ciclo e ele existirá independentemente da relação causal entre essas variáveis. Essas relações serão detalhadas em seção posterior desse trabalho.

(16)

não terão escolha: colocarão suas crianças no mercado de trabalho e perpetuarão o ciclo (EMERSON; PORTELA, 2003)4.

Se há um contingente considerável de crianças exercendo trabalho infantil, a perda agregada de capital saúde para uma nação torna-se expressiva. Essa perda gera declínio na produtividade nacional (SOHN, 2000), impacta negativamente a renda per

capita (STRAUSS; THOMAS, 1998) e pode influenciar a decisão de investimento

externo em uma nação (ALSAN; BLOOM; CANNING, 2004).

Entretanto, estudos relacionando trabalho infantil e saúde não são encontrados com freqüência na literatura. Poucos e recentes foram os trabalhos internacionais que trataram o tema com rigor dentro da ótica econômica, e raros foram os trabalhos nacionais. Assim, esse estudo vem preencher uma lacuna importante no desenvolvimento da discussão científica sobre trabalho infantil no Brasil.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Analisar o impacto do trabalho infantil, do trabalho infantil de risco, do número de horas trabalhadas e do setor de atividade na saúde da criança, em uma perspectiva de médio prazo, 1998 e 2003.

1.2.2 Objetivos específicos

Os objetivos específicos desse trabalho são:

i. Revisar e compreender as diversas relações que unem alocação familiar, trabalho infantil, investimento em saúde e impactos do capital humano saúde sobre o indivíduo e sobre a nação.

4 Modelos intergeracionais, na teoria de alocação dos recursos familiares, são aqueles que consideram

(17)

ii. Revisar e propor um modelo econômico capaz de absorver a relação entre capital humano saúde e trabalho infantil.

iii. Definir, a partir do modelo econômico teórico, as variáveis que serão utilizadas no modelo empírico.

iv. Revisar e identificar o instrumental econométrico que seja capaz de verificar os impactos do trabalho infantil sobre a saúde do indivíduo utilizando informações para os anos de 1998 e 2003.

v. Estimar o impacto do trabalho infantil na saúde, com base nos modelos teóricos econômicos e econométricos e utilizando as variáveis definidas anteriormente

1.3 Estrutura do trabalho

Este trabalho é dividido em quatro capítulos, além desta introdução. No segundo capítulo serão discutidos e revisados os temas: definição da família (seção 2.1), aspectos teóricos da alocação de recursos familiares (seção 2.2), a decisão de união e fertilidade e seus impactos sobre o trabalho infantil (seção 2.3), trabalho infantil e trabalho infantil de risco (seção 2.4), impactos do trabalho infantil sobre a saúde (seção 2.5), saúde e educação (seção 2.6) e os impactos micro e macroeconômicos de diferenças no capital saúde (seção 2.7).

No terceiro capítulo serão expostos o método e base de dado utilizada, dividida em duas partes. Na primeira será proposto um modelo teórico que permita a análise do trabalho infantil e capital saúde (seção 3.1). Em seguida será descrita a estratégia empírica dessa tese, ressaltando os principais problemas da estimação, a base de dados utilizada, a especificação econométrica e as variáveis utilizadas (seção 3.2).

No quarto capítulo serão apresentados os resultados preliminares descritivos (seção 4.1) e aqueles obtidos na modelagem econométrica, sendo esses discutidos em detalhes (seção 4.2). Finalmente, o quinto capítulo traz as conclusões desse trabalho.

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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

“...se for um anão inteligente, é melhor subir aos ombros de um gigante qualquer, mesmo se for de altura modesta, ou mesmo de outro anão. Haverá sempre ocasião de caminhar por si mesmo, mais tarde”.

Humberto Eco

Em seu trabalho de 1890, Princípios de Economia, Marshall elaborou um capítulo dentro do livro quatro intitulado “A Saúde e o Vigor da População” (MARSHALL, 1946). Pode-se dizer, guardando as devidas proporções, que esse capítulo da obra de Marshall resume a maior parte das idéias contidas na presente tese. Entretanto, apesar das idéias terem surgido há dois séculos atrás, poucos – para não dizer raros – foram os trabalhos que tentaram entender a relação entre trabalho infantil e saúde.

Marshall apresenta a idéia da existência de um ciclo virtuoso no qual saúde e vigor colaboram para a eficiência produtiva do trabalhador que se manifesta como riqueza e essa é usada principalmente para a melhoria da saúde e do vigor.5 Certamente, pode-se pensar o oposto desse ciclo – ciclo vicioso – no qual indivíduos com menor riqueza serão capazes de fazer um baixo investimento em saúde levando a menor produção e conseqüente menor investimento em saúde e vigor.

Os fatores que contribuem para a variação da saúde e do vigor, segundo Marshall, são: i) nutrição; ii) habitação; iii) ocupação e iv) família.

No primeiro caso, indivíduos que possuem carência nutricional provavelmente estarão enfraquecidos, tornando-se mais propensos a ter problemas de saúde e a ter menor eficiência no trabalho. Além disso, ocupações que demandam maior esforço necessitarão de melhor alimentação.

As condições de habitação do domicílio são vitais para a manutenção da saúde e vigor. Domicílios com falta de infra-estrutura podem afetar os moradores tanto fisicamente, com o aparecimento de doenças, como psicologicamente.

