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A Empresa Familiar no Código Civil Italiano

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Pedro Figueiredo Rocha

Pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Gama Filho - RJ Mestrando em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

A Empresa Familiar no Código Civil Italiano

Sumário: I - Contexto Italiano. II – Empresa Familiar. III – Critérios para

Constituição. IV– Empresário Individual ou Coletivo?. V Direitos. VI - Transferência dos Direitos. VII Liquidação da Participação. VIII - Direito de Preferência. IX - Comunhões Tácitas Familiares da Agricultura x Empresa Familiar. X – Tributação dos valores recebidos pelos familiares. XI - Pacto de Família. XII – Contexto Brasileiro. XIII – Conclusão

I – Contexto Italiano

A Itália é um país onde há tradição em empresas familiares. Até 1975, o trabalho de familiares na empresa, quando não regulado pelo direito do trabalho ou pelo direito societário, não contemplava nenhuma proteção específica. Ou seja, se os parentes do “empresário” não fossem efetivamente trabalhadores ou sócios da empresa, a estes não eram garantidos nenhum direito.

Isso porque na tradição italiana predomina a gestão da empresa por seu fundador, até que ocorra a sucessão para o primogênito masculino, normalmente. E, ainda, esta colaboração de familiares era sempre vista como uma atividade voluntária, que decorria apenas do vínculo afetivo familiar.

Contudo, o que se verifica na Itália, e que também é uma realidade no contexto brasileiro, é que esta transição dos negócios de pai para filho, sem qualquer preocupação com a gestão dos familiares, nem sempre acontece de uma forma

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tranqüila. Muitas destas transferências acabam no judiciário, inviabilizando a continuidade de muitas empresas.

A devida preocupação com a empresa familiar é bastante justificável, tendo em vista que 80% do setor econômico italiano é composto por empresas familiares. Dentre estas, apenas 50% conseguem se manter após a segunda geração, e destas apenas 20% “sobrevivem” à terceira geração.1

Esta estatística ocorre por diversos fatores, dentre eles a falta de organização interna da empresa familiar no que tange à colaboração de familiares na atividade empresarial e sucessão hereditária.

Buscando-se adequar a esta realidade, a Lei nº 151 de 19.05.1975 introduziu o art. 230-bis no Código Civil Italiana, regulando a “empresa familiar”.

II – Empresa Familiar

O artigo 230-bis do Código Civil Italiano tem a seguinte redação:

“Salvo se configurar relação diversa, o familiar que presta de modo continuado sua atividade de trabalho na família ou na empresa familiar tem direito à manutenção segundo a situação patrimonial da família e participa dos lucros da empresa familiar e dos bens adquiridos em decorrência do incremento do estabelecimento comercial, bem como do avviamento, na proporção correspondente à quantidade e qualidade do trabalho prestado. As decisões concernentes à disposição dos lucros e dos incrementos do estabelecimento comercial, assim como daquelas inerentes à gestão extraordinária, à unidade produtiva e à cessação da empresa são adotadas, por maioria, pelos familiares que participam da mesma empresa. Os familiares participantes na empresa que não estiverem em plena capacidade de agir serão representados pelo voto de seu representante.

O trabalho da mulher é considerado equivalente ao do homem.

1

Cf. VALLONE, Cinzia. Italian family agreements and business continuity. University of Milan-Bicocca, Series of Paper n. 4/2008, Milano. Disponível em:

http://works.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1000&context=cinzia_vallone1> Acesso em : 26-10-2011.

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Quanto ao disposto no final do primeiro parágrafo, entende-se como familiar o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, os afins até o segundo, por empresa familiar aquela em que colabora o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, os afins até o segundo grau.

O direito de participação ao qual o primeiro parágrafo se refere é intransferível, salvo se em favor de familiar indicado no parágrafo precedente, com o consenso de todos os demais participantes. Tal direito pode ser liquidado em dinheiro, na cessação da prestação do trabalho, por qualquer causa, e, ainda, no caso de alienação do trabalho, por qualquer causa, e, ainda, no caso de alienação do estabelecimento comercial. O pagamento pode ocorrer em prazo maior que um ano, fixado, na ausência de acordo, pelo Juiz.