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Em relação à ocupação, nota-se que diferentes tipos de trabalho impõem desgastes distintos à saúde. No entanto, ao analisar alguns tipos de profissão, Marshall conclui que para alguns deles (que requerem altos esforços) os indivíduos que são atraídos já possuem menor saúde que se agrava com o tipo de trabalho. Ao referir-se ao ambiente de trabalho, argumenta que esse é muito mais danoso às crianças do que a qualquer outro indivíduo. No entanto, com o Factory Education Acts6 foi promulgado um conjunto de leis que possibilitariam a diminuição da exploração e melhoria das condições de trabalho.

Finalmente, unidades familiares com número reduzido de indivíduos possuem maior capacidade de investimento nos mesmos. As famílias deveriam adequar, segundo Marshall, o número de indivíduos com a capacidade de investir nos mesmos.

Anteriormente ao Princípio de Economia de Marshall, Friedrich Engels no verão alemão de 1845 publicou aos vinte quatro anos sua obra “A Situação da Classe Operária na Inglaterra”. Nesse livro é feita uma profunda descrição da condição de vida enfrentada pelos trabalhadores das fábricas e das minas inglesas na metade do século XIX, principalmente no que se refere a moradia, alimentação e conseqüências do trabalho exercido. Observa-se uma convergência nas observações das relações de trabalho e saúde feitas por Marshall e Engels.

Engels descreve a existência de um número grande de crianças trabalhando nas fábricas, principalmente devido ao seu baixo salário em comparação aos adultos e ao seu pequeno porte, que facilitaria o manuseio de algumas máquinas e a realização de certos tipos de trabalho. O labor extenuante associado à miséria na qual viviam as famílias dos operários contribuíam para um estado de saúde precário desses jovens. As crianças trabalhadoras apresentavam diversos problemas físicos e respiratórios já na infância e possuíam, em comparação às classes mais abastadas, baixa expectativa de

6 Série de leis que visaram diminuir a exploração do trabalho. A primeira delas data de 1802, proibindo o

trabalho de aprendizes por mais de 12 horas consecutivas. Depois dessa, outras leis se seguiram limitando cada vez mais a exploração do trabalho, principalmente infantil.

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vida7. A influência do trabalho na saúde, no longo prazo, era explícito, segundo Engles

(1975, p. 219):

“Devido aos efeitos debilitantes do trabalho na fábrica, os homens ficam gastos demasiado cedo. A maior parte não estão aptos para o trabalho aos 40 anos. (...) quase nenhum chega, porém, aos 50 anos sem ter que abandonar o trabalho”.

Em situação pior, estava o operário das minas de chumbo que começava aos nove anos e aos doze já exercia atividades no fundo das mesmas em ambiente extremamente insalubre. Segundo Engels (1974, p. 323) “...a maioria dos mineiros

morre entre os 40 e 50 anos” e são geralmente pessoas com baixa estatura e graves

problemas pulmonares.

Observa-se que existia forte preocupação dos autores com as condições de saúde dos operários (principalmente da criança) devido ao impacto do trabalho exercido, das condições de vida e de outros fatores. Entretanto, com a promulgação de novas leis de trabalho na Inglaterra e outros países, houve melhora expressiva nas condições de trabalho8. Talvez essa seja uma das causas que fizeram a discussão

sobre “trabalho infantil e saúde” ficar congelada durante quase um século retomando seu debate ao final da década de 1980 e principalmente ao final da década de 1990.

Com base nas constatações empíricas e teóricas do impacto do trabalho infantil na saúde feitas por Marshall, Engels e daquelas recentemente elaboradas, nota-se que é impossível analisar saúde e trabalho infantil dentro da ótica microeconômica individualista. É necessário que essa análise seja feita dentro de uma estrutura familiar.9

7 Há casos citados pelo autor de crianças trabalhando a partir dos 4 anos de idade. No entanto a lei dos

aprendizes, “Apprentice-Bill”, votada em 1802, já citada anteriormente, juntamente com outras leis tentava minimamente coibir os abusos. Assim, normalmente, a idade de início do trabalho na metade do século XIX na Inglaterra era aos nove anos.

8 Além da lei já citada sobre aprendizes de 1802 tem-se como exemplo as leis sobre as fábricas de 1819,

que proibia o emprego de crianças menores de 9 anos nas fábricas algodoeiras e o trabalho noturno de jovens menores de 16; a lei de 1825 que diminuía a carga horária dos jovens e a lei 1831 que reduzia ainda mais a carga horária de trabalho dos jovens e aumentava a idade para trabalhar no período noturno para 21. A partir desse momento, diversas outras leis foram criadas.

9 A partir desse ponto será apresentada uma visão geral de relações entre variáveis, que serão

(21)

No entanto, a formação de uma família e a estrutura familiar são decisões individuais. Vislumbrado alguns benefícios, os indivíduos tomam a decisão de união e formação de uma família (WEISS, 1997). Conseqüentemente, decidem também o número filhos que terão. Obviamente, existem benefícios e custos envolvidos nessas decisões. De maneira geral, quanto maior o número de filhos, maior será o custo familiar e menores serão os investimentos nas crianças. Há um trade-off entre qualidade e quantidade de filhos (BECKER; LEWIS, 1973)10. Assim, tem-se o seguinte fluxograma: Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 1 – Fluxograma da decisão de união e fertilidade

Dessa forma a quantidade e a qualidade de filhos são variáveis dentro da função utilidade dos pais, fornecendo um fluxo de serviços aos mesmos (DE TRAY, 1973). Um dos possíveis fluxos pode ser atenção e afeto; outro pode ser trabalho. Sabe-se que famílias com baixa renda familiar per capita acabam alocando seus filhos no mercado de trabalho, embora a renda não seja o único fator determinante do trabalho infantil (BASU, 1999)11. Além disso, quanto maior o número de filhos, mais

diluída é a renda familiar. Portanto, o trabalho infantil está relacionado com a decisão de qualidade e quantidade de filhos (FAN, 2004). Dessa forma, o fluxograma anterior pode ser aumentado para:

10 Nessa primeira exposição optou-se pela simplificação de algumas relações causais. Os detalhes serão

fornecidos nas próximas seções, a qual possui como base a construção do fluxograma que será construído.

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Trabalho Infantil Trabalho Infantil Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Trabalho Infantil Trabalho Infantil Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 2 – Fluxograma da decisão de união, fertilidade e trabalho infantil

Se há baixo investimento em saúde (baixa qualidade dos filhos), há menor estoque de saúde (GROSSMAN, 1972)12. Além disso, se as condições de moradia (incluindo saneamento básico, alimentação e aspectos psicológicos) e trabalho não forem adequadas, há diminuição desse estoque. Tanto as condições de moradia quanto de trabalho causam impactos na saúde dos indivíduos, complementando o fluxograma anterior da seguinte forma:

Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado

Exposição Impactos na SaúdeImpactos na Saúde

Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado

Exposição Impactos na SaúdeImpactos na Saúde

Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 3 – Fluxograma do investimento, trabalho e estoque de saúde

Se, de forma geral, a família possuir baixa capacidade de investimento, provavelmente a educação também será afetada. Assim, indivíduos pouco educados são mais ineficientes na produção de saúde e filhos de pais pouco educados terão menor status de saúde (GROSSMAN, 2000; THOMAS, 1994). Além disso, ao entrar no mercado de trabalho o tempo da criança disponível aos estudos diminui, podendo afetar seu acúmulo de escolaridade e potencializar os impactos negativos no seu estoque de

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saúde. Portanto, tem-se mais uma variável relacionada à saúde no fluxograma que está sendo construído: Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 4 – Fluxograma do investimento, trabalho, educação e estoque de saúde

O menor estoque de saúde implica em menor produtividade e em menor número de dias disponíveis ao trabalho (MUURINEN, 1982), ocasionando menor salário e renda. Entretanto, os impactos não ficam isolados aos indivíduos, reverberando ou transbordando dentro da economia. Assim, sociedades que possuem menor estoque de saúde terão menor crescimento do produto e menor investimento (ALSAN; BLOOM; CANNING, 2004).

No fluxograma abaixo, novamente complementando o anterior, estão representadas as conseqüências para a economia, decorrentes de variações no estoque de saúde da população, bem como alguns dos determinantes de tais variações.

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Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos Macroeconômicos

Impactos Macroeconômicos Impactos MicroeconômicosImpactos Microeconômicos

Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Conseqüências Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos Macroeconômicos

Impactos Macroeconômicos Impactos MicroeconômicosImpactos Microeconômicos

Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 5 – Fluxograma estoque de saúde e impactos econômicos

Portanto, percebe-se a presença de um ciclo. Famílias pobres com muitos filhos, se vêem obrigadas a colocá-los no mercado de trabalho. O trabalho da criança pode impactar negativamente seu estoque de saúde e de educação. Quando adultos, não conseguirão salário e rendimentos adequados, tornando-se chefes de famílias pobres e sendo obrigados a colocar os filhos no mercado de trabalho, reproduzindo o ciclo anterior (BASU, 1999)13. Dessa forma, completa-se o fluxograma:

Conseqüências Alocação Familiar Alocação Familiar Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos Macroeconômicos

Impactos Macroeconômicos Impactos MicroeconômicosImpactos Microeconômicos

Famílias Famílias Pobres Pobres Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade Conseqüências Alocação Familiar Alocação Familiar Trabalho Infantil Trabalho Infantil Moradia Moradia Condições de Condições de trabalho trabalho Vulnerabilidade Estoque de Saúde: Estoque de Saúde: Doença e Machucado Doença e Machucado Exposição Falta de Falta de Escolaridade Escolaridade Impactos Macroeconômicos

Impactos Macroeconômicos Impactos MicroeconômicosImpactos Microeconômicos

Famílias Famílias Pobres Pobres Impactos na Saúde Impactos na Saúde Casamento Casamento Filhos: Filhos: Quantidade x Qualidade Quantidade x Qualidade

Figura 6 – Fluxograma relacionando o trabalho infantil e saúde com outros aspectos sócio-econômicos

(25)

O objetivo desse trabalho é analisar a seta que une as caixas “Trabalho Infantil” e “Impactos na Saúde” (área cinza do fluxograma acima). Entretanto, para analisar claramente essa relação é necessário compreender e controlar os efeitos das outras variáveis sócio-econômicas, ou seja, as outras caixas e setas. Essa análise será feita dentro de um arcabouço econômico de alocação de recursos familiares. Dentre as teorias existentes, julga-se mais aderente a teoria dos modelos coletivos de alocação familiar (CHIAPPORI, 1988, 1992). No entanto, não há sedimentação teórica simples e adequada para análise temporal utilizando esses modelos. Como o objetivo dessa tese é empírico e como a análise do estoque de saúde requer a dimensão temporal, optou-se por um modelo unitário simplificado que empiricamente pode utilizar algumas estruturas proposta nos modelos coletivos.