Em caso de sucessão hereditária ou de transferência do estabelecimento comercial o familiar colaborador referido no primeiro parágrafo terá direito de preferência sobre a aquisição do estabelecimento comercial. Aplica-se, no que compatível, o disposto no art. 732.

As comunhões tácitas familiares no exercício da agricultura são reguladas pelos usos e costumes que não contrariem as normas precedentes.”2 (tradução livre)

2 “Art. 230-bis Impresa familiare

Salvo che configurabile un diverso rapporto, il familiare che presta in modo continuativo la sua attività di lavoro nella famiglia o nell'impresa familiare ha diritto al mantenimento secondo la condizione patrimoniale della famiglia e partecipa agli utili dell'impresa familiare ed ai beni acquistati con essi nonché agli incrementi dell'azienda, anche in ordine all'avviamento, in proporzione alla quantità alla qualità del lavoro prestato. Le decisioni concernenti l'impiego degli utili e degli incrementi nonché quelle inerenti alla gestione straordinaria, agli indirizzi produttivi e alla cessazione dell'impresa sono adottate, a maggioranza, dai familiari che partecipano alla impresa stessa. I familiari partecipanti all'impresa che non hanno la piena capacità di agire sono rappresentati nel voto da chi esercita la potestà su di essi.

Il lavoro della donna è considerato equivalente a quello dell'uomo.

Ai fini della disposizione di cui al primo comma si intende come familiare il coniuge, i parenti entro il terzo grado, gli affini entro il secondo; per impresa familiare quella cui collaborano il coniuge, i parenti entro il terzo grado, gli affini entro il secondo.

Il diritto di partecipazione di cui al primo comma è intrasferibile, salvo che il trasferimento avvenga a favore di familiari indicati nel comma precedente col consenso di tutti i partecipi. Esso può essere liquidato in danaro alla cessazione, per qualsiasi causa, della prestazione del lavoro, ed altresì in caso di alienazione dell'azienda. Il pagamento può avvenire in più annualità, determinate, in difetto di accordo, dal giudice.

In caso di divisione ereditaria o di trasferimento dell'azienda i partecipi di cui al primo comma hanno diritto di prelazione sull'azienda. Si applica, nei limiti in cui è compatibile, la disposizione dell'art. 732.

Le comunioni tacite familiari nell'esercizio dell'agricoltura (2140) sono regolate dagli usi che non contrastino con le precedenti norme.” (versão original)

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Este artigo garantiu uma proteção à atividade desempenhada pelo cônjuge ou por parentes na empresa familiar que antes não era contemplada, estabelecendo-se um novo paradigma no contexto empresarial italiano.

Para se compreender o funcionamento desta empresa familiar, deve-se, primeiramente, buscar noções do direito italiano do conceito de empresário. Este conceito está disposto no artigo 2.082 do Código Civil Italiano:

“Empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e troca de bens e serviços”3 (tradução livre)

Verifica-se a proximidade desta definição com o conceito de empresário do Código Civil Brasileiro, demonstrando a influência da legislação italiana em nosso ordenamento jurídico, e como podemos buscar modelos satisfatórios naquela legislação para buscarmos soluções no direito empresarial brasileiro. O contexto italiano antes da introdução do artigo 230-bis era que o familiar colaborador não possuía qualquer direito à aferição de lucros ou outros direitos decorrentes do esforço empregado na empresa. Ocorrendo a sucessão hereditária, o herdeiro que colaborava com a empresa familiar concorria na participação societária na mesma proporção de um herdeiro que não exercia qualquer atividade na empresa, por exemplo.

A alteração do Código Civil Italiano prevê, como forma de proteger este cônjuge ou parente participante, a criação de uma empresa entre estes familiares.

Assim, não restou apenas garantida uma valorização pelo trabalho prestado, mas também uma atribuição de direitos decorrentes desta atividade.

Há que diferenciar, primeiramente, as empresas familiares de outros institutos do direito italiano.