Algumas questões que podem facilitar o entendimento das relações apresentadas nesses fluxogramas são: O que é uma família? Porque os indivíduos formam famílias? Porque há famílias ricas com um filho e famílias pobres com 10 ou mais filhos? Como o número de filhos influencia na qualidade dos investimentos em saúde e educação dos mesmos? Como ocorre a decisão de colocar uma criança no mercado de trabalho? Como moradia, tipo e quantidade de trabalho influenciam a saúde? Qual a repercussão dos impactos da saúde na economia e na família?

O entendimento e as respostas para essas questões farão parte da revisão de literatura apresentada nesse trabalho. Portanto, a criação das sub-seções dentro dessa seção terá como base o fluxograma apresentado.

Essa seção está organizada da seguinte forma: na seção 2.1 será apresentado a definição de família, suas características e o conceito utilizado no restante desse trabalho. Na seção 2.2 está a teoria necessária para o entendimento da alocação de recursos familiares. Essa seção é a base para a compreensão dos modelos subseqüentes. Na seção 2.3 se discutirá as razões que levam a união entre indivíduos e a formação de uma família, objetivamente, quais os benefícios e os motivos do casamento. Nessa seção, também será apresentada parte da teoria sobre fertilidade, principalmente aquela que se relaciona à decisão entre quantidade e qualidade dos filhos. Na seção 2.4 serão apresentados os motivos, os benefícios e os riscos da

(26)

entrada de uma criança no mercado de trabalho e, na seção seguinte, como o trabalho pode afetar a saúde. Na seção 2.6 será descrita a relação entre saúde e educação e, finalmente, na seção 2.7 como diferenças no capital humano saúde podem afetar a economia.

2.1 A definição de família

A teoria econômica que será apresentada nessa tese teve sua origem na língua inglesa e foi denominada como “Household Economics” ou Economia Domiciliar. Apesar de aparentemente simples, esse título carrega múltiplos significados. O significado puro desse termo pode ser descrito como a economia daqueles que habitam sobre o mesmo teto e compõe uma família ou a economia das unidades sociais compostas por aqueles que vivem juntos na mesma habitação. Assim, com base nessa definição, qualquer tipo de constituição da habitação coletiva poderia entrar dentro da definição de Economia Domiciliar.

No entanto, pode-se ter uma definição mais completa e especifica do significado do domicílio dentro de uma visão econômica. O domicílio pode ser caracterizado como a união de indivíduos dentro de um mesmo objetivo que é a procura pela satisfação. Essa satisfação não engloba apenas a realização monetária e de riqueza, mas também a realização de amor, alegria, saúde etc. (BRYANT, 1995). No entanto, para ser definido como domicílio, outras características, além da anterior, são necessárias, sendo elas: i) o domicílio é a unidade constituinte de um todo (sociedade), ii) o domicilio tem que possuir recursos e esses são divisíveis entre os membros e iii) existem diversas escolhas possíveis para melhorar o bem estar dos indivíduos que constituem o domicílio (BRYANT, 1995). Esse conceito é amplo o suficiente para englobar pessoas vivendo sozinhas, casais e outros grupos.

Sociologicamente outros grupos sociais surgem a partir do desmembramento desse conceito de domicilio, sendo eles: i) as famílias primárias constituídas por um chefe da residência e os indivíduos que possuem ligação com ele (ex: pai que está ligado ao filho e à esposa); ii) família secundária constituída de dois ou mais indivíduos

(27)

que são parentes e moram juntos com uma família primária da qual não possuem grau de parentesco e iii) subfamílias constituídas por um casal com ou sem filho ou um pai e uma criança, que moram com a família primária e são parentes desta (LESLIE, 1973).

A família é uma das instituições sociais mais antigas da humanidade e seu surgimento está intimamente relacionado à existência do homem. Como instituição entende-se um sistema social de normas, ou seja, de regras de conduta social. Essas regras podem ser formais, como a monogamia, ou informais, como quem determinará o programa a ser assistido na televisão. Além da instituição familiar, existem outras instituições, como governo, sistema econômico, educação e religião, que se interagem para formar a sociedade (LESLIE, 1973).

Para esse trabalho utilizaremos um grupo de formação domiciliar chamado de família nuclear (BEHRMAN, 1997; LESLIE, 1973). A família nuclear é constituída de pais e suas crianças podendo ser expandidas verticalmente para incluir avós, por exemplo, ou horizontalmente para incluir os irmãos do chefe da família.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2003) define família como “o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivências que residem na mesma unidade domiciliar”.14,15 Apesar de

ser um conceito mais abrangente do que aquele da família nuclear, as informações providas permitem que o pesquisador analise somente o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco (ou seja, a família nuclear), sem considerar as dependências domésticas e normas de convivência. Entende-se nesse texto a alocação domiciliar como a alocação dos recursos de uma família nuclear16.

14 Dependência doméstica - “Relação estabelecida entre a pessoa referência e os empregados

domésticos e agregados familiares” (IBGE, 2003).

15 Normas de convivência - “Regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas sem

estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica” (IBGE, 2003).

16 A idéia da família nuclear é estática e não é capaz de lidar com experiências individuais no tempo.

Durante a vida, o indivíduo participa de pelo menos duas famílias distintas: uma ao nascer, constituída pelos pais e irmãos, é chamada de família nuclear de orientação; outra ao crescer e se casar, que é chamada de família nuclear de procriação. Essas duas são conectadas pelo indivíduo em questão (LESLIE, 1973).

(28)

Definido o que é uma família para esse trabalho, faz-se necessário compreender quais os mecanismos utilizados pelos seus membros para a tomada de decisão sobre a alocação dos recursos familiares. Esse é o tema da próxima seção que abordará as diversas visões econômicas sobre a alocação familiar.

2.2 A alocação dos recursos familiares

A literatura sobre alocação dos recursos familiares é extensa e sedimentada. A intenção dessa seção não é ser exaustiva na revisão, mas expor brevemente as principais vertentes e a evolução dessa teoria, ou seja, caracterizar o ambiente no qual as decisões dos agentes familiares ocorrem (Figura 6).

Existem dois grupos de teoria que analisam a decisão familiar: modelos unitários e de decisões conjuntas17.

No primeiro grupo estão os modelos nos quais a família maximiza uma única função de utilidade familiar dada uma restrição. Muito do desenvolvimento desse tipo de modelo deveu-se a falta de dados em cortes seccionais que fossem capazes de distinguir os membros da família quanto ao seu consumo e/ou renda individual (BERGSTROM, 1997).

Os primeiros modelos unitários têm como hipótese a presença de um tomador de decisão ou ditador egoísta que maximiza a função utilidade familiar definida como

) (xi

U

U = , sendo xi a quantidade de bens consumidos, sujeita a uma restrição de renda

=

ipixi M, sendo pi o preço do bem xi e M a renda total disponível. Esse é um modelo extremamente simplista da alocação familiar.

Percebe-se que os indivíduos obtêm utilidade não somente por meio do consumo de bens comprados no mercado, conforme descrito anteriormente, mas também da ida ao clube, da conversa com os amigos, das refeições, da ida a missa no

17 O termo “modelos unitários” foi adotado por Bergstrom (1997) na sua detalhada revisão sobre as

teorias familiares. Existem outros nomes para essa racionalização teórica, tais como “preferências comuns” (THOMAS, 1990), “consensuais“ (BEHRMAN, 1997), “neoclássicos” (MCELROY; HORNEY, 1981), “altruístas” (BECKER, 1993) entre outros.

(29)

domingo entre outros. Nesse novo ambiente há necessidade de optar entre o trabalho e outras atividades. O tempo é um recurso escasso e portanto precisa ser alocado eficientemente, o que gera a função utilidade U =U(xi,ti), onde ti é o tempo gasto na

i-ésima atividade. Essa função é sujeita as restrições de renda

(

= = w

)

ipixi M wt e tempo

(

t tw t

)

n

i i + =

=1 , onde ν é a renda do não-salarial, t é o dia completo (24 horas), w

o salário e tw o tempo gasto trabalhando.

Conforme observa Becker (1993), a grande importância desse modelo é que a renda é endógena e, portanto, depende da decisão da alocação de tempo. Apesar desse modelo ser uma considerável evolução em relação ao anterior, ele não permite o entendimento de como ocorre a satisfação do indivíduo com bens não transacionados no mercado como saúde, o acompanhamento do crescimento do filho, o amor, a amizade etc. Mesmo para bens tangíveis essa idéia é valida: a princípio, ninguém consome feijão in natura, mas há a necessidade de uma elaboração ou transformação (cozimento, no caso) para este bem ser consumido ou gerar utilidade.

Na teoria de produção familiar a família incorpora duplo papel, quais sejam consumidor e produtor. A função utilidade nesse novo arcabouço teórico pode ser descrita como U =U(zi) onde zi são bens não transacionados no mercado, mas produzidos dentro da família. Para a produção desses bens (zi) a família requer a utilização do insumo de mercado xi, do tempo alocado t0 e do estoque de capital k. Assim, pode-se definir a função de produção do bem não transacionável como

(

i i i

)

i

i f x t k E

z = , 0; , onde Ei representa o capital humano, habilidade e outras variáveis ambientais. Conforme argumentam Deaton e Muellbauer (1986), esse problema pode intuitivamente ser dividido em dois estágios. No primeiro estágio a família é tida como uma firma e deseja-se minimizar seu custo pixi +wt0 de curto prazo (mantendo

constante ki e Ei), sujeito a restrição imposta pela tecnologia cujos retornos são constantes a escala (dada pela função zi), gerando assim a fronteira de possibilidade de produção familiar (FPPF). No segundo estágio, o tomador de decisão maximiza a função utilidade acima descrita sujeita a FPPF. Essa nova modelagem permite analisar as relações entre bens e o tempo gasto para produzir esses bens, ou seja, consumo de alface e tomate são insumos para produzir saúde dentro da unidade familiar e, da

(30)

mesma forma, tempo dos pais e berçários são substitutos para produção de crianças. (BECKER, 1993).

Até agora, por hipótese, as decisões foram tomadas por ditadores egoístas. Mas é no mínimo estranho que, de maneira geral, um pai seja egoísta em relação ao filho e que por ele não tenha sentimentos e/ou não tenha satisfação com a sua felicidade. Observando esse fato surgiu a idéia de altruísmo, sendo primeiramente considerada por Gary Becker (BECKER, 1993).

Uma possível divisão dos modelos considerando o altruísmo é: i)modelos Beckerianos e ii) Paternalista. No modelo Beckeriano os pais obtém utilidade diretamente da utilidade do filho ou outro membro. Assim a função utilidade pode ser descrita da seguinte forma a ( , (a b( ))b

i j j ij

U =U z φ U z onde Ua e Ubj são as utilidades do

altruísta e do j-ésimo beneficiário egoísta, respectivamente, a i

z é o i-ésimo bem

consumido pela pessoa altruísta, b ij

z é o i-ésimo produto consumido pelo j-ésimo

beneficiário e φj é uma função positiva da utilidade de b j

U . A restrição é dada pela

soma das rendas de todos os membros da família, i.e.,

1 1 1 1

m a p m b a p b

i i i ij j

i= p z + j= i= p z =M + j= M

∑ ∑

.