3 “Art. 2082 Imprenditore

E' imprenditore chi esercita professionalmente un'attività economica organizzata (2555, 2565) al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi (2135, 2195).” (versão original)

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A empresa familiar não é um tipo societário legal, mas sim uma contextualização específica. A empresa não será constituída como familiar, mas será configurada como tal quando for necessário atribuir direitos aos participantes.

Ainda, de acordo com a definição legal, esta somente ocorrerá quando houver um patriarca ou matriarca que é o único empresário, sem a presença de qualquer sócio, enquanto os demais familiares são os colaboradores. Dessa forma, o artigo não terá aplicação caso os familiares prestem serviços para uma sociedade empresarial.

Com isso, não é considerada uma “empresa familiar”, sujeita à disposição do artigo 230-bis, uma empresa onde são sócios pais e filhos, por exemplo. Muito embora

Normalmente, as empresas familiares são pequenas empresas, mas esta não é a regra. Também existem pequenas empresas que não constituem empresas familiares, bem como há empresas familiares que não são pequenas empresas.

III – Critérios para Configuração

A primeira parte do artigo 230-bis atribui uma exigência para a configuração de uma empresa como familiar:

“Salvo se configurar relação diversa, o familiar que presta de modo continuado sua atividade de trabalho na família ou na empresa familiar (...)” 4(tradução livre)

Assim, aquele familiar que emprega esforços na empresa, de modo continuado, terá esta proteção legal.

De acordo com a doutrina italiana, "continuidade" é sinônimo de constância, regularidade ao longo do tempo. Este termo é usado para se referir à duração da atividade e estabilidade, sendo que nenhum familiar pode ser considerado

4

Art. 230-bis Impresa familiare

Salvo che configurabile un diverso rapporto, il familiare che presta in modo continuativo la sua attività di lavoro nella famiglia o nell'impresa familiare (...)” (versão original)

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um membro participante caso desempenhe trabalho ocasional ou casual. Da mesma forma, é indiscutível que a "continuidade" não é necessariamente "exclusividade"; em outras palavras, a cooperação do familiar pode não ser em tempo integral.

Há discussão na doutrina e jurisprudência se as atividades no âmbito familiar deveriam ser mais prevalentes do que qualquer outra para se caracterizar como “participante”. Independentemente da dificuldade de identificar objetivamente os parâmetros para se fazer essa avaliação de prevalência, a doutrina inclina-se a resolver a questão no sentido de que, considerando os direitos atribuídos pelo legislador, o familiar teria que empregar mais esforços na empresa do que em outras atividades para ser considerado “participante”. Cabe frisar, ainda, que este artigo só se aplicará caso não haja outra espécie de vínculo entre os familiares, como vínculo empregatício ou societário.

Nos termos do referido artigo, considera-se como familiar o cônjuge, os parentes até o terceiro grau e os afins até o segundo grau.

Vale ressaltar que, sendo um instituto criado por lei, estes requisitos devem todos ser preenchidos para caracterização da empresa familiar.

Há que se diferenciar, ainda, a empresa familiar disposta no artigo 230-bis da empresa conjugal. Nesta, há uma gestão comum, ou seja, a atividade empresarial é exercida conjuntamente pelos cônjuges, diferentemente do que

ocorre na empresa familiar, em que os familiares são

“participantes/colaboradores” da atividade empresarial exercida por dos cônjuges.

IV – Empresário Individual ou Coletivo?

Há, na jurisprudência e doutrina italiana, discussão acerca da individualidade ou coletividade da empresa familiar.

O entendimento predominante é no sentido de que se trata de uma empresa individual, com um único empresário titular, tendo a participação dos familiares apenas uma importância no âmbito interno. Somente o empresário, real gestor

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da empresa, assume o risco do empreendimento, com responsabilidade ilimitada e sujeito à falência em caso de insolvência. Nesta hipótese, entende-se que os familiares participantes não responderiam solidariamente e pessoalmente pelas dívidas da empresa. Esta empresa individual teria uma base associativa, mas não caracterizaria uma empresa coletiva.