Nos modelos Paternalistas a utilidade do pai depende diretamente do consumo e da utilidade do beneficiário (no caso o filho). Assim, a função utilidade do pai possui a seguinte estrutura a ( , , (a b b( ))b

i ij j j ij

U =U z z φ U z , sendo as variáveis descritas anteriormente.

Esse tipo de modelo é capaz de explicar porque alguns pais, tendo dinheiro, pagam a universidade ao filho ao invés de presenteá-lo com um Mercedes mesmo que esse último gere maior utilidade ao filho (POLLAK, 1988).

Até esse momento todos os modelos apresentados (exceto o proposto por POLLAK, 1988) possuem a presença de um ditador, sendo ele benevolente ou não. Assim, há passividade dos outros membros da família, ou seja, não há negociação. Uma das primeiras tentativas de imputar atividade aos membros foi feita por Gary Becker com o “Rotten Kid Theorem” (BECKER, 1993). Sendo os pais altruístas e possuindo renda consideravelmente maior que seus filhos egoístas, pode-se descrever

(31)

a função utilidade como a ( , (a b( ))b i j j ij

U =U z φ U z , a renda associada ao pai como yi e a renda associada ao filho com yj. As ações tomadas pelo filho afetam ambas as rendas. Assim, as transferências dos pais são subseqüentes e condicionadas à tomada de decisão do filho. Dessa maneira há um estimulo do filho para que se comporte de maneira a maximizar a renda familiar. Nas palavras de Becker:

“Cada beneficiário [filho], não importando quão egoísta esse seja, maximiza a renda da família do seu benfeitor [pai] e portanto internaliza todo o efeito da sua ação sobre os outros beneficiários” (BECKER, 1993, p. 288).

Diversas foram as críticas ao “Rotten Kid Theorem”, no entanto optou-se por não abordá-las nesse trabalho. Assim, o leitor interessado pode procurar Behrman (1997), Pollak (1988), Bernheim et al. (1982) ou Bergstrom (1989). Com base nas críticas, diversos autores propuseram diferentes modelagens para incorporação de membros ativos. Bernheim et al. (1982) propôs um modelo no qual a utilidade do pai considera não só a utilidade do beneficiário mas também de suas atitudes ou ações (cj) tais como: atenção, cuidados, visitas etc. Assim, a função utilidade é

( , , ( ( , ))

a a b b

i j j j ij j

U =U z c φ U z c e a transferência do pai agora dependerá, inclusive, das ações cj tomadas pelo filho. Outro modelo foi proposto por Pollak (1988) no qual o pai incorpora não somente a utilidade mas também o tipo de bem consumido pelo seu filho gerando a seguinte função utilidade a ( , , (a b b( ))b

i ij j j ij

U =U z z φ U z condicionando suas

transferências ao tipo de bem consumido.18

Todos os modelos até agora apresentados são consensuais. Na década de 80 alguns autores argumentaram que as unidades familiares estavam longe de serem consensuais, mas sim conflituosas. Ao incorporar esses conflitos dentro da decisão familiar surge o segundo grupo de modelo de decisão: modelo de decisão coletiva e barganha, os quais maximizam uma dada relação das funções utilidades individuais (MANSER; BROWN, 1980; MCELROY; HORNEY, 1981; CHIAPPORI, 1988).

Para entender o modelo de barganha, suponha que um casal tenha que dividir um bem privado. Caso ambos sejam egoístas, a máxima utilidade será atingida quando

(32)

o outro nada consumir. Entretanto, não há relação que se perdure nessa condição e assim o consumo se dará em uma situação intermediária onde o bem será repartido entre os membros. Duas questões não respondidas são: como os indivíduos irão negociar para achar o ponto na fronteira de possibilidade de produção que fornecerá a quantidade que cada um irá consumir? Ou seja, em que ponto na fronteira do conjunto de negociação apresentado na Figura 7 estarão os indivíduos? E qual o mínimo do consumo do bem que cada um dos indivíduos aceitará para continuar no relacionamento? Ou seja, qual o seu ponto de ameaça apresentado na Figura 7 pelo cruzamento de T

i

U e UTj ?19.

Para responder qual o equilíbrio que será atingido é necessário definição clara do ponto de ameaça e do conceito de equilíbrio. Manser e Brown (1980) propõem três diferentes modelos para otimização. O primeiro modelo é o ditatorial que satisfaz somente a propriedade de que a solução é ótima de Pareto e da invariância de transformações positivas nas utilidades (ou seja, não há propriedade cardinal). Nesse modelo o ditador irá fornecer ao companheiro apenas o suficiente para que haja a relação. Assim, o ditador maximiza

(

1, ,2

)

i i i j

U =U z z ϑ onde z1 são os bens que serão consumidos somente após a união, chamados de bens domésticos, 2

i

z é o bem

consumido pelo ditador i e ϑj são as características de j tais como educação, atributos físicos etc que afetam a utilidade de i. Essa utilidade está sujeita às restrições de tempo, renda e =

(

1, 2,

)

T 0 j i j j j U z z U

U ϑ , que é a mínima utilidade para que j entre na

relação.

19 Intuitivamente o ponto de ameaça é o ponto onde estão alocadas as utilidades dos indivíduos se esses

não cooperarem, ou a utilidade antes de entrarem no jogo. Assim, o ponto de ameaça pode ser visto como algo externo ao jogo (utilidade antes de entrarem ou após divorcio) - caso dos trabalhos citados acima como interior ou endógeno ao jogo, onde os indivíduos não cooperam (LUNDBERG; POLLAK, 1993).

(33)

Figura 7 – Conjunto de negociação em um modelo de barganha Fonte: Gregori (1999)

Conforme observa Manser e Brown (1980), pode-se aplicar a regra de barganha de Nash caso as soluções ótimas sejam Pareto eficiente e as condições de simetria e da independência da alternativa irrelevante forem satisfeitas – esse é o segundo modelo proposto. A condição de simetria garante que os indivíduos são tratados de maneira simétrica e a solução estará em cima da linha de 45º que sai da origem e passa pelo ponto de ameaça (Figura 2) e a independência da alternativa irrelevante afirma que a solução do problema original também será a solução do novo problema de barganha. A solução de Nash é obtida pela otimização de

max T . T

i i j j

U U U U

 

    sujeita às restrições de renda e tempo. Assim, maximiza-se o

diferencial entre a utilidade mínima requerida (ponto de ameaça) e a utilidade alcançada dos indivíduos envolvidos no processo. Em seu artigo de 1975 Kalai e Smorodinsky mostram que o axioma da independência da alternativa irrelevante é forte e não é valido para todos os casos, propondo um novo axioma em substituição, chamado de axioma da monotonicidade, o qual produz somente uma solução – sendo esse o terceiro modelo proposto (KALAI; SMORODINSKY, 1975; MANSER; BROWN, 1980)20.

Os modelos de barganha apresentados acima são cooperativos, permitindo livre comunicação, acordos estáveis (HARSANYI, 1992) e distribuição dos benefícios

20 Para o leitor interessado na teoria da barganha aplicada a área social ver Harsanyi e Selten (1992) e

Harsanyi (1977). Uj Ui T j U T i U Ponto de ameaça Conjunto de negociação Uj Ui Equilíbrio de Nash

(34)

entre os jogadores (LUNDBERG; POLLAK, 1994). Propondo maior flexibilidade na especificação da regra do jogo, Lundberg e Pollak (1994) sugerem um modelo não cooperativo que não implica e nem assume que todos os equilíbrios são Pareto eficiente. Nesse modelo o indivíduo objetiva maximizar o valor descontado das utilidades no tempo, ou seja,

(

1 2

)

, it t i t t i U z z

∞ − ρ e

(

1 2

)

, jt t j t t jU z z

∞ − ρ onde ρ é o fator de desconto, z1 o bem consumido em conjunto ou bem doméstico e z2 é o bem consumido por cada indivíduo. Nota-se que a relação entre os indivíduos ocorre somente pelo consumo e fornecimento individual do bem doméstico. Apesar de mais flexível, esse modelo é pouco plausível para o entendimento das relações familiares, pois é uma hipótese forte dizer que dois indivíduos mantêm-se juntos somente pelo interesse do consumo do bem doméstico.

Uma generalização dos modelos de decisão familiar com preferências individuais foi proposta por Chiappori (1988, 1992) e passaram a ser chamados modelos de decisão coletiva. Nesse, o processo de decisão não necessita ser especificado, somente impõe-se a hipótese de que os indivíduos agem cooperativamente e sempre atingem acordos Pareto eficientes. Outra hipótese de caráter empírico é que os consumos individuais não são observáveis, apenas o total

familiar. O modelo coletivo mais geral pode ser descrito como

(

)

{

( , ; ) 1 ( , ; )

}

max 2

1x Ui zi zp d Uj zj zp d

x α + −α (BROWNING; CHIAPPORI; LECHENE, 2004),

sujeita à restrição de renda salarial e do não trabalho, sendo α os pesos Paretos que fornecem a influência da pessoa i, zk o consumo dos indivíduos (k=i,j), zp o consumo de bens públicos e d as preferências comuns e fatores pessoais (p.ex. idade, educação etc). A grande deficiência desse modelo é que o tratamento temporal é pouco sedimentado, sendo que seu tratamento empírico ainda é bastante limitado (BASU, 2004; BROWNING; CHIAPPORI; LECHENE, 2004; MAZZOCCO, 2003).

Assim, os modelos e idéias apresentados nesta seção constroem os ambientes nos quais as decisões são tomadas. Nas seções seguintes serão apresentados os estímulos, principalmente econômicos, que levam os indivíduos a formar famílias e tomar decisões dentro de um ambiente familiar.

(35)

2.3 Os motivos da união e as decisões de fertilidade

A decisão de união entre indivíduos possui implicações em diversos outros aspectos sociais, tais como crescimento populacional, lazer, desigualdade de renda e participação na força de trabalho (BECKER, 1973). Grande parte da análise dos motivos e estímulos para o casamento teve seu desenvolvimento fora do arcabouço econômico, principalmente sociológico (HADDEN; BORGATTA, 1970; LESLIE, 1973). Gary Becker, em 1973, foi o primeiro a teorizar o casamento dentro do universo econômico, argumentando que a união é uma opção feita por um agente racional dentro de um mercado - “mercado de casamento” - sendo efetivado somente se a utilidade do indivíduo após o casamento for maior que antes dele.

Pode-se dividir os motivos e ganhos econômicos do casamento em quatro (WEISS, 1997). O primeiro motivo diz respeito à tecnologia de produção familiar caracterizada por retornos crescentes a escala. Assim, aumentos na quantidade de insumos causam aumento mais que proporcional nos produtos. Intuitivamente, a quantidade de trabalho para produzir a refeição para uma pessoa é a mesma que a para produzir para duas.