Em entendimento contrário, existem aqueles que reconhecem a existência de um empreendimento coletivo, confiada à gestão de todos os participantes, que assumem responsabilidade solidária e ilimitada pelas dívidas da empresa familiar.5

Essa corrente tem por base a premissa de que sem risco, não há atividade empresarial. Com isso, os familiares participantes estariam inseridos no conceito de Empresário do Código Civil Italiano, tendo em vista que se organizam, por meio de bens e serviços, para a finalidade da empresa, que é o lucro.

E, sendo empresários, também deveriam assumir o risco do empreendimento, o que só seria possível se a empresa familiar fosse considerada coletiva. Neste caso, formar-se-ia uma espécie de sociedade em nome coletivo, que também existe no ordenamento jurídico italiano.

Contudo, a jurisprudência majoritária é no sentido de que a empresa familiar é individual. A Corte de Cassação se manifestou no sentido de que os familiares apenas podem responder pelas dívidas da empresa familiar e ter a falência decretada na hipótese de ser constatada uma sociedade de fato; caso contrário, apenas o empresário titular poderá sofrer estes efeitos.

Além disso, o entendimento predominante é que conceito de trabalho familiar é estranho a empreendimentos coletivos em geral, não podendo configurar dentro da mesma empresa a coexistência de duas relações, uma com base no contrato social e outro entre o empresário e a sua família, decorrentes da relação de parentesco ou afinidade.6

Em conseqüência disso, segundo a jurisprudência italiana, a relação estabelecida entre o empresário e os membros da família que emprestam o

5

CAMPOBASSO, G. F., Diritto Comerciale, V. 1, UTRT Giuridica, 2008.

6

(8)

seu trabalho à empresa é classificado por parasubordinado. Eventual disputa inerente a esta relação será atribuída à justiça do trabalho.7

Com isso, considera-se empresa familiar aquela na qual o empresário individual exerce sua atividade, com a colaboração dos familiares, sendo que apenas o titular continua respondendo com seu patrimônio pelas dívidas da sociedade.

V – Direitos

(a) Direito de uma “Manutenção” (retirada)

A disciplina da empresa familiar concede direitos e poderes aos membros da família que exerçam suas atividades nas condições anteriormente descritas. O artigo 230-bis reconhece ao familiar “participante” direitos de conteúdo patrimonial (direito de “manutenção”, direito de lucros e aumento do

avviamento, liquidação das quotas, etc.) e poderes de conteúdo

não-patrimonial (participação nas decisões de gestão relativas ao negócio).

O primeiro direito concedido aos participantes é a manutenção (espécie de retirada mensal). Por disposição expressa de lei, esta se dará de acordo com a condição de riqueza da família, não sendo afetado pelo desempenho real do participante na empresa, devendo ser satisfeita mesmo se a empresa não tenha lucros. Esta manutenção tem a finalidade de dar um rendimento adequado para que o participante possa atender necessidades básicas, de acordo com a situação financeira da família.

(b) Direito de Distribuição de Lucros

Além do direito de manutenção, o art. 230-bis reconhece ao familiar “participante” um direito aos lucros e bens adquiridos com eles, bem como os “incrementos do estabelecimento comercial”, mesmo em relação ao

avviamento, na proporção da qualidade e quantidade do trabalho realizado.

7

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De acordo com alguns doutrinadores, salvo disposição em contrário das partes, a repartição dos lucros deve ser realizada quando o participante não mais

trabalhar na empresa, ou no momento da extinção da própria

empresa. Baseiam esta afirmação com dois argumentos: a) Membros da família já gozam do direito de “manutenção” perante o titular da empresa familiar, b) do artigo. 230-bis confere também um direito sobre os bens adquiridos com os lucros do negócio da família.

Mas há outros autores que dizem que na ausência de uma assembléia de acionistas decidindo o contrário, o ganho deve ser liquidado naquele período de apuração, uma vez que esta distribuição de lucro é uma obrigação do empresário.

Independente da solução adotada, a doutrina italiana assevera que este direto aos “ganhos” não constitui uma propriedade sobre os bens adquiridos com os mesmos, mas sim representa um direito de crédito do familiar “participante” contra a empresa, que poderá ser cobrado na liquidação da empresa ou na cessação do trabalho pelo familiar. As mesmas considerações podem ser repetidas no que tange ao aumento (valorização) do estabelecimento comercial, que também é direito do colaborador na proporção da qualidade e quantidade do trabalho realizado.

O artigo ainda cita a expressão “mesmo em relação ao avviamento”. O

avviamento é a valorização do estabelecimento comercial decorrente da

relação de complementaridade entre os bens que o compõe, formando um complexo unitário que possui um valor superior à soma dos bens individualmente considerados.

Assim, o avviamento, que pode também ser atribuído ao trabalho prestado pelo familiar, se incluirá no direito de crédito que este possuirá perante a empresa familiar.

(c) Direitos não-Patrimoniais

O artigo 203-bis, além dos direito patrimoniais acima referidos, ainda garante os seguintes direitos não-patrimoniais aos familiares participantes:

(10)

“As decisões concernentes à disposição dos lucros e dos incrementos, assim como daquelas inerentes à gestão extraordinária, à unidade produtiva e à cessação da empresa são adotadas, por maioria, pelos familiares que participam da mesma empresa.8” (tradução livre)

Verifica-se, assim, que a legislação garante aos familiares colaboradores o direito de decidir, por maioria de votos, questões de gestão de grande importância para a vida empresarial, especificamente listados no artigo citado. O artigo em comento, no momento da sua entrada em vigor, deu origem a grandes diferenças de interpretação sobre a natureza da empresa familiar, com alguns doutrinadores atribuindo caráter coletivo à empresa porque esta norma dá poder de voto ao familiar em decisões de gestão da empresa, o que introduziria a idéia de princípios e instituições do direito das sociedades.

Contudo, como já se referiu, a orientação doutrinária e jurisprudencial na Itália é de que a empresa familiar é mesmo uma empresa individual.

Primeiramente, porque os poderes de administração atribuídos ao familiar participante permanecem confinados na esfera íntima da própria empresa e são irrelevantes para terceiros que entram em contato com o empresário.

Assim, se considerar que estes atos apenas dizem respeito ao âmbito interno da empresa familiar, várias conseqüências são esperadas, por exemplo: impossibilidade de os familiares imporem suas decisões ao empresário, validade e eficácia dos atos praticados pelo empresário perante terceiros mesmo que contrários ao decidido na votação da empresa familiar (tendo em vista que não há norma específica sobre publicidade destes atos), dentre outros.

Neste caso, teria o colaborador apenas um direito de indenização contra o empresário caso resultasse algum prejuízo. Certamente não é fácil quantificar os danos; no entanto, deve-se levar em conta que estas decisões unilaterais do empresário, contra a vontade dos familiares, podem afetar a posição atual do familiar na empresa e suas expectativas futuras.

8 “Art. 230-bis Impresa familiare (...)

Le decisioni concernenti l'impiego degli utili e degli incrementi nonché quelle inerenti alla gestione straordinaria, agli indirizzi produttivi e alla cessazione dell'impresa sono adottate, a maggioranza, dai familiari che partecipano alla impresa stessa.” (versão original)

(11)

Da leitura do artigo ainda se percebe que os poderes de votos dizem respeito principalmente, à destinação dos lucros da empresa. Assim, esta deliberação pode abordar distribuição dos lucros, atribuição de lucros a outros investimentos, compra de bens pela empresa, etc.

A última categoria de decisões que a lei atribui ao participante familiar está relacionada com o encerramento da empresa. O empresário, posto que gestor da empresa, não é obrigado a continuar as operações contra a sua vontade, podendo impor a cessação da atividade, mesmo contra a vontade dos outros familiares.

A decisão de encerramento da empresa que ocorrer contra a votação garante aos demais familiares, se for o caso, um pedido de indenização contra o empresário que, sem justa causa, não cumpriu a decisão da deliberação.