O segundo motivo diz respeito à existência de mercado de crédito imperfeito21.

Se o mercado não é perfeito a capacidade de investimento (p.ex. em capital humano - estudo) de um indivíduo isolado está limitada pelo seu consumo, muitas vezes não atingindo o ótimo. Com o casamento pode haver a transferência de bens que possibilite o suporte de uma política ótima de investimento.

Outro motivo é a distribuição do risco. Com o casamento há possibilidade de realocação do consumo e renda, ou seja, problemas individuais são absorvidos coletivamente. Assim, a utilidade esperada do indivíduo dentro do casamento é maior que fora dele. Como exemplo, citado por Weiss (1997), caso um dos parceiros fique acamado ou desempregado por um período relativamente longo, o outro membro pode distribuir sua renda e bens de consumo.

21 Segundo Weiss (1997) “mercado de capital imperfeito onde a pessoa pode poupar (a uma taxa real de

(36)

Por último tem-se a capacidade de divisão de bens coletivos. Dispêndios na casa e com filhos, utensílios domésticos entre outros, podem ser utilizados por todos os membros, não havendo a necessidade de duplicidade.

Ao optar pela união, as decisões dos indivíduos deixam de ser tomadas isoladamente visando sua própria utilidade. Com a presença do outro membro e da instituição familiar, todas as preferências e vontades serão relevantes na decisão e conduta da família. Ter filho tornou-se uma das decisões a ser tomada (em alguns casos essa é uma decisão estritamente individual), principalmente com o avanço dos métodos anticoncepcionais. No Brasil, em 1970-75 a taxa de fecundidade atingia 4,7, declinando ao longo dos anos e chegando a 2,2 no período de 2000-05 (UNITED NATION DEVELOPMENT PROGRAM – UNDP, 2004), mostrando, claramente, que houve mudança na decisão familiar em relação à quantidade de filhos.22 A questão é: como os pais, observando os benefícios do casamento, decidem sobre a inclusão de um novo membro na família? Quais as conseqüências econômicas que esse novo membro trará?

São diversos os motivos que influenciam a decisão dos indivíduos em ter e criar filhos. Economicamente, essa decisão irá ocorrer se a satisfação em tê-los for maior que seu custo. De modo geral, podem-se dividir os mecanismos de extração da satisfação dos pais em quatro (BRYANT, 1995). O primeiro relaciona-se à biologia: as espécies possuem a necessidade e/ou instinto de deixar presente, ao longo do tempo, seu material genético. Somando-se a essa necessidade, na espécie humana existe a característica dinástica, na qual a geração presente constrói e edifica para deixar um legado aos seus descendentes. O segundo é relacionado à psique, especificamente ao fato de o ser humano possuir a necessidade de oferecer e ter amor, atenção e carinho. Nesse sentido, os filhos são fontes abundantes, claras e de alta reciprocidade, sendo que esses sentimentos vividos são exclusivos da relação pai e filho.

Quando os pais atingem a terceira idade há a possibilidade de serem ajudados ou até mesmo sustentados pelos filhos. Assim, filhos funcionam como uma seguridade

(37)

no campo psicológico, social e econômico, que é o terceiro mecanismo de extração de utilidade.

Finalmente, os filhos podem exercer funções produtivas dentro da família, produzindo bens e serviços que poderão ser consumidos pelos membros ou vendidos no mercado. Ou seja, essas crianças podem trabalhar e gerar recursos que serão utilizados pela família – esse será o tópico da próxima seção.

Apesar de os filhos gerarem prazer, satisfação e até mesmo recursos, a presença destes influencia fortemente o comportamento da família. Há mudanças no padrão de consumo e na alocação do tempo familiar. Assim, apesar de as crianças se beneficiarem dos ganhos da união de seus pais, a sua presença implica em custos, sendo esses declinantes quanto maior o número de irmãos.

Pode-se desmembrar o custo da criança em diversos pontos e questões, tais como: i) como a criança afeta a alocação de tempo? ii) como afeta o gasto? iii) quanto é o gasto por criança? e iv) quanto de renda uma família precisa para estar tão bem como uma família sem filho? (BROWNING, 1992; KOOREMAN; WUNDERINK, 1997). Ao incorporar um novo membro à família – filho – o orçamento anterior terá que se adequar a essa nova presença, ou seja, a renda per capita (adulto equivalente) irá sofrer drástica alteração.23 Obviamente essa nova alteração dependerá de quanto for alocado

a esse novo membro. No entanto, não somente o orçamento requer readequação, mas também o tempo dos pais e principalmente o da mãe. Portanto, haverá uma realocação do tempo que era destinado ao trabalho e lazer para a atenção à criança.

Ter ou não ter filhos é uma decisão, como também é a sua quantidade. De maneira reducionista e econômica pode-se considerar a criança como um bem durável (DE TRAY, 1973; BRYANT, 1995,)24. Assim, cada criança fornece um fluxo de serviços para os pais no decorrer do tempo, requerendo para tanto um fluxo de manutenção.

23 Sobre o tema adulto equivalente ver o Anexo A.

24 Obviamente há diferenças entre os bens duráveis e crianças. No entanto, crianças se aproximam muito

mais dos bens duráveis do que dos bens de consumo. Algumas diferenças são: i)bens duráveis têm a relação dinheiro/tempo mais intensivo no começo e menor no final o que ocorre de maneira oposta com as crianças; ii) apesar de existir um mercado para “crianças usadas” – adoção – esse não é desenvolvido e há pouca analogia com o mercado de bens duráveis.

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