Resta esclarecer, por fim, que os votos desta deliberação serão sempre por cabeça, sendo um voto para cada familiar participante, independente da qualidade e quantidade do trabalho.

Além desses direitos, o Tribunal de Cassação Italiano especificou que, como resultado do trabalho realizado, também pode o familiar ter direitos previdenciários, seguro contra acidentes de trabalho ou doenças profissionais e invalidez.9

VI – Transferência dos Direitos

O artigo 230-bis ainda dispõe que: “O direito de participação ao qual o primeiro

parágrafo se refere é intransferível, salvo se em favor de familiar indicado no

parágrafo precedente, com o consenso de todos os participantes.10” (tradução

livre)

Percebe-se, claramente, a intenção do legislador de desencorajar a entrada de estranhos na empresa familiar. Mas a lei não explica especificamente qual

9

Corte de Cassação - 458/1992, 476/1987, 170/1994. 10 “Art. 230-bis Impresa familiare (...)

Il diritto di partecipazione di cui al primo comma è intrasferibile, salvo che il trasferimento avvenga a favore di familiari indicati nel comma precedente col consenso di tutti i partecipi.”

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seria este direito intransferível. Por um lado pode significar a "participação" como um direito de crédito contra o empresário na participação dos lucros já acumulados pelo familiar, por outro lado poderia sugerir a transferência do posto de trabalho na família. Neste último caso, a lei exigiria o consentimento unânime dos outros familiares para o ingresso de um novo participante (parente ou cônjuge), na empresa. Contudo, se se tratasse de uma entrada simples deste novo familiar para ser colaborador, esta votação não seria exigida.

Devido a essa incongruência, a doutrina chegou à conclusão de que se trata, por solidariedade familiar, de uma possibilidade de transferência de participação a um familiar que não era participante e também não pretende trabalhar na empresa depois de receber esta participação.

VII - Liquidação das Quotas

O Art. 230 bis, parágrafo 4, após estabelecer quais são as possibilidades de transferência do direito de participação (conforme item acima), dispõe que o mesmo pode ser liquidado em dinheiro.

Existem várias causas que podem levar à cessação da relação de negócio da família. Por exemplo com a morte do familiar, com a sua exclusão por justa causa, ou a perda de laços familiares, em caso de divórcio.

O montante que o familiar “retirante”, ou seus herdeiros, devem receber na liquidação deve ser calculado com base na participação dos lucros e ganhos de capital atribuível à empresa enquanto ele participava, de acordo com a qualidade e quantidade de trabalho. Deve-se levar em consideração, ainda, o valor dos bens adquiridos com os lucros do respectivo período.

O artigo dispõe expressamente que o pagamento será em dinheiro, mas nada impede que seja recebido de outra forma para viabilizar a continuidade da empresa.

(13)

VIII – Direito de Preferência

O artigo 230-bis ainda dispõe que: “Em caso de sucessão hereditária ou de

transferência do estabelecimento comercial, o familiar participante referido no primeiro parágrafo terá direito de preferência sobre a aquisição do estabelecimento comercial. Aplica-se, no que compatível, o disposto no art. 732.11” (tradução livre)

Assim, a lei ainda atribui ao familiar participante a possibilidade de se manter no negócio da família, por meio de preferência sobre a transferência de participação na empresa no caso de alienação do estabelecimento comercial. Este direito também é estendido pela lei no caso de sucessão hereditária. Verifica-se, na jurisprudência, que alguns dos herdeiros do empresário têm garantido maior participação na empresa em detrimento de outros, reservando-lhes a “propriedade da empresa” que emprestou seu trabalho, através do direito de preferência.

Trata-se de incentivo aos futuros sucessores a trabalharem para garantir o que de fato vão herdar, não concorrendo igualitariamente com familiares que em nada contribuíram para o crescimento da empresa familiar.

IX - Comunhões Tácitas Familiares da Agricultura x Empresa Familiar

Antes de 1975, o trabalho dos familiares era tutelado pela comunhão tácita de familiares, instituto do setor agrícola onde os familiares, formando um patrimônio comum indivisível, trabalhavam em posição paritária, exercendo coletivamente a atividade empresarial. Esta comunhão tácita surge espontaneamente através do vínculo familiar, possuindo um caráter assistencial.

Note-se que, no caso da comunhão tácita, é necessária a convivência dos familiares para a sua constituição. Este requisito não é necessário para a

11

Art. 230-bis Impresa familiare (...)

In caso di divisione ereditaria o di trasferimento dell'azienda i partecipi di cui al primo comma hanno diritto di prelazione sull'azienda. Si applica, nei limiti in cui è compatibile, la disposizione dell'art. 732.” (versão original)

(14)

empresa familiar, considerando que neste caso o que importa é o trabalho contínuo por um parente, e não a convivência entre eles.

O artigo 230-bis celebra que “As comunhões tácitas familiares no exercício da agricultura são reguladas pelos usos e costumes que não contrariem as normas precedentes.12” (tradução livre)

Considerando as diferenças existentes entre os institutos, principalmente no que tange à convivência entre os familiares, tem-se que a comunhão tácita ainda existe no ordenamento jurídico italiano, utilizando-se do referido artigo para contemplar determinadas situações que não contrariem os usos e costumes da comunhão tácita.

X – Tributação dos valores recebidos pelos familiares

Inicialmente, devido à ausência de definição entre individualidade e coletividade da empresa familiar, a declaração de imposto de renda era realizada por cada participante de acordo com a sua proporção nos lucros da empresa.

Após, consolidou-se o entendimento, baseado na individualidade da empresa familiar, de que o empresário que deve atestar, em sua declaração de imposto, a participação dos familiares, de acordo com a qualidade e quantidade do trabalho realizado por cada um deles, e ainda declarando que os mesmo trabalharam continuamente e dominantemente naquela empresa.

Ainda, o art. 5 º da Lei de 1984, n º 853, dispõe que o lucro atribuído aos familiares participantes não pode exceder 49% da renda declarada pelo empresário, e é excluída a possibilidade de participação daquele familiar que é formalmente empregado na empresa familiar.

12

Art. 230-bis Impresa familiare12

Le comunioni tacite familiari nell'esercizio dell'agricoltura (2140) sono regolate dagli usi che non contrastino con le precedenti norme.” (versão original)

(15)

XI – Pacto Familiar

A partir de 1975, criou-se um novo contexto na Itália, com o incentivo à participação dos familiares na empresa devido à valorização dos serviços prestados.

Contudo, a estatística na Itália demonstrava que, mesmo após a proteção consubstanciada no artigo 230-bis, as empresas familiares tinham e ainda têm dificuldades de se manter no mercado por mais de 01 geração. E esta dificuldade se explica, dentre outros motivos, por problemas familiares para transição hereditária da participação do empresário aos filhos.

Isso se dá na Itália devido à tradição de que a gestão do fundador ocorre praticamente isolada. Desta maneira, mantendo o fundador o controle da empresa até a sua morte, quando a sucessão se dá pela vontade do mesmo, nem sempre ocorrerá nos termos da lei, avaliando qualitativamente e quantitativamente o trabalho prestado.

E, como se sabe, uma empresa não pode esperar até que os herdeiros entrem em consenso para estabelecer de quem será a direção e outras relações empresariais fundamentais. Muitas empresas têm a falência decretada enquanto aguardam estas definições.

Visando evitar este colapso, o ordenamento italiano instituiu um planejamento sucessório nas empresas familiares, através da Lei nº 55/2006.

Esta lei introduziu o artigo 768-bis no Código Civil Italiano, onde se conceitua o pacto de família como:

“O contrato com o qual, havendo compatibilidade com as disposições em matéria de empresa familiar e ao respeito das diferenças de tipos societários, o empreendedor transfere, em todo ou em parte, o estabelecimento comercial e o titular das participações societárias transfere, em todo ou em parte, as próprias quotas, a um ou mais descendentes.13” (tradução livre)

13

Art. 768-bis - Nozione (del patto di famiglia)

È patto di famiglia il contratto con cui, compatibilmente con le disposizioni in materia di impresa familiare e nel rispetto delle differenti tipologie societarie, l'imprenditore trasferisce, in tutto o in parte, l'azienda, e il titolare di partecipazioni societarie

(16)

Neste pacto, busca-se estipular como será transferido o estabelecimento comercial e como a empresa será administrada quando ocorrer a sucessão hereditária.

Este pacto é elaborado previamente à morte do “fundador”, com a anuência dos familiares, e tem sido praticado e aceito na Itália para evitar problemas na transição da empresa.

XII – Contexto Brasileiro

Os empreendimentos familiares no Brasil, na década de 1990, representam mais de 95% das organizações.14

As estatísticas apontam que, de cada 100 empresas familiares fundadas no Brasil e no mundo, apenas 30 sobrevivem à 2ª geração, 15 à 3ª geração e quatro à 4ª geração.15

Estes números demonstram claramente que deve ser dada uma atenção especial às empresas familiares no Brasil, principalmente porque não há qualquer norma no ordenamento jurídico semelhante à proteção garantida aos familiares participantes do direito italiano.

Nos dias de hoje, já se percebe uma pequena evolução no sentido de os empresários se preocuparem em remodelar seu sistema de gestão para adequar a transferência do negócio da família quando da sucessão hereditária. Contudo, ainda são pouco aplicadas em comparação à importância da empresa familiar no Brasil.

Da análise do artigo 230-bis, verifica-se que na Itália são reguladas diversas situações que o Brasil ainda não possui qualquer regulamentação. Uma que merece atenção especial é o direito de preferência de aquisição de participação

trasferisce, in tutto o in parte, le proprie quote, ad uno o più discendenti.” (versão original)

14

Tondo, 1999; Gersick, K. ;Davis, J.; Hampton, M e Lansberg, I, 1997.

15

(17)

na empresa por aquele familiar que efetivamente prestou o seu serviço para a empresa.

Por diversas vezes, um patriarca possui uma empresa onde há filhos que trabalham na empresa e investem sua carreira profissional ali; mas também possui outros filhos que seguem outras carreiras e nunca deram qualquer colaboração para a empresa.

Quando da morte do empresário, os filhos que nunca deram qualquer colaboração para o empreendimento poderão se tornar sócios da empresa, com o mesmo número de quotas daquele filho que se dedicou à empresa por toda sua vida.

Esta “intromissão” pode gerar vários conflitos indesejáveis, já que sócios que não teriam conhecimento do funcionamento do empreendimento passariam a ter poder de voto, dentre outros poderes decorrentes da condição de sócio. Uma solução plausível, que não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, seria atribuir preferência ao filho colaborador para adquirir as quotas da empresa, enquanto os filhos não colaboradores herdariam outros possíveis bens do empresário.

XIII – Conclusão

É notório que a sucessão hereditária é um obstáculo na vida da empresa. Tanto no Brasil quanto na Itália existem estatísticas apontando um alto número de empresas que não sobrevivem na transição de gerações. Isso porque a maioria das vezes a transferência dos negócios de pai para filho acontece sem qualquer planejamento e sem qualquer preocupação com a gestão dos familiares.

A Itália deu um primeiro passo para tentar solucionar o problema, em 1975, quando introduziu o artigo 203-bis no Código Civil Italiano.

Este artigo garantiu uma proteção à atividade desempenhada pelo cônjuge ou por parentes na empresa familiar que antes não era contemplada, estabelecendo-se um novo paradigma no contexto empresarial italiano.

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São muitas as peculiaridades da empresa familiar do Código Civil Italiano e não sabemos quão eficiente seria a aplicação desta estrutura no direito brasileiro. Contudo, é certo que não devemos simplesmente copiar modelos de outros países, mas sim verificar instrumentos úteis e possivelmente adaptá-los em nosso ordenamento.

Deste artigo podemos extrair algumas situações recorrentes no Brasil que ainda não são reguladas, e, caso o fossem, muitos conflitos poderiam ser evitados e muitas empresas poderiam evitariam conflitos que atingem diretamente o bom andamento do empreendimento.

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